INTRODUÇÃO
O Código de Defesa do Consumidor foi impulsionado pelas mudanças socioeconômicas que, de forma sucessiva, transformaram as relações de consumo em situações cada dia mais complexas.
A posição de vulnerabilidade do consumidor exigiu, pelo princípio da igualdade, que lhe fosse destinado um tratamento desigual, buscando equilíbrio na relação com o fornecedor, dono do poderio econômico.
Na relação de consumo deve haver transparência e as informações necessitam ser passadas com clareza, inclusive na fase pré-negocial.
Essas premissas protetoras lastreiam todas as relações de consumo, o que não impede que, em alguns casos, o consumidor tenha feridos os seus direitos e, no presente artigo, o consumidor em comento é o aposentado ou pensionista do Instituto Nacional do Seguro Social.
As operações de crédito consignado são reguladas por leis federais, resoluções e instruções normativas, conforme será explanado. Mais de cem instituições financeiras atuam no mercado, e a atuação dos correspondentes bancários é limitada àqueles que possuam certificação emitida pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) ou Associação Nacional das Empresas Promotoras de Crédito e Correspondentes no País (Aneps).
O beneficiário do INSS possui muitas opções de banco para contratar um consignado, contudo, dependendo do local ou do agente que o atenda, a gama de informações que receberá no ato da contratação será deficiente, principalmente quando esta se dá fora de uma agência bancária ou promotora de crédito regulamentada e certificada.
Agravante ao cenário, o contrato de adesão, que é amplamente utilizado no empréstimo consignado, impõe unilateralmente a vontade dos bancos e nem sempre é justo ao contratante, que pode nem perceber que está em situação de desvantagem.
Assim, faz-se necessária uma análise do uso do contrato de adesão nas operações de empréstimo consignado primando pelo princípio da boa-fé nas relações consumeristas para responder a seguinte pergunta.
O empréstimo consignado com uso do contrato de adesão é uma operação viável, transparente e segura?
HISTÓRIA DO CRÉDITO CONSIGNADO NO BRASIL
O empréstimo com desconto das parcelas em folha de pagamento, mais conhecido como empréstimo ou crédito consignado, para beneficiários do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), surgiu impulsionado pela necessidade do Governo Federal de promover o crescimento sustentável da economia criando uma linha de crédito mais segura, com menor risco para as instituições financeiras e em consequência, com menores taxas de juros para o contratante.
Segundo relatório anual do Banco Central do Brasil (BCB), em 2015 o número de operações de crédito consignado cresceu 8,06%, tendo obtido destaque entre as elevações.
Quanto menor o risco de inadimplência para os bancos, menores serão os juros. Neste sentido, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, declarou que “quando a garantia do empréstimo é melhor, o spread fica menor”. Ele citou como exemplo o fato de que “o crédito consignado, que tem spread menor, devido à garantia de que as parcelas dos empréstimos são pagas, já que são descontadas em folha de pagamento”. (Goldfajn, 2017)
A forma de pagamento desta modalidade de crédito, aliada ao menor número de exigências de documentação, possibilidade de aprovação da operação independente de consulta a órgãos restritivos, como SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) e SERASA são diferenciais que a tornaram extremamente popular.
Derivado do crédito pessoal, o empréstimo consignado dá ao tomador a possibilidade de conseguir crédito com taxas de juros bem menores que as praticadas pelas instituições financeiras, por exemplo, no crédito pessoal, já que o valor do desconto da prestação é fixo e feito diretamente na folha de pagamento ou benefício previdenciário do cliente (devedor).
O INSS estabeleceu critérios e procedimentos operacionais relativos à consignação de descontos para pagamento de empréstimos e cartão de crédito, contraídos nos benefícios da Previdência Social através da normativa n° 28 de 16 de maio de 2008, publicada no diário oficial da União em 19/05/2008.
Em seu artigo 2°, a normativa 28/2008 INSS preceitua algumas definições básicas importantes para a compressão do presente tema:
I – Autorização por meio eletrônico: a autorização obtida a partir de comandos seguros, gerados pela a posição desenha ou assinatura digital do titular do benefício ou em sistemas eletrônicos reconhecidos e validados pelo Banco Central do Brasil e Conselho Monetário Nacional;
II - Averbação: o aceite do contrato de crédito no sistema informatizado do INSS / Dataprev;
III - Beneficiário: o titular de aposentadoria ou de pensão por morte;
IV - Consignação: o desconto efetuado nos benefícios pagos pela Previdência Social, em razão de operação financeira de crédito...
