Capa da publicação Ativismo judicial da República togada: separação dos poderes e legalidade no STF
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O ativismo judicial da República togada e o princípio da legalidade na democracia parlamentar:

uma breve análise crítica acerca de algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, sob as luzes da separação dos poderes e da soberania popular

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3 A ESTRITA LEGALIDADE

Como já aludido, para nós o ativismo judicial válido e possível consiste na intervenção do Poder Judiciário para viabilizar o exercício de direitos constitucionalmente assegurados, mas que estejam sendo inviabilizados por injustificadas omissões inconstitucionais normativas ou governamentais do Poder Legislativo ou do Poder Executivo. O ativismo judicial pressupõe que o demandante tenha direito (o interesse ou o desejo ou a necessidade que sejam amparados no ordenamento jurídico). O interesse ou o desejo ou a necessidade não amparados no ordenamento jurídico não são direitos. Podem ser justas e legítimas demandas e reivindicações, mas não são direitos. Somente é direito o que estiver amparado no ordenamento jurídico.

A partir dessa perspectiva alcançaremos um adequado sentido para o preceito constitucional disposto no art. 5º, inciso II (ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei). Este termo “lei” tem sido compreendido, tanto pelo magistério doutrinário[21], quanto pela jurisprudência constitucional[22], em dois sentidos: o formal e o material. Lei, em sentido formal, significa o provimento normativo emanado do Poder Legislativo sujeito à sanção ou a veto do chefe do Poder Executivo. Lei, em sentido material, significa o provimento normativo válido e compatível com o ordenamento jurídico.

Para efeitos da nossa perspectiva, nos interessa a “lei” em sentido formal. Nos interessa, apenas, o comando normativo oriundo do Poder Legislativo. A “lei”, em sentido material, não nos interessa neste momento. Nessa linha, surge o denominado princípio constitucional da estrita legalidade. A estrita legalidade consiste no mandamento constitucional que exige que certas matérias somente possam ser normatizadas por meio de “lei” formal, ou seja, por provimento normativo emanado do Poder Legislativo. Mas onde está preceituado que somente a “lei” emanada do Poder Legislativo pode regular certas matérias? Ou melhor perguntando: quais matérias somente podem ser reguladas por lei formal?

As respostas a essa única indagação, conquanto formulada de dois modos distintos, devem ser encontradas no texto da Constituição e na prática judicante do Supremo Tribunal Federal. Como o STF tem respondido a essas questões? E quais matérias, nada obstante exijam intervenção legislativa formal, podem ser reguladas, excepcionalmente por força da injustificada omissão inconstitucional do legislador, pelo Tribunal?

É praticamente unânime que em sede de direito penal e de direito tributário vige o indigitado princípio da estrita legalidade. Na seara da criação dos “tipos penais” estabelece a Constituição que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (art. 5º, XXXIX). No âmbito da criação dos “tipos tributários” determina a Constituição que é vedado exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (art. 150, I). O magistério doutrinário[23] e a prática jurisprudencial do STF[24] confirmam essa asserção.

Além dos campos penal e tributário, as escolhas político-normativas que tenham impacto financeiro ou orçamentário também devem estar fora da intervenção judicial. Nessa seara financeira ou orçamentária, é de se recordar a clássica passagem de Carl Schmitt[25] na qual, reproduzindo o magistério de Georg Meyer e de Gerard Anschütz, expõe que “o direito público termina aqui, a questão acerca de como se deveria proceder no caso de inexistência de uma lei orçamentária não é uma questão de direito”.

As opções financeiras ou orçamentárias envolvem as visões ideológicas predominantes entre os Poderes Políticos (Legislativo e Executivo) que são constituídos por representantes eleitos, de quatro em quatro anos, para formularem os destinos políticos e normativos da Nação. Inclusive, se for necessário, com a possibilidade de modificação do conteúdo normativo da Constituição, vedando-se apenas a abolição dos preceitos alcançados pelo art. 60, § 4º (cláusulas pétreas).[26]  

O princípio constitucional da estrita legalidade é decorrência dos princípios da soberania popular e da separação dos Poderes.

