6. AS ALTERNATIVAS JURÍDICAS NO CENÁRIO BRASILEIRO
No Brasil, a divulgação não consentida de material íntimo com teor sexual mostra-se cercada de diversas interpretações, e, por isso, a depender das circunstâncias de cada caso, pode ser enquadrada em diversos dispositivos normativos e interpretações jurídicas. O ato pode ser interpretado como ilícito criminal, mas também é passível de indenização material e moral na esfera cível. Resta saber se essas respostas legais existentes no país dão conta de oferecer uma solução jurídica satisfatória ao universo de consequências individuais traumáticas que o ato é capaz de produzir.
As providências no âmbito cível são cabíveis por meio de ações de indenização por danos morais e materiais, além de ações de obrigação de fazer, de não fazer, a depender do pedido de retirada de material disseminado na rede, ou ainda, de proibição de divulgação. Mas o que ocorre é uma relativa inércia provocada pelo desinteresse dos operadores do Direito, pela vergonha ou pelo desconhecimento dos instrumentos disponíveis por parte das vítimas, e pelo preconceito sociocultural ao litigar em prol de uma temática sexual, que o imaginário social, por vezes, considera tratar-se de enriquecimento ilícito e abarrotamento do judiciário (SYDOW; DE CASTRO, 2017, p. 113-114).
De modo inicial, é indispensável falar em dano na temática. O dano é categorizado na responsabilidade civil, no artigo 927, em seu parágrafo único, em combinação com os artigos 186 e 187, do mesmo Código. O dano reparável se apresenta de forma genérica ao dispor que há violação do direito a produção de dano, ainda que exclusivamente moral (BRASIL, 2002). Dessa forma, é também possível que haja fixação de dano a título existencial, que corresponde à frustração da liberdade do indivíduo na execução de seu plano de vida, projetado para si mesmo. O dano ao projeto de vida coaduna-se com a ampla reparabilidade do dano moral, com base na autodeterminação – fundamento da pessoa e da dignidade, que afasta do caráter patrimonialista.
No dano ao projeto de vida é justamente a liberdade de agir da pessoa que é tolhida pelo agente que termina por impedir o desenvolvimento da personalidade da vítima de acordo com a vontade desta. Projeto de vida é o rumo ou destino que a pessoa outorga à sua vida, aquilo que a pessoa decide - e pode - fazer da sua vida. O dano ao projeto de vida ocorre quando se interfere no destino da pessoa, frustrando, aviltando ou postergando a sua realização pessoal. (SCHÄFER e MARTINS MACHADO, 2013, p. 188-189).
Não há uma estrutura categorizante que defina na legislação as origens do dano, e suas limitações. O que há é uma extensa interpretação doutrinária e jusrisprudencial. Os danos relativos à imagem à honra, à intimidade, e à privacidade estão previstos no art. 5°, inciso X da Constituição e perfazem direitos personalíssimos. A imagem subdivide-se em imagem retrato, imagem atributo e imagem autoral. Imagem retrato está relacionada com a aparência física, enquanto que a imagem atributo corresponde ao conjunto de características que identificam o indivíduo no meio social. A imagem autoral, prevista no inciso XXVIII, por sua vez, é aquela proveniente da captação por determinada pessoa. Com relação à honra, esta possui vínculo com a autoestima, a consciência da própria dignidade, reputação, e boa fama. A identidade e a privacidade, por sua vez, referem-se a informações próprias aptas à identificação individual; pertença e acesso, respectivamente (BRASIL, 1988). Esses direitos personalíssimos devem ser analisados de forma isolada, pois nem sempre, a depender do caso, a honra é lesada.
A Lei 12.965/14 ficou conhecida como Marco Civil da Internet, e surgiu como uma espécie de “Constituição” do meio cibernético. Ela representou um grande avanço para a investigação de casos de pornografia não consensual, além de prever responsabilização a sites hospedeiros e mecanismos de busca. A lei regula direitos e deveres dos usuários, bem como dos prestadores de serviço e do Estado. Às empresas que atuam de modo online é obrigatório agir com transparência, e com fornecimento de opção de exclusão de dados pelos usuários. Além disso é determinado o sigilo das comunicações, a neutralidade e a liberdade de expressão (BRASIL, 2014).
