“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.
(ROSA, 2001, p.334)
RESUMO: O objetivo central do trabalho é abordar uma nova forma de enxergar o Direito. Esse esforço justifica-se porque o elemento interpretativo, embora muito utilizado na área, vinha passando despercebido, sobretudo no ramo da Filosofia do Direito. As primeiras intuições a esse respeito surgiram em uma aula ministrada pelo prof. José Honório no ano de 2015, intuições que foram posteriormente desenvolvidas com o prof. Rubens José dos Santos, o qual delineou o que hoje se apresenta como texto final. Por meio de exaustiva pesquisa bibliográfica, construiu-se um percurso reflexivo que voltou aos primórdios da História do Direito, desde o surgimento das primeiras civilizações ocidentais e dos primeiros códigos normativos escritos; explorou as fontes da ciência jurídica, que podem ser tradicionais (normas) e não tradicionais (costumes); passou pelo jusnaturalismo, o Direito Natural, que é parte do Direito Universal, e pela escola de Baden, com Herbert Hart (que enfatiza o fato) e Kelsen (que enfatiza a norma); e chegou à teoria tridimensional de Miguel Reale, que, com uma nova ideia, introduziu o valor como mais um elemento do Direito, de modo a ajuntar fato e norma. Depois de tudo o que se aprendeu ao longo desse percurso, fortaleceu-se a hipótese de que seria plausível e necessário considerar a interpretação normativa como uma quarta dimensão do Direito. Nesse sentido, se “F” = fato, “V” = valor, “N” = norma, “I” = interpretação, “D” = Direito e “J” = justiça, então “F” + “V” + “N” + “I” = “D”, que tem por objetivo “J”. Por essa lógica sistêmica, chega-se ao novo paradigma do Direito. “I” é a nova dimensão de “D”. Não há Direito sem interpretação, da mesma maneira não há justiça sem Direito. A interpretação está presente em todas as fases da construção normativa: na deliberação e na redação pelo legislador, na análise da percepção do Direito pelo advogado, na aplicação da norma pelo pretor. Pela presença da interpretação como indispensável elemento do Direito, coloca-se a tese da Teoria Tetradimensional do Direito.
Palavras-chave: Teoria Tetradimensional do Direito. Interpretação, Hermenêutica e exegese. Fato. Valor. Norma. Justiça.
SUMÁRIO:1... INTRODUÇÃO.2... DIREITO ENQUANTO CIÊNCIA.2.1 Origem e evolução do Direito..2.2 Algumas teorias sobre o Direito.2.2.1Jusnaturalismo..2.2.1.1Clássico.2.2.1.2 Medieval.2.2.1.3 Moderno.2.2.2 Escola de exegese.2.2.3 Historicismo..2.2.4 Realismo jurídico.2.2.4.1 Realismo jurídico norte-americano.2.2.4.2 Realismo jurídico escandinavo..2.2.5 Positivismo..2.2.5.1 Positivismo sociológico ou sociologismo..2.2.5.2 Positivismo normativo ou jurídico...2.2.6 Culturalismo jurídico.2.2.6.1 Escola de Baden...2.2.6.2 O “ser” e o “dever ser” de Hart e Kelsen..2.2.6.3 Teoria tridimensional do Direito..2.2.6.3.1 Fato.2.2.6.3.2 Valor..2.2.6.3.3 Norma..2.2.7Pós-positivismo..2.3 Fontes tradicionais do Direito..2.3.1 A lei..2.3.2 Costume..2.3.3 A jurisprudência..2.3.4 Religião.2.3.5 Doutrina..2.3.6 Princípios gerais do Direito..2.4 Conclusão do capítulo..3... NORMA JURÍDICA..3.1 Uma noção de norma..3.1.1 Norma religiosa.3.1.2 Norma moral...3.1.3 Norma jurídica.3.1.3.1 Distinção entre norma jurídica, regra jurídica e princípio jurídico. 3.1.3.2 Características da norma jurídica..3.1.3.2.1 Bilateralidade..3.1.3.2.2 Generalidade..3.1.3.2.3 Abstratividade...3.1.3.2.4 Imperatividade..3.1.3.2.5 Coercibilidade..3.1.3.3 Validade da norma jurídica.3.1.3.3.1 Validade da matéria..3.1.3.3.2 A eficácia..3.1.3.3.3 O fundamento...3.2 Conclusão do capítulo..4... INTERPRETAÇÃO DA NORMA JURÍDICA. 4.1 A origem da Hermenêutica...4.1.1 A Hermenêutica como teoria jurídica da interpretação.4.2 Interpretação do Direito..4.2.1 Civil law e as lacunas..4.2.1.1 As formas de completude das lacunas.4.2.1.1.1 Completude sistêmica.4.2.1.1.2 Integração das lacunas....4.2.1.1.2.1 Analogia..4.2.1.1.2.2 Costume..4.2.1.1.2.3. Princípios gerais do Direito..4.2.2. As antinomias.4.2.2.1. Solução hierárquica..4.2.2.2 Solução cronológica..4.2.2.3 Solução pela especialidade..4.3 Espécies de interpretação...4.3.1 Interpretação quanto ao sujeito..4.3.1.1 Interpretação autêntica..4.3.1.2 Doutrinária..4.3.1.3 Judicial..4.3.2 Quanto aos meios empregados...4.3.2.1 Gramatical ou literal.4.3.2.2 Lógica ou teleológica..4.3.3 Quanto ao resultado.4.3.3.1 Declaratória...4.3.3.2 Restritiva..4.3.3.3 Extensiva.4.3.4 Interpretação sistêmica ou sistemática.4.3.5 Histórica.4.3.6 Sociológica.4.3.7 Teleológica...4.3.8 Axiológica..4.3.9 Contextual ou literal..4.3.10 Progressiva.4.3.11 Analógica e analogia..4.4 Métodos de interpretação constitucional..4.4.1 Jurídico hermenêutico clássico..4.4.2 Tópico problemático.4.4.3 Hermenêutico concretizador.4.4.4 Científico espiritual..4.4.5 Normativo estruturante..4.4.6 Comparação constitucional..4.5 Princípios de interpretação constitucional..4.5.1 Princípio da unidade da constituição..4.5.2 Princípio da concordância prática ou da harmonização.4.5.3 Princípio da justeza ou da conformidade funcional..4.5.4 Princípio da eficácia integradora..4.5.5 Princípio da força normativa da constituição..4.5.6 Princípio da máxima efetividade..4.5.7 Princípio da interpretação conforme a constituição..4.6 Interpretação constitucional como critério de criação, modificação revogação do Direito.4.7 A interpretação constitucional como fonte de validade da norma jurídica..4.7.1 A interpretação constitucional como fonte de validade das decisão nos procedimentos administrativos judiciais e legislativos..4.7.2 Limites da interpretação constitucional..4.8 Teoria Tetradimensional de Friedrich Müller.4.9 Interpretação das normas jurídicas como a quarta dimensão do Direito..5... CONCLUSÃO.REFERÊNCIAS..
1INTRODUÇÃO
A presente monografia tem por objetivo geral observar o surgimento de uma questão relevante no contexto do Direito, a Hermenêutica,[1] que cada dia vem sendo mais discutida no meio jurídico, no que tange a formas e meios de aplicação pelos magistrados e órgãos superiores em um contexto geral.
Estuda-se a norma e suas origens no tempo, a conjuntura de normas que dão origem ao ordenamento jurídico contemporâneo, sua criação e motivação, sua força coercitiva e a presença da interpretação na evolução do Direito.
Com a evolução da sociedade, esta se torna cada dia mais complexa e, por vezes, dela surgem conflitos sem resposta exata na legislação. Seria a Hermenêutica o meio para dar uma solução aos conflitos, para elucidar essas lacunas?
É possível questionar também se a Hermenêutica é, de fato, um elemento componente do Direito. Caso contrário, conduziria os homens de volta à Lei de Talião: bastaria que o fato acontecesse para se dar a aplicação automática do Direito, sem que houvesse a percepção a captação e humanização do caso. Com o crescimento vertiginoso da população global, o consequente agravamento das questões sociais e o intrigante desafio imposto pelos crimes cibernéticos, não é difícil imaginar o quão desastroso seria abrir mão do juízo para instaurar uma aplicação automática da norma a tantos casos singulares.
Dada tamanha importância da interpretação no universo jurídico, propôs-se a realizar uma análise do status da interpretação no mundo jurídico, com o fito de tentar responder a três problemas que até aqui se desenharam:
- A interpretação esteve e está sempre presente no Direito?
- A interpretação vem inserida de forma implícita ou explícita nos vários pensamentos jusfilosóficos?
- A interpretação normativa pode ser colocada como um elemento do Direito?
As respectivas hipóteses iniciais foram:
- Sim, porque parece ser impossível imaginar conceber o Direito sem interpretação e, por conseguinte, Justiça sem Direito.
- Implícita, pois a interpretação ainda se mostra como algo que passa despercebido na Filosofia do Direito, isto é, como algo que ainda não foi devidamente enfatizado e inserido em uma lógica sistêmica embasada em provas consistentes.
- Sim, pela mesma intuição expressa na hipótese (1).
A fim de testar essas hipóteses de maneira a desenvolver ao máximo a problemática em pauta durante o tempo disponível para pesquisa e redação, optou-se por empregar uma metodologia de pesquisa bibliográfica e documental:
A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas.
[...]
A pesquisa documental assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica. A diferença essencial entre ambas está na natureza das fontes. Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa (GIL, 2010, p. 44-45).
Quando aplicadas ao campo do Direito e às fontes consultadas e selecionadas para esta monografia, essas definições do autor levam a entender que obras doutrinárias são material bibliográfico, ao passo que obras legais e jurisprudenciais são material documental. Devido à natureza filosófica da discussão proposta, deu-se ênfase ao primeiro tipo.
Os resultados da pesquisa foram redigidos em uma ordem que partiu dos primórdios da História do Direito, desde o surgimento das primeiras civilizações ocidentais e dos primeiros códigos normativos escritos; explorou as fontes da ciência jurídica, que podem ser tradicionais (normas) e não tradicionais (costumes); passou pelo jusnaturalismo, o Direito Natural, que é parte do Direito Universal, e pela escola de Baden, com Herbert Hart (que enfatiza o fato) e Kelsen (que enfatiza a norma); e chegou à teoria tridimensional de Miguel Reale, que, com uma nova ideia, introduziu o valor como mais um elemento do Direito, de modo a ajuntar fato e norma.
