Como foi amplamente noticiado, o Conselho Nacional de Justiça, no dia 06 de fevereiro do ano passado, teve a iniciativa de lançar um projeto para garantir que presos em flagrante fossem apresentados a um Juiz de Direito, em vinte e quatro horas, no máximo: era a implementação da chamada “Audiência de Custódia”, consistente na criação de uma estrutura multidisciplinar nos Tribunais de Justiça que receberia presos em flagrante para uma primeira análise sobre o cabimento e a necessidade de manutenção dessa prisão ou a imposição de medidas alternativas ao cárcere.
Na verdade, o projeto teve seu termo de abertura iniciado no dia 15 de janeiro, após ser aprovado pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Ricardo Lewandowski e tinha como objetivo garantir que, em até vinte e quatro horas, o preso fosse apresentado e entrevistado pelo Magistrado, em uma audiência em que fossem ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso.
Tais audiências de apresentação estão previstas em pactos e tratados internacionais assinados pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São Jose da Costa Rica) e são feitas em muitos países da América Latina, onde a estrutura responsável recebe o nome de “Juizados de Garantias”.
Comentando este órgão jurisdicional então introduzido no Código de Processo Penal da Província de Buenos Aires (Lei nº. 11.922), Pedro Bertolino, vincula o Juiz de Garantias com o próprio Garantismo (e o mesmo vale para aqui e agora para a audiência de custódia), afirmando que "con esta acepción queda suficientemente exhibida, sin duda, la dimensión pública del ethos del juez del garantías". (El Juez de Garantías em El Código Procesal Penal de la Província de Buenos Aires, Buenos Aires: Depalma, 2000, p. 119).
A propósito da audiência de custódia, Aury Lopes Jr e Alexandre Morais da Rosa escreveram o seguinte:
"Não raras vezes a notícia de um crime nos assusta e joga com o nosso imaginário. Se somos humanos, ao lermos um auto de prisão em flagrante ou uma denúncia descrevendo, por exemplo, a conduta de Paulo K., consistente em ter entrado numa casa, pela madrugada, para o fim de subtrair bens e, no seu percurso, ter sido flagrado pela moradora, senhora idosa, a qual desferiu dois tiros, sem que tivesse morrido, fugindo, na sequência do local do crime e, depois, preso pela polícia, teríamos que preencher as lacunas. Não lembraríamos de um rosto doce, respeitador, educado, mas sim de um sujeito que congrega em si os atributos do mal. Essa conduta humana (preencher os espaços desprovidos de informação) cria o que se denomina de efeito priming, ou seja, o efeito que a rede de associações de significantes opera individualmente sem que nos demos conta, fundados naquilo que acabamos de perceber, mesmo na ausência de informações do caso. Daí que a simples leitura da peça acusatória ou do auto de prisão em flagrante gera, aos metidos em processo penal, a antecipação de sentido.Aí reside o primeiro passo fundamental para o acolhimento da audiência de custódia. Não se tratará mais do “criminoso” que imaginamos, mas sim do sujeito de carne e osso, com nome, sobrenome, idade e rosto. O impacto humano proporcionado pelo agente, em suas primeiras manifestações, poderá modificar a compreensão imaginária dos envolvidos no Processo Penal. As decisões, portanto, poderão ser tomadas com maiores informações sobre o agente, a conduta e a motivação.Lembre-se que a prisão cautelar é sempre processual, isto é, não servem para antecipar a pena, devendo-se fundamentar a excepcionalidade da contenção cautelar, crítica que já fizemos anteriormente. Daí ganhar importância o dispositivo estatal para análise das razões da prisão cautelar face-to-face.Respeito às regras do jogo processual. Essa invectiva é lançada por nós faz anos em textos, assim como de boa parte dos juristas preocupados em estabelecer um padrão mínimo de normas processuais aptas a garantia do devido processo legal substancial." (http://www.conjur.com.br/2015-fev-13/limite-penal-afinal-quem-medo-audiencia-custodia-parte).