Com relação à liberdade de expressão, os conteúdos produzidos pelos usuários só poderão ser retirados mediante determinação judicial, exceto nos casos em que ocorrer violação de material íntimo com teor sexual, sem consentimento, em que as vítimas podem exigir a retirada instantânea dos sites e servidores que servirem de suporte para a veiculação do material. Caso exigência não seja cumprida, o provedor se torna assim, responsável de modo subsidiário. Tal disposição está prevista no art. 21 da Lei:
Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo. Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e verificação da legitimidade para apresentação do pedido (BRASIL, 2014).
O artigo 15, por sua vez, recebeu inúmeras críticas, pois em seu caput determina que todos os provedores de internet guardem os registros de acesso dos usuários até o prazo de seis meses, mas podendo ser majorado por determinação da autoridade policial, ou a pedido do Ministério Público. A crítica se dá em razão da retenção que se dá de forma indiscriminada, em vias de provocar um monitoramento generalizado de quem se utiliza da rede. De acordo com Valente et al:
As empresas provedoras de aplicações insistem constantemente na necessidade de se indicar precisamente onde se encontra algo que se deverá remover – o que tem significado a identificação da URL. De um lado, a indicação genérica de conteúdos a remover pode levar a remoções de conteúdos ilícitos ou abusos de direito. O pedido de remoção de todo e qualquer conteúdo envolvendo uma determinada pessoa, por exemplo, pode fazer com que sejam removidos também conteúdos não relacionados ao ilícito (VALENTE, et al; 2016, p. 50).
A lei 12.737/12, conhecida como Lei Carolina Dieckmann é a legislação motivada pela violação que ocorreu com a atriz que tem o mesmo nome da lei. Carolina Dieckmann teve várias fotos íntimas hackeadas de seu computador e publicadas em diversos sites pornográficos. Além disso, foi vítima de extorsão, com a exigência de 10 mil reais para que não fossem divulgadas mais imagens. A referida legislação acrescentou os artigos 154–A e 154–B ao Código penal Brasileiro, além de alterar a redação dos artigos 266 e 298 do mesmo código (BRASIL, 2012).
A criação dessa lei possibilitou que o ato de invasão de dispositivos informático alheio, através de mecanismo de segurança, e com o fim de obter, adulterar, ou destruir dados ou informações sem autorização do titular, se tornasse crime. A pena prevista é de três meses a um ano, com possibilidade de se estender a quem produz, oferece, distribui, vende, ou facilita a invasão. É estabelecido também, um aumento de pena se da invasão resultar prejuízo econômico, divulgação, comercialização, e transmissão. Embora a lei não trate objetivamente de situações que envolvam divulgação de material íntimo, a lei consegue alcançar determinados casos em que há a violação de dados pessoais em dispositivos informáticos, através de hackers. (BRASIL, 2012).
A Lei n° 11.340/06, lei Maria da Penha, como mencionada em capítulo anterior, é reconhecida pela Organização das Nações Unidas como uma das legislações mais avançadas em prol da defesa da mulher. A legislação não visa proteger somente a integridade física da vítima, mas também a integridade psicológica. Configurada a situação de violência entre pessoas que possuíam ou possuem proximidade de afeto, inexiste a possibilidade de se aplicar a lei dos Juizados Especiais – obstando as transações, as composições, a suspensão condicional do processo e as penas alternativas, como solução demasiadamente branda para esses casos.