2DIREITO ENQUANTO CIÊNCIA
Segundo Sampaio Junior (2014, p.01), costuma-se, de modo geral, entender a Ciência do Direito como um sistema de conhecimentos sobre a realidade jurídica. Essa concepção é muito genérica e motiva inúmeras discussões no meio jurídico por sua amplitude.
O termo “ciência” é unívoco;[2] com ele, temos um tipo específico de conhecimento em cada área aplicada, tamanha a sua expressão e dimensão (SAMPAIO JUNIOR, 2014).
As modernas discussões sobre o Direito estão sempre ligadas à sua metodologia. Embora haja certo acordo em classificá-la entre as ciências humanas, seguem também debates entre diversas epistemologias[3] jurídicas sob a existência de uma ciência exclusiva para o Direito (SAMPAIO JUNIOR, 2014).
A Ciência do Direito propriamente dita é a junção de parte da História, da Psicologia, da Sociologia, da Etnologia, entre outras. É o estudo do comportamento humano geral, no decurso da história, do tempo, dos séculos (SAMPAIO JUNIOR, 2014).
A ciência é a soma de um conjunto de enunciados que visa a transição de informações verdadeiras. Sobre o que existi, existiu e existirá. É construída de enunciados verdadeiros ou enunciados não verdadeiros, porém estes, a princípio, têm de ser excluídos (SAMPAIO JUNIOR, 2014, p.3).
Está dividida em dois grandes grupos, que se completam, se integram para a plenitude da ciência do Direito: o método, que é o conjunto de princípios de avaliação da evidência, um critério para a sua fundamentação e explicação; e a técnica, que nada mais é do que o conjunto de instrumentos variáveis, conforme a necessidade e a variação dos temas propostos (SAMPAIO JUNIOR, 2014).
Realizando essa associação, o cientista do Direito procura reproduzir intuitivamente, movido pela razão e pelos conhecimentos adquiridos pelo método, o sentido dos fenômenos, valorando-os (SAMPAIO JUNIOR, 2014).
Nos termos apresentados, compreende-se que a ciência faz amadurecer o Direito, em termos de evolução e definição. O Direito é uma ciência sensacional, que estuda a sociedade, mas para falarmos do Direito, faz-se necessário definir o seu sentido da forma mais ampla possível (SAMPAIO JUNIOR, 2014).
A arte de definir é a arte da derivação de conceito. Tão complexa quanto a tarefa de conceituar o Direito é defini-lo de forma ampla e cristalina. O Direito é como toda ciência mutável, que se adequa ao meio social, com o escopo da pacificação social na amplitude da equidade (NADER, 2000).
Na visão de Hart (2012) o Direito não se define, pois é uma ciência; o que hoje se diz como verdade, amanhã pode não ser mais:
O que é direito? Mesmo circunscrevendo nossa atenção á teoria do Direito dos últimos 150 anos e deixando de lado as especulações clássicas e medievais sob a ‘natureza’ do Direito, depararemos com uma situação que não tem paralelo com nenhum outro tema estudado sistematicamente como disciplina acadêmica independente [...] (HART, 2012, p.01)
Em uma visão agora comparativa, Hart (2012) define o Direito com as palavras de Lewelyn. “O que as autoridades fazem dos litígios é o próprio Direito”. “As previsões sob o que os Tribunais farão... são o que entendo por Direito. [...] É claro que o Direito não pode ser apenas o que as autoridades fazem ou o que os Tribunais vão decidir, uma vez que é o Direito que cria uma autoridade ou Tribunal” (LEWELYN apud HART, 2012, p.02).
A ciência do Direito se baseia no estudo do indivíduo, do ser ético, correto, que tem uma conduta dentro da lei. A chave para a compreensão não se encontra na noção simples, é uma ordem apoiada por ameaças, um comando emanado por um ser superior (HART, 2012).
Esse é o “dever ser” do indivíduo no seu convívio em sociedade, mas é claro que uma definição tão simples não seria aceita como resposta satisfatória à pergunta “O que é o Direito?” (HART, 2012).
Direito é uma ciência e, como tal, está em constante evolução, evolução esta eivada da sociedade, do meio social, tendo no tempo sua definição correta, pois o que é Direito hoje pode deixar de “ser” em um futuro próximo (HART, 2012).
Enquanto ciência social, o Direito é o estudo do comportamento ético coletivo, os anseios de uma determinada sociedade, na qual ele está inserido na forma da lei, para manter a ordem e um comportamento desejável socialmente (HART, 2012).
O objeto da ciência jurídica está contido na afirmação menos evidente de que são normas jurídicas o objeto da ciência jurídica, e a conduta humana só o é na medida em que é determinada na norma jurídica como pressuposto ou consequência. Isso quer dizer que as relações inter-humanas são o objeto de estudo dessa ciência (HART, 2012).
A ciência jurídica procura apreender o seu objeto juridicamente, isto é, do ponto de vista do Direito; é estudando a sociedade e tornando seus desejos em normas jurídicas, claro que respeitando alguns princípios (HART, 2012).
Enfim, a finalidade da ciência jurídica é a produção de normas sociais, e essas proposições jurídicas formuladas pela ciência do Direito não são simples repetições de normas jurídicas, são inovações normativas trazidas pelo estudo da sociedade (HART, 2012).
O Direito é o estudo científico que possibilita a criação e a aplicação da norma. Somente é possível a prova de que tal fato é aplicado, de forma a ter a natureza deste, a distinguir das ciências naturais, que aplicam na discrição do seu objeto, este outro princípio ordenador, para estes como essencialmente diferentes daquele (HART, 2012).
Portanto, a ciência do Direito é vista pelos juristas como uma atividade sistemática que se volta principalmente para o ordenamento jurídico, para as normas, a captação da norma na sua situação concreta, fria. Surge, então, a ciência jurídica interpretativa, que também teria a finalidade de interpretar textos e transformá-los em normas, que evoluíram com a história.
2.1Origem e evolução do Direito
No que toca à origem histórica do Direito, Paulo Nader (2000) faz uma abordagem de análises ontológicas e históricas, que exerceram grande influência no Direito como uma regra social, o seu surgimento de normas no seio familiar, as contribuições de diversos povos e uma evolução árdua, demorada e longa.
As normas (ou a primeira norma a ser aplicada na história da humanidade) ocorreram ainda no paraíso, conforme uma visão bíblica, na qual o “Senhor” falou a Adão e Eva que não provassem do fruto do pecado, sob pena de serem expulsos do paraíso. Ao ser persuadida pela serpente, Eva, além de comer do fruto proibido, fez também com que Adão o comesse, razão pela qual foram expulsos dos jardins do Éden (GRECO, 2010).
Conforme Greco (2010), depois da primeira condenação aplicada por Deus, os homens passaram a conviver uns com os outros, viver em uma sociedade de fato. Adotaram o sistema de aplicação das normas para aqueles que descumprissem as regras sociais. Toda vez que um homem cometia um determinado ato repudiado pelas regras sociais, era punido pela sua conduta de forma exemplar, ou seja, para que servisse de exemplo aos demais, mantendo assim a paz e a ordem social, que se deu com as primeiras civilizações devido ao surgimento das normas.
As normas surgiram com a necessidade de se regulamentar a vida do homem em comunidade, para reduzir conflitos e buscar a paz social. A Grécia deu um passo histórico no surgimento normativo (GRECO, 2010).
Aproximadamente três séculos antes de Cristo, Aristóteles já afirmava que o homem é um ser social, e os maiores pensadores medievais acompanharam esse pensamento filosófico. A partir do período moderno na Grécia, surgiram também duas grandes teorias diferentes, com métodos abordando a teoria contratualista de Hobbes e Rousseau, contudo a teoria naturalista não pode deixar de ser admirável (TALARICO; SANTOS; RIBEIRO, 2017).
Segundo Talarico, Ribeiro e Santos (2017), desde os primórdios da humanidade o indivíduo sentiu a necessidade de conviver em grupo, para a cooperação mútua, proteção uns aos outros e o convívio que antes não tinha nenhuma restrição, pois viviam sob a égide do Direito jusnatural, em que a liberdade era ampla; mas, com o surgimento do convívio social, veio a necessidade de limitar a liberdade humana.
Ordonez e Quevedo (apud TALARICO; RIBEIRO; SANTOS, 2017) enfatizam que o declínio e a queda dos sumérios fez surgir novos povos, novas regras, os Babilônios, por volta de 1900 a.C., oriundos da Arábia e da Síria, povos esses que não tiveram resistência em chegar a Mesopotâmia. Foi exatamente nesse período que apareceu uma das primeiras leis escritas, dando origem ao primeiro ordenamento jurídico dos povos antigos.
O rei dos babilônios, Hamurabi, foi quem construiu o império Babilônio, abrangendo todos os territórios dos sumérios, elaborou o primeiro Código de leis, chamado de Código de Hamurabi, com base nas leis tribais, arcaicas, e no princípio da lei de Talião, o famoso “olho por olho, dente por dente”, dando início a um sistema jurídico (TALLARICO; RIBEIRO; SANTOS, 2017, p.17).
Já anos depois na Grécia antiga, segundo Corrêa (2017, p.12), a sociedade grega desenvolveu-se em uma considerável desigualdade social, sem a perspectiva de inclusão de outras classes, como os escravos, por isso demorou-se a perceber a divisão dos poderes e a evolução normativa.
A contribuição egípcia foi mediante o faraó, do qual emanavam as leis e o qual as fazia cumprir-se, impondo-as ao povo. Como exposto por Kelsen (2012), as normas podem surgir de um poder legislativo, costumeiro ou da vontade de um só homem, o rei.
Segundo Bobbio (2016), quando se fala em origens, fala-se em poder originário, no sentido jurídico, e se vê a norma como um poder soberano. Este emana de um soberano, seja no sentido bíblico (Deus), seja no contexto histórico (homem), seja pela vontade de um só homem em seu tempo, seja pela evolução do homem no decurso do tempo (a voz do povo).