Além das audiências, o projeto prevê a estruturação de centrais de alternativas penais, centrais de monitoramento eletrônico, centrais de serviços e assistência social e câmaras de mediação penal, responsáveis por representar ao Juiz opções ao encarceramento provisório. À época do lançamento, o Ministro Ricardo Lewandowski destacou: “Essa é uma meta prioritária do Conselho Nacional de Justiça e São Paulo mais uma vez sai na frente como um importante parceiro. Uma experiência que, se for exitosa – e tenho certeza que será – será depois levada para outras capitais e comarcas do País”, afirmando que o Brasil tem hoje cerca de 600 mil presos, sendo que 40% deles são presos provisórios. “São aqueles que ainda não têm a culpa formada. São presos que não tiveram ainda a chance de se confrontar com o juiz e têm a sua liberdade de ir e vir limitada, contrariando a presunção de inocência”.
Evidentemente que este número indicado pelo Ministro não é o real, pois não leva em consideração, por exemplo, os inúmeros presos provisórios encarcerados nas várias Delegacias de Polícia do Brasil. Certamente, o número de presos ainda não definitivamente julgados é muito maior do que aquele que o Estado brasileiro indica oficialmente.
Portanto, extremamente louvável a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça. Como foi dito, esta audiência de apresentação do preso é uma imposição do art. 7º., 5, do Pacto de São Jose da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), segundo o qual "toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo." Igualmente, o art. 9º., 3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York estabelece que "qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença." São normas, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal (timidamente, é verdade - art. 5º., parágrafo segundo da Constituição Federal) supralegais.
À época, a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça foi imediatamente contestada por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5240, proposta pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal. O relator, Ministro Luiz Fux, afirmou em seu voto que a realização das audiências de custódia – que em sua opinião devem passar a ser chamadas de “audiências de apresentação”, tem se revelado extremamente eficiente como forma de dar efetividade a um direito básico do preso, impedindo prisões ilegais e desnecessárias, com reflexo positivo direto no problema da superpopulação carcerária: “Não é por acaso que o Código de Processo Penal brasileiro consagra a regra de pouco uso na prática forense, mas ainda assim fundamental, no seu artigo 656, segundo o qual, recebida a petição de habeas corpus, o juiz, se julgar necessário e estiver preso o paciente, mandará que este lhe seja imediatamente apresentado em data e hora que designar. Verifico aqui que não houve, por parte da portaria do Tribunal de Justiça, nenhuma extrapolação daquilo que já consta da Convenção Americana, que é ordem supralegal, e do próprio Código de Processo Penal, numa interpretação teleológica dos seus dispositivos.” Ao acompanhar o relator, o Ministro Ricardo Lewandowski, ressaltou que o Brasil é o quarto país que mais prende pessoas no mundo, ficando atrás dos Estados Unidos, China e Rússia. “É uma revolução”, afirmou o Ministro ao ressaltar que metade dos presos apresentados nestas audiências estava obtendo relaxamento de prisão, em razão do menor potencial ofensivo das condutas.
Após o julgamento desta Ação Direta de Inconstitucionalidade, no dia 09 de setembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal concedeu parcialmente cautelar solicitada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 347, em que se pedia providências para a crise prisional do país, a fim de determinar aos Juízes e Tribunais que passassem a realizar audiências de custódia, no prazo máximo de noventa dias, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até vinte e quatro horas contadas do momento da prisão. Por maioria dos votos, a Corte acolheu proposta do Ministro Luís Roberto Barroso para determinar à União e ao Estado de São Paulo que forneçam informações sobre a situação do sistema prisional. A Ministra Rosa Weber acompanhou o relator ao deferir os pedidos quanto à audiência de custódia, com observância dos prazos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça. O Ministro Gilmar Mendes votou pelo deferimento do pedido cautelar quanto à obrigação da realização das audiências de custódia.
Pois bem.
