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Da constitucionalidade do fim da contribuição sindical (Lei n.13.467/2017)

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Examina-se a constitucionalidade da revogação da cobrança obrigatória da contribuição sindical pela reforma trabalhista, sob o olhar do teoria da força normativa da Constituição, de Konrad Hesse.

INTRODUÇÃO

Com a recente implantação da Reforma Trabalhista, Lei n. 13.467/2017, o legislador inovou no ordenamento jurídico com o fim da contribuição sindical obrigatória, aporte que possuía natureza de tributo e foi suprimido pela nova redação dos artigos 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 608 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)[1].

A contribuição sindical obrigatória era de grande importância para a sobrevivência dos sindicatos brasileiros, pois se constituía na principal fonte de financiamento destas associações privadas. Com o fim da contribuição sindical obrigatória, todo o sistema sindical brasileiro, formado por sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais fica prejudicado.

A justificativa para este trabalho advém de decisões discordantes sobre a constitucionalidade destes dispositivos específicos da Reforma Trabalhista, lei que aboliu a contribuição sindical obrigatória. Em que pese a existência de decisões de primeira instância sobre a inconstitucionalidade da supressão da cobrança obrigatória deste tributo, em julgamento proferido em 29 de junho de 2018[2], o STF (Supremo Tribunal Federal), por 6 votos a 3, considerou constitucionais os novos dispositivos da CLT que tratam da referida cobrança.

Destarte, é importante observar que o objetivo geral do trabalho é analisar a constitucionalidade da redação dos novos artigos da CLT que tratam da contribuição sindical obrigatória à luz dos princípios informadores da liberdade associativa e da autonomia sindical, em especial de acordo com os conceitos adotados por Maurício Godinho Delgado. De forma mais específica, analisa-se o comprometimento do custeio do sistema sindical brasileiro.

A importância do estudo está na possibilidade de supressão de um tributo constitucional que foi modificado por lei ordinária. Ainda, preocupa a sobrevivência financeira dos sindicatos brasileiros em face do comprometimento de toda a estrutura sindical.

No que tange ao referencial teórico foram adotados os conceitos de princípios informadores da liberdade associativa (sindical) e da autonomia sindical, em especial, os conceitos trabalhados pelo jurista Maurício Godinho Delgado.

Quanto à vertente metodológica será utilizada a jurídico-dogmática com escopo de entendimento acerca da constitucionalidade das inovações sobre a contribuição sindical trazidas pela Reforma Trabalhista.

O raciocínio utilizado no estudo é o hipotético-dedutivo, pois, é através dele que segundo Gustin (2010, p.23) entabula-se uma hipótese que passará por testes. A hipótese será verificada sob os princípios da autonomia e liberdade sindical. Em especial, analisa-se a constitucionalidade da supressão da cobrança da contribuição sindical diante da inexistência de nenhum comando específico para a cobrança na Carta Magna.

A investigação é histórico-jurídica, pois a cobrança da contribuição sindical é avaliada ao longo do tempo e diante das novidades do ordenamento jurídico originadas da Reforma Trabalhista.

Considerando que existem julgados que desobedecem aos comandos da Reforma Trabalhista, com sentenças que declaram a inconstitucionalidade incidental da supressão da cobrança do tributo, e ainda, sopesando que não existe nenhum comando constitucional que estabelece expressamente a cobrança do tributo, pressupõe-se que são constitucionais os comandos da Reforma Trabalhista em consonância com os princípios da autonomia e da liberdade sindical, destarte, esta cobrança obrigatória pode ser extinta por lei ordinária.

Também, será empregada a pesquisa bibliográfica, composta por livros, artigos, dissertações, teses de doutorado (Banco de Dados de Teses) e da jurisprudência pátria. A base de dados foi apanhada na Biblioteca do Senado.