Os povos Fenícios tiveram uma grande contribuição para com a evolução do Direito. Referir-se aos fenícios é dizer da civilização que mais contribuiu para com o Direito:
Moradores do atual Líbano, os fenícios, ocupavam um território entre o mar e as montanhas. Esse povoado é uma mistura de várias culturas, os quais possuíam na atividade marítima sua principal atividade [....] A grande invenção dos fenícios para a humanidade foi o alfabeto, posteriormente adaptado pelos gregos e romanos (TALLARICO; RIBEIRO; SANTOS, 2017, p.21).
Consoante os mesmos autores, o Rei Hamurabi governou plenamente e criou o primeiro código de leis escritas, conhecido como o código de Hamurabi, dando início as ideias de organização do estado e a crença em um só Deus, o monoteísmo.
Segundo Ordonez e Quevedo (apud TALLARICO; RIBEIRO; SANTOS, 2017, p.22), o Oriente Médio teve um papel fundamental na história mundial, como a invenção da escrita, como um divisor de águas entre a pré-história e a história. Conforme sugerem os autores, possivelmente o surgimento da escrita tenha sido o marco fundamental para com a evolução social do homem, na procura da felicidade, da liberdade e da igualdade. A escrita possibilitou a expansão do conhecimento, da propagação normativa, cultural, mitológica, religiosa e social. Antes os conhecimentos eram passados de forma oral sem quaisquer registros. Com o advento da escrita, a humanidade alcançou a modernidade. A sapiência tomou forma em livros e foi divulgada, debatida, difundida pela humanidade de forma metódica.
Os hebreus, os fenícios e a sociedade mesopotâmica deram as suas contribuições normativas para com o Direito moderno de forma essencial, pela criação da escrita.
Segundo Arruda e Pilleti (apud TALLARICO; RIBEIRO; SANTOS, 2017), os hebreus eram monoteístas, ou seja, professavam crença em um único Deus (o Deus de Israel), o que proporcionou uma grande influência sobre toda a humanidade, especialmente no ocidente.
Segundo o entendimento hebraico, não se poderia, de forma alguma, proferir o nome de Deus em vão ou fazer esculturas e imagens. Os Dez Mandamentos eram leis da sociedade hebraica, marcada por muitos juízes e reis, com muitas disputas e guerras por terra, religião e poder. Os hebreus sempre almejavam a paz em todos os povos, mas terminavam sempre em guerra, para conquista de terras e a imposição de seu Deus aos demais povos conquistados (TALLARICO; RIBEIRO; SANTOS, 2017, p.21).
Enfatizam Tallarico, Ribeiro e Santos (2017) que a grande contribuição normativa dos hebreus foram os Dez Mandamentos, além de timidamente contribuírem para o nascimento do constitucionalismo, estabelecendo o rascunho de um estado teocrático e restrições do poder político, quando concederam aos sacerdotes o poder de fiscalizar se os governantes ultrapassassem os limites bíblicos. “Os gregos se dedicaram a filosofia enquanto os Romanos ao Direito” (TALLARICO; RIBEIRO; SANTOS, 2017, p. 27).
No início do Império Romano, orquestrado por um só homem, como na maioria das civilizações antigas e medievais, o poder supremo se encontrava centralizado nas mãos do soberano, aquele que tudo podia e a que todos obedeciam, inclusive a meros prazeres pessoais.
O mundo jurídico romano tinha como regimento, consoante Silvio Meira (1972, p.35), a Lei das Doze Tábuas. Elas estabeleceram um marco divisório entre a primeira e a segunda fases do Direito em Roma. Antes desse marco, as leis eram imprecisas, vagas, indecisas, sendo o costume e as leis reais os reguladores da vida social. O código passou a oferecer diversas classificações até então inexistentes.
A Lei das Doze Tábuas foi o divisor fundamental para o Direito, como acentua Silvio Meira (1972), porquanto, depois da lei decenvirata, nenhuma outra codificação teve igual sentido ou cuja aplicação perdurasse tanto ao longo dos séculos. Havia uma diferença cultural entre os povos bárbaros e os romanos na aplicação de suas leis. “Enquanto os romanos abandonaram a vingança privada já no início de sua história, os germanos só o fizeram ao final da idade média, conforme constatação do jurista alemão Sternberg” (NADER, 2000, p.11).
Em uma visão histórica sobre o conceito e as definições do Direito Romano, Macedo (1997) analisa o pensamento desse povo em raízes gregas, define suas características de forma a estarem apoiadas na justiça: “A característica romana foi a de atribuir à justiça, e, consequentemente, ao Direito, o elemento volitivo, decisional, enquanto a característica grega intelectualista, foi colocada no ato de discernir e não propriamente no ato volitivo” (MACEDO, 1997).
O marco fundamental em Roma, salientam Rafael Talarico, Ribeiro e Santos (2017), foi a criação da República, onde o poder foi descentralizado, retirado das mãos de um só governante, passando a ser uma res pública, uma coisa pública. Apesar de ter sido marcada pelo poder patriarcal, Roma deu uma enorme contribuição para o sistema normativo atual, sendo responsável pelo surgimento do embrião do Direito civil e internacional:
Existia o jus Civile (Direito Civil), e o jus Gentium (Direito estrangeiro), os quais faziam parte do Direito Público, em contrario ao Direito privado, que adequavas relações das famílias, além das leis costumeiras. Naquela fase, a aplicação do Direito cabia somente aos pretores (TALLARICO; RIBEIRO; SANTOS, 2017, p.27).
De acordo com os mesmos autores, com o advento da República, o Império Romano deixou de ser individualista, passando a ser universal, sempre respeitando as classes sociais e oligarquias da época, é claro.
Assim, com a nova ordem republicana, o poder saiu das mãos de uma só serpente, passando às mãos de várias, que levaram à ruína, à decadência e ao fim de Roma, a parêmia[4] que deixara um legado muito importante para a humanidade, o respeito às diversidades – é o que se vê em nosso país, amplamente, apesar de alguma discrepância –, o aprendizado com outros povos. Trata-se de um dos principais legados de Roma, onde se pode ver e até sentir o positivismo das leis, a publicidade das normas, os costumes e os pretores,[5] estes os intérpretes, aplicadores das normas dentre o povo de Roma (TALLARICO; RIBEIRO; SANTOS, 2017).
2.2Algumas teorias sobre o Direito
A seguir, serão feitos breves comentários sobre jusnaturalismo, escola de exegese, historicismo, realismo jurídico, positivismo, culturalismo jurídico e pós-positivismo.
2.2.1Jusnaturalismo
De acordo com o pensamento jusnaturalista, na perspectiva Bobbio (2016), o poder civil originário forma-se a partir de um anterior estado de natureza por meio de um procedimento característico do contrato social, contudo há dois modos de conceber esse contrato social.
O primeiro modo poderia ser nomeado hobbesiano. Aqueles que estipulam contratos renunciam completamente a todos os direitos do estado de natureza, e o poder civil nasce sem limites: cada futura limitação será uma autolimitação (BOBBIO, 2016).
O segundo modo poderia ser chamado lokiliano. O poder civil funda-se no objetivo de assegurar um melhor gozo dos direitos naturais (dentre os quais a vida, a propriedade, a liberdade), logo nasce originalmente limitado por um poder pré-“existente” (BOBBIO, 2016).
Na primeira hipótese, o Direito natural desaparece completamente ao dar a vida ao Direito positivo, que é senão um instrumento para a completa realização preexistente Direito Natural (BOBBIO, 2016, p.54).
Como ensinam Rampazzo e Nahur (2015), um dos principais (senão o principal dos) teóricos da lei natural, foi São Tomás de Aquino. A tese por ele sustentada é a de que o Direito Natural contém primeiro a lei eterna e, em segundo lugar, a razão humana, que já se apresenta promulgada por Deus, sendo a razão humana uma dádiva de Deus aos homens.[6]
O jusnaturalismo ou o Direito natural faz parte de uma concepção mais antiga da natureza, na qual o mundo observável não é um mero cenário, mas uma referência para observações das leis naturais, não sendo um mero cenário dessas regularidades, e o conhecimento das leis naturais não é um mero conhecimento destas (HART, 2012, p. 244).
O Direito natural se dá em três momentos históricos distintos (clássico, medieval e moderno), como se pode observar nas subseções adiante.
2.2.1.1Clássico
O ser era regido pelas leis naturais somente, pela divindade, pela natureza, o meio no qual estava inserido (RAMPAZZO; NAHUR, 2015)
Na teoria do Direito natural clássico, tinha-se uma ideia de que há certos princípios que regiam por si só o comportamento humano. O primeiro princípio do Direito natural, segundo São Tomas de Aquino (apud RAMPAZZO; NAHUR, 2015), é o de “Fazer o bem e evitar o mal”. O bem e o mal aguardavam ser descobertos pela razão, e a lei dos homens tinha o dever de se adaptar a essa realidade.
Na literatura dedicada a Platão, há afirmação ou negação da tese de que o homem deve ser guiado por descobertas da razão humana, os princípios verdadeiros da conduta humana, a lei natural, na qual o homem deve ser coletivamente guiado pelo estado (HART, 2012, p.242).
Tão somente o estado pode garantir a liberdade, em razão das leis e do processo político que determina a igualdade. Nesse diapasão, somente existe igualdade no Direito natural, onde há um ordenamento jurídico, assim como só existe um ordenamento jurídico onde existe a figura do Estado, ou seja, onde todos precisam ser iguais (formalmente) e livres universalmente. O homem foi criado para ser livre, o que resulta ter o próprio arbítrio, que lhe foi entregue de forma divina, e ser responsável por todos os seus atos, consequentemente no Direito jusnatural todas as coisas são comuns (TALLARICO; RIBEIRO; SANTOS, 2017, p.25).