Além disso, a violência de gênero e intrafamiliar não se restringe somente ao âmbito da convivência doméstica – alargando a tutela da relação íntima de afeto. Não há a previsão de solução específica de violações através de meios eletrônicos, mas é autorizado ao juiz utilizar de outras normativas legislativas para uma melhor adequação ao caso (BRASIL, 2006). Ao discorrer sobre o tema, Luíza Helena Marques de Fazio afirma que:
A Lei Maria da Penha gerou uma ruptura legislativa na centralidade masculina e no tratamento jurídico dispensado às mulheres. Essa norma inaugurou no Direito Brasileiro uma nova ótica de enfrentamento da violência de gênero. Houve uma mudança de paradigma, permitindo que o espaço público passasse a adentrar o espaço privado, tutelando as relações familiares – que também são relações de poder –, o indivíduo em sua especificidade e as violências que ali ocorrem. A questão da violência doméstica e familiar começa a ser entendida como um problema do Estado, que demanda políticas públicas para a sua erradicação (FAZIO, 2015, p. 3-4).
Haveria também a possibilidade de se aplicar aos casos de exposição de pornografia não consentida o artigo 10 da Lei 9.296/96, em que regula a interceptação telefônica, informática ou telemática, sem autorização da Justiça. O dispositivo estabelece crime de ação incondicionada e o bem jurídico protegido não recebe o tratamento ideal (BRASIL, 1996).
Para os casos em que há intenção de obtenção de lucro, poderá ser imputado o crime de extorsão, previsto no artigo 158 do Código Penal. E se a chantagem for motivada com apelo de favor libidinoso, como citado anteriormente, a prática de sextortion, há a possibilidade de se aplicar o art. 146 do Código Penal, em que trata do constrangimento ilegal. A violação mediante fraude, disposta no art. 215; o assédio sexual, previsto no art. 216–A; a concussão, prevista no art. 316, e a corrupção passiva, prevista no art. 317, constantes do Código Penal, também podem se relacionar com a exposição não consentida de conteúdo íntimo sexual (BRASIL, 1940).
Outro tipo aplicável aos casos de exposição pornográfica não consentida é a ameaça, prevista no art 147 do Código Penal. A ameaça se faz muitas vezes presente nessa situação, pois o detentor do material de forma expressa, atemoriza a vítima (BRASIL, 1940). É muito frequente no âmbito de aplicação da Lei Maria da Penha a adequação à violência psicológica. Contudo, como já exposto, não se aplica os beneficios da Lei dos Juizados Especiais, como a transação e a conciliação (BRASIL, 1995).
Há um tipo genérico que se aplica comumente quando há a efetiva divulgação, contudo, sem relação com apelo econômico ou sexual. O art. 65 da Lei de Contravenções Penais, em que a redação molestar, ou perturbar a tranquilidade, consegue ser compatível com os episódios. Seu trato não é de muita relevância nos Juizados Especiais Criminais, pois ganha maior notoriedade quando incide na Lei Maria da Penha (BRASIL, 1941). Ainda no âmbito de aplicação do Juizado Especial Criminal há a violação de direito autoral, disposto no art.184 do Código Penal (BRASIL, 1940).
Nos casos em que a exposição não consensual envolve menores de idade, a responsabilização se dá através dos crimes relacionados com a pornografia infantil, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. A lei 8069/90 contempla de uma forma bem abrangente a tutela ao menor, ao que se refere a temática. O artigo 241-A, tipifica o ato de disseminar conteúdo sexual envolvendo crianças ou adolescentes. Por sua vez, o tipo do art. 241-B, contempla hipóteses de posse desse material; o art. 241-C, protege a dignidade do menor, com a proibição de simulação de conteúdo sexual envolvendo crianças e o art. 241-D, criminaliza o aliciamento para a prática do ato libidinoso através da internet (BRASIL, 1990). Segundo dados do Safernet, garotas de 13 a 15 anos representam a grande maioria das vítimas de pornografia não consensual.
