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Sindicalismo e direitos sociais no regime militar (1964-1985)

16/08/2020 às 09:00
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É razoável vislumbrar os anos do período militar como uma época em que, apesar das restrições dos direitos civis e políticos por um modo autoritário de governar, a expansão do sistema de proteção social obteve contornos positivos.

Introdução

O período histórico objeto deste artigo inicia-se com a imposição de um regime militar cuja forte marca é a violência contra os direitos civis e políticos, paralelamente a uma aceleração incontornável dos direitos sociais. Fórmula, portanto, semelhante a que vigorara no Estado Novo.

As diferenças com o período anterior, o regime democrático de 1946 a 1964, são, contudo, destacáveis, uma vez que, enquanto este se caracterizou pela expansão dos direitos civis e políticos em contrapartida ao lento avanço dos direitos sociais, de 1964 a 1985, conviver-se-á com o oposto.

O texto que segue intenta traçar alguns ensinamentos sobre a questão social em tal quadro histórico, de notórias e imensas turbulências na relação entre sociedade e Estado.

A questão social

A ampliação do regime de direitos sociais nos vinte e um anos do período militar é uma constatação inequívoca, porquanto a ênfase dada a tais direitos e o grau de amplitude alcançado refletem a manutenção da evolução sistemática do constitucionalismo social. Intocável mesmo sob a repressão austera do regime autoritário, os direitos sociais prosseguirão sua marcha na esteira da consolidação e da expansão do sistema brasileiro de proteção social.

Impõe-se não confundir, contudo, a consolidação institucional e a expansão do regime de direitos sociais com o grau de eficácia das políticas realizadas, de sorte que se procederá, doravante, a alguns comentários acerca dessas considerações, bem como a algumas proposições atinentes ao movimento sindical, relevante instrumento reivindicatório da classe trabalhadora.

O sindicalismo

Desde o primeiro ato institucional, os militares davam mostras de que interveriam nos dirigentes sindicais e em suas entidades, e, sob esse pretexto, foram praticadas intercessões em centenas de sindicatos profissionais e em dezenas de federações estaduais, interestaduais e nacionais.

Sob essa ótica, depreende-se a preocupação do regime em combater a intitulada “república sindicalista”, demonstrando o governo que não pretendia assentar-se no movimento operário organizado nem conviver com a dinâmica do sistema populista constante do período anterior a 64, no qual, como ensinam D’Araujo e Soares (1994, p. 290):

[...] a incorporação política e social das classes subalternas se deu sobretudo através do mecanismo de cooptação pelo Estado e sob controle dos setores dominantes, reforçando a segmentação da classe trabalhadora e produzindo um perfil de demandas e resistências particularistas e corporativamente articuladas, com tendência a se constituírem em obstáculos à universalização dos direitos sociais. Construíram-se assim fortes relações de interesses entre burocracias públicas e sindicais, na concessão e troca de benefícios (através de um sistema de barganhas), frustrando quaisquer tentativas de unificação, homogeneização e universalização dos benefícios. [...] o regime militar rompeu imediatamente esse padrão histórico de cooptação de grupos corporativamente organizados, quebrando pela força as resistências e impondo pela autoridade as mudanças.

Corolário dessa constatação é a aprovação da lei de greve em junho de 1964, regulamentando o art. 158 da Constituição de 1946, no qual se assegurava esse direito com as condicionantes reguladas pelo legislador. Realmente, as exigências burocráticas tornaram praticamente impossível a realização de paralisações legais, inviabilizando-se o exercício do direito de greve como instrumento de aquisição de novos direitos.[1]      

Nessa direção, o governo passaria a exercer amplo controle sobre as organizações e os trabalhadores, “ficando, assim, juridicamente aparelhado para dar andamento ao seu programa de desenvolvimento, sem temer reações sindicais em favor de aumentos salariais” (D’ARAUJO; SOARES, 1994, p.290).

