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Debates feministas pelo direito ao nome social

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os movimentos feminista e transfeminista têm buscado consolidar o campo dos direitos sexuais, reprodutivos e das relações de gênero de modo a reiventar práticas sociais e jurídicas com vistas à igualdade de gênero. O nome social é um claro exemplo.

A hipótese deste artigo foi discutir se o direito ao nome social permite a revisão dos paradigmas sexistas presentes no universo jurídico, e observou-se afirmativamente esta revisão. Ainda é muito cedo para dizer que a lei do nome social assegura a igualdade de gênero, mas é um passo muito importante na afirmação identitária e na consolidação de direitos às populações trans.

Com a aplicação do nome social pelas instituições públicas e universidades, chama-se a atenção para a crítica da cultura patriarcal na sociedade e no campo jurídico, assim como para o tratamento da população trans em função de sua dignidade individual e do respeito que comumente esta população não recebia nos órgãos públicos, além dos constrangimentos por terem uma identidade de gênero não condizente com seu nome no registro civil.

Mediante este estudo e na esperança de que o Direito continue a trilhar as sendas do gênero, reafirmam-se as palavras de Santo Agostinho: “A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las.”.


Notas

[3] LGBT é o acrônimo de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Intersexo.

[4] Feminismo é aqui entendido como um movimento social, cultural e político que milita contra formas distintas de opressão e dominação feminina, e defende “a afirmação de que as relações entre homens e mulheres não são inscritas na natureza e portanto, são passiveis de transformação. ”(PEDRO, 2005, p.77) A primeira onda do movimento feminista data do final do séc. XIX e foi marcada pela reivindicação dos direitos civis e políticos das mulheres. O movimento de segunda onda é tributário das lutas do feminismo e do movimento de mulheres nas décadas de 1960 e 1970 em relação aos domínios público x privado, como “as lutas pelo direito ao corpo, ao prazer, e contra o patriarcado” (PEDRO, 2005, p. 03). A terceira onda surgiu no final do séc. XX e concentra-se nas análises da diversidade/subjetividade e das relações de gênero. Há quem defenda que vivamos a quarta onda de um feminismo global, trans ou pós-nacional, a partir das organizações e militâncias sem fronteiras, do ativismo digital nas mídias e redes sociais, e de eventos como a Marcha Mundial das Mulheres. (Matos, 2010).

[5] BARATTA, Alessandro. BARATTA, Alessandro. O paradigma de gênero: da questão criminal à questão humana. In: CAMPOS, Carmen Hein de. Criminologia e Feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999

[6] Olsen, Francis. The Family and the Market: a study of ideology and legal reform. In: Harvard Law Review, v.96, n.497,1983.

[7] MacKinnon, Catherine. Feminism, marxismo, method and the State: Toward feminist jurisprudence. In: Sings: Journal of women in culture and society.Vol III, 1983

[8] RUIZ, Alicia E. (org). Identidad femenina y discurso jurídico. BA: Biblos, 2000.

[9] BOURDIEU, Pierre. “Sobre o poder simbólico” (cap. 1). “A força do direito. Elementos para uma sociologia do campo jurídico” (cap. 8). In: BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. P. 229. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989

[10] Neste artigo, gênero é pensado a partir das definições de Joan Scott como uma categoria de análise histórica que permite o mapeamento das definições normativas e relacionais sobre o feminino sustentadas por e nas relações de poder. Scott (1990, p.14) entende gênero como categoria relacional “fundada sobre as diferenças percebidas entre os sexos” a ponto de caracterizar o gênero como um “primeiro modo de dar significado às relações de poder” que informa “o aspecto relacional das definições normativas da feminidade”

[11] SMART, Carol. Feminism and the Power of Law. London: Routledge, 1989

Vieira, Tereza Rodrigues. Transexualidade. In: DIAS, M. B. (coord). Diversidade sexual e direito homoafetivo.P. 541. SP: Ed. Revista dos Tribunais, 2014.

[12] FACIO, Alda. Hacia outra teoria critica del derecho, In: FRIES, Lorena e FACIO, Alda. Género y derecho. Santiago: LOM Ediciones y La Morada, 2000

[13] O patriarcado é um sistema social que organiza a dominação/subjugação feminina estruturada em instituições que atravessam diferentes épocas, como aponta Sylvia Walby na obra Teorizando sobre o Patriarcado (1990). Nela, Walby define o patriarcado como um sistema social historicamente estruturado de acordo com valores e práticas subjugadoras do feminino.

[14] Ehrlich, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: Universidade de Brasília, 1986.

[15] Geny, F. Methode d’interpretation de sources em droit privé. apud FACHIN, L.Edson e Melina Girardi F. A proteção dos direitos humanos e a vedação à discriminação por orientação sexual. in: DIAS, M. B. (coord). Diversidade sexual e direito homoafetivo.P. 44. SP: Ed. Revista dos Tribunais, 2014.

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[16] FACIO, Alda. Hacia outra teoria critica del derecho. P. 17-18.