À luz do art. 14 da Constituição[27], a soberania popular consiste no direito que tem o povo de escolher, mediante o voto em eleições legítimas, os seus representantes políticos, ou de mediante os institutos do referendo ou do plebiscito de escolher os caminhos que pretende adotar em certas questões, como ocorreu com o plebiscito de 1993, no qual se chancelou a escolha pela forma republicana de Estado e pelo regime presidencialista de governo (art. 2º, ADCT/CF88)[28]. A soberania popular também pode ser exercitada mediante o instituto da iniciativa popular na provocação do processo legislativo. E, de modo extremado e excepcional, a soberania popular pode ser praticada nas “ruas” e nos “protestos”, como tem ocorrido ao longo da história brasileira, e nos últimos anos como ocorreu nas “jornadas de Junho de 2013” e nas gigantescas manifestações populares contra o governo da presidente Dilma Rousseff [29].

Mas por detrás desse princípio constitucional da soberania popular[30], verdadeiro alicerce da estrutura política do Estado brasileiro, está a ideia de responsabilidade política. O povo soberano é corresponsável pelas escolhas políticas e normativas de seus representantes. O povo soberano é corresponsável pela situação política, pois ele detém o poder de manter os seus bons ou maus representantes no exercício das funções políticas. Nas democracias, o povo soberano não é vítima de maus governantes, é corresponsável. De tempos em tempos, nos processos eleitorais, o povo soberano se manifesta no sentido de chancelar ou de recusar os seus representantes políticos.[31]

Além da soberania popular, outro princípio constitucional fundamental da estrutura política do Estado brasileiro é o da separação dos Poderes. A finalidade precípua da separação dos Poderes é garantir o equilíbrio político no Estado e na sociedade. Nenhum ramo do Poder do Estado pode se sobrepor aos demais a ponto de gerar um desequilíbrio estatal, assim como nenhuma classe ou setor da sociedade pode se sobrepor demasiadamente em relação às outras classes ou setores, sob o risco de criar um desequilíbrio social. A razão principal do Estado é tornar a sociedade equilibrada. Para isso, o próprio Estado deve ser equilibrado. E o princípio instrumento de garantia do equilíbrio das forças normativas e políticas do Estado se dá com a separação dos Poderes, como bem capturado pelos “Federalistas” norte-americanos.[32]

Nessa perspectiva, não deve o Poder Legislativo usurpar as atribuições dos Poderes Executivo e Judiciário. O Executivo não deve usurpar as atribuições do Legislativo nem do Judiciário. E este – o Judiciário – não deve usurpar as atribuições do Legislativo nem do Executivo. Cada Poder deve agir dentro de seu respectivo esquadro constitucional. E no caso do Judiciário tenha-se o fato de que carece de respaldo de legitimação popular ou eleitoral. Os magistrados não sofrem o “batismo das urnas”, não passam por um processo eleitoral, não podem ser substituídos de quatro em quatro anos. Magistrado não é represente político do povo/eleitor. Magistrado é um “burocrata” que deve se comportar em milimétrica e rigorosa obediência ao Direito e à Justiça. Justiça que deve ser em conformidade e compatível com o Direito.[33]

A iterativa jurisprudência do STF brasileiro firmou-se no sentido de que não cabe ao Judiciário inovar positivamente o ordenamento jurídico sob pena de transgressão do princípio da separação dos Poderes. Mas em nosso modelo constitucional, é atribuição do Judiciário negar a validade ou a aplicação de qualquer preceito normativo jurídico se acaso entender e comprovar que tal preceito é incompatível com o Direito e com a Justiça.[34] O Poder Judiciário não é um Poder democrático, é um Poder republicano. Não devem os magistrados agir em conformidade com os sentimentos políticos e desejos da população. Devem os magistrados julgar em milimétrica e rigorosa conformidade com o Direito e com a Justiça.