AUTORITARISMO DO SISTEMA SINDICAL NO BRASIL

As relações sindicais no Brasil sempre estiveram marcadas por intervencionismo estatal. A CLT, decreto lei de 1941, possui inspirações europeias, notadamente fascistas[3] e atrelou os sindicatos ao Estado imputando-lhes responsabilidade assistencial.

Para Teixeira Filho (1994, p.47), “[...] mecanismos como a unicidade sindical, imposta por lei, o conceito rígido de categoria profissional ou econômica, o sistema de enquadramento sindical, a contribuição sindical determinada por lei [...]” são exemplos do autoritarismo do sistema sindical brasileiro. Igualmente, Teixeira Filho (1994. p.47) ainda destaca que “[...] as limitações ao direito de greve, a pouca importância para a negociação coletiva [...]” são exemplos da tirania estatal que interfere na representação dos trabalhadores.

Nota-se que Martins (2000, p. 617) também explica sobre o corporativismo sindical na Era Vargas:

“[...] O inciso IV do art. 8° do Estatuto Supremo já menciona a contribuição para o custeio do sistema confederativo, que é o que se chama de contribuição confederativa. A parte final do mesmo inciso estabelece que a cobrança da contribuição retromencionada não impede a cobrança da contribuição prevista em lei, que é a contribuição sindical, oriunda do corporativismo de Getúlio Vargas [...]”. (MARTINS, 2000. p.617).

Delgado (2001, p. 81) esclarece que a história autoritária brasileira do século XX prejudicou o desenvolvimento do Direito Coletivo do Trabalho no Brasil, veja-se:

“[...] a tradição autoritária da história brasileira ao longo do século XX comprometeu, significativamente, o florescimento e maturação do Direito Coletivo no país. De fato, o modelo justrabalhista estruturado nas décadas de 1930 e 40 (e que permaneceu quase intocado nas fases históricas seguintes) não comportava a consagração de princípios essenciais à própria existência desse segmento jurídico. As noções jurídicas de liberdade de associação e sindical e de autonomia dos sindicatos obreiros foram cotidianamente constrangidas pela lei e pelas práticas jurídicas do Brasil durante quase todo esse extenso período histórico [...]”. (DELGADO, 2001, p.81)

Destarte, vê-se que a CLT foi idealizada em um contexto político autoritário que não é compatível com a realidade atual das relações de trabalho. A Reforma Trabalhista mitiga o principal ponto de autoritarismo do sistema sindical brasileiro, qual seja, o tributo obrigatório, que se constitui na basilar fonte de financiamento do sistema. Por óbvio, faz-se necessário que os sindicatos busquem novas formas de fomento. Todavia, é a via legislativa[4] o meio adequado para tal intento, vez que como adiante será esclarecido, não é possível estabelecer inconstitucionalidade para o fim da contribuição sindical, conhecido popularmente como imposto sindical.

Nascimento (2011, p.1243) também reflete sobre o autoritarismo e as contradições do sistema sindical brasileiro:

“[...] Reconheça-se, no entanto, que o sistema de organização sindical que acolheu é contraditório; tenta combinar a liberdade sindical com a unicidade sindical imposta por lei e a contribuição sindical oficial. Estabelece o direito de criar sindicatos sem autorização prévia do Estado, mas mantém o sistema confederativo, que define rigidamente bases territoriais, representação por categorias e tipos de entidades sindicais[...]”. (NASCIMENTO, 2011, p.1243).

 Já Casser (2017, p.69), ao tratar da liberdade sindical, lembra que a liberdade individual, ou seja, o direito de filiar-se deve ser analisado em vários aspectos:

“[...] A liberdade individual pode ser positiva ou negativa. Na positiva estão incluídos os seguintes direitos: a) o direito dos trabalhadores e dos empregadores de se reunirem a companheiros de profissão ou a empresas com atividades iguais ou conexas para fundar sindicatos ou outras organizações sindicais; b) o direito de cada trabalhador ou empregador de se filiar a essas organizações e nelas permanecer. Sob a ótica negativa, a liberdade sindical individual abrange: a) o direito de se retirar de qualquer organização sindical, quando quiser; b) o direito de não se filiar a sindicato ou outra organização sindical [...]”. (CASSER, 2017, p.69).                     

