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Uma crítica ao conceito de efeminofobia

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27/02/2019 às 14:15
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A efeminofobia é fenômeno que merece olhares críticos, porquanto capaz de gerar violência. Entenda a origem histórica deste preconceito, suas peculiaridades, e como isso se descortina no atual panorama.

INTRODUÇÃO

O termo efeminofobia é absolutamente recente, tendo em vista os avanços tecnológicos e o desenvolvimento da informática. Mesmo os estudiosos da sexualidade não sabem precisar quando ele foi utilizado pela primeira vez. Talvez tenha sido feito de forma informal na internet. É certo que o termo surgiu com a popularização do termo homofobia, a designar uma subespécie dela. Seu surgimento no debate acadêmico é contemporâneo, visto que os primeiros artigos e livros publicados sobre o tema são do final da década de 2000 e início da década de 2010, como os estudos do Ph.D. Ryan Prout[1] e da feminista e psicanalista Eve Kosofsky Sedgwick[2]. Contudo, é possível cogitar que as primeiras utilizações do termo tenham ocorrido no próprio ambiente virtual, em fóruns de discussão ou redes sociais.  

Em relação à etimologia, o vernáculo efeminofobia representa uma aglutinação com a palavra efeminado, do inglês effeminate, que, por sua vez, surge do latim effeminatus, expressão utilizada pelos romanos para designar características femininas, e, por conseguinte, usado de forma pejorativa, uma vez que no Império Romano a misoginia era um fenômeno culturalmente comum. E, por óbvio, aglutinado com a palavra grega Φόβια, que se lê phóbia e representa medo ou terror[3]. Dessarte, é possível compreender, diante dos radicais latino e grego, que o termo remete a ideia de fobia – que aqui deve ser entendida em aversão – a uma característica vinculada ao feminino. Como o termo é utilizado no contexto da homossexualidade masculina, ela, assim, representa a própria negação do feminino nos homens. Ora, se a efeminofobia representa uma aversão ao feminino nos homossexuais, então qual a sua relação com a homofobia?

De acordo com Adaid, o conceito de homofobia tem sido utilizado para fazer referência a um conjunto de emoções negativas. Possivelmente, a palavra foi cunhada em 1971, num artigo científico escrito pelo psicólogo K. T. Smith, embora tenha sido dicionarizada somente na década de 1990. Contudo a palavra só foi dicionarizada na década de 1990. Evidentemente, o vocábulo se origina de um neologismo entre a remissão homossexual e fobia. A despeito de sua popularidade, a expressão não foi a única a ser criada por meio do neologismo e com o mesmo significado. Em 1967, Churchill escreveu sobre a homoerotofobia e, no ano de 1976, Lehne optou pela expressão homossexismo[4].

Ainda na crítica de Adaid, o vernáculo homofobia apresenta uma evidente falta de lógica, uma vez que pela análise etimológica significa medo de iguais, visto que o prefixo grego homo, por si só, não garante o entendimento correto do sentido homossexual. Por esse motivo, parece mais adequada o neologismo criado por Levit e Klassen em 1974, qual seja, homossexofobia. Infelizmente esta não foi expressão que vingou, e, para evitar futuros imprevistos, a garantir o melhor entendimento do propósito da pesquisa, ficou definida a versão mais popular. Porém seja qual for sua forma de expressão linguística, a homofobia sempre vai indicar, em última análise, no ódio pelo feminino[5] [6].

Pode-se, pois, definir a relação entre a efeminofobia e a homofobia, grosso modo, como espécie e gênero. Em outras palavras, enquanto o efeminofóbico é aquele que tem aversão específica ao feminino, como se a falta de virilidade ou masculinidade fosse uma determinante essencial para a vida em sociedade, de acordo com os decretos da heteronormatividade cultural, por outro lado, o homofóbico odeia a homossexualidade de forma mais genérica.

Assim, de forma clara, o efeminofóbico apenas rejeita os traços e trejeitos femininos nos homossexuais, ao turno que os homofóbicos rejeitam a homossexualidade em sua forma ampla. Por tal feita, é possível afirmar que a efeminofobia não é um fenômeno encontrado apenas entre os grupos heterossexuais, como será melhor explorado adiante. A efeminofobia atinge também – e talvez isto que a torne um fenômeno preocupante e, ao mesmo tempo, estranho – os próprios grupos homossexuais. Ora, mas se a homofobia, como conclui Adaid[7] não representa, em última análise, o ódio ao feminino, a saber que os homossexuais representam por evidente a heteronormatividade, como compreender a dinâmica entre: homofobia, efeminofobia e feminino?


