Capa da publicação Atividade de risco e conversão do tempo de serviço especial em comum no RPPS
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Temas polêmicos vinculados à aposentadoria especial no regime próprio de previdência social (RPPS): atividade de risco e conversão do tempo de serviço especial em comum

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18/04/2017 às 11:10
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(iv) Efeitos jurídicos das decisões proferidas pelo STF em relação aos servidores aposentados sob à égide de interpretação anterior.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que no campo da aposentadoria do servidor público vinculado ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) vigora tese, já sedimentada pelo STF[37], no sentido de que o ato que a concede é um ato complexo. O que isso significa?

Ato complexo, em que pesem algumas pequenas divergências doutrinárias[38], é aquele cuja formação impõe a atuação ou manifestação de dois ou mais órgãos para sua consecução, ainda que singulares ou colegiados. Vale a explicação da doutrina, que sufragou essa classificação sob o critério da formação ou intervenção da vontade, para se entender o seu significado e consequente efeito no campo de possível revisão e invalidação do ato de aposentadoria do servidor. Ei-la:

Atos complexos são os que resultam da manifestação de dois ou mais órgãos, sejam eles singulares ou colegiados, cuja vontade se funde para formar um ato único. As vontades são homogêneas; resultam de vários órgãos de uma mesma entidade ou de entidades públicas distintas, que se unem em uma só vontade para formar o ato; há identidade de conteúdo e de fins. Exemplo: o decreto que é assinado pelo Chefe do Executivo e referendado pelo Ministro de Estado; o importante é que há duas ou mais vontades para formação de um ato único.” (Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 17ª ed.,Ed. Atlas, São Paulo, 2004, p. 215)

Atos complexos são aqueles cuja vontade final da Administração exige a intervenção de agentes ou órgãos diversos, havendo certa autonomia, ou conteúdo próprio, em cada uma das manifestações. Exemplo: a investidura do Ministro do STF se inicia pela escolha do Presidente da República; passa, após, pela aferição do Senado Federal; e culmina com a nomeação (art. 101, parágrafo único, CF) (Carvalho Filho, José dos Santos, Manual de Direito Administrativo, 16ª ed. Ed. Lumen Juris, Rio de janeiro, 2006, p. 115)

Atos complexos – os que resultam da conjugação de vontade de órgãos diferentes. Exemplo: a nomeação, procedida por autoridade de um dado órgão, que deve recair sobre a pessoa cujo nome consta de lista tríplice elaborada por outro órgão. (Mello, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo 23ª ed. São Paulo, Malheiros, 2007, p.411)

Pois bem. A aposentadoria do servidor vinculado ao RPPS é concedida pelo seu órgão de origem ou, quando houver, pela instituição previdenciária correspondente[39], que avalia o direito à luz da legislação e o concede por meio de competente ato administrativo. Este ato concessório, por sua vez, é submetido à apreciação de legalidade pelo Tribunal de Contas que, achando conforme, o faz registrar. Daí o entendimento do STF no sentido de que o ato de aposentadoria é um ato complexo, eis que depende da conjugação de vontade de dois órgãos diferentes para sua formação[40].

Sob o contexto dessa orientação, não obstante o servidor ter sido efetivamente aposentado por meio de ato próprio, devidamente publicado no órgão de imprensa oficial e estar recebendo os correspondentes proventos, a sua aposentadoria ainda não é considerada um ato formado e acabado quando pendente de registro pelo Tribunal de Contas da União. E, vale dizer: esse registro demora. E antes da Súmula Vinculante nº 3 do STF[41], a demora era muito maior do que agora.

Para melhor entender essa questão, importa dizer que o processo de aposentadoria, em regra, possui o seguinte roteiro básico: protocolo do pedido pelo servidor (se aposentadoria voluntária)[42]; instauração do processo; exame dos requisitos fáticos jurídicos que conferem ensejo ao benefício pelo órgão de pessoal; avaliação da autoridade competente para o fim de deferimento do pedido; despacho de deferimento; confecção do ato de concessão; assinatura do ato; publicação[43]; inclusão em folha de pagamento sob a condição de aposentado provisório; cadastramento das informações pelo órgão de pessoal no sistema SISAC[44]; encaminhamento das informações para órgão de controle interno; avaliação prévia do órgão de controle interno; envio do ato ao Tribunal de Contas para registro e, por fim, o registro[45] ou não do ato. São muitos os atos encadeados para concessão do ato de registro pelo Órgão de Contas que, inclusive, somente se pronuncia após a apreciação da matéria pelo Ministério Público a ele vinculado, cabendo ressaltar que o servidor passa à condição de aposentado logo após a publicação do respectivo ato na imprensa oficial, portanto, muito antes do seu encaminhamento para registro pelo Tribunal de Contas.

