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Plano de saúde desrespeita Constituição Federal e CDC

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Discute-se caso concreto de recusa, pelo plano de saúde, de oferta de tratamento domiciliar (home care).

Os planos de saúde, pessoas jurídicas contratadas para coberturas de serviços de natureza médico-hospitalares, ambulatoriais, laboratoriais e odontológicos, operam com respaldo em legislação específica. A Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, disciplinou os planos e seguros privados de assistência à saúde em nosso país e definiu, no seu art. 1º, inciso I, os tipos e modalidades de serviços visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, os quais são custeados, integral ou parcialmente, pela operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador do serviço, por conta e ordem do consumidor.

Cumpre esclarecer que a atuação dos planos de saúde deve atender aos princípios de ordem constitucional, consubstanciados nos artigos 6º, 196 e 197, da CF, uma vez que, como entidades privadas prestadoras de serviços complementares ao Sistema Único de Saúde – SUS, precisam satisfazer requisitos básicos para seu funcionamento. Cabe à Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, criada pela Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000, fiscalizar o funcionamento dessas entidades privadas, seja no atinente à devida prestação de serviços e avaliação de coberturas contratadas, seja quanto à observância de regras legais visando o adequado funcionamento e indispensável atendimento de uma extensa pauta de obrigações, consoante art. 4º, com destaque para incisos IV, IX, XI, XV, XVI, XXIII, XXIV, XXV, XXVI, XXVII, XXIX, XXX e XXXVII, da Lei nº 9.961/2000.

O artigo 196, da CF, ao preconizar que a saúde é “direito de todos”, os quais desfrutam de “acesso universal igualitário às ações e serviços” de saúde, sempre visando a redução do risco de doenças e de outros agravos, obriga os planos de saúde a prestarem uma gama de serviços essenciais, não podendo ser excluídos aqueles considerados de urgência, destinados a pacientes em estados terminais, ou que, considerando a gravidade do quadro clínico, mereçam cuidados especiais.

Contudo, ainda que o usuário do plano de saúde em nosso país se sujeite ao pagamento de contribuições extorsivas, mormente quando de faixa etária avançada, as entidades operadoras procuram desconhecer obrigações mínimas de atendimento, burlando assim o espírito da lei, que, vilipendiada e desrespeitada, exige medidas judiciais, por parte do beneficiário do plano de saúde, para obtenção de um direito abusivamente negado. Essas empresas de assistência médica complementar, que frequentemente respondem a processos judiciais por não atenderem casos urgentes ou de muita gravidade, movimentam bilhões de reais e, no ano de 2016, tiveram lucros de R$ 6,2 bilhões > https://www.valor.com.br/empresas/5001906/lucro-das-operadoras-de-planos-de-saúde-sobe-706-em-2016-afirma-ans >, registrando um crescimento de 70,6%, quando comparado a 2015!

Em geral, negam cobertura aos serviços de home care, sob o argumento de que há exclusão contratual para atendimento médico domiciliar, mesmo que o caso exija cuidados especiais. Mas o tratamento em sistema home care deve ser considerado como continuação da internação hospitalar iniciada e, havendo prescrição médica para este tipo de atendimento, o plano de saúde deverá fornecê-lo, sendo, portanto, nula pleno jure a existência de cláusula contratual de exclusão deste serviço.

falecimento de Adelmar Marques Marinho, Procurador de Justiça aposentado, ocorrido na UTI do Hospital São Marcos, pertencente à rede privada do Estado do Piauí, trouxe à baila uma velha discussão, de discutível resultado prático, a respeito da efetiva proteção dada ao usuário de Plano de Saúde que necessita do atendimento de urgência.

Consta que o Procurador, usuário do Plano de Saúde UNIMED, vinha fazendo tratamento de insidiosa doença pulmonar obstrutiva crônica, tendo necessitado de tratamento domiciliar através de home care. Porém, a UNIMED Teresina, procurando desconhecer obrigação inquestionável, amparada, tanto na Lei nº 9.656/98 e Resolução Normativa ANS nº 428, de 07.11.2017, quanto em normas gerais afetas aos Planos de Saúde aplicáveis à prestação do serviço domiciliar, se negava a conceder os serviços de home care na sua plenitude, atendendo o paciente somente por um período de 12 horas, o que obrigou o usuário a procurar o Poder Judiciário para obter o tratamento integral, quando propôs Ação de obrigação de fazer c/c danos morais e tutela de urgência contra a UNIMED Teresina - Cooperativa de Trabalho Médico, como consta do processo PJe nº 0803631-79.2018.8.18.0140, > https://drive.google.com/file/d/1Uyfoq6Lf2JL4mXFwG1fMn92rKgJNnYrD/view > .