Geralmente quando a vítima de pornografia não consensual procura o judiciário, o mais previsível é que recorram a previsões de crimes contra a honra: injúria e difamação, previstos nos artigos 139 e 140 do Código Penal. A injúria corresponde à ofensa à dignidade ou ao decoro do indivíduo, ou seja, o conceito em sentido amplo, que o agente tem de si mesmo. Ela incide sob a honra subjetiva. A difamação, por outro lado, corresponde à imputação ofensiva à reputação, e diz respeito à ofensa da honra objetiva; ou seja, o conceito que o agente presume que goza perante a sociedade (GRECO, 2015, p. 443-456). As penas são de detenção, de três meses a um ano, e de um a seis meses, respectivamente. A difamação exige para o seu processamento o ajuizamento de queixa-crime, e o período de seis meses (BRASIL, 1940). Contudo, por muitas vezes esse prazo é transcorrido em razão de a vítima estar inserida em um processo traumático de medos e insegurança.
Nesse sentido, a jurisprudência relacionada ao tema revela-se ainda muito incipiente, mas através do que já existe, pode-se concluir que a maioria dos casos tem sido tratados como crimes de injúria e difamação. É o caso do julgado seguir:
PENAL. APELAÇÃO. CRIMES DE INJÚRIA E DE DIFAMAÇÃO. ARTS. 139 E 140 DO CÓDIGO PENAL. AGENTE QUE POSTA E DIVULGA FOTOS ÍNTIMAS DA EX-NAMORADA NA INTERNET. IMAGENS E TEXTOS POSTADOS DE MODO A RETRATÁ-LA COMO PROSTITUTA EXPONDO-SE PARA ANGARIAR CLIENTES E PROGRAMAS. PROVA PERICIAL QUE COMPROVOU A GUARDA NO COMPUTADOR DO AGENTE, DO MATERIAL FOTOGRÁFICO E A ORIGEM DAS POSTAGENS BEM COMO A CRIAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DE BLOG COM NOME DA VÍTIMA. CONDUTA QUE VISAVA A DESTRUIR A REPUTAÇÃO E DENEGRIR A DIGNIDADE DA VÍTIMA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO CONFIRMADA. RECURSO NÃO PROVIDO
(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Criminal n° 756.367-3. Relatora: Desembargadora Lilian Romero 2° Câmara Criminal. Curitiba, PR,07 de julho de 2011. N. 681).
Trata-se Apelação Criminal n° 756-3, julgada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. O julgado corresponde a apelação do réu E.G.S, ex-namorado de R.L, que ingressou com queixa-crime depois que o ex-companheiro passou a lhe encaminhar emails a diversas pessoas com montagens nuas da apelada, a fim de denegrir a imagem de R. L. – conhecida por toda a cidade, por ser jornalista. As imagens foram parar em vários sites de pornografia, e depois da queixa, o ex-namorado passou a ameaça-la. O réu alegou, em sua defesa, ser inocente, afirmando que não havia provas em seu desfavor. Contudo, a desembargadora e relatora do caso considerou que dos fatos se podia depreender elementos suficientes para comprovar a autoria do crime.
Desse modo, E.G.S foi condenado em primeira instância, pelos crimes de difamação e injúria com a pena fixada em um ano, onze meses e vinte dias de detenção, além de multa em regime aberto. A qualificadora se deu pelo emprego de facilitador de propagação (artigos 139 e 140, c/c artigo 141, II) - ambos do Código Penal, de forma continuada, de acordo com o art. 71, do mesmo diploma. Além disso, as penas privativas de liberdade foram substituídas por duas restritivas de direitos, perfazendo prestação alternativa de fornecer mensalmente à vítima o valor de R$ 1.200,00 e prestação de serviços à comunidade.
É importante frisar a partir do julgado, a tentativa errônea e insistente em enquadrar as mulheres no padrão de pureza e recato, como se o contrário deformasse a sua honestidade e moral. Ademais, considerar as mulheres sexualmente livres como prostitutas não deveria servir de apelo pejorativo, uma vez que a liberdade sexual daquelas que usam o sexo como trabalho, é um também um direito, que as torna capazes de buscar a própria subsistência, sem transgredir nenhum direito alheio.
