Capa da publicação Contrato de plano de saúde pode postergar início da vigência?
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A postergação de vigência nos contratos de planos de saúde

25/11/2018 às 11:35
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Ao postergar o prazo de início do contrato de plano de saúde, fixam-se, indiretamente, prazos de carência para cobertura superiores aos previstos em lei.

Um tema bastante recorrente e pouco debatido no direito da saúde suplementar é a postergação do início da vigência nos contratos de planos de saúde. Tal prática é bastante utilizada pelas operadoras/administradoras em reiteradas condutas infrativas. De 19/03/2014 a 18/03/2015 a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar recepcionou 30.989 reclamações não assistenciais. 15% das referidas reclamações são referentes à postergação do início de vigência. Esse número certamente é maior, pois a referida conduta infrativa ainda não é de conhecimento de muitos beneficiários de plano de saúde como também de profissionais da área da saúde suplementar.

Com relação ao início da vigência do contrato, considera-se aquela data em que foi assinado o contrato entre as partes ou efetuado o respectivo pagamento, o que ocorrer em primeiro lugar. O consentimento do consumidor, no ato de sua adesão, é que estabelece a concretização do vínculo contratual entre as partes.

Na apólice de um plano de saúde, nada impede que a operadora permita que ocorra a postergação de vigência por meio de uma cláusula expressa na proposta de adesão, haja vista a eventual demora entre a inscrição da proposta de adesão e o devido envio e recebimento deste documento por parte da operadora. Contudo, para que tal conduta seja considerada legítima, não deve haver nenhuma cobrança neste lapso temporal.

Muitas operadoras/administradoras de benefícios cobram uma chamada “taxa de adesão” de “taxa de cadastramento e implantação” ou “taxa de angariação, com valores que coincidam ou não com aquele exigido pela primeira mensalidade. A proposta de adesão não pode se tratar de uma primeira mensalidade, nesse caso estamos diante da cobrança de uma contraprestação pecuniária nos moldes do art. 1º, I da Lei 9656/98, configurando-se uma dupla cobrança da primeira mensalidade, assumindo feições distintas da sua finalidade.

Insta salientar que a cobrança de qualquer valor sob a alegativa "taxa de adesão" de “taxa de cadastramento e implantação” ou “taxa de angariação, mesmo de valor menor ao da mensalidade é válida, contudo, para que tal conduta seja considerada legítima, a vigência dar-se imediatamente ao pagamento do referido pagamento pecuniário.

Assim, havendo a cobrança de uma quantia a ser paga, mesmo que travestida de outra denominação, materializa-se a exigência de uma prestação a ser dada pela operadora, porquanto já houve a cobrança de uma contraprestação. Trata-se de uma bilateralidade de obrigações que se constitui no elemento fundamental do mercado de planos de saúde e cuja razão de existir está muito bem esculpida no art. 1º, I da Lei 9656/98.

Consequentemente, todo e qualquer prazo relacionado a este contrato deve sempre ser contado da data de sua assinatura, da assinatura do termo de adesão ou do primeiro pagamento, o que ocorrer em primeiro lugar. Portanto, ao postergar o prazo de início do contrato, fixam-se, indiretamente, prazos de carência superiores aos previstos em lei.

Ademais, se determinado contrato estabelece o início de sua vigência para dez dias após a assinatura do termo de adesão e fixa a carência para partos em trezentos dias, na prática, a carência será de trezentos e dez dias, superior ao limite legal.

Nesse sentido, o art. 12, inciso V, da lei nº 9.656/98 estabelece os prazos máximos de carência para os procedimentos de cobertura obrigatória nela previstas, conforme transcrição abaixo:

“Art.12 São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:

(...)