Os familiares do Procurador aposentado lutavam pela manutenção do seu tratamento através do sistema home care, em regime de 24 horas, visto que o tratamento domiciliar era recomendado pelos médicos que assistiram o paciente durante o período em que esteve no Hospital São Marcos, considerando as várias internações prolongadas e passagens pela UTI, todas devidas a infecções respiratórias graves e crescente fraqueza muscular que o impedia de deambular, necessitando, portanto, da ajuda de terceiros, conforme laudo médico assinado pelo Dr. Elton Mota Pereira, portador do CRM-PI 3257.

A Justiça estadual, naquela oportunidade, atenta à gravidade do caso, concedeu a tutela de urgência através de decisão liminar, de 28.02.2018, da lavra do Juiz substituto da 2a. Vara Cível de Teresina, Dr. Francisco João Damasceno, que determinou, dentre outras providências, o imediato tratamento domiciliar do paciente, com fornecimento de todos os medicamentos prescritos pelos médicos, quando voltou a receber o atendimento de home care 24 horas.

O Juiz Substituto seguiu a jurisprudência, remansosa e pacífica, que determina o atendimento pelo sistema home care, no caso sub examine:

AGRAVO INOMINADO. APELAÇÃO. PLANO DE SAÚDE. ATENDIMENTO DOMICILIAR HOME CARE. Autor narra que o plano de saúde se nega a manter o serviço de home care. Sentença de procedência. Apelo da Golden Cross. Registre-se que, o contrato de plano de saúde deve observar a Lei 8.078/90 e, com isso, as suas cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, conforme art. 47. Não fosse isso, a cláusula limitadora da obrigação do plano de saúde é nula na medida em que abusiva. Impossibilidade de o prestador de serviço médico-hospitalar se negar a manter o home care, que no momento é essencial à saúde e à dignidade do autor. A exclusão da cobertura não pode desvirtuar a finalidade do contrato. O atendimento domiciliar propicia um maior contato familiar e uma melhor qualidade de vida, em obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana. Manutenção da sentença. DECISÃO PROFERIDA PELO RELATOR QUE SE MANTÉM. AGRAVO DESPROVIDO (TJ-RJ - APL: 00196302520098190001 RJ 0019630-25.2009.8.19.0001, Relator: DES. FERDINALDO DO NASCIMENTO, Data de Julgamento: 19/03/2013, DÉCIMA NONA CÂMARA CIVEL, Data de Publicação: 29/05/2013).

Porém, a juíza titular da 2a. Vara Cível, Lygia Carvalho Parentes Sampaio, que consta ser casada com Benício Parente de Sampaio, ex-Diretor Executivo da UNIMED Teresina, revogou a decisão liminar do seu colega, através de sentença, de 24 de outubro último, e julgou improcedente a ação proposta pelo Procurador, retirando, em consequência, o atendimento home care.

Ressalte-se que o atendimento domiciliar vinha propiciando uma certa melhoria à saúde do membro aposentado do Ministério Público, pois, sendo um idoso com 82 (oitenta e dois) anos, de saúde debilitada, conforme atestado por laudos médicos juntado aos autos da ação com trâmite naquela Vara Cível, era indispensável o seu acompanhamento, 24 horas/dia, por profissionais especializados e ao abrigo da família.

Inconformado com a perda da home care, o Procurador interpôs recurso de Apelação contra a sentença da juíza da 2a. Vara Cível. Entretanto, sentindo que o estado de saúde do apelante se agravava, agora correndo risco de vida por estar sujeito a novas infecções hospitalares e ainda receber equivocada alta médica sem poder retornar a sua residência, após a UNIMED se negar a transportá-lo em face da revogação do tratamento domiciliar, tendo a empresa, nesse caso, infringido princípio fundamentaldo Código de Ética Médica, previsto no item II > http://www.rcem.cfm.org.br/index.php/cem-atual >, seus advogados ingressaram, perante o Tribunal de Justiça, com uma Cautelar, recebida no TJ-PI como Tutela Cautelar Antecedente (art. 1.012, § 3º, I, e § 4º, do CPC)> file:///C:/Users/costa_um4fl0x/Downloads/0710195-98.2018.8.18.0000%20 (3).pdf >, para obter o efeito suspensivo da sentença objeto de Apelação, considerando haver o risco de dano grave ou de difícil reparação contra o apelante.

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Nessas condições, a Tutela Cautelar Antecedente chegou às mãos do relator do recurso de Apelação, o Des. Fernando Lopes e Silva Neto, constituindo peça essencial do processo nº 0710195-98.2018.8.18.0000, distribuído à 4a. Câmara Especializada Cível do TJ-PI. A Apelação, por sua vez, apontou vícios formais na decisão de 1º grau, pois a magistrada alegou não ter vislumbrado a presença de documentação favorável à internação através de home care, em que pese haver nos autos, por ela examinados, laudos médicos, muito claros, no sentido de recomendar e solicitar o serviço de tratamento domiciliar.