Os autores Talarico, Ribeiro e Santos (2017) seguem com uma visão socrática, segundo a qual os gregos privilegiavam os estudos e a filosofia e sabiam que o conhecimento era de suma importância para a polis.[7]
O conhecimento sempre está focado no bem comum, com a educação de todos, sem distinção de camadas ou classes sociais. Os gregos passavam os seus conhecimentos através da Maiêutica.[8] Aristóteles, com uma visão dimensional da Hermenêutica como natureza do homem, já afirmava que todo Direito nos leva à justiça.
A justiça é a mesma em todos os lugares, “assim como o fogo que queima na Pérsia e na e na Grécia”, é um grande acontecimento para o homem Grego, o reconhecimento do outro, dos direitos naturais do ser, que se amolda no Direito Romano, por meio do Estado, no qual está o Direito Pretoriano, a jurisprudência Romana e a Lei das XII Tábuas; é o resultado do evoluir da consciência jurídica ocidental, por meio do Direito natural clássico para o medieval. (TALLARICO; RIBEIRO; SANTOS, p.27, 2017).
2.2.1.2Medieval
Na teoria medieval do Direito natural, surgiram confusões profundas e antigas das quais o pensamento moderno para a época se teria libertado (RAMPAZZO; NAHUR, 2015).
O jusnaturalismo medieval era baseado na fé cristã pregada pela Igreja. Podem destacar-se os pensamentos de São Tomás de Aquino (apud RAMPAZZO; NAHUR, 2015), que era um pensador e idealizador dos princípios da lei natural. O fato de esse filósofo dividir o Direito natural e o positivo levou a aprofundar essas temáticas (RAMPAZZO; NAHUR, 2015).
O pensador esclarece que a verdade de que o Direito natural seja um ente de natureza imutável há de ser necessariamente tal, sempre, em toda parte. No caso do homem, sua natureza é mutável, imprevisível, daí o natural do homem poder falhar às vezes, pois a falha é inerente ao ser humano (RAMPAZZO; NAHUR, 2015, p.37).
O que diferencia o Direito natural do Direito positivo, segundo Tomás de Aquino (apud RAMPAZZO; NAHUR, 2015), é que o Direito positivo nasce do fato de que o Direito natural pode determinar o justo em coisas que por si mesmas são indiferentes. Tomás de Aquino (apud RAMPAZZO; NAHUR, 2015) manifesta que em si mesmo repurga do Direito natural não pode a vontade do homem torná-lo justo, mas, às vezes, acontece o que se estabelecem como leis iníquas.[9]
Para que não ocorra um paradoxo, para Tomás de Aquino (apud RAMPAZZO; NAHUR, 2015, p.39), o sentido do jusnatural deve ser oriundo do Direito divino positivo que aponta para o justo natural, que nem sempre é percebido pelos homens. De fato, pouco antes, ele afirma que o natural ao homem pode, às vezes, falhar: “O Direito Natural recebe este nome pela natureza da coisa”.
No fundo, o Direito natural se encontra também nos animais, mas o Direito das gentes é próprio dos homens entre si, e isso nasce do fato de que a razão humana compara as coisas com o que delas se resultam. Por fim, Tomás de Aquino (apud RAMPAZZO; NAHUR; 2015, p.42) expressa que o Direito positivo é derivado do Direito natural, “fazer o bem e evitar o mal”.
2.2.1.3Moderno
Para o jusnaturalismo moderno, o principal valor do Direito natural é a justiça, ele tem em sua essência uma relação de virtudes em seu esforço para trazer à tona o Direito natural, calcado no pensamento tomasiano, adverte que as teorias do Direito natural moderno não são um esforço obstinado de negar todas as teses do Direito positivo. (RAMPAZZO; NAHUR, 2015).
A questão crucial da teoria do Direito natural em relação ao Direito positivo esteve e está persistindo no aspecto problemático de sua fundamentação. Rampazzo e Nahur (2015, p.55) suscitam o sentido e a força dessa questão e indicam uma resposta de recusa praticamente completa.
Há dois ângulos, pelo menos, para serem considerados. O primeiro mostra que, pelas teorias do Direito natural, este assume o caráter de fonte basilar do Direito positivado, na medida em que se constitui fundamento e elemento na promoção do bem comum, tanto para assegurar direitos humanos, quanto para assegurar Direito ao meio no qual está inserido o homem, o meio ambiente, o segundo que a justiça é sempre relativa a outrem, aos atos realizados por outem (RAMPAZZO; NAHUR; 2015, p.42\43).
O jusnaturalismo moderno vem pautado em ideias novas, logo após o fim da 2ª Guerra Mundial (em que os nazistas foram julgados com base no Direito natural) como fonte do Direito positivo e do Direito das coisas, dos seres, do indivíduo. Traz à tona princípios morais e éticos, não somente na concepção da dignidade da pessoa, mas em uma concepção universal, por uma lei sempre justa e ética (RAMPAZZO; NAHUR, 2015).
Essa amplitude do Direito natural moderno, o torna forte, pois este é uma fonte para aquele (Direito positivo) em uma concepção tomasiana, o elemento da concepção geral da natureza inanimada ou viva, mostrando que o Direito natural existe por si só, pela vontade de um ser supremo e que tem como critério a justiça, que movimenta e é a fonte de vida para todas as coisas, a lei natural emanada de Deus, pois este, diferente daquele, existe por simplesmente existir, o ser completo (RAMPAZZO; NAHUR; 2015, p.52).
Como observado, o que distingue o Direito natural e o Direito Positivo no decurso do tempo é relacionado não ao Direito, mas à linguagem deste. O Direito Natural existe por natureza, é algo natural, enquanto o Direito positivado é feito pelo homem (BOBBIO, 2006).
Há diversos pensamentos que interpretam o Direito natural, como o Direito positivo e sua construção interpretativa fita por diversas escolas.
2.2.2Escola de exegese
Poder-se-ia dizer que a escola dos glosadores deu origem à chamada ciência europeia do Direito, que nasce propriamente em Bolonha, no século XI. Tal nascimento foi condicionado a fatos importantes na história, como o aparecimento em Bolonha, naquele século, de uma resenha crítica dos justinianeus (boloniensis), que foram transformados em textos escolares do jus civili europeu (FERRAZ JUNIOR, 2014, p.18).
Os juristas naquele tempo, com base nos escritos de Justiniano, passaram a dar ao texto um tratamento metódico, cujas raízes estavam nas técnicas explicativas, na interpretação. (FERRAZ JUNIOR, 2014).
Por meio dessa opção, os juristas da época faziam da leitura dos textos dogmáticos uma harmonização, procurando paralelos e concordâncias entre eles, procurando distinguir as peculiaridades das regras sanando as contradições e organizando de forma summa. (FERRAZ JUNIOR, 2014, p.18).
Essa era a ciência jurídica da época dos glosadores, período no qual se abstraia o caráter exegético dos seus propósitos e se mantinha a forma dialético-retórica (no sentido aristotélico) do seu método histórico (FERRAZ JÚNIOR, 2014, p.21).
2.2.3Historicismo
No início, os pensamentos interpretativos eram muito restritos no historicismo da exegese se sustentava que a ordem jurídica não continha lacunas, tendo o Direito positivo meios de sanar eventuais lacunas (GUSMÃO, 1960).
Para a escola historicista, a vontade do legislador deveria sempre ser perquirida. Tudo é previsto na lei pelo legislador. A norma e a vontade do legislador aparecem como dogmas, que não podem ser modificados, daí sustentarem o que chamavam de voluntas legislatoris[10], o objetivo da interpretação. “Para a escola de exegese, para o método tradicional, o intérprete é um sujeito passivo em que o objeto (lei) determina seu modo de pensar” (GUSMÃO, 1960, p.136).
A escola histórica do Direito teve um grande mérito por si mesma, na questão do caráter científico da ciência jurídica. Não se pergunta o Direito, de modo puramente fático, está na história, mas como ele tem sua essência dada pela história (FERRAZ JÚNIOR, 2014, p.31).
2.2.4Realismo jurídico
O realismo jurídico subdivide-se em norte-americano e escandinavo.
2.2.4.1Realismo jurídico norte-americano
Dois grandes sistemas partilham os estados da common law, este a realidade jurídica do sistema estadunidense, oriundo da Inglaterra o contencioso administrativo e o que confia no judiciário (FERREIRA FILHO, 2015).
Tal sistema confia no Poder Judiciário não só para a imposição do Direito aos particulares, mas também às autoridades e aos entes públicos. É o sistema judiciário outro que atribui a organismo especial essa função, quando ela se dirige ao poder público e suas autoridades (FERREIRA FILHO, 2015).
Esses dois sistemas podem ser chamados de judiciais, porque, em última análise, a aplicação da lei fica em mãos do juiz “judiciário” ou do juiz administrativo, sendo estes os responsáveis pela construção e pela aplicação das normas (FERREIRA FILHO, 2015, p.228).
Para esclarecer a realidade jurídica, as origens do direito consuetudinário, é preciso observar o Direito na Inglaterra. Esse grande modelo de sistema de aplicação e criação normativa é de origem inglesa e vem dos costumes retirados da sociedade. Foi por meio desse sistema que Montesquieu identificou, na constituição da Inglaterra, um Poder Judiciário, à parte do Executivo (a coroa) e do Legislativo (o parlamento), dando assim origem à teoria da tripartição dos poderes, adotada por todas as nações republicanas e democráticas nos dias atuais (FERREIRA FILHO, 2015, p.230).
2.2.4.2Realismo jurídico escandinavo
O realismo jurídico escandinavo, segundo Cambule (2009), foi desenvolvido a partir da chamada Escola de Upsala, (Escócia, mas também Dinamarca) foi iniciado por Axel Hagerstrom (1868-1939) e apresenta alguns pontos importantes de contacto com o positivismo jurídico, nomeadamente na sua visão sobre o Direito natural.
O realismo jurídico escandinavo veio estabelecer que o Direito é regido pelo fato, não por preceitos morais e metafisicos, daí a dicotomia entre Direito positivado e Direito consuetudinário (FRAGA, 2002).
O ponto de partida do realismo jurídico escandinavo pode ser encontrado no plano gnosiológico.[11] O realismo critica e se opõe, por completo, toda e qualquer metafísica (apelidando-a de ‘conjunto de palavras cujo estatuto epistemológico é impossível de determinar’) e sustenta que apenas o “real”, ou seja, o fato (o mundo empírico, aquilo que ocorre no espaço e no tempo) pode ser objeto de investigação científica. (FRAGA, 2002).
