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Debates feministas pelo direito ao nome social

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O artigo demonstra a luta feminista pelo direito ao nome social, levando em consideração, também, as lutas do movimento transfeminista.

RESUMO: O feminismo foi o pontapé inicial para uma transformação em escala global da condição social das mulheres. Inúmeras foram as repercussões, dentre elas, o nascimento do transfeminismo, um movimento que remonta ao século passado e, assim como o feminismo, busca a igualdade de gênero, tratando os iguais na sua igualdade e os desiguais na sua desigualdade. Estes movimentos sociais puseram em pauta assuntos como gênero e sexualidade, grandes tabus da sociedade machista e patriarcal. O direito das pessoas transexuais vem sendo buscado cada vez com mais intensidade. Neste contexto, o Direito e as Ciências Sociais trazem conquistas jurídicas e sociais, como o direito ao nome social e a defesa individual à identidade de gênero do sujeito.

PALAVRAS-CHAVE: feminismo, transfeminismo, nome social, transexualidade.


Introdução

A luta das pessoas transexuais por seus direitos não é algo tão novo como se pensa, esse luta por igualdade de gênero remonta do século passado. Tem como um marco simbólico inicial o feminismo. O feminismo foi e ainda é o pontapé inicial para grandes transformações na sociedade, e deve dialogar constantemente com o Direito. O transfeminismo é um movimento social, político e de gênero que teve como base o feminismo, uma vez que várias transfeministas faziam parte do movimento feminista, embora exista muita divergência, como a não-aceitação de mulheres trans nos grupos feministas sob a alegação de terem nascido com a identidade de gênero masculina e que, por isso, usufruíram de vantagens e privilégios próprios do masculino.  Da mesma forma, os homens trans também eram acusados pelas feministas radicais de estarem abandonando a causa feminista em busca de privilégios que a sociedade oferecia àqueles de sexo masculino.

O transfeminismo luta pela igualdade de gênero e, para que as pessoas possam escolher sua própria identidade de gênero, uma das condições essenciais para a definição desta identidade é a escolha de seu próprio nome. O nome é um padrão cultural. A maioria dos nomes ou são tidos como masculinos ou femininos, assim, uma pessoa transexual, ao resolver assumir a sua verdadeira identidade de gênero, não se sente mais confortável em usar o nome que está no registro civil.

Eis que surge, em meio a tantas políticas públicas para o fim do preconceito, para com a população LGBTI[3], o nome social. Este mecanismo jurídico surgiu para sanar uma lacuna na legislação acerca do tema, como forma mais célere de uma pessoa trans ter dignidade perante a sociedade.

Nem todos os estados possuem esse mecanismo assegurado, este serve para ser usado em órgãos públicos para o atendimento ao público, havendo, ainda, alguns Estados que permitem que seus servidores usem o nome social para cadastro de senhas, documentos referentes ao trabalho, crachá, cartão ponto. Nas escolas e universidades, o nome social também vem sendo utilizado como forma de dar, além da dignidade, um apoio ao aluno. O nome social, como expressão da dignidade que consta na Constituição Federal Brasileira, veio para dar mais respeito para uma parcela da população bastante carente de direitos.

Este artigo tem por objetivo apresentar alguns debates feministas sobre o direito ao nome social por meio da revisão de literatura sobre gênero, feminismo/transfeminismos e estudiosos/as do Direito que discutem o nome social. O artigo trabalha com a hipótese de que o direito ao nome social permite a revisão dos paradigmas sexistas presentes no universo jurídico.


1 Aproximações teóricas entre feminismo[4], gênero e Direito

Existe uma sólida tradição de perspectivas feministas e de gênero nos estudos da criminologia crítica, embora não sem certa resistência, desde os trabalhos de Baratta[5], Olsen[6], C. MacKinnon[7], Ruiz[8], responsável pela inserção de teorias feministas criminológicas capazes de problematizar a categoria mulher como não unívoca nos discursos legais, assim como iniciar a prática do estudo de pesquisas etnográficas e sociológicas sobre as múltiplas experiências das mulheres no campo jurídico, sobretudo nas questões relacionadas à violência. Entretanto, com exceção do campo da criminologia crítica, não se pode afirmar a existência de um diálogo feminista no campo do Direito ou uma tradição jurídica que incorpore a categoria “gênero” como categoria de análise jurídica, o que torna necessária a superação do lugar comum de estudos estigmatizantes e vitimizadores, que, quando não silenciam e inviabilizam, restringem as análises sobre as mulheres enquanto objetos sexuais ou na condição de vítimas.