Sempre entendemos que a implantação das audiências de custódia pelo Conselho Nacional de Justiça e pelos Tribunais não feria a Constituição Federal, pois apenas obedecia a uma determinação dos Pactos Internacionais acima referidos. Muito pelo contrário, estávamos diante de um "controle concentrado de convencionalidade".
Agora, no entanto, o Conselho Nacional de Justiça, ao baixar a Resolução nº. 213, de 15 de dezembro de 2015 (que entrará em vigor a partir de 1º. de fevereiro de 2016), regulamentando a audiência de custódia, avançou demasiado, pois tratou, em sede de Resolução, de matéria processual penal, o que, por óbvio, é vedado. Como veremos adiante, vários são os dispositivos (quase todos, aliás) que dispõem sobre Processo Penal, o que torna a Resolução formalmente inconstitucional, pois invade a competência legislativa da União, nos termos do art. 22, I da Constituição. A propósito, a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 5448 (relator Ministro Dias Toffoli) para questionar a constitucionalidade da Resolução. Veja o teor da petição inicial (http://s.conjur.com.br/dl/adi-anamages-audiencias-custodia.pdf).
Aliás, tramita no Congresso o Projeto de Lei do Senado nº. 554/2011, dando a seguinte redação ao art. 306 do Código de Processo Penal: "§ 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação. § 2º Na audiência de custódia de que trata o parágrafo 1º, o Juiz ouvirá o Ministério Público, que poderá, caso entenda necessária, requerer a prisão preventiva ou outra medida cautelar alternativa à prisão, em seguida ouvirá o preso e, após manifestação da defesa técnica, decidirá fundamentadamente, nos termos art. 310. § 3º A oitiva a que se refere parágrafo anterior será registrada em autos apartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado. § 4º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas. § 5º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no parágrafo 3º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código.”
Não esqueçamos, outrossim, do Projeto de Lei nº 156, de 2009, em tramitação no Senado Federal que prevê a figura do Juiz das Garantias. De acordo com o texto projetado seria ele o "responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário", competindo-lhe: "I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil;II – receber o auto da prisão em flagrante, para efeito do disposto no art. 553;III – zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença;IV – ser informado da abertura de qualquer inquérito policial;V – decidir sobre o pedido de prisão provisória ou outra medida cautelar;VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las;VII – decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa;VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pelo delegado de polícia e observado o disposto no parágrafo único deste artigo;IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;X – requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;XI – decidir sobre os pedidos de:a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação;b) quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico;c) busca e apreensão domiciliar;d) acesso a informações sigilosas;e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado.XII – julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;XIII – determinar a realização de exame médico de sanidade mental, nos termos do art. 447, §1º;XIV – arquivar o inquérito policial;XV – outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo." (grifo nosso).
De toda maneira, nada obstante nosso entendimento quanto à inconstitucionalidade formal da Resolução, continuamos firmemente a apoiar, por óbvio, a realização das audiências de custódia, com fulcro nos dois artigos dos Pactos Internacionais acima transcritos e dos textos legais que dispomos, especialmente os arts. 185 e seguintes do Código de Processo Penal. É preciso criar a cultura da realização das audiências de custódia no cotidiano do processo penal brasileiro, pois, ao contrário do que se diz, temos sim lei que as autoriza, aliás "supralei". E, subsidiariamente, alguns dispositivos do Código de Processo Penal podem ser utilizados pelos Juízes para a sua implementação.
Vejamos, ainda que de forma descritiva, algumas disposições da Resolução:
Determina-se que “toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão.” Ao se referir à apreensão, a Resolução, evidentemente, apesar de não ser necessário, fez questão de reafirmar que o adolescente infrator deve também ser apresentado ao Juiz da Infância e da Juventude. Afinal de contas, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos vale para todos os humanos...
Estando a pessoa presa acometida de grave enfermidade, ou havendo circunstância comprovadamente excepcional que a impossibilite de ser apresentada ao Juiz, deverá ser assegurada a realização da audiência no local em que ela se encontre e, nos casos em que o deslocamento se mostre inviável, deverá ser providenciada a condução para a audiência de custódia imediatamente após restabelecida sua condição de saúde ou de apresentação.