V - quando fixar períodos de carência:

a) prazo máximo de trezentos dias para partos a termo;

b) prazo máximo de cento e oitenta dias para os demais casos;

c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência;”

Ou seja, ao retardar a eficácia da adesão ao contrato em 10 (dez) dias após a assinatura da proposta de adesão, a operadora/administradora acaba por impor ao beneficiário de prazos dilatados de carência, nos quais não há prestação da cobertura assistencial.

Outro exemplo, seria um contrato em que o beneficiário firmou proposta de adesão a plano coletivo administrado, na data de 03/07/2018. Na mesma ocasião, foi realizado o primeiro pagamento, previsto de acordo com a tabela de vendas vigente, a título de “taxa de cadastramento e implantação”.

No entanto, nos termos de referida proposta, o início da vigência da adesão ao respectivo contrato se daria tão somente na data de 03/08/2018, sendo este o termo inicial a partir do qual o beneficiário passaria a ter direito à cobertura assistencial.

Neste contexto, mostra-se totalmente irregular o teor da proposta de adesão, uma vez que traz dois elementos que se contradizem: um dispositivo demonstrando a cobrança da primeira mensalidade na data da assinatura e outra previsão exigindo que o beneficiário “aguarde” por quase 30 (trinta) dias para a devida implementação de seu plano de saúde – formato que viola frontalmente o art. 12, V da Lei dos Planos de Saúde, pelos motivos acima expostos.

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Nesse caso, há flagrante irregularidade na aplicação simultânea da postergação de vigência a cobrança da contraprestação pecuniária sob a denominação de “taxa de cadastramento e implantação”, ambas na proposta de adesão, porquanto rompe toda a lógica do direito à prestação de assistência previsto na Lei de Planos de Saúde e, com efeito, acaba por violar o art. 12, V da Lei 9656/98 pela constatação da infração prevista no art. 66 da Resolução Normativa nº 124/2006 – uma vez que a operadora se utiliza desta ferramenta para postergar os prazos de carência.

As operadoras/administradoras, alegam reiteradamente em suas desfesas administrativas perante à ANS que a cobrança de taxa de cadastramento e implantação não pode ser confundida com o pagamento da primeira mensalidade, haja vista que muitas vezes é destinada ao angariador da proposta e, ainda, que tais valores foram pactuados contratualmente. Argumentação errônea e desfavorável ao beneficiário do plano de saúde como já enfatizados.

Destaque-se, por fim, que não há que se falar de ausência de competência legal da ANS para fiscalizar as taxas cobradas dos beneficiários. Isto porque a matéria ora em discussão não é a cobrança de tais taxas, as quais podem ser legitimamente cobradas pelas administradoras, e sim a conformidade da proposta de adesão com as características gerais dos instrumentos contratuais, as quais devem ser definidas pela ANS, nos termos do art. 4º, II, da Lei nº 9.961/00.

Sendo assim, a irregularidade trazida no citado dispositivo é perfeitamente punível pelo art. 66 da RN 124/2006, que prevê a aplicação de sanção para a conduta de “(...) Art. 66. Deixar de prever cláusulas obrigatórias no instrumento contratual ou estabelecer disposições que violem a legislação em vigor”.

Pelo exposto, cabe ao beneficiário ao constatar a referida infração, ingressar com uma reclamação administrativa perante a ANS (ans.gov.br), devendo a operadora/administradora ressarcir os valores pagos indevidamente pelo beneficiário/consumidor, não afastando a possibilidade de se buscar uma reparação judicial, pois tal infração ofende o artigo 47 do CDC, uma vez que a falta de clareza e a dubiedade em relação a elemento essencial ao aperfeiçoamento da contratação impõem ao julgador uma interpretação favorável ao consumidor, parte presumidamente hipossuficiente da relação de consumo.

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Sobre o autor
Ulisses Sousa

Advogado na Lourival Sousa Advogados - Ex-Técnico de Complexidade Intelectual na Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Ulisses. A postergação de vigência nos contratos de planos de saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5625, 25 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69588. Acesso em: 22 dez. 2024.

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