A repressão consistente do regime militar às direções sindicais vinculadas ao populismo não foi, assim, fortuita e revela a consciência do governo de que era preciso interromper a dinâmica dos movimentos contestatórios, manejando-os a fim de que imprimissem os planejamentos governamentais sem o risco de inesperados acontecimentos capazes de impedir os fluxos do modelo político-econômico, concentrador de rendas e aberto ao capital internacional.

No entanto, nem mesmo o autoritarismo logrou silenciar os sindicatos. O movimento operário aflorou, no regime de 1964, particularmente no governo Geisel, com novo ímpeto e com novas feições, ressurgindo mediante formas independentes do controle do Estado e organizando-se, muitas vezes, com a vivência no interior das empresas, onde os trabalhadores ampliaram as comissões de fábricas, em contraste com a estrutura formalista-burocrática dominada por pelegos, herança do Estado Novo.

As deliberações finais eram tomadas em grandes assembleias, e não por uma pequena cúpula de dirigentes. Outro aspecto revelador da luta por autonomia era a busca de negociação direta com os empregadores por meio de contratos coletivos, meio de escapar da Justiça do Trabalho, o que revela o desprezo dos novos movimentos pelo poder público na resolução dos inúmeros conflitos envolvendo patrão e empregado.

Era também forte a presença de sindicatos rurais, que, ausentes até 1963, não tiveram seu crescimento interrompido durante todo o período militar. Igualmente intensas eram as reivindicações sindicais de inúmeras categorias, como operários, professores, médicos, camponeses, funcionários públicos, motoristas de ônibus, bancários e motoristas de táxi.

Foi sob os anos da ditadura que as organizações sindicais mais atuantes enxergaram as possibilidades oferecidas pela normatização da Justiça do Trabalho como alternativa à indisposição para a negociação coletiva do empresariado nacional.

Desenvolvendo essa técnica, tais sindicatos “obtiveram garantias[2] jurídicas inexistentes à época na Constituição e não previstas pela CLT”, o que revelava a existência de segmentos modernos do sindicalismo capacitados a utilizar o “sentimento de culpa nacional pelo abandono em que haviam permanecido graves problemas sociais”.

Se a Carta de 37, de conteúdo autoritário e centralista, levou à estrutura sindical brasileira uma concepção de sindicato como órgão de cooperação entre patrão e empregado e o Estado, o novo sindicalismo, não hesitando em manter-se independente do poder público, buscava transformar o sistema antigo em representação autêntica do operariado.

As características inovadoras do movimento sindical no período do regime militar são incontestes, e seu maior mérito reside na ampliação da pauta de reivindicações, em parte avessa ao formalismo da CLT e não mais restrita às questões meramente salariais.

Embora traduzissem um pioneirismo significativo, os ideais de autonomia e liberdade, que nutriam as campanhas desenvolvidas pelo novo sindicalismo, “não derrotaram o modelo corporativista adotado pela Carta Constitucional de 37 e pela CLT de 43”, pois prevaleceu o “silêncio das novas gerações” de sindicalistas em face daqueles que defendiam maior democratização das atividades associativas.

Isso revelava que a estrutura herdada diretamente do Estado Novo encontrava-se longe de ser inteiramente extirpada e exigia uma atuação mais coerente dos novos dirigentes sindicais em relação ao que sempre denunciaram e combateram (D’ARAUJO; SOARES, 1999, p.119).

A ampliação do regime de direitos sociais

As inovações introduzidas pelo regime militar no sistema constitucional brasileiro de proteção social foram inúmeras e refletem a continuidade da evolução sistemática dos direitos sociais no País. Os governos militares, ao mesmo tempo que tolhiam o exercício dos direitos civis e políticos, davam prosseguimento ao processo de constituição do sistema brasileiro de democratização social.

O regime alcançou êxito, em especial, no que tange à unificação e à universalização da previdência, área de amplitude intangível até 1964, preparando um plano de reforma liderado pelo primeiro Ministro do Trabalho dos governos militares.