Quando falamos em campo do Direito queremos nos referir não apenas ao campo disciplinar, mas ao campo normativo e político das práticas/saberes jurídicos e dos conflitos inerentes ao próprio campo, nas palavras do sociólogo Pierre Bourdieu[9]:

A constituição do campo jurídico é um princípio de constituição da realidade. Entrar no jogo, conformar-se com o direito para resolver o conflito, é aceitar tacitamente a adopção de um modo de expressão e de discussão que implica a renúncia à violência física e às formas elementares da violência simbólica, como a injúria.

Nestes termos, a literatura feminista sobre o Direito reconhece a existência de três paradigmas historicamente firmados neste campo: - o monopólio masculino expresso na ideia do homem como sujeito operador do Direito (o Direito é masculino); - a cultura patriarcal e sexista do Direito (o Direito é androcêntrico e misógino); - o déficit de gênero na produção social do Direito (o Direito tem gênero[10]).[11] [12]

Não poderia ser diferente, uma vez que o Direito é fruto de um sistema sociocultural fundado no patriarcado[13]. Se o Direito, como dizia o jurista-sociólogo Eugen Ehrlich[14], é um fato social que contribui para a produção/reprodução da ordem social e se o centro da gravidade no qual o direito se desenvolve não está nem na legislação, nem na doutrina, nem na jurisprudência, mas na sociedade, então, torna-se impossível isolar o Direito das interfaces feministas, bem como das relações de gênero, sob pena de implodir o centro de gravidade do qual depende o desenvolvimento do próprio Direito. Ou como disse François Geny[15], “se viver é mover-se e transformar-se, para o Direito é lutar em vista de uma perfeita e constante adaptação às exigências da vida social”. Nada mais atual do que as exigências feministas por um Direito igualitário e libertador nas e pelas relações de gênero.

Na opinião de Alda Facio[16], jurista e escritora feminista, todas as vertentes do feminismo, sejam elas liberais, socialistas ou pós-estruturalistas, lutam pela transformação da condição jurídica, social e política das mulheres, o que leva, necessariamente, a empreender esforços no sentido de desmantelar a lógica patriarcal do Direito expressa nos três paradigmas anteriormente citados. Para ela, tais vertentes integram uma Teoria Crítica do Direito[17] que não se esgota na elaboração de leis que beneficiem as mulheres ou lhes possibilite garantias jurídicas, mas deve propor formas de superação das desigualdades e discriminações de gênero também sentidas por outros grupos sociais. Nas palavras de Facio[18]

Recordemos que muchas leyes que se han promulgado para el supuesto mejoramiento de la condición jurídica de las mujeres, con el tiempo han producido otras discriminaciones hacia algunas o muchas de nosotras. Esto es así porque las leyes son más reflexivas que constitutivas de realidades sociales y generalmente siguen la huella de los lineamientos existentes del poder. Por ejemplo, (...) las mujeres pobres no pueden darse siquiera el lujo de cuestionarse si deben o no trabajar fuera de la casa, pero el moderno Derecho de Familia también ha descuidado el hecho de que para las mujeres de clase media y alta, el conflicto constante entre ser madre y trabajar fuera de la casa sigue frustrando la meta de todas las mujeres (o al menos de la gran mayoría) de alcanzar la independencia económica. (...)Sin embargo, hasta ahora, la mayoría de los feminismos se ha concentrado en los aspectos menos amenazadores de la transformación del Derecho. (...) Aunque ha sido arduo lograr que las mujeres sean aceptadas en el mundo masculino del Derecho como abogadas, juezas o juristas, más difícil aun es que se entienda cómo el sexismo está en la base misma de casi todas las instituciones jurídicas. Esto porque es más fácil permitir la entrada de mujeres a las instituciones patriarcales que transformarlas. Por ejemplo, es más fácil permitir que algunas mujeres lleguen a ser juezas de las cortes supremas que cuestionar los principios jerárquicos que organizan el sistema de administración de justicia. La historia nos demuestra que es más fácil aplaudir a algunas ‘grandes’ mujeres, que cuestionar y confrontar la misoginia que penetra el Derecho.

Na esteira deste pensamento, é mais fácil repetir o art. 5º da CF[19] ou bradar pela neutralidade da lei do que enfrentar as inúmeras desigualdades e sexismos, tanto no âmbito social quanto no jurídico, especialmente quando estas desigualdades referem-se a outros sujeitos igualmente invisibilizados e estigmatizados na cultura sociojurídica brasileira – as populações trans e LGBTI[20], formadas por uma diversidade de sujeitos cujas vivências desafiam o padrão binário “homem/mulher” da tradição ocidental judaico-cristã e, consequentemente, do pensamento jurídico ocidental.