Para evitar qualquer dúvida, a Resolução esclarece que se entende por autoridade judicial competente aquela assim disposta pelas leis de organização judiciária locais, ou, salvo omissão, definida por ato normativo do Tribunal de Justiça ou Tribunal Federal local que instituir as audiências de apresentação, incluído o Juiz plantonista. Portanto, afasta-se qualquer possibilidade de interpretação segundo a qual possa se atribuir a qualidade de autoridade judicial ao Delegado de Polícia como já decidiu (absurdamente) o Tribunal de Justiça de São Paulo.
Em caso de preso que detenha prerrogativa de foro, a apresentação deverá ser feita ao Juiz que o Presidente do Tribunal ou Relator designar para esse fim.
Ainda segundo a norma, “o deslocamento da pessoa presa em flagrante delito ao local da audiência e desse, eventualmente, para alguma unidade prisional específica, no caso de aplicação da prisão preventiva, (ou prisão temporária) será de responsabilidade da Secretaria de Administração Penitenciária ou da Secretaria de Segurança Pública, conforme os regramentos locais.” Se, por qualquer motivo, não houver Juiz na Comarca até o final do prazo de vinte e quatro horas, a pessoa presa será levada imediatamente ao substituto legal.
Obviamente que “a audiência de custódia será realizada na presença do Ministério Público e da Defensoria Pública, caso a pessoa detida não possua defensor constituído no momento da lavratura do flagrante”, sendo “vedada a presença dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação durante a audiência de custódia.” Nesta oportunidade, deve ser observado o disposto no art. 188 do Código de Processo Penal.
Diz a Resolução que, “caso o preso em flagrante delito constituir advogado até o término da lavratura do auto de prisão em flagrante, o Delegado de polícia deverá notificá-lo, pelos meios mais comuns, tais como correio eletrônico, telefone ou mensagem de texto, para que compareça à audiência de custódia, consignando nos autos. Não havendo defensor constituído, a pessoa presa será atendida pela Defensoria Pública. Antes da apresentação da pessoa presa ao juiz, será assegurado seu atendimento prévio e reservado por advogado por ela constituído ou defensor público, sem a presença de agentes policiais, sendo esclarecidos por funcionário credenciado os motivos, fundamentos e ritos que versam a audiência de custódia. Parágrafo único. Será reservado local apropriado visando a garantia da confidencialidade do atendimento prévio com advogado ou defensor público.”
Importante observar que a audiência de custódia não se restringe, como também é óbvio, às hipóteses, de flagrante delito. O Pacto de São José da Costa Rica não restringiu a exigência da apresentação do preso a estes casos. Assim, esclarece a Resolução que a apresentação à autoridade judicial no prazo de vinte e quatro horas também será assegurada às pessoas presas em decorrência de cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva. Assim, a partir de agora, todos os mandados de prisão deverão conter, expressamente, a determinação para que, no momento de seu cumprimento, a pessoa presa seja imediatamente apresentada à autoridade judicial que determinou a expedição da ordem de custódia ou, nos casos em que forem cumpridos fora da jurisdição do Juiz processante, à autoridade judicial competente, conforme lei de organização judiciária local.
Nesta audiência, segundo a Resolução, e sem prejuízo de outras indagações e esclarecimentos, deverá o Juiz esclarecer ao preso o que é a audiência de custódia, ressaltando as questões que serão analisadas pelo Juízo, assegurando que a pessoa presa não esteja algemada, salvo em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, devendo a excepcionalidade ser justificada por escrito (Súmula Vinculante nº. 11). Deve, outrossim, ser informado ao preso o seu direito de permanecer em silêncio, bem como lhe ser questionado se foi dada ciência e efetiva oportunidade de exercício dos direitos constitucionais inerentes à sua condição, particularmente o direito de se consultar com advogado ou defensor público, o de ser atendido por médico e o de se comunicar com seus familiares. Deverá o preso ser perguntado sobre as circunstâncias de sua prisão ou apreensão e sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à audiência, questionando-lhe sobre a ocorrência de tortura e maus tratos e adotando as providências cabíveis em caso positivo, devendo o Juiz abster-se de formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal, relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante.