Outro julgado no mesmo sentido é a apelação criminal de número 0032404-70.2012.8.07.0016, julgada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. INJÚRIA. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. PALAVRA DA OFENDIDA RESPALDADA POR OUTRAS PROVAS. RECONHECIMENTO DA RETORSÃO. INJÚRIA INICIAL PROFERIDA PELO QUERELADO. IMPOSSIBILIDADE. CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APLICAÇÃO DO ART. 804 DO CPP, C/C O SEU ART. 3º E INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 20, § 3º, ALÍNEAS A, B e C DO CPC.
1. Versão da lesada no sentido de que o apelante a ofendeu com impropérios, confirmada por outros depoimentos, constitui prova suficiente a embasar a condenação.
2. A retorsão não pode ser aplicada a quem proferiu a injúria retorquida, como no presente caso, em que o apelante tomou a iniciativa da injúria contra a ofendida.
3. O art. 804 do Código de Processo Penal determina a condenação do vencido ao pagamento das custas processuais; os honorários advocatícios também podem ser aplicados ao vencido, consoante o art. 3º do referido codex, aplicando-se analogicamente as regras do art. 20 do Código de Processo Civil.
4. Recurso conhecido e desprovido.
BRASIL, Tribuna de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Apelação Criminal n° 0032404-70.2012.8.07.0016. Relator: Desembargador João Batista Teixeira. 3° Turma Criminal. Brasília, DF, 07 de agosto de 2014. P. 276.
O julgado se refere a apelação criminal interposta pelo acusado N.J.F.C, contra a sentença do Terceiro Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, em Brasília. A sentença resultou na condenação a um mês e cinco dias de detenção em regime aberto, pelo art. 140 do Código Penal, bem como pelo art. 5° da Lei Maria da Penha, contra a ex-namorada.
O ex-parceiro agiu por cinco meses perseguindo a vítima, através de celular e emails, proferindo dizeres pejorativos e humilhantes, ferindo sua integridade psicológica e emocional ao proferir insultos, como “vagabunda”, e insinuar que a vítima seria portadora de infecções sexualmente transmissíves (DSTs). Além disso, o apelante passou a disseminar, dentro do ambiente de trabalho da vítima, fotos íntimas através de emails. O apelante se defendeu alegando que já havia apagado as fotos após o término do relacionamento e que as testemunhas, seriam amantes da ex. O recurso foi reconhecido, porém houve a negativa de provimento, confirmando a pena estabelecida em um mês e cinco dias de detenção em regime aberto pelas injúrias proferidas.
A utilização, pelas vítimas e pela justiça, de dispositivos como a difamação e a injúria não implica considerar que o registro do ato de praticar sexo com o namorado, ou o marido, sejam ofensivos à conduta de um homem médio. Pelo contrário. O ferimento da honra está relacionado com a nova condição de ter que conviver com repercussões tão negativas - estereotipadas e estigmatizantes, voltadas à sua personalidade, em razão do gênero (SYDOW, DE CASTRO, 2017, p.129-130). E a aplicação do aumento de pena prevista no inciso III, do art. 141, se faz indispensável nesses casos, pois essa nova modalidade de violência, se concretiza através de uma forma instantânea e abrangente. Essa causa de aumento de pena é considerada se o crime é cometido na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria. (BRASIL, 1940).
É importante salientar, que a competência do juízo criminal apenas fixa os danos mínimos. Se houver maiores danos decorrentes do ato, como transtornos psicológicos, ou psiquiátricos, esses serão de competência da esfera cível, de acordo com o art. 63, parágrafo único do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941).
No Brasil, há apenas projetos de lei em (lenta) tramitação, o que faz com que a punição legal do criminoso continue incerta, e pese ainda mais sob as consequências punitivas extra-legais que recaem sobre a vítima. Ainda que não haja uma lei que condene a atuação das mulheres, quando vitimadas, a ausência de uma lei que puna o criminoso faz brotar a sensação de que o Estado coaduna com essas práticas de exposição sexual não consentida. Surge então o sentimento de que a vítima é mais criminalizada que o próprio criminoso, uma vez que o estigma que se associa a elas pesa mais do que qualquer outro meio de coerção (BARQUETE, 2015, p. 6).