No plano do Direito, a primeira consequência da concepção realista é a completa rejeição do Direito natural, que é visto como consistindo numa ideia metafísica sem qualquer fundamento científico. Nesse ponto, o realismo jurídico coincide com o positivismo, porquanto ambos rejeitam a ideia do Direito natural, sob o pretexto de que esta não é uma realidade demonstrável e cognoscível pelos sujeitos. Direito é apenas o Direito positivo (FRAGA, 2002).
O realismo jurídico escandinavo está pautado pelo conhecimento empírico, real, em que a mitologia, a religião e os costumes não têm espaço para a criação normativa. O realismo jurídico escandinavo não se opõe ao dever do indivíduo com o Direito, porque não encara este como um dever ser do indivíduo, mas entende que o Direito surge da vontade do povo, de fatos concretos, estes positivados (FRAGA, 2002).
2.2.5Positivismo
De acordo com Müller (2013, p.95):
A expressão ‘positivismo’ foi cunhada por Auguste Comte, cujo Cours de la Philosophie positive foi publicado entre 1830 e 1842. Tendo como pano de fundo o avanço das ciências naturais, o positivismo pretendeu integrar todo conhecimento humano por meio da metódica empírica exata libertada de toda e quaisquer interpretação metafisica.
2.2.5.1Positivismo sociológico ou sociologismo
Em sua dimensão positiva, civil law, o Direito é o conjunto de normas de conduta social, imposto coercivamente pelo Estado, para a realização da segurança no meio social em que está inserido, seguindo os princípios da justiça, cuja plenitude só é alcançada quando aplicado de forma rápida e sem ferir outras normas, quais estejam positivadas da forma como é exigida na constituição vigente em cada sociedade organizada (NADER, 2000).
A expressão “positivismo jurídico”, segundo Hart (2012, p.241), designa a afirmação simples de que não necessariamente é verdade que as leis reproduzam certas exigências da moral ou as satisfaçam, embora, de fato, o tenham realizado com certa frequência, pois a moral é, como se sabe, uma das fontes para a positivação normativa, mas não é lei, por não estar esta positivada. Para ser aplicado, o Direito deve sempre estar positivado.
Por ser a lei a expressão da maioria da sociedade, deve sempre ser positivada obedecendo ao princípio da legalidade, pois cidadão algum pode fazer ou deixar de fazer algo que não esteja anteriormente expresso em lei (HART, 2012).
Na visão geral positivista, o Direito é uma ciência que se preocupa essencialmente em oferecer padrões públicos confiáveis de comportamento que podem ser identificados com segurança com o aparecimento de um simples fato, sem depender de argumentações morais discutíveis dando uma segurança jurídica indiscutível a coletividade (HART, 2012, p.324).
O positivismo normativo é a segurança que garante algo muito valioso ao indivíduo, àquele que está sujeito à norma. Faz com que as oportunidades para a coerção jurídica dependam de fatos evidentes na lei, acessíveis a todos, de modo que todos terão um justo aviso antes que a coerção seja empregada. Dworkin (apud (HART, 2012, p.320) chama esse fato de o ideal das expectativas protegidas.
2.2.5.2Positivismo normativo ou jurídico
O positivismo jurídico é uma teoria oposta à jusnaturalista. Bobbio (2016, p.58) deduz que a primeira é a teoria que reduz a justiça à sua validade. Enquanto, para um jusnaturalista tem ou deveria ter valor de comando só o que é justo; para a doutrina oposta, é justo só o que é comandado, pelo fato de ser comandado e positivado. Para um jusnaturalista, uma norma não é válida se não for justa; para o positivista jurídico, uma norma é justa somente se for válida. Para uns, a justiça é a confirmação da validade; para o outros, a validade é a confirmação da justiça (BOBBIO, 2016).
Para chegar ao maior conceito possível de justiça, é necessário conhecer e aplicar as normas a cada caso concreto. Uma norma, por si só, não tem uma aplicabilidade. Ela precisa ser positivada, aglutinada a outra para que produza os efeitos esperados no meio social (BOBBIO, 2016).
Propõe-se agora uma breve viagem no tempo, uma curta passagem pelas origens do conceito e pela aplicabilidade das normas ou regras jurídicas no meio social:
As regras jurídicas constituem sempre uma totalidade, e que a palavra ‘Direito’ seja utilizada independentemente tanto para indicar uma norma jurídica particular quanto um determinado complexo de normas jurídicas.
Uma rápida visão histórica do pensamento jurídico nos dá uma confirmação do que até agora afirmamos: do famoso tratado De legibus ac Deo Legislatore, de Francisco Suarez (1612) aos tratados mais recentes de Thon e de Bidings, fica claro desde os títulos presentes que o objeto principal da analise do verdadeiro implemento primeiro da realidade jurídica é a norma em si (BOBBIO, 2016, p.35-36).
Neste contexto, verifica-se que o Direito, ou melhor, a aplicação do Direito se dá com a observação de um conjunto normativo, que vem ao logo dos anos desenvolvendo-se de forma gradativa, em conformidade com a evolução social.
Explica Bobbio (2016), em sua inspiração kelsiana, que seus cursos são inspirações que estão vinculados ao seu interesse pelo positivismo jurídico. A juridicidade não é um atributo de normas na sua singularidade, mas, sim, do ordenamento como um conjunto estruturado de normas. Estas têm metodologicamente a nota própria de um discurso prescritivo (BOBBIO, 2016, p.11).
Considerar-se-á um conjunto descritivo observado pelo autor, que apresenta uma visão não teológica, tampouco ideológica, puramente centrada em suas ideias inovadoras, que define não só uma norma que deve ser levada a aplicação no meio social, mas um conjunto de normas que se complementam por si (BOBBIO, 2016).
Verifica-se que uma norma só produz os efeitos esperados quando é positivada, seguindo o caminho para sua efetiva validade e qualificação.
A qualificação de uma norma como jurídica não depende de seu conteúdo – muito mutável nos sistemas jurídicos complexos –, mas de sua atribuição no ordenamento jurídico (BOBBIO, 2016, p. 13).
Uma norma, por si só, produz algum efeito jurídico, seja ele realizado por uma interpretação lógica do conteúdo normativo, seja por uma interpretação extensiva da norma, para a sua aplicação em um contexto geral das normas, segundo Bobbio (2016): Teoria do ordenamento jurídico. O poder é necessário para a realização do direito no sentido amplo da garantia da ordem jurídica. O domínio normativo compõe o ordenamento, a norma e o Direito (BOBBIO, 2016).
A definição de Direito a que se chegou, determinando a norma jurídica pela sanção e a sanção jurídica pelos aspectos de exterioridade e de institucionalização, do que resulta a norma jurídica como aquela norma cuja execução é garantida por uma sanção externa institucionalizada, na qual só produz efeito após a sua positivação, sua transformação em lei (BOBBIO, 2012).
Essa definição é uma afirmação de tudo quanto se ressaltou, ou seja, a necessidade em que se acha o teórico geral do Direito, em certo ponto de sua pesquisa, de deixar a norma singular pelo ordenamento. É possível também exprimir-se deste modo: o que comumente se chama de Direito é mais uma característica de certos ordenamentos normativos do que de certas normas (BOBBIO, 2016, p.42).
Portanto não se avançará sem uma pesquisa sobre o que venha a esclarecer a norma no ordenamento jurídico, não só do Direito pátrio, mas também no Direito em uma dimensão universal. As normas são oriundas do seio social, capitadas e formalizadas pelo legislador e positivadas conforme os preceitos constitucionais daquele estado no qual é inserida, se torna a cultura de uma sociedade.
2.2.6Culturalismo jurídico
Aplica-se a expressão “culturalismo jurídico” ao Direito no sentido de um conjunto de regras com eficácia forçada. Isso significa uma cultura de ordenamento jurídico. Essa cultura da lei seria a resolução dos problemas da sociedade, mas claramente impensável sem o exercício da força, isto é, sem um poder com fundamento último de ordenamento jurídico positivo. Poder não quer dizer reduzir o Direito a força, mas simplesmente reconhecer que a força é necessária para realização do Direito. O poder da força é indubitavelmente uma das formas de se dar vida ao Direito, que se tornou uma cultura dos indivíduos no sistema civil law (BOBBIO, 2016).
Pode, muito bem, imaginar-se um poder que repouse exclusivamente sobre o consenso entre todos os súditos das normas em uma determinada sociedade, como se observou anteriormente. Todo poder originário repousa, em certa medida, sob a força e, em certa medida, sob o consenso da sociedade (BOBBIO, 2016).
Como afirma Hart (2012), discordar de tal fato é uma utopia. Só se pode empregar o exercício do Direito na sua amplitude com o possível uso da força, pois uma das características do Direito é sua imposição mediante a força, indispensável em alguns casos.
Tem-se aqui um casamento tridimensional, Hart (2012) se assim se pode expressar: a norma ou um conjunto delas, o Direito e força. Nessa relação tripartite, cada membro depende dos demais para ser efetivamente aplicado.
Interpretar-se-á da seguinte Hart (2012) forma um caso concreto: sem a(s) norma(s), não existe o Direito; e, sem a força, não existe a aplicabilidade da cultura do Direito, este designado a resolver todos os problemas da sociedade, diferente daquela, que regula a conduta do ser.
Não cabe retomar recursos medievais para a aplicação do Direito, mas a necessidade da aplicação da norma em uma fato/caso concreto requer o uso da força, pois a cultura no qual a positivação em massa de determinados comportamento poderá resolver os problemas da sociedade está equivocada. A aplicação do Direito tem como escopo a validação ou aplicação da norma em um meio social tão pouco evoluído como o meio em que nos encontramos. Assim, “O objetivo de qualquer legislador não é organizar a força, mas sim organizar a sociedade mediante a força” (BOBBIO, 2016, p.75).
A força também é vista por Hart (2012) como essencial para o Direito, de tal forma a salvaguardar a sua aplicabilidade em um contexto social, assegurando assim a normalidade da vida em sociedade com as garantias normativas necessárias.
