O princípio da dignidade da pessoa humana, princípio máximo do Estado democrático de Direito, exposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, expõe que a pessoa deve servir como referência, como fundamento para tudo. Estão inclusos nesse princípio vários valores, tais como: o direito à vida, à intimidade, à honra e à imagem, o direito à liberdade, à segurança, à igualdade, todos previstos no art. 5º da Carta Magna. Desta forma, e possível dizer que a dignidade engloba uma serie de valores inerentes a vida da pessoa, ao passo que em somente em ocasiões excepcionais podem ocorrer limitações a esse princípio. Qualquer ato que afronta os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, fere o princípio da dignidade. É permitido ao ser humano agir livremente de acordo com seus ideais, sendo responsável por seus atos.
A vontade deriva da dignidade da pessoa humana, consiste em um sentimento, que pode ser um desejo, um interesse, um propósito, um empenho, algo que leve a uma decisão e consequentemente uma ação, seja ela a favor ou contra o que está sentindo. Tal vontade, que deve ser respeitada, aliada com a liberdade, leva o ser humano a autonomia da vontade, visto que pode decidir suas ações, não sobrepondo as regras estabelecidas pela sociedade.
Existem situações do cotidiano em que a vontade do indivíduo talvez não seja a melhor solução para um problema, ou não seja a solução mais óbvia e que dará um retorno positivo. Porém, nestes casos, a vontade da pessoa deve ser respeitada ou o Estado pode intervir de forma que exclua sua vontade de decisão que no caso, pode levar em conta sua vida? É uma questão complexa, que diz respeito a uma serie de valores.
Se o agente é capaz, com condições de discernimento, sua vontade deve ser respeitada e o Estado deve respeitar sua decisão. Há somente uma exceção, que é quando existe risco iminente de morte.
Nesse sentido, no âmbito do tratamento médico, ocorrem situações em que o tratamento médico oferecido pelo médico, afronta a vontade do paciente, mesmo não sendo o melhor para seu enfermo. O Código de Ética Médica, em seu capítulo V, aduz que é vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
Desta forma, nota-se que o médico tem como dever respeitar a escolha do paciente quanto ao tratamento que deseja, expondo o diagnóstico da doença bem como todos os tratamentos possíveis, tornando-se um aliado no combate ao enfermo, informando todos os efeitos colaterais e consequências de todos os tratamentos expostos. Esse diálogo entre o paciente e o médico e a faculdade de recusar algum tipo de tratamento bem como o direito de escolha é denominado termo de consentimento informado. Não há necessidade desse termo ser na forma escrita, pode ser verbalmente, todavia, é sugerido que o termo seja escrito, visto que torna um registro do consentimento do paciente para receber determinado tratamento. Para ser aceito, é necessário que o termo seja feito antes de eventual tratamento, em que o paciente esteja livre de qualquer coação, tendo plena sua capacidade mental e a parte de todos os detalhes e procedimentos que serão utilizados. Vale lembrar que o paciente pode revogar sua decisão a qualquer tempo e desrespeitar a escolha do paciente afronta a Constituição Federal, fere o princípio da dignidade da pessoa humana. A resolução nº 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.
Caso não houver manifestação, seja do paciente ou de seu representante legal, o médico decide o melhor tratamento para o enfermo.
Uma vez que a vontade do paciente deve ser respeitada, por exemplo, caso a equipe médica expor que um membro necessita ser amputado, ou que o paciente deve realizar quimioterapia para auxiliar no tratamento de sua doença, as partes dessa relação médico e paciente irão entrar em consenso quanto ao melhor tratamento aliado à vontade.
Neste diapasão, viceja grande discussão acerta da autonomia da vontade em pacientes Testemunha de Jeová quando necessitam de transfusão de hemoderivados. Os adeptos da religião, com base nos ensinamentos da Bíblia, não aceitam nada que envolva transfusão em sangue em seus tratamentos. Aliados com médicos, buscam o tratamento eficaz à sua doença, desde que não ocorra transfusão, sejam em cirurgias ou em outros métodos. Em suma, há de se perceber perfeitamente um conflito de princípios expostos no art. 5º da Constituição Federal, a proteção à vida e à liberdade em face a proteção à liberdade de crenças.
É uma situação difícil para o médico responsável pelo paciente, visto que dependendo de sua ação pode ser responsável pela consequência. Por exemplo, pode ser processado na área penal, caso atender a vontade do paciente e, em decorrência na negativa da transfusão de sangue, falecer. Pode ser processado na área civil caso efetuar a transfusão e o paciente sobreviver, pois violou a vontade do paciente, podendo ser responsabilizado por danos morais. Primeiramente deverá ser observado o estado de saúde do paciente, conforme o Conselho Federal de Medicina aduziu em sua Resolução, se não houver iminente perigo de vida, deverá ser respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal e, caso houver perigo iminente de vida e não houver outra alternativa de tratamento, o médico praticará a transfusão de sangue. Foi decidido pela 6ª Turma do Superior Tribunal da Justiça, por meio do HC 268.459-SP, inocentando os pais em face da morte de sua filha, pelo fato de não autorizarem a transfusão de sangue, todavia, tal decisão responsabilizou somente o médico por não desrespeitar o direito do paciente, que afronta o exposto no artigo 31 do Código de Ética Médica e a liberdade de religião guardada na Constituição Federal, entenderam que o bem maior é a vida, independente da autonomia da vontade. É um preocupante precedente aberto pelo STJ, visto que viola o direito à liberdade de religião previsto na Carta Magna.
Face as considerações aduzidas acerca da autonomia da vontade em relação ao tratamento médico, deve ser utilizado o princípio da proporcionalidade visto que afrontam dois princípios, a liberdade e o direito à vida. O médico deve expor todos os tratamentos possíveis, bem como seus possíveis efeitos colaterais e consequências e, junto com o paciente, escolher o tratamento que será utilizado. Não necessariamente poderá ser o tratamento mais eficaz para o enfermo, porém, deve ser respeito a vontade do paciente na escolha.