Nesse patamar de funcionalidade, percebe-se que o servidor pode passar muito tempo na condição de aposentado antes de sobrevir uma decisão de ilegalidade de sua aposentadoria. E, nessa hipótese, a invocação da boa-fé e do tempo de percepção do benefício assume conotação que não se mostra suficiente ao servidor para mantença de sua condição, eis que o ato de aposentadoria, como visto, somente completa a sua formação, ao olhar do Excelso Pretório, após o seu registro pelo Tribunal de Contas, haja vista ser considerado um ato complexo.

Na esteira deste contexto jurídico, os acontecimentos decorrentes da concessão de aposentadoria especial a muitos servidores cobertos por mandados de injunção merecem a devida pormenorização.

A saber:

Foi registrado, linhas atrás, todo o confuso arcabouço normativo que trouxe nuances interpretativas as mais diversas para se fazer concretizar o direito à aposentadoria especial dos servidores públicos enquadrados nas hipóteses dos incisos I, II e III do § 4º do Art. 40 da CF. Com base nos normativos internos, muitos servidores foram aposentados e outros tantos tiveram convertido o tempo de serviço especial em comum para fazer face à aposentadoria prevista nas regras de transição (Art. 2º e 6º da EC nº 41/2003 e Art. 3º da EC nº 47/2005) ou mesmo nas regras permanentes (Art. 40, da CF).

Com a sedimentação da jurisprudência do STF em sentido mais restrito, consolidada pela Súmula Vinculante nº 33, e pelas decisões proferidas nos MI nº 833/DF e MI nº 844/DF, restou evidenciado que as aposentadorias concedidas com base em critérios alheios aos proclamados devem ser revisitadas, pois no plano da validade elas passaram a ser consideradas viciadas, de modo que deverá o Tribunal de Contas negar registro aos respectivos atos sob a pecha de ilegalidade, como assim já está a fazer.

A par dessa situação, pode se indagar: _mas quem está coberto por mandado de injunção, como fica? _E quem já está aposentado há mais de cinco anos com base em critério interpretativo não mais aceito?

Esses questionamentos estão a merecer o devido esclarecimento que servirá não somente para essas hipóteses, mas para tantas outras semelhantes, de modo que se subdivide o presente tópico em dois pontos para melhor entendimento do tema: (1) efeitos dos mandados de injunção no campo das aposentadorias especiais; e (2) direito adquirido dos aposentados com base em critério interpretativo não mais acolhido em domínio jurisprudencial.

(iv.1) Efeitos dos mandados de injunção no campo das aposentadorias especiais.

O mandado de injunção está previsto no inciso LXXI do Art. 5º da Constituição Federal (“LXXI- conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”) e é utilizado na ausência de regulamentação de norma constitucional onde se evidencie “que o desempenho da função de legislar” consubstancia “uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao poder público”[46], a exemplo do que entendeu o STF quanto ao disposto no § 4º do Art. 40 da CF, com a redação que lhe deu a EC nº 47/2005.

Nesse sentido, o mandado de injunção tem por pressuposto a existência de norma constitucional que pende de regulamentação necessária ao exercício do direito por parte de seus destinatários e, como tal, bastante para a sua apreciação, a demonstração da inviabilidade do exercício do direito constitucional assegurado.

 No campo da aposentadoria especial de que versa o § 4º do Art. 40 da CF, entretanto, a evolução da jurisprudência do STF passou a requisitar, para demonstração da inviabilidade do exercício do direito, a comprovação efetiva de que o órgão público deixou de aplicar a norma por conta da omissão legislativa. Vale a leitura de alguns julgados para melhor entendimento:

“Portanto, no presente mandado de injunção, não restou demonstrado, pela impetrante, que a Administração Pública lhe negara pedido de aposentadoria especial prevista no art. 40, § 4º, inc. I, da Constituição da República, com fundamento na inexistência de norma regulamentadora desse dispositivo. Afinal, para se concluir que o direito à aposentadoria especial estaria obstado por ausência de norma regulamentadora, faz-se indispensável a comprovação da inviabilização do exercício desse direito em razão da lacuna legislativa apontada.