Algumas normas são vinculantes, no sentido de exigirem que as pessoas se comportem de certa maneira: por exemplo, que se abstenham de cometer violência ou que paguem seus impostos, quer queiram quer não; outras indicam o que as pessoas devem fazer para conferir validade a seus desejos, como as que estabelecem os procedimentos, formalidades e condições para a celebração de matrimonio e a redação de testamentos ou contratos (HART, 2012).
Todas essas formas de aplicação ou validade da norma são garantidas pela força normativa ou pela força estatal de fazer valer os efeitos emanados das ordens normativas.
A força é o elemento crucial para garantir a aplicação e os efeitos da norma. Sem a força, não há garantia do Direito; e, sem o Direito, não se pode usar a força.
2.2.6.1Escola de Baden
Trata-se de uma corrente de pensamento neokantiana[12] com origens no Direito alemão, mas já com várias intersecções neohegelianas. Também chamada Escola Alemã do Sudoeste ou Escola de Heidelberg, é marcada pela axiologia e pelo culturalismo. A escola de Baden construiu uma filosofia mais ampla, chamada de filosofia dos valores (REALE, 1994, p.70).
Nesse viés, o formalismo jurídico deve ser mitigado, não sendo absoluto no Direito, pois o Direito deve ser interpretado na realidade subjetiva e objetiva atual.
2.2.6.2O “ser” e o “dever ser” de Hart e Kelsen
A palavra “dever” sugere a ideia de uma obrigação, algo que não possa ser feito ou realizado no mundo exterior, uma vez que, a partir do momento em que o indivíduo passou a viver em sociedade, ele abriu mão da liberdade absoluta, do jus natural. Em outras palavras, houve a relativização da conduta do indivíduo, devendo este respeitar a coletividade na qual está inserido, as normas jurídicas, o texto normativo, que dita regras para que se estabeleça no meio social (KELSEN, 2015).
Segundo Kelsen (2015), a palavra “dever” tem a seguinte explicação científica:
A palavra ‘dever’ (Pflicht) está ligada a língua alemã - especialmente, depois da ética de Kant – a ideia de um valor moral absoluto. O princípio no qual o homem deve cumprir sempre o seu ‘dever’ ou os seus ‘deveres’ pressupõe evidentemente que haja deveres absolutos, inteligíveis para todos. De outro modo, isto é, se se admitisse que não há uma moral absoluta, mas várias e muito diversas ordens morais que prescrevem condutas que se contrariam, o princípio citado, que constitui o princípio fundamental da ética Kantiana, reconduzir-se-ia à tautologia que o homem deve sempre fazer aquilo que, de conformidade com a ordem moral tomada em consideração, é prescrito, ou seja: que ele deve fazer o que deve fazer. O conceito de dever jurídico se deve exclusivamente a uma ordem jurídica positiva e não tem qualquer espécie de implicação moral (KELSEN, 2015, p. 131).
Conforme o autor, o dever de ter uma conduta não apenas moral do indivíduo, no qual a sua conduta, quando má, seja uma conduta danosa à coletividade e quando boa seja não danosa ao meio no qual este está inserido. A moral não limita o ser, mas a norma especifica uma conduta, que tem de ser observada e seguida pelo indivíduo.
Para Hart (2012), a moral não obriga o indivíduo diferente da norma, que se violada faz surgir o Direito para com o outro, para com a coletividade ou para consigo mesmo, no caso das penalidades sofridas subjetivamente. A diferença entre o sentido da lei inclui o sentido da expressão dever ser e obrigar.
As normas não só prescrevem ou proíbem determinadas condutas, mas também podem conferir autorização a determinadas condutas, como o é o caso dos administradores do Estado, que só podem realizar condutas autorizadas pelas normas, pela lei (MEIRELLES, 2014).
Novamente com Hart (2012), entende-se que as leis “devem ser” estabelecidas em conformidade com a constituição do Estado, que tem sua maneira de positivação e aplicação. O processo deve ser observado, pois tem como principal escopo a garantia da ordem constitucional estabelecida; e o Estado tem o dever de aplicá-las e dar a elas efetividade por intermédio de seus Juízes Diferentemente de outros seres, o indivíduo humano é pautado pela razão, pela reflexão, mostrando o seu dever objetivo quanto às leis do Estado, daí a classificação da espécie como Homo sapiens sapiens.[13]
Ao juiz é conferida a competência,[14] para aplicar uma pena sob determinadas condições. Ele pode também ser obrigado – embora não tenha necessariamente de o ser – a aplicar a pena. A este respeito, recorde-se uma vez mais que, se a proposição jurídica é formulada com o sentido do dever ser, sob determinadas condições ou pressupostos, deve intervir um determinado ato de coação. A palavra “dever” nada mais diz sob a questão do saber se a aplicação do ato coercitivo constitui conteúdo de um dever jurídico de uma permissão positiva ou de uma atribuição de competência (autorização). Antes as três hipóteses são igualmente abrangidas. Se se emprega a expressão “dever ser” para designar qualquer dos sentidos, não só o sentido da norma que prescreve uma determinada conduta, mas também o sentido da norma que positivamente permite uma determinada conduta ou autoriza, isto não significa que seja obrigado a realizar determinada conduta, apenas tem o dever legal de realizar determinada conduta imposta pela lei (KELSEN, 2015, p.132).
Como já percebido, o “dever” jurídico e o “dever ser” expostos por Kelsen (2015) têm como propósito mostrar a finalidade e as obrigações do ser. O “dever ser” jurídico, em uma ordem moral e, ao mesmo tempo, normativa, quer dizer que todos os indivíduos que vivem em sociedade têm de se ater a determinadas condutas.
A individualidade não mais é suportada, devendo o homem, quando inserido em um meio social, respeitar as normas, o ser positivamente inserido pelo legislador. A sua conduta sofre, por si só, limitações, que estão em um conjunto normativo, o ordenamento jurídico positivado (HART, 2012).
Esse ordenamento tem sua eficácia garantida pela coerção, que funciona como sanção e é estatuída quando da conduta oposta do ser.
O conceito de obediência às normas deve ser pautado pelo conceito de responsabilidade, pautada no “dever” jurídico, que precisa sempre ser entendido como “dever” (KELSEN, 2015).
O conceito de “dever”, como se percebe, é a responsabilidade subjetiva de cada indivíduo para com as normas e outros seres. A responsabilidade é o cerne do “dever ser” dos indivíduos em relação à coletividade, sendo a coerção o principal meio de manter o indivíduo no caminho que deve ser percorrido:
O indivíduo é obrigado a uma certa conduta conforme o Direito e responde por uma conduta antijurídica [...] Isso é patente no caso da responsabilidade penal, pelo pedido de outrem, ou seja, no caso em que a sanção tem o caráter de pena. E deve-se fazer a execução se estamos perante uma hipótese de responsabilidade pelo não cumprimento de um dever jurídico que é constituído pela execução forçada (KELSEN, 2015, p.134)
Na interpretação do mesmo autor, “dever” é a responsabilidade subjetiva do indivíduo com a coletividade de ser obrigado a agir de certa maneira, comportar-se segundo a vontade das normas. Para Kelsen (2015), todos têm o “dever” uns com os outros e com as normas, a lei. O indivíduo que se comportar de maneira oposta ao ordenamento jurídico tem como sanção imposta a reparação, seja ela no âmbito pessoal, seja no material, mas também há a possibilidade da responsabilidade coletiva.
Pode falar-se de responsabilidade Kelsen (2015), coletiva somente quando as consequências do ilícito se dirijam, não contra um indivíduo, em singular, mas contra vários membros de um grupo determinado, a que o delinquente pertença, a uma determinada comunidade.
Se constatada ilicitude, Kelsen (2015), o mal feito a um número determinado ou indeterminado de pessoas, quando há reprovação já positivada, deve ser o indivíduo punido de forma a ter uma pacificação social mediante a norma, a lei, no sentido mais amplo da palavra e do texto normativo.
O segundo Hart (2012), o “dever ser” está intimamente conectado com a responsabilidade, a obrigação do indivíduo com a sociedade em geral, porque, como já assinalado, a partir do momento em que passa a viver em sociedade, o indivíduo tem sua liberdade restringida em prol da vida coletiva.
Esse ponto é crucial Hart (2012), para que o “ser”, dotado da razão que lhe é peculiar, tenha o seu “dever” com a coletividade, esta ligada umbilicalmente por meio das normas, das leis e responsável por moldar a sociedade no decurso do tempo, com o intuito de buscar a felicidade mediante o bem comum.
A perspectiva de Hart (2012) é das regras gerais. A indeterminação do Direito faz com que a interpretação esteja sempre presente no seu contexto. Desse modo, o aplicador pode estabelecer alguns pontos de interpretação, sendo a visão da interpretação como um ato de vontade versus a visão integral do Direito, o formalismo versus o ceticismo, a perspectiva do pretor versus a do legislador.
2.2.6.3Teoria tridimensional do Direito
Em termos gerais, os tridimensionalistas se limitam a afirmar o caráter fático-axiológico-normativo do Direito, sem tirar dessa colocação do problema todas as consequências nela implícitas, que são do mais alto alcance da ciência do Direito, não só para esclarecer e precisar velhos problemas, como também para situar questões novas, reclamadas pelas conjunturas histórico-sociais de nosso tempo (REALE, 1986).
A rigor, só e enquanto se coloca a tridimensionalidade nesse contexto problemático, é que se pode falar propriamente em teoria tridimensional, cuja base inamovível não é uma construção ou concepção do espírito, mas o resultado da verificação objetiva da consistência fático-axiológico-normativa e qualquer porção ou momento de experiência jurídica oferecendo a compreensão espiritual. O tridimensionalismo traz à tona a necessidade de aglutinar os três fatores, mas também a necessidade de ter uma compreensão mística, espiritual para lograr uma aplicação normativa plausível (REALE, 1986).