Atualmente, as taxas máximas permitidas são de 2,34% ao mês, para o empréstimo, e 3,36% ao mês, para o cartão consignado (Portaria INSS nº 1.016), sendo que a taxa contempla todos os custos da operação de empréstimo ou cartão de crédito consignado, ou seja, o custo efetivo (CET).
O limite de empréstimo de cada beneficiário é definido pelo cálculo da Margem Consignável, que é o valor máximo de parcela permitido para cada cliente, para desconto em folha de pagamento, à título de empréstimo.
O comprometimento máximo da renda do beneficiário para desconto de prestação é de 30% para o financiamento e de 5% para uso exclusivo com amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito consignado e saque por meio deste. O prazo máximo vigente para financiamento é de até 72 (setenta e dois) meses.
O beneficiário do INSS pode contratar o consignado no banco de sua preferência e os documentos necessários são: documento de identidade ou carteira nacional de habilitação, CPF, comprovante de endereço (que pode vir a ser substituído por declaração de residência em algumas Instituições), e extrato de pagamentos do INSS (acessado online no site da previdência).
Por questão de segurança, é prática comum dos bancos creditar o valor do empréstimo sempre na conta que o tomador recebe seu benefício previdenciário, desde que esta seja corrente ou poupança. Caso o cliente receba através de conta salário INSS, é possível realizar o crédito em qualquer outra conta movimentação nominal ao cliente ou, ainda, através de ordem de pagamento nos bancos credenciados.
Após o recebimento do valor, o primeiro vencimento do financiamento de empréstimo consignado será no próximo pagamento do devedor, desde que a averbação tenha ocorrido antes da maciça INSS, que é a virada da folah de pagamento.
Assim, o valor descontado pelo INSS, responsável por reter os valores correspondentes ao pagamento das prestações do crédito, é repassado diretamente ás instituições financeiras, o que reduz a quase zero o risco de inadimplência.
No site da Previdência Social é possível obter outras informações importantes quanto ao crédito consignado, inclusive, há disponível relação das intuições financeiras que estão atualmente autorizadas a operar em sua concessão, bem como planilha de taxas de juros praticados por cada instituição.
LEGISLAÇÃO
A princípio, o crédito consignado foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro graças a medida provisória n° 130/03. Após, esta foi convertida na Lei Ordinária n° 10.820 de 17 de setembro de 2003 que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento e dá outras providências.
O público alvo do crédito consignado é amplo de modo que funcionários públicos em geral e empregados no regime CLT também podem contratá-lo, mas existem também normas específicas para cada público de forma a regular os procedimento e limites das operações.
Destarte, no presente artigo abordaremos exclusivamente as normas e peculiaridades da concessão aos beneficiários do INSS.
É importante consignar que a legislação não permite que todos os beneficiários do INSS tenham acesso ao empréstimo consignado. Benefícios de natureza assistencial ou transitória como por exemplo, o amparo social (também conhecido como LOAS) e o auxílio-doença não são consignáveis, apenas aposentados (em geral) e pensionistas por morte podem contratar.
Ressalte-se que a Lei 10.820/13 já sofreu algumas alterações promovidas por outras Leis posteriores. Vejamos:
·Lei n° 10.953 de 17 de dezembro de 2003- altera o art. 6°, que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento;
·Lei n° 13.097/15 de 19 de janeiro de 2015- altera os artigos 1°, §3°e §4, artigo 2°, incisos I, IV, VI, VII, artigo 3°, incisos II e III, artigo 4°, §3° e 8°, artigo 5°, § 1°, §2°, §3° e §5°, quem dispõem sobre conceitos e procedimentos nas operações de crédito com desconto em folha de pagamento;
·Lei n° 13.172 de 21 de outubro de 2015- altera a Lei para dispor sobre desconto em folha de pagamento de valores destinados ao pagamento de cartão de crédito;
·Lei n° 13.183 de 4 de novembro de 2015- acrescenta o artigo 6°-A, dispondo sobre o pagamento de empréstimos realizados por participantes e assistidos com entidades fechadas e abertas de previdência complementar;
·Lei n° 13.313 de 14 de julho de 2016- altera a Lei para dispor sobre a possiblidade de uso do FGTS (Fundo de garantia por tempo de contribuição) como garantia para a aquisição do crédito consignado);
A princípio, através da Instrução Normativa n° 28 de 16 de maio de 2008, o INSS fixou o prazo máximo de 60 (sessenta meses) para o financiamento consignado, entretanto o Conselho Nacional de Previdência Social, órgão de deliberação colegiado, através da Resolução nº 1.324, de 25 de setembro de 2014 publicada no Diário Oficial da União em 26 de setembro de 2014 recomendou que se adotassem providências para elevar o limite máximo do prazo de desconto em folha de pagamento.