   Observe-se então, que sob a ótica negativa não é aceitável que o empregado remunere o sindicato com um tributo sem que seja filiado. Portanto, a CLT trouxe um grande avanço para a sociedade ao coibir um tributo que afrontava a liberdade de filiação ao sindicato, qual seja, afrontava a liberdade sindical.


OS PRINCÍPIOS INFORMADORES DO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO

Delgado (2001, p. 81) classifica os princípios informadores do Direito Coletivo do Trabalho em três tipos, veja-se:

“[...]Os princípios do Direito Coletivo do Trabalho podem ser classificados em três grandes grupos, segundo a matéria e objetivos neles enfocados. Em primeiro lugar, o rol de princípios assecuratórios das condições de emergência e afirmação da figura do ser coletivo obreiro. Trata-se de princípios cuja observância viabiliza o florescimento das organizações coletivas dos trabalhadores, a partir das quais serão tecidas as relações grupais que caracterizam esse segmento jurídico específico. Neste rol estão os princípios da liberdade associativa e sindical e da autonomia sindical. Logo a seguir destacam-se os princípios que tratam das relações entre os seres coletivos obreiros e empresariais, no contexto da negociação coletiva. São princípios que regem as relações grupais características do Direito Coletivo, iluminando o status, poderes e parâmetros de conduta dos seres coletivos trabalhistas. Citam-se neste segmento o princípio da interveniência sindical na normatização coletiva, o da equivalência dos contratantes coletivos e, finalmente, o da lealdade e transparência nas negociações coletivas. Há, por fim, o conjunto de princípios que tratam das relações e efeitos perante o universo e comunidade jurídicas das normas produzidas pelos contratantes coletivos. Este grupo de princípios ilumina, em síntese, as relações e efeitos entre as normas produzidas pelo Direito Coletivo, através da negociação coletiva, e as normas heterônomas tradicionais do próprio Direito Individual do Trabalho. Neste rol encontram-se princípios como da criatividade jurídica da negociação coletiva e o princípio da adequação setorial negociada [...]”. (DELGADO, 2001, p.81).

O que importa para este estudo é identificar o que são liberdade associativa e autonomia sindical. Será que é possível que um sindicato seja independente se este recebe diretamente recursos do Estado? Infelizmente os sindicatos brasileiros passam por um momento de crise, onde estas associações estão corrompidas por ideologias políticas e distantes dos interesses dos trabalhadores.

 Delgado (2001, p. 84) explica que a liberdade associativa deve ser analisada em aspectos positivos e negativos:

“[...] a liberdade associativista tem uma dimensão positiva (prerrogativa de livre criação e/ou vinculação a uma entidade associativa) ao lado de uma dimensão negativa (prerrogativa de livre desfiliação da mesma entidade). Ambas estão mencionadas no texto magno (“ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado” - art. 5o, XX, CF/88) [...]”. (DELGADO, 2001, p. 84)

Moraes (2016, p. 357) explica sobre a liberdade sindical: “[...] liberdade sindical é uma forma específica de liberdade de associação (CF, art. 5o, XVII), com regras próprias, demonstrando, portanto, sua posição de tipo autônomo [...]”. Ensina o ministro, portanto, sobre a importância deste princípio que advém da liberdade de associação, um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

Moraes (2016, p 358) leciona também sobre a liberdade de inscrição, que segundo o constitucionalista é fundamental para que os sindicatos sejam fóruns de discussão de direitos com legitimidade democrática. Ainda ressalta o autor que os sindicatos devem ter fontes independentes de renda:

“[...] os sindicatos devem zelar pela existência de fontes de renda independentes do patronato ou do próprio Poder Público. A constituição, portanto, estabelece que a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei [...]”. (MORAES, 2016, p.358).