Todavia, nada obstante essa linha jurisprudencial, o STF nas hipóteses de injustificadas omissões inconstitucionais dos Poderes Legislativo ou Executivo tem o dever de satisfazer normativamente o direito constitucionalmente consagrado, mas inaceitavelmente inviabilizado. Fora dessa excepcional situação, as eventuais decisões substitutivas das opções político-normativas dos Poderes Legislativo e Executivo são incompatíveis com a Constituição, por violarem os princípios da soberania popular e da separação dos Poderes. Não se estaria diante de ativismo judicial – nem de altivez judicial[35] -, mas de arbítrio judicial, de verdadeira “ditadura togada”.

O Tribunal não é o órgão competente da soberania nacional, com fundamento na soberania popular, para satisfazer desejos ou interesses ou necessidades, nada obstante justas e legítimas, mas que não estejam amparadas no ordenamento jurídico. O Poder Judiciário deve julgar em conformidade com o Direito e com a Justiça. Mas Justiça em conformidade com o Direito.[36]

Com efeito, algumas indagações se fazem necessárias: o STF deve ter o poder e a independência para julgar contra o texto normativo da Constituição? E contra o texto normativo da lei constitucionalmente válida? As respostas não exigem maiores esforços: não. O Tribunal há de ser o “guardião” da Constituição, e não o seu “carcereiro” ou “algoz”.

Essas vedações também se aplicam aos demais tribunais e juízes brasileiros. E sobre essas outras instâncias judiciais surge a seguinte questão: os tribunais e juízes brasileiros têm o direito de julgar as questões em sentido diverso ao estabelecido pela jurisprudência das instâncias que lhe sejam superiores? A resposta também não oferece maior dificuldade: não.

A despeito dessa nossa compreensão, a realidade judicial tem sido em linha diametralmente oposta. O magistrado brasileiro não se sente eticamente comprometido com o texto normativo (seja da Constituição, seja da Lei ou de um Contrato ou de um Regulamento etc.) nem com a jurisprudência das instâncias superiores (seja do STF ou dos Tribunais Superiores ou dos respectivos Tribunais de “apelação”), como bem demonstrou Luiz Guilherme Marinoni[37] em percuciente análise acerca da tradição brasileira do desrespeito aos precedentes judiciais.


4 ALGUMAS DECISÕES ATIVISTAS

O STF ao apreciar uma “Questão de Ordem” no julgamento do Mandado de Injunção n. 107[38] entendeu que os efeitos normativos desse instituto processual seriam similares aos da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, no caso a declaração em “mora” do legislador ou do administrador para que cientes de sua respectiva omissão inconstitucional tomassem as medidas necessárias. Seria, por essa linha jurisprudencial, uma espécie de “ação declaratória de omissão inconstitucional”. [39]

Essa perspectiva restou definitivamente superada pelo Tribunal na apreciação do Mandado de Injunção n. 708[40] na qual a Corte entendeu que poderia ser sanada injustificada omissão normativa inconstitucional do Legislador. No caso, cuidava-se da ausência de norma legal regulando o direito constitucionalmente assegurado de greve dos servidores públicos. Ante a injustificada inércia do legislador em regular esse direito assegurado pelo texto da Constituição (art. 37, VII)[41], decidiu a Corte aplicar por analogia aos servidores públicos, naquilo que fosse compatível, a Lei de Greve (Lei 7.783/1989) que regulava as relações trabalhistas na iniciativa privada.

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Correto o novo entendimento do Tribunal, seja em relação ao alcance normativo do mandado de injunção seja em relação ao caso concreto que solucionou. Com efeito, a Constituição concedeu ao servidor público o direito de greve. Esse direito estava sendo obstaculizado em face da injustificada omissão normativa do legislador. Não se tratava de interesse político dos servidores públicos, mas de direito constitucionalmente assegurado, mas inviabilizado pela inaceitável mora legislativa.

Outra questão apreciada pelo STF se deu por ocasião do julgamento do Mandado de Injunção n. 721[42] no qual o Tribunal, em face da inexistência de lei complementar regulamentando o art. 40, § 4º, CF[43], que estabelece as hipóteses de aposentadoria especial para os servidores públicos. A Corte, assim com o fizera em relação à greve do servidor público, estendeu para o servidor público, por analogia, o regime legal próprio dos trabalhadores da iniciativa privada (art. 57, § 1º, Lei 8.213/91).[44]

Outro julgamento emblemático foi o da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132[45]. Nesse julgamento o Tribunal conferiu uma “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723[46] do Código Civil em face do art. 226, § 3º[47], CF, no que concedeu aos “casais homossexuais” os mesmos direitos e prerrogativas dos “casais heterossexuais”.