Saliente-se que a simples alegação de inviabilidade do exercício de direito constitucional não é elemento suficiente a ensejar a atuação jurisdicional, nos termos da jurisprudência desta Corte.  (MI 2.757, rel. min. Gilmar Mendes, dec. monocrática, j. 5-3-2012, DJE de 9-3-2012-  o grifo não consta do original).

“Para ser cabível o mandado de injunção, não basta que haja eventual obstáculo ao exercício de direito ou liberdade constitucional em razão de omissão legislativa, mas concreta inviabilidade de sua plena fruição pelo seu titular. Daí por que há de ser comprovada, de plano, a titularidade do direito (...) e a sua inviabilidade decorrente da ausência de norma regulamentadora do direito constitucional” (MI 2.195 AgR, voto da rel. min. Cármen Lúcia, j. 23/2/2011, P, DJE de 18/3/2011 - o grifo não consta do original)[47]

Foi também decidido pelo STF que a concessão de mandado de injunção aos impetrantes não lhe reconhecia, desde logo, o direito à obtenção ao benefício, mas o direito de ter o seu pedido analisado à luz da norma chamada a preencher a lacuna legislativa. Ou seja, os mandados de injunção consubstanciaram ordens para que o órgão incumbido de processar a aposentadoria analisasse o pedido à luz da regra por ele indicada para colmatar a omissão legislativa, a saber:

“E é, precisamente, o que esta Suprema Corte tem realizado em inúmeros processos injuncionais, nos quais vem garantindo, aos destinatários da regra inscrita no § 4º do art. 40 da Constituição, o acesso e a plena fruição do benefício da aposentadoria especial.

Cumpre ressaltar, finalmente, na linha do que se vem expondo, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em diversos precedentes firmados sobre essa mesma questão (MI 1.115-ED/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – MI 1.125-ED/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – MI 1.189-AgR/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.), tem salientado que se exaure, nesse ato , a função jurídico-constitucional para a qual foi concebido ( e instituído) o remédio constitucional do mandado de injunção, como se vê de decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

‘EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO DE INJUNÇÃO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL . APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PÚBLICO . ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA . APLICAÇÃO DO ART. 57 DA LEI N. 8.213/1991 . COMPETÊNCIA DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA . 1. A autoridade administrativa responsável pelo exame do pedido de aposentadoria é competente para aferir, no caso concreto, o preenchimento de todos os requisitos para a aposentação previstos no ordenamento jurídico vigente. 2. Agravo regimental ao qual se nega provimento. ” (MI 1.286-ED/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Pleno – grifei )

Isso significa, portanto, que não cabe indicar, nesta sede injuncional, como reiteradamente acentuado por esta Suprema Corte (MI 1.312/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MI 1.316/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE – MI 1.451/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE – MI 3.718/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, v.g.), ”a especificação dos exatos critérios fáticos e jurídicos que deverão ser observados na análise dos pedidos concretos de aposentadoria especial, tarefa que caberá, exclusivamente, à autoridade administrativa competente ao se valer do que previsto no art. 57 da Lei 8.213/91 e nas demais normas de aposentação dos servidores públicos ” (MI 1.277/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE – grifei).

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Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, nego provimento ao presente recurso de agravo, mantendo, em consequência, por seus próprios fundamentos, a decisão ora agravada. (MI 1.683-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Dje 1/10/2012, nº 192/2012)

Nesse sentido, o órgão público não estava obrigado a conceder aposentadoria por conta dos mandados de injunção. Para tanto teria que avaliar a situação do servidor diante dos critérios previstos na legislação indicada como paradigma e, assim, proceder ou não a concessão da aposentadoria.

Por lógico que as reiteradas decisões em sentido largo, reafirmadas em outros tantos julgados oriundos da Excelsa Corte, provocaram diversidade de interpretações, até porque era simplesmente impossível se estabelecer uma ponte entre a norma indicada como paradigma – no caso, o Art. 57, da Lei nº 8.213/91 - e as hipóteses genéricas previstas no texto constitucional, sem adentrar, no que coubesse, em outras tantas normas que sistematizavam os contornos jurídicos elementares para o processamento e avaliação dos critérios a serem observados[48]. E não se diga que, no início, não se autorizou buscar alicerces na legislação previdenciária, trabalhista e estatutária. Por certo que assim o foi, com aval do próprio STF, ao acenar, como constatado nos tópicos anteriores, que as suas decisões não estavam a acalentar um sino sem badalo.