É exatamente esta fonte independente de financiamento que a Reforma Trabalhista trouxe para a realidade dos sindicatos. É antidemocrático que estas associações civis conservem um modelo fascista de financiamento na atual conjuntura de respeito a direitos constitucionais.

Então, consoante ao pensamento de Delgado (2001), em que pese o antigo texto da CLT que obrigava o filiado a contribuir com determinado sindicato, vê-se que é um contrassenso perante o princípio da liberdade associativista, o trabalhador ser compulsoriamente obrigado a contribuir com determinado sindicato. Os sindicatos brasileiros precisam, diante da nova realidade trazida pela Reforma Trabalhista, reinventarem-se com fins manter filiados e sustentar o funcionamento do sindicato.

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DA NATUREZA JURÍDICA DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL

A contribuição sindical possuía natureza jurídica tributária, de acordo com a previsão da Constituição da República em seu art. 8º, IV, c/c art. 149 e do CTN (Código Tributário Nacional) em seu art. 217. Esta contribuição, por ser estabelecida em lei, tinha caráter compulsório antes da entrada em vigor da Reforma Trabalhista.

Como se sabe, de acordo com o art. 3ºdo CTN, in verbis:

“[...] Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada [...]”. (BRASIL, 1966).

Portanto, antes da Reforma Trabalhista a contribuição sindical era considerada tributo. Ressalta-se que esta contribuição não era coberta pelo manto da facultatividade, como são as contribuições confederativas.

De acordo com o texto do art. 8º, IV, da CR/1988, podemos perceber que existem dois tipos de contribuições com fins de financiamento sindical. A primeira, a contribuição confederativa, é recolhida dos filiados para os sindicatos, uma típica mensalidade. Destarte, não são compulsórias, e por conseguinte, não possuem natureza de tributo.

A segunda forma de financiamento sindical prevista no ordenamento jurídico é a contribuição sindical, constituída por lei e que era obrigatória até a Reforma Trabalhista. O próprio Supremo Tribunal Federal[5] já adotou a natureza tributária para o imposto sindical, pois esta contribuição social possuía exata subsunção com a definição prevista no CTN:

A contribuição sindical é cobrada conforme dispõe o art. 580 da CLT, qual seja, o valor de um dia de trabalho do empregado que labora em regime celetista. Conforme dispõe a Lei 11.648/2008, a contribuição sindical é direcionada para o sistema sindical: confederações, federações e sindicatos. Parte destes recursos também é destinado para a União, para a “Conta Especial Emprego e Salário”[6], conta esta que é utilizada pelo FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).

Assim sendo, a Reforma Trabalhista estabeleceu término para a obrigação tributária ao modificar o texto dos arts. 578 e 579[7] da CLT. Estes novos dispositivos exigem autorização prévia do trabalhador para que o sindicato realize o desconto da contribuição sindical. Ressalta-se que o STF já pacificou a matéria na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) de n. 5.794, optando pela constitucionalidade dos novos dispositivos da CLT.

Destarte, não é possível falar-se em contribuição sindical com natureza tributária pois a obrigatoriedade da cobrança prevista no art. 3º do CTN para caracterização do tributo não mais existe.

Portanto, entende-se que a contribuição sindical, que anteriormente à Reforma Trabalhista tinha natureza jurídica de tributo, passa a ter natureza jurídica de contribuição confederativa ou assistencial (art. 8º, IV, da CR/1988)[8].

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Sobre o autor
Francisco de Paula Antunes Pereira

Advogado, Administrador, Contador, pós-graduado em Contabilidade Empresarial e Auditoria, pós-graduado em Gestão de Pessoas, pós-graduado em Direito Constitucional. Mestre em Direito pela Fumec com ênfase em Esfera Pública e Controle, Doutorando.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Francisco Paula Antunes. Da constitucionalidade do fim da contribuição sindical (Lei n.13.467/2017). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5531, 23 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68441. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Artigo apresentado ao programa de Mestrado em Direito Público da Universidade Fumec - BH.

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