O apelante obteve efeito suspensivo da decisão de 1º grau, através de decisão monocrática do Desembargador Fernando Lopes e Silva Neto, datada de 09.11.2018, que, dias depois, em 22.11.2018, foi reconsiderada para atender o pedido de uma cama elétrica, recomendada pelo pneumologista, e para reforçar a necessidade de PICC, objeto da decisão anterior, que a UNIMED Teresina se opunha em atender! Assim, foi restabelecido e garantido o atendimento em home care 24 horas, com fisioterapia, médicos, fonoaudiologia, enfermeiros e técnicos de enfermagem 24 horas/dia, bem como todo e qualquer tratamento terapêutico, em favor do paciente, prescrito por seu médico pneumologista ou qualquer outro que viesse a atendê-lo em caso de internação de urgência.

Para tornar efetivo o cumprimento da decisão monocrática de 2º grau, foi expedido, em 23.11.2018, o Ofício nº 16938/2018 - PJPI/TJPI/SEJU/COOJUDCIV, dirigido à juíza da 2ª Vara Cível de Teresina, contudo, e lamentavelmente, antes do cumprimento dessa decisão que obrigava a UNIMED Teresina a restabelecer os serviços de home care 24 Horas ao paciente que “corria risco de vida”, o Procurador não resistiu, sofreu parada cardíaca e veio a óbito.

incúria do Plano de Saúde resulta incontestável, embora a Empresa divulgue, em sítio da Internet, que é “a maior rede de assistência médica do país”, com 115 mil médicos cooperados e 19 milhões de usuários, afirmando ocupar 38% de participação no mercado nacional de planos de saúde, pois adota o sistema cooperativo de trabalho médico, o maior do mundo, destacando que a UNIMED Teresina, “com mais de 1.000 médicos cooperados e uma rede com mais de 200 estabelecimentos credenciados, entre hospitais, clínicas e laboratórios, além de dois hospitais próprios”, também possui uma equipe com “centenas de funcionários diretos e milhares indiretos”, prontos para oferecer o melhor serviço para 125 mil beneficiários, tudo sem visar “lucro” e sim um alegado diferencial pautado no “resgate da ética e do papel social da medicina como um de seus principais valores”! > http://www.unimedteresina.com.br/portalunimed/index/sistemaunimed >.

Restou claro e deve ser considerado que a empresa negou o tratamento por home care a um paciente de 82 anos, acometido de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), com frequência de broncoespasmos e consequente falta de ar, necessitando do uso intermitente de BIPAP e oxigenioterapia, durante o dia e à noite, que dependia inteiramente de profissionais habilitados, com a ajuda de terceiros, para alimentar-se, fazer necessidades fisiológicas e até tomar banho, cuja internação domiciliar foi aconselhada e solicitada pelo médico especialista em pneumologia, Dr. Bráulio Dyego Martins Vieira, CRM – PI 5150, e ainda conforme laudos médicos apresentados pelo Hospital São Marcos, que viam no tratamento domiciliar várias vantagens para evitar crises que poderiam agravar seu estado de saúde e levá-lo à morte.

Também ficou patente que a juíza da 2ª Vara Cível, ao não atentar para o atendimento de preceitos constitucionais (arts. 6º, 196 e 197, da CF) e garantias previstas no Código de Defesa do Consumidor (art. 47), os quais asseguravam a plenitude do tratamento domiciliar ao Procurador, nas circunstâncias descritas, contribuiu para apressar a morte do paciente.

Todos esses são motivos justos e suficientes a embasar medidas judiciais que permitam cobrar dos responsáveis pela morte do Procurador não apenas meros esclarecimentos, mas uma pronta reparação, material e moral, sem prejuízo da responsabilização criminal em face do atendimento desidioso recebido da UNIMED Teresina.

De aguardar da empresa detentora de 15 prêmios como Marca de Confiança, que acumula grandes lucros na prestação de serviços a pacientes submetidos ao seu atendimento, mas cuja ética agora é discutível, possa ter a devida conscientização, à altura do prestígio conquistado junto à comunidade, do erro cometido e da falta de assistência a um paciente que merecia cuidados especiais.

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Sobre o autor
José Ribamar da Costa Assunção

Procurador de Justiça Aposentado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSUNÇÃO, José Ribamar Costa. Plano de saúde desrespeita Constituição Federal e CDC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5670, 9 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71264. Acesso em: 2 nov. 2024.

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