[17] Outras autoras falam em ‘teoria feminista do direito’ como  Carol Smart, Frances Olsen, Katherine Barlett, Nancy Levit, assim como Catharine MacKinnon e Patrícia Smith preferem a expressão “jurisprudência  feminista”. (CAMPOS, Carmem Hei de.  disponível em http://www.apmj.pt/images/documentos/pdfteoriafeminista/Razao_e_Sensibilidade.pdf . Acesso 03/02/2017.

[18] FACIO, Alda. Hacia outra teoria critica del derecho. P. 17-18.

[19] Artigo 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.” Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em fevereiro/2017.

[20] Lésbicas- Gays- Bissexuais- Travestis, transexuais e transgêneros – Intersexo.

[21] SILVA. Maria Salete. O direito na perspectiva feminista: pensando o ensino e a pratica jurídica a partir do desafio da transversalização de gênero no direito. XXI ERED/ERAJU.

[22] Para Foucault(1996,p.9), o discurso não é apenas linguagem ou texto, mas um conjunto de enunciados que comporta uma gama de procedimentos que constituem-se em procedimentos de exclusão, como a interdição. Como mostra Facio (p.32), em Foucault “se analiza el ‘microdiscurso’ del Derecho, se analizan lingüísticamente todos los eventos que constituyen Derecho -hacer un testamento, dar un testimonio, hacer un contrato, pedir un divorcio”.

[23] Butler, Judith. Corpos que importam: sobre os limites materiais e discursivos do sexo (1993) P. 59. New York: Routlegde.

[24] Butler, Judith. Corpos que importam: sobre os limites materiais e discursivos do sexo (1993). P. 200..

[25]Para Garcia (2009,p.194), o termo transgênero refere-se “a todas as pessoas que questionam, com sua própria existência, a validade do esquema dicotômico sexo/gênero, sejam elas partidárias ou não da cirurgia de redesignação sexual.”

[26] COACCI, Tiago. Encontrando o transfeminismo brasileiro: um mapeamento preliminar de uma corrente em ascensão.P.151. História do Agora, a revista de história do tempo presente.

[27] Emi Koyama  Manifesto Transfeminista. P.2. Sem data

[28]Segundo os princípios de Yogyakarta orientação sexual é uma referência à capacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações intimas e sexuais com essas pessoas. Princípios de Yogyakarta. Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/gays/principios_de_yogyakarta.pdf. Acessado em 02 fev. 2017.

[29]Segundo estes mesmos princípios, identidade de gênero é a experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, mudanças físicas) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismo. Princípios de Yogyakarta. Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/gays/principios_de_yogyakarta.pdf. Acessado em 02 fev. 2017.

[30] HENKEL, Tamayra Pauline de Oliveira, SOUZA, Edilson. OS TRÊS TEMPOS LÓGICOS DA CONSTITUIÇÃO DA TRANSEXUALIDADE. 2015.

[31] CAMPOS, Carmem Hein de. Razão e Sensibilidade: Teoria Feminista do Direito e Lei Maria da Penha. Disponível em <http://www.apmj.pt/images/documentos/pdfteoriafeminista/Razao_e_Sensibilidade.pdf >. Acesso em 17 fev. 2017

[32] No Estado de São Paulo, o decreto 55.588/2010 dá aos transexuais o direito ao tratamento nominal aos órgãos públicos da Administração direta e indireta e o decreto 51.180 que autoriza o uso do nome social em formulários, prontuários médicos e outros requerimentos. (VIEIRA, p.552/552 in DIAS,2014) O Estado do Rio Grande do Sul publicou o Decreto nº 49.122 em 17 de maio de 2012 que instituiu a Carteira de nome social para travestis e transsexuais, que servem para tratamento pessoal em qualquer parte da administração pública estadual. Outros Estados como Rio de Janeiro, Piauí, Mato Grosso do Sul também publicaram algumas normas e decretos para o tratamento, mas somente para alguns órgãos públicos.

[33] Disponivel em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1059446&filename=PL+5002/2013.>. Acessado em 02 fev. 2017.

[34] WYLLYS, Jean. KOKAY, Érika. Projeto de Lei 5002/2013, justificativa. Disponível em < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1059446&filename=PL+5002/2013 >. Acesso em 05 fev. 2017

[35] Vieira, Tereza Rodrigues. Transexualidade. In: DIAS, M. B. (coord). Diversidade sexual e direito homoafetivo. P. 553. SP: Ed. Revista dos Tribunais, 2014.

[36] WYLLYS, Jean. KOKAY, Érika. Projeto de Lei 5002/2013, justificativa. Disponível em < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1059446&filename=PL+5002/2013 >. Acesso em 05/02/2017.

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Sobre os autores
Bruno Fellipe dos Santos

Graduado Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2017). Pós-graduando em Direito e Processo Previdenciário pela Faculdade Damásio. Advogado OAB/SC 52268. Participante em diversos congressos e palestras. Pesquisador na área civil, com ênfase em direito das famílias e direitos da população transexual.

Ana Claudia Delfini Capistrano de Oliveira

Doutora em Sociologia, professora dos cursos de Direito, RI e Mestrado em gestão de políticas públicas da UNIVALI, Itajaí. Email: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Bruno Fellipe ; OLIVEIRA, A. C. D. C, Ana Claudia Delfini Capistrano Oliveira. Debates feministas pelo direito ao nome social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5170, 27 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59876. Acesso em: 29 mar. 2024.

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