Nessa direção, em 1966, foi criado o Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), que extinguia os IAPS e unificava o sistema, com exceção do funcionalismo público, civil e militar, que ainda conservava seus próprios institutos. Homogeneizaram-se os benefícios de aposentadoria, pensão, assistência médica e seguro de acidentes de trabalho, eliminando-se o poder de influência dos sindicatos, que passavam a submeter-se quase completamente à burocracia estatal.

O escopo de universalização da previdência foi igualmente atingido com a criação, em pleno fervor da repressão, do Fundo de Assistência Rural (Funrural), que incluía os trabalhadores do campo no plano dos beneficiários. Embora limitada a proteção a que passou a ter direito o trabalhador rural quando comparada com a destinada aos urbanos, “de qualquer maneira, os eternos párias do sistema, os trabalhadores rurais, tinham, afinal, direito a aposentadoria e pensão, além de assistência médica [...]” (CARVALHO, 2001, p.171).

Ademais, várias outras categorias sociais foram incorporadas nesta etapa de universalização do regime previdenciário: empregados domésticos, garimpeiros, pescadores, jogador profissional de futebol, ministros religiosos e estudantes.

No que respeita à política educacional, inovadoras foram a criação de uma fonte adicional de receita, o salário-educação, com o condão de impulsionar a construção de um sistema nacional de ensino que se ensaiava desde o final dos anos 40, e a modernização da reforma universitária, consubstanciada na forte expansão do sistema de ensino de terceiro grau e na participação crescente do setor privado.

Nesse diapasão, um novo ciclo de inovação e modernização processar-se ia à década de 60, “com o reforço da rede de universidades federais e a formação do sistema nacional de pós-graduação (sistema CNPq - Capes) e do sistema de fomento e financiamento da pesquisa (Finep/CNPq etc.)” (D’ARAUJO; SOARES, 1994, p. 281).

Importantes modificações foram também introduzidas em 1971, atingindo diretamente os níveis primário e secundário de ensino, com a extensão da educação básica de quatro para oito anos e com o realce da afirmação da gratuidade e da obrigatoriedade do ensino de primeiro grau.

Na área da saúde, tentou-se organizar um efetivo sistema que conjugasse as estruturas de saúde pública, desenvolvidas pelo governo federal e por ações de Estados e Municípios, e de medicina previdenciária, realizadas pelos serviços assistenciais vinculados primeiramente aos IAPS e, após 1967, ao INPS/INAMPS.

Os militares não lograram êxito em definir uma política de saúde mais harmonizada que extirpasse a estrutura desintegrada e tradicionalmente apoiada na separação prevenção/cura, impossibilitando-se um planejamento uniforme e um maior grau de eficácia. No entanto, uma tentativa de unificação entre níveis de governo e tipos de atuação foi feita em 1975, com a lei nº 6.229, que criou o Sistema Nacional de Saúde:

Bastante ambiciosa nos seus objetivos, tal legislação não teve sucesso na sua implementação e foi sucedida por alguns outros planos que, de alguma maneira, buscavam a integração pretendida: o Programa de Interiorização das Ações de Saúde (Piass), do Ministério da Saúde (MS), em 1976; o Prev-Saúde, do MS e do Ministério da Previdência e da Assistência Social (MPAS), de 1980; o Conselho Consultivo de Administração Previdenciária (Conasp), em 1981; e, finalmente, em 1984, as Ações Integradas de Saúde (AIS). Seguramente, foi com as AIS que se deu, já no ambiente da transição, a mais séria tentativa de reverter o modelo anterior, não lograda pelos planos citados (D’ARAUJO; SOARES, 1994, p.285).