Na perspectiva de uma moralidade liberal, a decisão do STF foi correta, especialmente em face do princípio da dignidade humana, da autonomia da vontade, da igualdade substantiva e do fato de que não haveria “prejuízo” algum para terceiros. Todavia, à luz do princípio da estrita legalidade e lastreado no fato inquestionável de que as palavras nos textos normativos não são escritas à toa, a fundamentação vencedora não foi a mais adequada, especialmente as consequências posteriores que resultaram em “casamentos homossexuais”, sem que houvesse amparo legal.

Com efeito, o voto que mais se aproxima de uma adequada interpretação constitucional foi o emitido pelo ministro Ricardo Lewandowski, no sentido de reconhecer e de estender às “uniões homossexuais ou homoafetivas”, naquilo que coubesse e fosse pertinente, o mesmo regime jurídico das “uniões heterossexuais”, mas respeitando as letras do texto constitucional e da legislação infraconstitucional pertinente.

Outro julgamento paradigmático sucedeu nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54[48], que cuidou do reconhecimento da validade normativa da interrupção da gravidez de feto anencefálico, a despeito das hipóteses normativas contidas nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, todos do Código Penal, que não reconheciam a inviabilidade da vida intrauterina fetal como justificação para a interrupção da gravidez.

Nesse julgamento, o Tribunal correu o risco de legislar positivamente, em sede penal, na medida em que criou uma nova hipótese de descriminação de aborto. Mas a justificativa normativa da Corte foi adequada, conquanto desnecessária. É que a rigor a extração do feto anencefálico do útero da mãe não é abortamento, pelo simples fato de que o feto, por ser anencefálico, não está vivo. O abortamento pressupõe a vida intrauterina. Se vivo não estava, não há que se falar em aborto. O aborto provoca a morte do feto. Mas se o feto já estiver sem vida, não há que se falar em abortamento.

Outro tema que nos Estados Unidos é sempre recordado como exemplo de manifestação do “ativismo judicial” é o das “políticas afirmativas raciais ou étnicas”.[49] No STF a questão foi apreciada por ocasião do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 186[50].

Nesse caso o Tribunal não foi “ativista”, dentro do conceito de ativismo judicial que estamos a trabalhar, pois não houve preenchimento de lacuna normativa, mas tão somente a chancela judicial de medida de política afirmativa, nada obstante equivocada essa medida, pois se utilizou um critério “arbitrário e cego” para criar discriminações positivas, mas sem qualquer embasamento empírico consistente. Com efeito, não se demonstrou que a “cor ou raça ou etnia” era o elemento que impedia o acesso à universidade pública. Mais uma vez o Estado brasileiro optou pela solução simplista em vez de enfrentar as raízes reais dos problemas: a baixa qualidade da educação fundamental pública que não viabiliza igualdade de condições e oportunidades. Metaforicamente: “o Estado quebra a sua perna, depois lhe oferece a muleta”.

O princípio constitucional da estrita legalidade foi recentemente utilizado pelo Tribunal por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n. 656.860[51], apreciou a questão do direito à aposentadoria por invalidez com proventos integrais quando a invalidez for decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, ‘na forma da lei’, nos termos do art. 40, § 1º, I, CF.

O Tribunal manteve a sua linha jurisprudencial no sentido de que pertence ao domínio normativo ordinário a definição das doenças e moléstias que ensejam aposentadoria por invalidez com proventos integrais. Ou seja, a Corte não foi ativista.