Desta feita, é fato que os órgãos adotaram a sistemática de conversão do tempo especial em comum em relação ao período vinculado ao regime estatutário, bem como conferiram, em alguns casos, concessão de aposentadoria especial a servidores submetidos à atividade de risco. Agora, essas aposentadorias estão sujeitas à revisão, pois, como dito, o efeito conferido aos mandados de injunção pelo Supremo Tribunal Federal não reconheceu aos servidores, salvo raras exceções[49], a obtenção direta do benefício, mas apenas o direito de ter seu pedido de aposentadoria analisado à luz da legislação apontada como norma supletiva a ser aplicada diante da ausência de regulamentação do § 4º do Art. 40 da Constituição da República.

Em síntese, não se pode dizer que as aposentadorias concedidas com fundamento nos mandados de injunção em análise estavam ou estão cobertas por decisão judicial que lhes garante ou garantiu o direito e, como tal, somente por decisão judicial podem ser desconstituídas. Longe disso, a decisão judicial apenas afastou o óbice de apreciação pela Administração Pública e indicou o caminho para tal fim, de modo que a concessão está passível de revisão no âmbito administrativo ou em sede de controle externo.

(iv.2) Direito adquirido dos aposentados com base em critério interpretativo não mais acolhido em domínio judicial.

Consoante se deixou evidenciar em todos os tópicos, a materialização das decisões exaradas nos diversos mandados de injunção por meio de atos concessórios de aposentadoria, ainda que pautados em critérios legais acolhidos em âmbito administrativo e consentâneos com os autorizados à época, podem estar sujeitos à revisão, seja pelo órgão de pessoal, seja pelos tribunais de contas incumbidos dos registros das aposentadorias.

Para a análise da revisão, entretanto, deve-se levar em consideração, em face da aceitação[50] da natureza complexa do ato de aposentadoria, dois momentos relativos à obtenção do direito pelo servidor, a saber: a) momento do registro do ato de aposentadoria pelo Tribunal de Contas e; b) momento anterior ao registro pelo Órgão de Contas.

No primeiro momento, tem-se concluída a formação do ato de aposentadoria e, como tal, a produção de um ato perfeito e acabado, assim considerado aquele em que os planos da existência, validade e eficácia encontram-se efetivamente integrados. A desconstituição desse ato somente poderá ser processada pelo próprio Tribunal de Contas (ou por decisão judicial), decaindo em cinco anos o prazo revisional, contado da publicação do respectivo registro[51]. Cabe confirmar:

“Revisão de Oficio

21.   O § 2º do artigo 260 do Regimento Interno do TCU dispõe o seguinte:

‘§ 2º O acórdão que considerar legal o ato e determinar o seu registro não faz coisa julgada administrativa e poderá ser revisto de ofício pelo Tribunal, com a oitiva do Ministério Público e do beneficiário do ato, dentro do prazo de cinco anos da apreciação, se verificado que o ato viola a ordem jurídica, ou a qualquer tempo, no caso de comprovada má‑fé.’ (grifo nosso)

22.   Assim, percebe-se que houve violação da ordem jurídica e o julgamento ocorreu há menos de 5 (cinco) anos, razão pela qual se amolda na situação prevista no art. 260, § 2º, do RITCU, em face do pagamento irregular da gratificação, podendo este Tribunal proceder à revisão de ofício dos atos de aposentadoria de Geraldo Victor Cotta e João Antero dos Reis.