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De qualquer modo, todavia, o País ainda teria de aguardar até o final dos anos 80 – com a criação do Suds/SUS –  para ver encetada a efetiva construção de um sistema nacional e integrado de saúde, com o foco em estratégias que orientassem as práticas de planejamento e gestão setoriais (VIANA; BAPTISTA, 2012, p. 97).

No campo das políticas de assistência social, em que se inserem os programas de alimentação e nutrição, o regime militar também não se mostrou omisso. O Brasil sempre desenvolveu programas de assistência pública através de ações, nos três níveis de governo, de natureza esporádica e emergencial, mas foi apenas em 1969 que nossa primeira instituição de assistência social de âmbito nacional, a Legião Brasileira de Assistência (LBA), foi transformada em fundação e, em 1974, integrada à área previdenciária.

Já em 1964 foi criada a Fundação Nacional para o Bem-Estar do Menor (Funabem), em substituição ao Serviço de Assistência ao Menor, atuante através das Febem, organismos estaduais submetidos às diretrizes e à fiscalização do governo federal.

Outra área de política assistencial impulsionada pelos militares, os programas de alimentação e nutrição ganharam corpo com projetos de intervenção do governo em alguns segmentos: a suplementação alimentar das pessoas carentes, por intermédio do Programa de Nutrição em Saúde (PNS), do Programa de Merenda Escolar (Pnae), do Programa de Complementação Alimentar (PCA) e do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), e a racionalização do sistema de produção e comercialização dos alimentos essenciais, como incentivo ao pequeno produtor rural, através de programas como o Programa de Aquisição de Alimentos em Áreas Rurais de Baixa Renda (Procab) e o Programa de Abastecimento em Áreas Urbanas de Baixa Renda (Proab) (D’ARAUJO; SOARES, 1994, p.286).

Todo esse corpo organizacional e diretivo, compreendido pela LBA, pela Funabem, pelas Febem e pelo Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (Inan), cuja criação respondia pela formulação, coordenação e controle da política da área, deu substância à seara de política assistencial, englobando recursos financeiros, burocráticos e administrativos significativos, principalmente a partir da segunda metade dos anos 70.

Finalmente, constata-se a inovação do regime no que tange à política habitacional, o que representa um avanço formidável quando aferidos os objetivos e as metas específicas empreendidas pelos militares. Nessa direção, sabido que as ações anteriormente levantadas pelos IAPs e pela Fundação da Casa Popular eram circunstanciais e de modesto desempenho, tratou o governo militar de lidar com a problemática.

Em 1964, com a criação do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, do Banco Nacional de Habitação (BNH) e do Plano Nacional de Habitação, definiram-se os alicerces da política habitacional para o País. A base financeira do sistema lastrear-se-ia no saldo das aplicações do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que funcionava como um seguro-desemprego, e nos depósitos das cadernetas de poupança.

A criação do BNH objetivava fomentar o mercado de acesso à casa própria, concebido segundo classes de renda distribuídas em três segmentos: “o popular, constituído de famílias com renda até três salários mínimos; o econômico, com renda entre três e seis; e o médio, de seis para cima” (D’ARAUJO; SOARES, 1994, p.288).

O impacto das políticas de direitos sociais

Viram-se, no tópico anterior, várias medidas executadas pelo Estado em diversos setores das políticas de direitos sociais, das quais são exemplos a expansão das matrículas escolares, das consultas médicas e dos benefícios previdenciários, as incorporações ao regime assistencialista de categorias sociais até então excluídas dos projetos públicos e as pioneiras políticas habitacionais fomentadoras do acesso à casa própria.

É ilusório imaginar, contudo, que a ampliação quantitativa atinente ao regime de direitos sociais corresponderia, necessariamente, um efetivo desempenho das políticas postas em prática, como se fosse possível, a partir da mera proclamação de direitos, vencer o imenso fosso existente entre o texto e a realidade.

A permanência – ou mesmo o crescimento – dos graus de pobreza, desigualdade de renda e exclusão dos serviços e benefícios sociais demonstram a insuficiência dos programas sociais e seu impacto modesto, problemática que a consolidação institucional e a expansão do Estado Providência, consignadas no regime militar, não conseguiram resolver.