A partir de um olhar de gênero desconstrucionista, o sujeito “mulher” do feminismo tornou-se plural, sem identidades fixas num corpo biológico ou numa natureza universal, um olhar que desloca a ênfase de um corpo biológico para um corpo socialmente produzido no qual não existe, como lembra Campos (2000), “a ‘mulher vítima’, a ‘mulher criminosa’, tampouco o homem delinquente ou o criminoso”, nem, tampouco, apenas o homem ou a mulher. A mesma observação é feita por Salete Maria da Silva:[21]

A categoria “gênero”, conforme o contributo teórico da historiadora Joan Scott, é uma categoria analítica capaz de possibilitar a compreensão de que “as distinções baseadas no sexo” em um caráter fundamentalmente social (e não exclusiva e/ou  meramente biológica) e que surgem das relações construídas (assimetricamente, na maioria das vezes) entre homens e mulheres (ou entre homens/homens ou mulheres/mulheres) e vão se legitimando e se reproduzindo através de certos espaços e mecanismos, dentre os quais emergem as instituições de ensino e seus conceitos normativos.

É justamente nestes espaços, mecanismos e conceitos normativos que o Direito atua no sentido de fixar e legitimar as diferenças e relações de gênero, pois o Direito é um sistema discursivo (no sentido foucaultiano[22]) que não apenas produz mas reproduz tais relações. Nisso reside a riqueza do mundo jurídico, das possibilidades de recriação e ressignificação dos significados de gênero. Que o digam as recentes mudanças legais e jurisprudenciais referentes à população trans que desafia as críticas feministas aqui citadas, tanto em seu caráter patriarcal, sexista e misógino, quanto no reconhecimento das questões de gênero na conquista e efetivação de direitos a grupos anteriormente invisíveis e marginais no campo jurídico-social. É o que trata o item a seguir.


 2 Transfeminismo e o uso do nome social

Na obra Corpos que importam: sobre os limites materiais e discursivos do sexo (1993) a filósofa Judith Butler[23] entende gênero como estilização do corpo, “um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida a qual se cristaliza no tempo para produzir a aparência de uma substância, de uma classe natural de ser...”. Butler desenvolve o conceito de performatividade para afirmar que o gênero “não é um ato singular, porque sempre é a reiteração de uma norma ou um conjunto de normas” que permite que se “oculte ou dissimule as convenções de que é uma repetição”, e esta repetição, por sua vez, “é a um só tempo reencenação e nova experiência de um conjunto de significados já estabelecidos socialmente, e também é a forma mundana e ritualizada de sua legitimação”[24]. É, neste sentido, que a utilização da categoria trans tem se reconhecido como um desdobramento das relações estilizadas e performáticas quanto ao gênero pela desconstrução da lógica binária de dois corpos – masculino e feminino.

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As lutas jurídicas e sociais das pessoas transexuais e transgêneros[25] não são recentes. Desde a segunda metade do século XX, durante o movimento feminista de segunda onda marcado pela luta das mulheres por seus direitos, está em andamento o movimento pelo transfeminismo, com base na crença de que cada indivíduo tem o direito de definir sua própria identidade de gênero e orientação sexual, conforme mostra Coacci[26]:

O termo transfeminismo ganhou visibilidade nos países de língua espanhola e portuguesa inicialmente a partir de Kim Perez Fígares, com seu texto de 2004 “¿Mujer o Trans? La inserción de las transexuales en el movimiento feminista20”, e após com a filósofa e ativista queer Beatriz Preciado que em 2009 publicou o texto “Transfeminismo y Micropolíticas del género en la era farmacopornografica”. Mas é a partir do final daquele ano, por meio do manifesto da Rede PutaBolloNegraTransFeminista produzido na Jornadas Feministas Estatais do Estado Espanhol, ocorrida em Granada, que o termo ganha maior notoriedade, sendo possível encontrar cópias desse manifesto em diversas páginas da internet e em diversas línguas, inclusive o português.