No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 875[52], que cuidou dos critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados, o Tribunal reconheceu a omissão inconstitucional do Congresso Nacional e determinou um prazo de validade normativa da Lei Complementar n. 62/1989. Sucede, todavia, que já venceu o prazo assinalado pelo STF. E até o presente o Congresso Nacional não editou nova lei complementar compatível com a decisão do STF. E a Corte não tem mecanismos para constranger o Legislador a legislar. Como se trata de questão que envolve alta política financeira, orçamentária e federativa, convém ao Tribunal manter-se afastado dessa controvérsia, pois nessas questões “acaba o direito público”, é pura política.

Mas no julgamento do Mandado de Injunção n. 943[53], que analisou a omissão inconstitucional relativa ao art. 7º, inciso XXI, CF[54], no concernente ao aviso prévio proporcional, o Tribunal superou o velho precedente estabelecido no Mandado de Injunção n. 369[55], e debateu sobre quais seriam os prazos, de um modo absurdamente arbitrário. Diante dessa situação inusitada, o Congresso Nacional, às pressas, editou a Lei 12.506/2011 regulamentando os prazos relativos ao mencionado direito de aviso prévio. O Tribunal, que havia julgado por bem suspender o julgamento, aplicou os prazos legalmente estabelecidos. A rigor deveria ser julgado prejudicado o mencionado feito, ante a superveniência da regulamentação legal. Registre-se, por oportuno e necessário, que a decisão do STF forçou o Congresso Nacional a chegar a um consenso e editar a mencionada Lei 12.506/2011.

Especial atenção de toda a comunidade jurídica, e de toda a sociedade brasileira, merecem o Mandado de Injunção n. 4.733[56] e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 26[57], ainda não julgados definitivamente, que cuidam de postulação no sentido de o STF, em face da omissão legislativa do Congresso Nacional, no tocante aos incisos XLI[58] e XLII[59], art. 5º, CF, preencher essa lacuna normativa e tipificar penalmente as condutas homofóbicas.

Em decisão monocrática, o relator ministro Ricardo Lewandowski, forte no que decidido no Mandado de Injunção n. 624[60], não conheceu do aludido MI 4.733. Sucede, todavia, que houve interposição de agravo regimental da parte impetrante e o relator determinou a colheita de parecer da Procuradoria-Geral da República, que se manifestou pela concessão da ordem injuncional, com esteio na tese de que a proteção dos direitos fundamentais encontra-se deficiente ante a inércia do legislador penal. Se acolhida a pretensão, o STF estará tipificando penalmente condutas inconvenientes, civilmente ilícitas, imorais na perspectiva liberal, mas que ainda não são criminosas. Seria um passo demasiadamente largo e absurdamente perigoso.

Mas todo cuidado é pouco. Com efeito, o STF editou a Súmula Vinculante n. 11[61], que tem o seguinte teor: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. Se não bastassem a absoluta inconveniência desse provimento judicial e a sua má redação normativa, tenha-se a criação de responsabilidade penal onde o legislador penal não criou.

Portanto, é preciso vigilância social sobre o STF para que a Corte não caia na tentação diabólica de querer inovar o ordenamento jurídico mediante a criação de tipos penais. Seria o começo do fim. Nessa linha, só restaria ao Tribunal também criar tipos tributários e, como supremo ápice de seu ativismo, decretar a inconstitucionalidade de preceito normativo constitucional originário.

Cuide-se, a bem da verdade, que o Tribunal, ao editar a Súmula Vinculante n. 25[62] (É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito) afastou, parcialmente, a vigência do enunciado constitucional originário prescrito no art. 5º, LXVIII, CF (não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel). A Corte, a pretexto de prestigiar o Pacto de San Jose da Costa Rica, afastou, parcialmente, a vigência do aludido preceito constitucional originário.

Daí que todo cuidado é pouco. Afinal o Supremo Tribunal Federal, em tempos de normalidade institucional, detém o monopólio da definitiva palavra do que seja a Constituição. E a Constituição, nos tempos de paz, tem como “guardião” o STF. “Guardião”. E não o seu “Carcereiro ou Algoz”.

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. O ativismo judicial da República togada e o princípio da legalidade na democracia parlamentar:: uma breve análise crítica acerca de algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, sob as luzes da separação dos poderes e da soberania popular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5392, 6 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64972. Acesso em: 2 nov. 2024.

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