No início dos anos 80, a taxa de analfabetismo da população adulta ainda contornava os 25%, e, em relação ao grau de escolaridade das pessoas com mais de 10 anos, cerca de 23% destas não conseguiram completar um ano de instrução, enquanto somente 18,3% tinham conseguido atingir ou superar oito anos de escolaridade.

Se, por um lado, o acesso à escola básica generalizava-se, mais de 50% dos alunos, por outro, não conseguiam completar as duas primeiras séries, e menos de 25% completavam o primeiro grau (PATARRA, 1991).

Alguns indicadores sociais revelam também que, no início dos anos 80, 60% das residências não possuíam rede de esgoto nem fossa séptica, 29,9% não se vinculavam a redes de água, 51,8% não eram atendidas por serviços de coleta de lixo e 25% ainda não eram beneficiárias de iluminação elétrica (PATARRA, 1991).

Os segurados da previdência social, nos anos 80, não superavam 50% da população economicamente ativa, o que reflete que a maior parte da população trabalhadora continuava à margem dessa básica proteção.

Outrossim, o desintegrado sistema de saúde, conquanto houvesse universalizado o atendimento de urgência e ampliado seus equipamentos e sua produção, prosseguia incapaz de satisfazer a população em geral.

No que tange à política habitacional, área de inovação da intervenção social estatal, suas distorções e a lógica mercadológica implicaram que apenas um quinto de suas aplicações contemplava os mutuários com renda familiar até cinco salários mínimos. Operou-se, segundo D’Araujo e Soares (1994, p.288), a lógica

[...] do autofinanciamento, a do retorno dos investimentos, afastando-se qualquer outra que supusesse subsídios aos estratos de menor capacidade de pagamento. Essa estrutura e essa lógica fizeram com que o sistema se afastasse dos programas destinados às camadas populares, reforçando aqueles para a classe média, com maiores garantias de retorno.

Persistiam ainda os graus intoleráveis dos indicadores do estado nutricional das crianças, especialmente nas regiões mais desfavorecidas, as quais continham os piores indicadores de saúde e de vida, reflexo das gritantes diferenças entre raças e gêneros, entre urbanos e rurais e, principalmente, entre regiões.

Uma simples análise de dados estatísticos revela as imensas mazelas sociais das quais ainda permanecia vítima grande parte da população brasileira. As dimensões institucionais e financeiras inéditas adquiridas pelas políticas de direitos sociais, somadas ao acelerado crescimento econômico vivenciado pelo País sob o regime militar, não implicou consideráveis diminuições da pobreza e das desigualdades sociais. Urge questionar, ligeiramente, as razões mais profundas dessa constatação.

Não se pretendem esgotar as inúmeras justificativas lançadas à discussão pelos estudiosos dos motivos que explicam o baixo grau de efetividade dessas políticas, mas é relevante que se façam alguns comentários pertinentes.

Remanesciam não apenas problemas de planejamento e de gasto, mas de engenharia institucional, controle e gestão, eficácia, agilidade e inibição de eventuais dificuldades, desafios de difícil solução para o regime.

Cabe lembrar que muitos dos limites – atribuídos ao sistema – dessas políticas aprimoradas no regime militar tocam questões de emprego, salários, distribuição de renda e, portanto, outros elementos da política do Estado, que só reuniriam condições de atenuar ou resolver a problemática social caso persistisse o crescimento da economia, o equilíbrio fiscal e outros eventos às vezes longe do total poder das decisões governamentais.