Consequentemente, no ano seguinte foi publicada no Diário Oficial da União a Instrução Normativa n° 80 de 14 de agosto de 2015 que alterou o prazo máximo de pagamento para 72 (setenta e duas) parcelas mensais e sucessivas.
A Lei 10.820/03 não fixou idade máxima ou mínima para a contratação do crédito consignado, assim cada banco tem a responsabilidade de definir internamente a idade limite para concessão.
As instituições financeiras possuem políticas que visam a diminuir os riscos de perdas financeiras, inclusive as que possam ser geradas por ocasião do óbito do devedor do empréstimo, e essa visão leva os bancos a possuírem normas que limitam a concessão do crédito de acordo com a idade do cliente: logo, quanto maior a idade, o valor liberado será gradativamente menor.
A maioria dos bancos impõe um limite máximo entre 80 e 82 anos de idade do beneficiário para concessão do crédito consignado, sendo que nesta faixa etária os prazos e valores aprovados caem bruscamente. Em alguns casos, ainda que se possua margem consignável não é possível contratar a operação.
NATUREZA JURÍDICA E CONTRATUAL DO CRÉDITO CONSIGNADO
O crédito consignado tem sua concessão pactuada através de um contrato mútuo, oneroso, pois existe reciprocidade de ônus e de vantagens para as partes contraentes, em razão das obrigações assumidas mutuamente.
A relação jurídica que se estabelece é regulada pelo Código Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor de forma mista. Na definição clássica de Clóvis Beviláqua, “o contrato é o acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos”.
Logo, o beneficiário ao contratar o empréstimo consignado manifesta sua vontade em adquirir o recurso financeiro disponibilizado pelo banco e aceita o ônus imposto, referente as parcelas acrescidas dos juros.
Nesta toada, temos a definição doutrinária de Silvio Rodrigues (2008, pag. 257), empréstimo é “o contrato pelo qual uma das partes entrega uma coisa à outra, para ser devolvida em espécie ou gênero”.
O contrato mútuo possui previsão no Código Civil em seu capítulo VI, artigo 586: “O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade. ”
Carlos Roberto Gonçalves ensina que “o mútuo é considerado tradicionalmente um contrato gratuito, embora o empréstimo de dinheiro seja, em regra, oneroso, com estipulação de juros, sendo por isso denominado mútuo feneratício”.
No caso em análise, o devedor ao receber o bem (dinheiro) compromete-se a restituí-lo ao credor (banco) por pagamento na mesma espécie dentro do prazo obrigacional e esta restituição incluirá todos os encargos pactuados, ou seja, o beneficiário irá arcar com o custo efetivo total (CET).
Quanto á relação jurídica do crédito consignado, sem dúvidas é consumerista por se tratar de produto bancário e se destinar a pessoas físicas em condição economicamente vulnerável. Neste sentido, a súmula 297 do STJ dispõe: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
E o próprio Código de Defesa do Consumidor (CDC) também preceitua quanto as atividades bancárias em seu artigo 3°, § 2°:
“Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. ”
Nesta toada, temos a visão do professor Ross Cranston:
“As atividades bancárias típicas –recebimento de depósitos e concessão de empréstimos –obviamente envolvem o fornecimento de um serviço. O cumprimento de um pagamento a ordem do consumidor é também um serviço. Igualmente, o são os aconselhamentos financeiros, atividade securitária, o gerenciamento de fundos de investimentos e assim por diante”.
Concluímos que todas as proteções previstas ao no CDC aplicam-se também ao beneficiário do INSS que venha a contratar um empréstimo consignado.