Há três fatores correlacionados no Direito formando a teoria tridimensional:
Fato, valor e norma estão sempre presentes correlacionados em qualquer expressão da vida jurídica, seja ela estudada pelo filósofo ou o sociólogo do direito, ou pelo jurista como tal, enquanto na tridimensionalidade genérica ou abstrata caberia ao filósofo apenas o estudo do valor, ao sociólogo o do fato e a do jurista o da norma (REALE, 1986, p.57)
Como ensina o autor, o Direito limita e norteia a conduta jurídica dos homens, quando se reporta a conduta jurídica não se deve, pois, pensar em algo substancial capaz de receber os timbres exteriores de um sentido axiológico ou de diretrizes normativas, que norteiam e nortearam sempre a conduta do homem no caminho, de certa forma, oriundo do Direito natural, que eticamente faz distinguir o bem e o mal, o certo e o errado, em uma visão extremamente subjetiva. Acrescenta o teórico:
Por outro lado, como é tridimensional toda a vida ética por implicar sempre o fato de uma ação subordinada a medida da norma resultante de um valor, (religioso, moral, estético etc...), põe-se um quarto problema, que é saber distinguir a tridimensionalidade jurídica das demais que constituem o complexo e multifacetado domínio da experiência ética (REALE, 1986, p. 54).
Essa experiência social, dotada daqueles sentidos e diretrizes, oriundos do meio social em que está inserido, revela as diretrizes fático-axiológico-normativas, distinguindo-se das demais espécies de condutas éticas, por ser o momento bilateral-atributivo da experiência social subjetiva, naturalmente adequada pelo ser racional e internacional no decurso do tempo (REALE1986).
Como se depreende desse teórico, a teoria tridimensional do Direito e do Estado vem desenvolvendo-se desde os anos de 1940, muito embora não empregue o termo “tridimensional”, e distinguindo-se das demais por trazer à tona um novo fator para a aplicação normativa, o valor, saindo da teoria bidimensional e outrora monodimensional do Direito.
O tridimensionalismo jurídico é o fluxo no qual se movem os elementos do Direito, a vida do Direito. A função tridimensional deste é demonstrar ao filósofo que as verdades do Direito não se encerram, mas se iniciam em uma nova dimensão para com este, a qual pode, a qualquer momento, ser superada ou elevada a uma nova dimensão. Essa dimensão estará sempre em movimento, pois o filósofo estará sempre à procura de algo mais, algo que se vai encontrar no devido tempo no espaço, com a evolução da sociedade, elementos estes constitutivos da compreensão do Estado e do Direito (REALE, 1986).
O propósito da teoria tridimensional do Direito é mostrar que o espírito da Filosofia do Direito é evolutivo e cheio de desafios a serem superados a cada dia.
2.2.6.3.1Fato
Segundo Reale (1986), a palavra fato indica a circunstancialidade condicionante de cada momento particular no desenvolvimento do processo jurídico. Ora, fato particular é tudo aquilo que, na vida do Direito, corresponde ao já dado no meio social e que valorativamente se integra na unidade ordenada da norma jurídica, resultando da dialeticidade dos três fatores do Direito. É, pois, um fato histórico-cultural e social.
O fato constitui matéria de Direito do qual a norma é a forma. Surge o Direito precisamente ao incidir esta sobre aquele (REALE, 1986). É ainda o fato considerado no dinamismo de sua força social, responsável pela evolução do Direito, promovendo-o a todo custo, quer mediante a interpretação evolutiva, quer mediante a forma legislativa, entretanto a autoridade do fato não se diminui a esses dados. É também ele que define o Direito nos tribunais (REALE, 1986).
Se esse aspecto, por excepcional no mundo jurídico, não pode ser supervalorizado, não deve, em contrapartida, ser subestimado, pois o fato se refere a um acontecimento pretérito, que dá origem ao Direito. Sem fato, não há de se falar em Direito (VASCONCELOS, 1979, p.13).
2.2.6.3.2Valor
De acordo com a Filosofia de valores sociais, explícitos e implícitos, na Filosofia do Direito, o valor é o resultado de um processo cognitivo, abstrato, que não correlaciona devidamente o sujeito com o objeto, ou o objeto com o sujeito (REALE, 1986).
Os valores são dogmas sociais, inerentes à sociedade, pautada entre o bem e o mal, ente o certo e o errado, entre a verdade, a mentira e a pós-verdade, entre a dor e o amor (REALE, 1986). O conceito husserliano se expressa muito bem quando fala da internacionalidade da consciência, principalmente quando a sociedade tem contatos amplos entre si, levando ao mundo do inconsciente social, e trazendo ao mundo real novos valores sociais pautados pela inter-relação entre os diversos níveis culturais mundo afora (REALE, 1986).
Essa colocação resulta em um problema de caráter dialético do conhecimento dos valores sociais contemporâneos. Essa natureza de relacionamento aberto entre as diversas culturas traz, em algum momento, a pós-verdade, que não se pode se deixar ser levada a valores reais de uma sociedade. Há uma correlação entre as constantes mudanças dos valores sociais com essa inter-relação cultural entre as sociedades e há uma integração cultural pela globalização que sedimenta através norma (REALE, 1986).
2.2.6.3.3Norma
Partindo de um pensamento Reale (1986) que leva à percepção de que as normas devem estar em harmonia, como a natureza, o cosmo, o universo, as normas são elementos naturais e devem fazer com que uma interpretação seja aplicada. As normas são uma extensão natural da natureza humana, em uma outra dimensão, fazem parte da harmonia universal: sem a norma ou o conjunto de normas, a convivência entre os homens e entre o homem e o cosmo dificilmente existiria (BOBBIO, 2016).
A norma de princípio, por exemplo, Silva (2007) significa norma que contém o início ou esquema de um órgão, entidade ou programa, como são as normas de princípio instituem e as de princípio programático. O princípio conforme a constituição deve ser interpretado de forma a ser um mandamento nuclear de um sistema.
As normas são preceitos que tutelam situações individuais, subjetivas de vantagem ou vinculo entre as partes em um determinado conflito, ou seja, por um lado pessoas ou entidades, que têm a faculdade de realizar certos interesses por um ato próprio, subjetivo. (SILVA, 2007).
A norma jurídica, assim como todos os modelos jurídicos, não pode ser interpretada com abstração dos fatos, valores que condicionam o seu advento, nem dos fatos e valores supervenientes, assim como na totalidade do ordenamento jurídico em que ela se insere, o que torna superados os esquemas lógicos tradicionais de compreensão do Direito, a norma deve ter sempre retirada de si o seu máximo de conteúdo legal (REALE, 1986).
A norma é o resultado colhido pelo legislador dos anseios da sociedade, da realidade social em um caso concreto. Os valores sociais são interpretados pelo legislador, que em seguida o formaliza. A norma é o resultado da interpretação (REALE, 1986).
Compondo a teoria, sob a fonte da norma fundamenta, diz-se que a verdadeira/última fonte de todo o poder é Deus “Todo poder vem de Deus” (omnis potestas nisi a Deo). Essa doutrina integra a norma fundamental de um ordenamento jurídico, afirmando que o “dever” de obedecer ao poder constituinte deriva do fato de que esse poder (como todo poder soberano) deriva de Deus, ou seja, foi autorizado por Deus a editar normas jurídicas válidas, o jus natural, de maneira que o homem recebe a razão por instrução divina, e esta é resultado daquele, de quem emana a norma que provem do próprio ser (BOBBIO, 2016, p.70)
2.2.7Pós-positivismo
O pós-positivismo jurídico procura demonstrar que a pretensão de superação do positivismo jurídico dominante no século XX concentra-se na resolução do problema que envolve o poder discricionário do julgador, bem como o da determinação do Direito no caso concreto, de modo a alcançar a conciliação entre validade formal e validade material da norma por meio da interpretação (NADER, 2000).
O intérprete seguro, consciente da teleologia da lei, dá às normas o sentido compatível com a proteção dos interesses fundamentais da pessoa humana, garantindo e seguindo princípios fundamentais. Estes devem influenciar o ordenamento jurídico tanto no momento de sua elaboração quanto na oportunidade da exegese (NADER, 2000).
Não se pode falar em Direito sem intérprete, porquanto, ao interpretar a norma, esta ganha vida. Assim, o intérprete deixa de ficar adstrito ao Direito positivado, ele a traz para o meio social obedecendo ao princípio da dignidade da pessoa humana, que tem como finalidade dar garantia às pessoas da correta aplicação da norma no meio social e os limites dos estados (NADER, 2000).
A rigor, não há de se falar apenas em intérprete normativo em referência ao juiz. O Professor Fausto, ao explanar que o primeiro juiz é o advogado, deixa entrever, nas entrelinhas, que um dos intérpretes da lei é o advogado. Nessa visão, “A interpretação e aplicação do Direito é uma coisa só, eu interpreto para aplicar a norma, o intérprete vai buscar lá dentro do texto, para dar a sociedade. Interpretar o Direito é caminhar de um lado para o outro” (GRAU, 2005). O “dever” do intérprete seria de dar a ela (norma) um sentido e, portanto, observar o que se poderia entender da essência da palavra Direito (BOBBIO, 2016, p.104)
Na percepção de Kelsen (2015), a coerência em sua interpretação é um “dever” do intérprete. O julgador deve colocar-se na aplicação do Direito com a finalidade de fazer/entregar a justiça.
Consoante Bobbio (2016, p.111), em relação ao resultado, uma interpretação normativa pode dar-se a de várias formas, mas o resultado tem de restringir-se a interpretar, com coerência, já que a interpretação não é condição de validade, mas é sempre condição para a justiça do ordenamento não se criar uma nova norma Bobbio (2016) classifica a norma em três tipos:
- declarativa: quando foi verificado que o legislador utilizou de forma adequada e correta todas as palavras contidas na lei, ocorrendo exata equivalência entre os sentidos e a vontade presente na lei;
- restritiva: quando a lei possui palavras que ampliam a vontade da lei, e cabe à interpretação reduzir esse alcance; ou
- extensiva: quando a lei carece de amplitude, ou seja, diz menos do que deveria dizer, devendo o intérprete verificar os reais limites das normas.
Dos intérpretes normativos, ressalva-se a capacidade de trazer ao texto legal a realidade, a vontade de seus parares, da sociedade, que clama por justiça, por uma igualdade real, material e legal, pela efetivação dos princípios constitucionais (BOBBIO, 2016).