É incorreto, desse modo, atribuir unicamente ao descaso dos governantes ou aos mecanismos coercitivos e repressivos do regime as razões do baixo grau de efetividade de suas políticas de direitos sociais. Se houve certa indiferença no enfrentamento da questão social, a qual, na prática, foi muitas vezes sobrepujada pelas estratégias de estabilização, crescimento econômico e abertura política dos governos militares, deve-se enxergar que havia importantes fatores condicionantes do desempenho dessas políticas, muitos residentes fora do alcance das decisões dos governantes e sujeitos aos fluxos inconstantes do sistema econômico global.

Convém compreender, todavia, o regime militar como um período em que, a despeito das restrições dos direitos civis e políticos por um modo autoritário de governar essencialmente avesso ao exercício democrático que norteia os ideais da cidadania, a expansão do sistema de proteção social produziu efeitos positivos.

No entanto, mesmo sendo indiscutível a atuação do governo no planejamento dos incontáveis programas sociais aqui tratados, é preciso, frise-se, registrar que seu impacto foi muito modesto e que o País experimentou, entre os anos 60 e 80, taxas baixíssimas de redução da pobreza absoluta e viu ampliadas as desigualdades sociais.

3 Conclusão

O interregno histórico analisado permite examinar a continuidade da evolução do constitucionalismo social no Brasil, e, conquanto seja inequívoca a repressão que o caracterizou, o regime militar legou virtudes, não se podendo negar o avanço que ele representou no que se refere à sistematização de um regime de direitos sociais.

O regime militar, iniciado em 1964, inaugura, por meio de sua Constituição de 1967, tempos de redução da autonomia individual, permitindo a suspensão de direitos e garantias constitucionais. De outro lado, porém, chega mesmo a definir de modo juridicamente mais sistematizado os direitos dos trabalhadores, recepcionando direitos sociais em sua quase totalidade e ampliando mesmo alguns deles, como os direitos previdenciários.


4  Referencial teórico

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O Longo Caminho. São Paulo: Civilização Brasileira, 2001.

COSTA, Luís Amad. MELLO, Leonel Itaussu. História do Brasil. 11a ed. São Paulo: Editora Scipione,1999.

D' ARAUJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon. 21 anos de Regime Militar. Rio de Janeiro: FGV, 1994.

VIANA, Ana Luiza D’Ávila; BAPTISTA, Tatiana Wargas de Faria. Análise de Políticas de Saúde. In: GIOVANELLA, Lívia et al. Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, CEBES, 2012.

PATARRA, Neide et al. Demografia. Documento de Trabalho/QS 11. São Paulo: FUNDAP, 1991.  


[1] Acrescenta-se que “a lei proibia as greves de natureza política, social ou religiosa, bem como as que pudessem ocorrer em setores que prestassem serviços essenciais. A interpretação do tipo da greve ficava a cargo dos que detinham o poder e, na prática, quase todas as greves tornaram-se ilegais” (COSTA; MELLO, 1999, p.358).

[2] Assinalam D’Araujo e Soares (1994, p.119) que “entre várias outras garantias poderiam ser lembradas as estabilidades especiais e transitórias, como a da gestante, do menor alistado para prestar serviço militar obrigatório, do acidentado no trabalho, do trabalhador na iminência da aposentadoria. Também pela via dos dissídios coletivos foram alcançadas a sobretaxação das horas extras, o pagamento em envelope ou documento similar discriminando sua composição e detalhando os descontos retidos pelo empregador, a isonomia salarial entre substituto e substituído, ampliação do período de aviso prévio”.

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Sobre o autor
Lucas Sales da Costa

Juiz de Direito Substituto do TJDFT. Ex-Advogado da União. Ex-Técnico Judiciário do TRF da 5ª Região. Pós-Graduado em Direito Processual Civil Individual e Coletivo pela Faculdade Christus (CE). Pós-Graduado em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP/DF). Aprovado nos concursos de Analista do TRT da 7ª Região e de Juiz Federal Substituto do TRF da 4ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Lucas Sales. Sindicalismo e direitos sociais no regime militar (1964-1985). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6255, 16 ago. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65963. Acesso em: 21 nov. 2024.

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