Também deverá o Juiz verificar se houve a realização de exame de corpo de delito, determinando sua realização nos casos em que: a) não tiver sido realizado; b) os registros se mostrarem insuficientes; c) a alegação de tortura e maus tratos referir-se a momento posterior ao exame realizado; d) o exame tiver sido realizado na presença de agente policial; adotar as providências a seu cargo para sanar possíveis irregularidades; e averiguar, por perguntas e visualmente, hipóteses de gravidez, existência de filhos ou dependentes sob cuidados da pessoa presa em flagrante delito, histórico de doença grave, incluídos os transtornos mentais e a dependência química, para analisar o cabimento de encaminhamento assistencial e da concessão da liberdade provisória, sem ou com a imposição de medida cautelar.
Segundo a Resolução, após a oitiva da pessoa presa em flagrante delito, o Juiz deferirá ao Ministério Público e à defesa técnica, nesta ordem, reperguntas compatíveis com a natureza do ato, devendo indeferir as perguntas relativas ao mérito dos fatos que possam constituir eventual imputação. Aqui houve um equívoco grave, pois a oitiva do preso deverá ser realizada após as perguntas do Ministério Pública e da defesa, e não o contrário, preservando-se o contraditório, como já se realiza nos procedimentos comum e do Júri e assim deverá ser feito em respeito à Constituição.
Após a ouvida do preso, a defesa e o Ministério Público poderão requerer, nos termos do art. 310 do Código de Processo Penal, o relaxamento da prisão em flagrante, a concessão da liberdade provisória sem ou com aplicação de medida cautelar diversa da prisão ou a adoção de outras medidas necessárias à preservação de direitos da pessoa presa, bem como (o Ministério Público) a decretação de prisão preventiva.
Concluída a audiência, cópia da sua ata ao preso, ao Defensor e ao Ministério Público, tomando-se a ciência de todos, e apenas o auto de prisão em flagrante, com antecedentes e cópia da ata, seguirá para livre distribuição. Proferida a decisão que resultar no relaxamento da prisão em flagrante, na concessão da liberdade provisória sem ou com a imposição de medida cautelar alternativa à prisão, ou quando determinado o imediato arquivamento do inquérito (após o requerimento do Ministério Público – art. 28 do Código de Processo Penal), o preso será colocado em liberdade. “A aplicação de medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal deverá compreender a avaliação da real adequação e necessidade das medidas, com estipulação de prazos para seu cumprimento e para a reavaliação de sua manutenção”, segundo a Resolução.
Caso o preso declare que foi vítima de tortura e maus tratos ou entendimento da autoridade judicial de que há indícios da prática de tortura, será determinado o registro das informações, adotadas as providências cabíveis para a investigação da denúncia e preservação da segurança física e psicológica da vítima, que será encaminhada para atendimento médico e psicossocial especializado. Averiguada pela autoridade judicial a necessidade da imposição de alguma medida de proteção à pessoa presa em flagrante delito, em razão da comunicação ou denúncia da prática de tortura e maus tratos, será assegurada, primordialmente, a integridade pessoal do denunciante, das testemunhas, do funcionário que constatou a ocorrência da prática abusiva e de seus familiares, e, se pertinente, o sigilo das informações (conferir a Lei nº. 9.807/99).
Reafirmamos, por fim, que não se pode, a pretexto da inconstitucionalidade da Resolução, deixar de cumprir as determinações convencionais, por serem normas supralegais, de observância obrigatória em todo o território nacional (art. 1º., I do Código de Processo Penal), utilizando-se para tanto as disposições ora em vigor do Código de Processo e outros textos normativos aplicáveis.