Conclusão
Diante das considerações apresentadas, conclui-se que não se pode denegar a tutela jurisdicional da saúde sob a simples alegação de que as normais constitucionais definidoras dos direitos sociais têm caráter programático e que devem ser implementadas por políticas públicas pautadas pela conveniência e oportunidade do administrador e do legislador. É que os direitos fundamentais sociais, assim como os direitos civis e políticos, são veiculados por normas jurídicas, portanto, impositivas de condutas a serem observadas pelo Poder Público. Pensamento diferente implicaria retirar a força normativa da Constituição, que não passaria, então, de mero convite ao legislador para a concretização da justiça social.
Não merecem ser acolhidas, também, as alegações genéricas de “reserva do possível”, atinente a restrições orçamentárias, sem demonstração efetiva da impossibilidade de concretização do direito à saúde, levando-se em conta que o grande número de ações judiciais envolvendo o referido direito social dizem respeito ao não cumprimento de políticas públicas já existentes.
Por outro lado, a escassez de recursos e as restrições orçamentárias não podem ser desconsideradas pelo órgão judicial. Nesse ponto, não se pode perder de vista que deve ser privilegiado o tratamento do SUS em lugar de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente. Isso porque, a princípio, não se tem direito a qualquer tratamento ou medicamento, havendo, sim, direito a política pública disponível.
Nesse ponto, constata-se, também, que não configura direito à saúde o tratamento ou medicamento experimental, considerando-se que o SUS se baseia em medicina de evidência.
Outrossim, o órgão julgador deve considerar que, a princípio, a garantia judicial à prestação individual de saúde estaria condicionada ao não comprometimento do funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), o que, por certo, deve ser demonstrado de forma clara e concreta, caso a caso, com ônus da prova para a Fazenda Pública, sendo relevante tal premissa em casos envolvendo medicamentos e tratamentos altamente caros.
Portanto, nas demandas em que se busca a tutela jurisdicional do direito à saúde, e a partir dos parâmetros aqui traçados, deve-se buscar compatibilizar as pretensões individuais com a preservação das políticas públicas existentes.
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Notas
[1] A respeito das “gerações” ou “dimensões” dos direitos fundamentais, cf. BONAVIDES, 2006, p. 563 et seq. Ainda: MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, pp.309-310.
[2] As considerações do E. Ministro também podem ser verificadas em: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet., op. cit., p. 828-835.
[3] Art. 333. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.