Análise dos argumentos apresentados pelos interessados

Ato jurídico perfeito - Decadência

23.   Com relação à decadência, prevista no art. 54 da Lei 9.784/1999, o Supremo Tribunal Federal reconhece não ocorrer decadência contra decisão do TCU, visto tratar-se de ato complexo. Nesse sentido, não é demais ressaltar que o entendimento jurisprudencial, tanto no âmbito deste Tribunal quanto no do Poder Judiciário, é de que o referido dispositivo legal, ao ser aplicado aos atos de aposentadoria e pensão, conta seu prazo decadencial somente a partir do respectivo registro pelo Tribunal de Contas da União, visto que, em se tratando de ato complexo, só é aperfeiçoado quando de seu registro pelo TCU. Portanto, o prazo decadencial não pode ser contado a partir da concessão administrativa, mas sim a partir do exame pelo TCU. Esse é o teor da Súmula TCU 278/2012, a seguir transcrita:

SÚMULA 278/2012: ‘Os atos de aposentadoria, reforma e pensão têm natureza jurídica de atos complexos, razão pela qual os prazos decadenciais a que se referem o § 2º do art. 260 do Regimento Interno e o art. 54 da Lei nº 9.784/99 começam a fluir a partir do momento em que se aperfeiçoam com a decisão do TCU que os considera legais ou ilegais, respectivamente.’

24.   Desta forma, o prazo decadencial começou a ser contado da data da publicação do Acórdão 3.597/2011-TCU-2ª Câmara, 31/05/2011 (peça 9). Observa-se que ainda não transcorreram cinco anos.” (Acórdão 2057/2015-TCU-Plenário - os grifos não constam do original)

Percebe-se que o Tribunal de Contas, ainda que tenha registrado o ato de aposentadoria, poderá revê-lo de ofício desde que constatada a irregularidade no decurso do prazo decadencial de cinco anos, contado este a partir do registro. Após esse prazo, somente poderá assim proceder na constância inequívoca de má fé, exigindo-se, em todas as hipóteses, o contraditório e a mais ampla defesa.

Para os servidores cujos atos de aposentadoria ainda estão pendentes de julgamento pelo Tribunal de Contas, o entendimento é de que o ato ainda não completou o seu ciclo de formação e, como tal, não se aperfeiçoou. Desse modo, em que pese o servidor ter se aposentado há mais de cinco anos, pode o Tribunal de Contas negar o registro de sua aposentadoria, por cuidar-se de uma aposentadoria provisória, salvo raras exceções, onde o princípio da segurança jurídica se impõe. Eis a orientação que prevalece no próprio TCU:

“O entendimento predominante no TCU é de que o princípio da segurança jurídica prevalece sobre o princípio da legalidade apenas em situações excepcionais, quando o julgamento pela ilegalidade após longo decurso de tempo implicar ‘prejuízo insuportável e irreversível ao interessado’.

28.   Na jurisprudência do TCU, encontram-se menções a algumas dessas situações excepcionais: inviabilidade prática do retorno à atividade após grande decurso de tempo; acometimento de doença incapacitante para o trabalho; idade que impossibilite o retorno à atividade; comprometimento da subsistência do aposentado; e morte (Acórdãos 2.350/2012-TCU-2ª Câmara, 5.951/2012-TCU-1ª Câmara, 453/2013-TCU-2ª Câmara e 6.102/2013-TCU-2ª Câmara. (Acórdão 2057/2015-TCU-Plenário – os grifos não constam do original)

Em todo caso, importante ressaltar a existência de diferença de tratamento no tocante ao tempo de aposentadoria – se superior ou inferior a cinco anos por ocasião da apreciação do ato para o fim de registro. Nesses casos, ainda que pendente de registro, cabe ao Tribunal de Contas assegurar aos inativos cuja aposentadoria foi concedida há mais de cinco anos o exercício do contraditório e ampla defesa, o que já não se exige se o ato de aposentadoria for apreciado antes de cinco anos da data da publicação da respectiva concessão. Sobre o tema já se posicionou o TCU em face da jurisprudência consolidada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) nos Mandados de Segurança nºs 25.116 e 25.403. Eis a orientação vigente:   

“9. Acórdão:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de representação formulada pela Conjur, com base no art. 237, inciso VI, do Regimento Interno, tendente a justificar a necessidade de a Corte de Contas assegurar a oportunidade do uso do direito ao contraditório e à ampla defesa por parte dos interessados, dado o transcurso de lapso temporal superior a cinco anos, quando da apreciação, para fins de registro, da legalidade de atos de pessoal, em face da recente alteração da jurisprudência do STF acerca da matéria, a partir das decisões nesse sentido adotadas pelo Colegiado Pleno da Excelsa Corte, nos autos do MS-25.116 e do MS-25.403, relatados pelo Ministro Ayres Britto, bem assim dos julgamentos monocráticos de mérito na mesma linha, conforme faculdade atribuída aos relatores pelo Regimento Interno da Corte Máxima de Justiça do País (art. 205), a exemplo dos proferidos nos autos do MS-25.343 e do MS-27.296, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, quando Sua Excelência, não obstante discordar dos Ministros que votaram a favor do juízo hoje prevalecente, adotou decisão monocrática com idêntico desfecho, em respeito ao princípio da colegialidade.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo relator, em:

9.1. conhecer da presente representação, uma vez atendidos os requisitos de admissibilidade previstos no art. 237, inciso VI, do Regimento Interno, para, no mérito, considerá-la procedente;

9.2. reconhecer que o TCU, diante de constatação que possa levar à negativa de registro de ato de admissão de pessoal e de concessão de aposentadoria, reforma e pensão, deve assegurar ao(s) interessado(s)/beneficiário(s) a oportunidade do uso das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, sempre que transcorrido lapso temporal superior a cinco anos quando da apreciação, sem prejuízo do encaminhamento previsto no item 9.6 deste acórdão;

9.3. deixar assente que o prazo de cinco anos, ao término do qual deve ser instaurado o contraditório, é contado a partir da entrada do ato no TCU, observada a orientação contida no item 9.6 da presente deliberação;

9.4. esclarecer que o procedimento previsto no item 9.2 acima incide inclusive sobre os processos em curso;” (Acórdão nº 587/2011, TCU-Plenário - os grifos não consta, do original)

Sob tal alicerce fácil é perceber que o direito adquirido do servidor aposentado está diretamente vinculado ao plano de validade do ato a ser auferido pelos Tribunais de Contas, em grau de controle.

Melhor detalhando: sabe-se que a aposentadoria é um direito que se adquire sob o alicerce da lei vigente ao tempo do implemento do conjunto de requisitos necessários à obtenção do benefício. Entretanto, se para essa obtenção deu-se interpretação que não está adequada aos ditames legais que orientam a concessão sob a ótica dos órgãos incumbidos do controle de legalidade, por lógico essa aposentadoria vai ser tida como ilegal, acolhendo-se a presunção de legitimidade do ato como indício de boa-fé capaz de inibir o ressarcimento dos valores pagos ao beneficiado, tidos como indevidos.

Nesse sentido, as aposentadorias concedidas sob as ordens de mandados de injunção - sejam as decorrentes do favorecimento da conversão do tempo de serviço especial em comum, sejam as que foram concedidas sob os auspícios do Art. 57, da Lei nº 8.213/91, às carreiras vinculadas à atividade de risco - estão passíveis de terem seus atos julgados ilegais por força da evolução jurisprudencial edificada em sentido contrário, sedimentada por ocasião do registro do ato de aposentadoria pelo Tribunal de Contas, de modo que não há que se falar em direito adquirido.

_ Mas somente o Tribunal de Contas pode proceder à revisão do ato de aposentadoria? Por certo que não. Os órgãos de pessoal podem e devem realizar a revisão se a aposentadoria ainda não recebeu a chancela do Tribunal de Contas, até mesmo para que o beneficiado não venha a ser prejudicado com o retorno tardio à atividade, fato que possivelmente ocorrerá se o servidor não houver satisfeito as condições previstas em outras regras que ora lhe assegurem a concessão de nova aposentadoria.

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Sobre a autora
Maria Lucia Miranda Alvares

Advogada do Escritório ACG - Advogados, Pós-Graduada em Direito Administrativo/UFPA, autora do livro Regime Próprio de Previdência Social (Editora NDJ) e do Blog Direito Público em Rede, colaboradora de revistas jurídicas na área do Direito Administrativo. Palestrante, instrutora e conteudista de cursos na área do Direito Administrativo. Exerceu por mais de 15 anos o cargo de Assessora Jurídico-Administrativa da Presidência do TRT 8ª Região, onde também ocupou os cargos de Diretora do Serviço de Desenvolvimento de Recursos Humanos e Diretora da Secretaria de Auditoria e Controle Interno. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa Eneida de Moraes (GEPEM).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVARES, Maria Lucia Miranda. Temas polêmicos vinculados à aposentadoria especial no regime próprio de previdência social (RPPS): atividade de risco e conversão do tempo de serviço especial em comum. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5039, 18 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57156. Acesso em: 22 dez. 2024.

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