De acordo com o Manifesto Transfeminista, de Emi Koyama[27], o transfeminismo defende a liberdade de orientação sexual[28] e o direito ao exercício saudável da identidade de genêro[29], na qual nenhuma pessoa pode ser coagida a tomar quaisquer decisões sobre sua vida sexual e/ou afetiva. Tamayra Pauline e Edilson Souza[30] explanam sobre a dificuldade na distinção da transexualidade e homossexualidade:

Apesar da transexualidade ser um assunto estudado por diversas áreas, tais como o direito, a antropologia, a sociologia, a psicologia e ciências médicas, os transexuais ainda são alvo de preconceito e vistos como algo animalesco, anormal, e até mesmo “patológico”. (...)enquanto o transexual está em desconformidade com o gênero que lhe foi imposto ao nascer, o homossexual está em conformidade com a sua identidade. Para Lacan (1971) a transexualidade está ligada ao simbólico, é este que inscreve as diferenças sexuais no sujeito (ser homem ou mulher). Quando o transexual inicia o processo de redesignação sexual, não o faz para abandonar seu corpo, mas para reescrever sobre aquilo que este corpo significa (Lição de 8 de dezembro de 1971). É sabido que cada sujeito compreenderá o que é ser homem ou mulher dentro da sua singularidade.

No entanto, mais difícil do que distinguir os termos é a aceitação social e jurídica de uma cidadania de gênero. Como nos lembra Campos[31]:

as significativas conquistas sociais e jurídicas de gays e lésbicas, por exemplo, desafiam os rígidos limites do gênero. Dito de outra forma, o reconhecimento, por exemplo, da união estável de homossexuais (ou matrimônio) traz inúmeras consequências jurídicas e práticas (possibilidade de adoção, herança, vínculo previdenciário, etc.). Esse reconhecimento rompe com a noção de gênero no direito, que opera a partir do dualismo masculino e feminino e de identidades fixas, produzindo significativa mudança na noção de cidadania.

São tais desafios que revigoram os limites de gênero no campo jurídico, as populações trans reivindicam modos de ser homem e mulher, ou modos de não ser homem e mulher e quantas formas que se queira ser, que não cabem no atual sistema jurídico. O transfeminismo vem para confrontar as instituições políticas e sociais que inibem ou condicionam as escolhas pessoais, começando pelo uso do nome social.  

Neste sentido, é possível colocar a hipótese que o direito ao nome social permite a revisão dos paradigmas sexistas presentes no universo jurídico. O nome social é uma tentativa jurídica de adequar o prenome e o sexo de um indivíduo que não se reconhece em seu corpo biológico, ele foi criado para suprir o déficit de gênero apontado no início deste artigo, especificamente o déficit de gênero para as populações trans serem tratadas dignamente em repartições públicas. O Decreto n.8.727 de 28 de abril de 2016 dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Desde 2009 há uma Portaria do Ministério da Saúde (1.820, de 13.08.2009) que estabelece o direito da pessoa registrar o nome social independentemente do nome registrado civilmente. Em 2011, foi a vez do Ministério da Educação, pela Portaria 1.212 de 18.11.2011, estabelecer a escolha de tratamento nominal nos órgãos públicos e do Conselho Federal de Psicologia e de Serviço Social autorizarem o uso do nome social na carteira de identidade profissional.

Em outras palavras, o nome social já está em vigor há muito tempo, embora alguns estados não o tenham ou não o reconheçam. Alguns Estados[32] foram pioneiros em dar esse tratamento humanizado para as pessoas trans, criando a carteira do nome social para que nas repartições públicas ela possa ser chamada e tratada com a devida dignidade. A Secretaria de Educação do Estado do Pará foi pioneira em tratar desse tema pela portaria nº 16/2008-GS, dando direito aos transsexuais e as travesti de registrarem o nome social como prenome no ato da matrícula. Posteriormente, o Estado do Pará editou o Decreto nº 1.675 de 21 de maio de 2009, o qual dispõe que a Administração Pública direta e indireta, nos atendimentos de transsexuais e transgêneros, deverá ser respeitado o nome social, independente de registro civil e, em 2013, editou o Decreto nº 726 de 29 de abril de 2013 que instituiu que o documento de identificação seria emitido pela Polícia Civil do Estado fazendo parte de uma rede de políticas públicas pelo Programa Estadual “Pará sem Homofobia”.

Além do nome social, e como fruto do movimento feminista, existem várias políticas públicas que preveem o enfrentamento do racismo, sexismo e lesbofobia como o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres que, em seu capítulo 9, reitera a resistência “à ideologia patriarcal e heteronormativa, ou seja, a hierarquização dos papéis sexuais de mulheres e homens e a não aceitação de outras expressões sexuais que não seja a heterossexual, impactam por toda vida das mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais” e os programas federais Brasil sem Homofobia, Programa de Combate à violência e à Discriminação contra GLBT e da Promoção da Cidadania Homossexual.