Todos aqueles que laboram dando vida à norma (pois esta é trazida a realidade todas as vezes em que o texto é aplicado ao caso concreto), devem ser chamados, elevados a uma nova dimensão, de intérpretes normativos, hermeneutas, e não de simples operadores do Direito (BOBBIO, 2016).
Em uma nova dimensão, vislumbrar-se-á que a expressão “operadores do Direito” é um jargão ultrapassado, devendo ser substituído pela expressão “intérpretes do Direito”, uma expressão atual e mais afeita à ciência magnífica da evolução social mediante o Direito.
2.3Fontes tradicionais do Direito
Na definição de Bobbio (2016), as fontes do Direito são aqueles fatos e atos dos quais o ordenamento jurídico faz depender a produção de normas jurídicas. Tem-se agora um ordenamento estatal contemporâneo. Em cada nível normativo, encontram-se normas de conduta e normas de estrutura, isto é, normas voltadas diretamente para a regulação da conduta das pessoas e normas voltadas para a construção de outras normas.
As fontes são as origens, a semente, de onde e como se deu o surgimento. São fontes do Direito o costume, a religião, a lei e a jurisprudência.
2.3.1A lei
Segundo São Tomás de Aquino (apud RAMPAZZO; NAHUR, 2015, p.118), a lei é certa regra e medida dos atos, e por essa medida alguém é inclinado a agir ou é afastado da ação de agir. Esta é a regra que limita a capacidade de agir dos seres humanos, este o seu princípio, pois cabe à razão ordenar para o fim que é o primeiro princípio de agir. Por consequência, a lei é aliquid rationis.
Como processo de adaptação social a lei (Direito) nasce dos fatos e se destina a disciplinar fatos. Direta ou indiretamente, toda norma jurídica dirige o comportamento social. Ao indicar a conduta exigida, o Direito revela juízo de valor. “A lei é da vida quando a ordem é justa. Quando reprime a possibilidade do novo, ela mata” (DUSSEL, 2016, p.124).
As leis são normas jurídicas. De um modo ou de outro, compelem o homem à justiça. Para que os fatos consagrem os valores do justo e com isto a sociedade alcance equilíbrio e harmonia, há de haver normas práticas e objetivas que indiquem limites de conduta ou estabeleçam os limites para a inlicitude (RAMPAZZO; NAHUR, 2015).
A lei é a norma e a lei vincula e enuncia o Direito, a lei deve ser justa, mas pode também ser injusta, evidentemente. A justiça é, pois, do Direito que se pressupõe da norma, e não deste. É claro que a lei deve sempre procurar ser justa, pois a norma é o reflexo da interpretação dos valores sociais, estes valores inerentes ao meio onde a norma está inserida. A norma é o enunciado de um possível Direito, o caminho a ser percorrido para se chegar à justiça (RAMPAZZO; NAHUR, 2015).
Vasconcelos (1978), observando os pensamentos de Montesquieu, fez uma síntese extraordinária do significado da força da norma. Antes de haver leis feitas, existiam relações de justiça possíveis. Dizer que não há nada de justo, nem de injusto, senão o que as leis positivas ordenam ou proíbem, equivale a afirmar que antes de ser traçado o currículo os seus raios não eram iguais. Pode-se verificar que a lei por si só não constitui o Direito, o Direito deve ser constituído com a observância de fatores que se interligam (fato valor, norma e interpretação)
A lei é a fonte prática do Direito, dado que regula o fato em função de determinado valor que se pretende adotar socialmente. Tais elementos configuram o conjunto de normas a serem seguidas pela coletividade. A lei é sempre positivada, devendo o indivíduo obedecê-la em caráter obrigatório, pois ela é erga omnes,[15] e não tem caráter estritamente individual, e sim finalista, limitando a liberdade do ser, para a melhor convivência coletiva (NADER, 2000, p.44).
2.3.2Costume
O costume é uma das grandes fontes do Direito, seja na modernidade, seja nos primórdios. Segundo o pensamento de Kelsen (2015), costume é uma norma por meio da qual uma conduta é habitual e determinada como obrigatória (como devendo ser), podendo também ser estabelecida por atos que constituem o fato do costume. Quando os indivíduos que vivem juntamente em sociedade se conduzem durante certo tempo de maneira a respeitar determinada conduta, em iguais condições, de uma maneira igual, surge em cada pessoa a vontade de agir da mesma maneira por que os membros da sociedade habitualmente se conduzem.
Como explica Kelsen (2015, p. 10), esse comportamento uniforme da sociedade se torna uma normatividade social, uma conduta ética da sociedade, um costume. Para o autor, uma das principais fontes do Direito são os costumes, que, ao longo dos séculos, foram positivados pelo legislador ou impostos por reis ou autocratas. Esses agentes positivavam os costumes como maneiras de introduzir no ordenamento leis já provenientes do seio da comunidade local.
2.3.3A jurisprudência
Outrora compreendida como ciência do Direito (Roma), para Gusmão (1960, p. 122) é compreendida como o conjunto uniforme de decisões judiciais, que contribui para a criação das leis no Direito positivado. A jurisprudência é o resultado da interpretação do Direito positivo, variando no tempo e no espaço conforme as necessidades sociais.
A jurisprudência é uma das fontes mais importantes do Direito, pois é, de certa forma, impossível que o legislador positive tudo e que acompanhe os anseios da sociedade. É o resultado prático da interpretação dos magistrados de casos repetitivos no meio social, sendo de grande valia para a serenidade normativa. É o entendimento reiterado dos tribunais superiores, devendo ser seguido pelos juízes em graus inferiores (GUSMÃO, 1960).
A jurisprudência é de fundamental importância para o surgimento normativo como fonte do Direito, já que se adapta às normas jurídicas ao fato concreto. É o resultado da interpretação. A jurisprudência é a ciência do Direito de aplicação interpretativa das leis (GUSMÃO, 1960).
A jurisprudência é a atividade dos órgãos jurídicos de aplicação do Direito, sendo resultado da interpretação, daí falar-se em interpretação jurisprudencial das normas (BRITO, 2005, p.128).
2.3.4Religião
A religião não é uma fonte tradicional do Direito hoje como se deu no passado. Deu suas contribuições históricas, na construção da norma e na aplicação normativa em seu tempo.
Conforme Nader (2000), a religião teve uma contribuição gigantesca na formação do Direito, principalmente na Idade Média, em que a predominância do cristianismo deu origem a diversas leis. O cristianismo era a religião oficial do Império Romano.
Este viu na crença popular um meio de controle social, de modo que a fé em um só Deus por todo o Império era de suma importância, pois o imperador tinha o controle legal e moral sob seus súditos, controlava a Igreja e tudo que lhe provia o império, da fé cristã. Desse modo, havia um mesmo Deus para os pobres e para os ricos, dando uma sensação de igualdade ao povo (NADER, 2000).
2.3.5Doutrina
A doutrina é de fundamental importância para o Direito. É o conjunto de estudos jurídicos sobre ele, portanto o resultado de um momento histórico, dos estudos dos jurisconsultos sobre o Direito positivado (GUSMÃO, 1960, p.120).
segundo a Paulo Gusmão (1960) a doutrina não é a fonte imediata do Direito, mas uma fonte indireta do Direito positivado, sendo usada na completude normativa, mas é, sem dúvida, fonte inspiradora das decisões dos magistrados (GUSMÃO, 1960).
Segundo Machado (2005, p.128), a doutrina como fonte do Direito é a interpretação feita pelos estudiosos da ciência do Direito, os magistrados, de trabalhos doutrinários da Ciência jurídicas, estudos os quais são levados aos juízes e aplicados, gerando nova visão para aplicação do Direito.
A doutrina tem, em seu conteúdo, pensamentos, ideias de várias formas e decorre da interpretação feita pelos jurisconsultos e filósofos do Direito positivado proter legem quando se podem tirar soluções para as lacunas das normas, contra legem, se contrária ao Direito positivo vigente. Nesse caso, a doutrina tem um valor para debater uma nova forma de se enxergar o Direito e suas origens principiológicas. (GUSMÃO, 1960, p.121).
2.3.6Princípios gerais do Direito
Conforme Nader (2001, p.194), a designação “princípios gerais do Direito” é de uma concepção muito ampla, que não oferece ao aplicador do Direito uma segurança na sua aplicação, uma orientação segura quanto aos critérios de aplicação. São princípios gerais do Direito a juridicidade, a principialidade e a generalidade.
Com o exame mais aprofundado dos princípios gerais do Direito, observam-se duas correntes polêmicas entre a Filosofia, no qual entendemos que uma é o complemento da outra, pois uma dá suporte e completude à outra; sem uma, a outra não chegaria a ter real eficácia plena, sequer existiria. São elas a Filosofia do Direito positivista e a naturalista.
A primeira expressa elementos contidos no ordenamento jurídico e, se os primeiros se identificassem com o segundo, abriria uma prerrogativa ilimitada para o pretor (NADER, 2001, p.196).
Para os que defendem a teoria dos princípios gerais do Direito jusnaturalista, estes são de natureza suprapositivista, oriundos de princípios eternos, imutáveis e de forma universal, eivados do Direito natural, para os que defendem o positivismo, este é de fundamental importância, pois só se concretiza com a construção normativa (NADER, 2001).
2.4Conclusão do capítulo
No presente capítulo, observou-se a origem e a evolução da ciência do Direito, desde a invenção da escrita até a formulação de diversas correntes teóricas. Esses processos ocorreram de forma lenta e gradual, começando quando o homem passou a viver em sociedade e a necessitar de algo para a pacificação social e sua plena organização, mesmo que isso lhe trouxesse a perda de parte de sua liberdade, que antes era ampla.
Tal liberdade foi inicialmente retirada do homem pela lei, que se eternizava no Direito que foi aperfeiçoando nas escolas clássicas, mais tarde sua ramificação em dois sistemas, unidos umbilicalmente, mas distintos entre si: um com uma realidade baseada nos costumes sociais para a evolução do Direito e da sociedade; o outro baseado na positivação, no “dever” do Direito, dever cuja construção deu-se por meio de elementos essenciais, quais sejam fato, valor e a norma. A seguir, examinar-se-á esta última com detalhes.