O projeto de lei 5002/2013[33], também conhecido como Lei João W. Nery, proposta pelo Deputado Federal do Rio de Janeiro Jean Wyllys e pela Deputada Federal de Brasília Érika Kokay, traz uma nova redação ao decreto com o intuito de humanizar a lei e demonstrar que o Estado acompanha as mudanças sociais. O projeto de lei ainda visa a modificação do artigo 58 da lei 6015 de 1973 (lei de registros públicos), que diz: “o prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios” pela nova redação:

Art. 58º. O prenome será definitivo, exceto nos casos de discordância com a identidade de gênero auto-percebida, para os quais se aplicará a lei de identidade de gênero. Admite-se também a substituição do prenome por apelidos públicos notórios.

Apesar destes avanços, ainda há uma lacuna de gênero materializada pela inércia do judiciário quanto ao tema, que deve ser preenchida, não por uma lei isolada (nome social), mas por um entendimento das identidades de gênero. É neste sentido que situa-se o PL João Nery, a despeito de tratar do nome social, ela não o faz isoladamente dos contextos de gênero nem como uma benesse do estado. Neste PL, o direito ao reconhecimento da identidade de gênero pelas pessoas transexuais não depende da autorização de laudos médicos ou psicológicos, nem mesmo de cirurgias de redesignação de sexo ou hormonioterapias. Para Wyllys e Kokay[34] ,

O imbróglio jurídico sobre as identidades “legal” e “social” das pessoas travestis, transexuais e transgêneros provoca situações absurdas que mostram o tamanho do furo que ainda existe na legislação brasileira. Graças a ele, há pessoas que vivem sua vida real com um nome — o nome delas, pelo qual são conhecidas e se sentem chamadas, aquele que usam na interação social cotidiana —, mas que carregam consigo um instrumento de identificação legal, uma carteira de identidade, que diz outro nome. E esse nome aparece também na carteira de motorista, na conta de luz, no diploma da escola ou da universidade, na lista de eleitores, no contrato de aluguel, no cartão de crédito, no prontuário médico. Um nome que evidentemente é de outro, daquele “ser imaginário” que habita nos papeis, mas que ninguém conhece no mundo real.

Raros são os casos de autorização judicial pelo nome social sem as cirurgias de redesignação sexual, o que é fartamente suprido pela prática jurisprudencial que renova o Direito.[35]

As palavras visibilidade e invisibilidade são bastante significativas para a comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Pertencer a esta “sopa de letras” que representa a comunidade sexo-diversa (ou a comunidade dos “invertidos”) é transitar, ao longo da vida, entre a invisibilidade e a visibilidade. Se para lésbicas e gays, serem visíveis implica em se assumirem publicamente, para as pessoas transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, a visibilidade é compulsória a certa altura de sua vida; isso porque, ao contrário da orientação sexual, que pode ser ocultada pela mentira, pela omissão ou pelo armário, a identidade de gênero é experimentada, pelas pessoas trans, como um estigma que não se pode ocultar, como a cor da pele para os negros e negras.  Travestis, transexuais, transgêneros e intersexuais não têm como se esconder em armários a partir de certa idade. Por isso, na maioria dos casos, mulheres e homens trans são expulsos de casa, da escola, da família, do bairro, até da cidade. A visibilidade é obrigatória para aquele cuja identidade sexual está inscrita no corpo como um estigma que não se pode ocultar sob qualquer disfarce. E o preconceito e a violência que sofrem é muito maior. Porém, de todas as invisibilidades a que eles e elas parecem condenados, a invisibilidade legal parece ser o ponto de partida.[36] 

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Sobre os autores
Bruno Fellipe dos Santos

Graduado Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2017). Pós-graduando em Direito e Processo Previdenciário pela Faculdade Damásio. Advogado OAB/SC 52268. Participante em diversos congressos e palestras. Pesquisador na área civil, com ênfase em direito das famílias e direitos da população transexual.

Ana Claudia Delfini Capistrano de Oliveira

Doutora em Sociologia, professora dos cursos de Direito, RI e Mestrado em gestão de políticas públicas da UNIVALI, Itajaí. Email: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Bruno Fellipe ; OLIVEIRA, A. C. D. C, Ana Claudia Delfini Capistrano Oliveira. Debates feministas pelo direito ao nome social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5170, 27 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59876. Acesso em: 24 dez. 2024.

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