DESENVOLVIMENTO

Como já mencionado, nos últimos anos se cunhou um novo termo: a efeminofobia, que indica a aversão pelos homossexuais efeminados ou com traços femininos. Em outras palavras, a efeminobofia, que não necessariamente deveria estar ligada à homossexualidade, uma vez que ter traços femininos, trejeitos ou comportamentos efeminados não indicam uma orientação homossexual determinada. De qualquer forma, a efeminofobia representa o ódio ou aversão a todo traço feminino. Ao contrário da homofobia, que está, em absoluto, ligada ao homossexual, a efeminofobia pode também afetar heterossexuais julgados efeminados.

Embora sua utilização ainda seja rara nas publicações científicas brasileiras, o termo vem ganhando certa notoriedade nas pesquisas internacionais. Talvez o livro mais relevante sobre o assunto seja Fear and Gendering: Pedophobia, Effeminophobia and Hypermasculine desire in the work of Juan Goytisolo, do Ph.D. Ryan Prout[8]. Como apontam os sexólogos que têm se utilizado do termo, a efeminofobia representa, segundo eles, um fenômeno novo, em que a própria comunidade gay, influenciada pelo estereótipo da masculinidade excessiva, acaba por considerar aqueles mais efeminados, inferiores e desinteressantes. O que pode ser atribuído ao próprio modelo assimilacionista proposto pelo Movimento Gay nos anos de 1970, para favorecer a integração social de gays e lésbicas.

Segundo estudos levantados por autores como Prout, os homossexuais têm procurado igualar-se aos heterossexuais em sua masculinidade, em uma simbologia de virilidade e força. Embora a construção do masculino seja complexa, como será melhor desenvolvida na sequência deste artigo, os homossexuais parecem estar, cada vez mais, se espelhando em uma caricatura, na estúpida tentativa de construírem uma imagem o mais próxima do que se esperaria de um homem heterossexual padrão. Assim, na mentalidade dos grupos gays, grosso modo, quanto mais parecido com o ideal de heterossexual, maior seria sua aceitação, não apenas na sociedade, mas entre os próprios gays.

O argumento de Prout é que, nas últimas décadas, o estereótipo do homossexual delicado se tornou démodé. Porém, tal fenômeno está afetando de forma nefasta os grupos de homossexuais, pois eles próprios acabam por excluir os gays efeminados, o que cria um problema de segregação. O homossexual que já sofre a violência social e familiar, por conta da homofobia, doravante, passa a sofrer também na própria comunidade gay da qual faz parte – será que, de fato, faz parte? Por outro lado, alguns gays acabam tendo que fazer um esforço hercúleo na tratativa de manter uma imagem de virilidade, o que invariavelmente gera frustração, pois eles se transformam em um heterossexual artificial, tosco e caricaturesco[9].  

O fenômeno efeminofóbico, então, pode ser entendido por duas vertentes: em primeiro lugar os homossexuais que possuem aversão aos trejeitos, traços e comportamentos femininos; em segundo lugar, os heterossexuais, que mantêm sua ojeriza a qualquer comportamento que vá contra a heteronormatividade. Em relação aos grupos gays, o que se observa é a necessidade de readequação social ao mundo heterossexual. As regras culturais são bastante claras quanto aos comportamentos que deveriam possuir os indivíduos: se for homem, seja viril, masculino – é praticamente um retorno ao primitivo ou animalesco estágio onde a virilidade era sinônimo de sobrevivência: aliás, será que alguma vez a virilidade deixou de ser pré-requisito para a sobrevivência? Para compreender a efeminofobia, é necessário retroceder ao entendimento radical da homofobia e saber o quais motivos levam os indivíduos a sentirem repulsa pela homossexualidade ou pela feminilidade.

Adaid, em sua obra Genealogia da Homofobia: Violência e Falocentrismo[10], baseada em sua pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso em Ciências Jurídicas e Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, entendeu que a homofobia, bem como a efeminofobia, ora estabelecida como tema fulgral do artigo, representa, em realidade, um apêndice do próprio pensamento misógino. Ou seja, ainda que seja uma compreensão limitante, é a construção cultural e o pensamento de ódio ao feminino, construído desde o imemoriável neolítico, que gera uma visão distorcida e nefasta da mulher. Este pensamento, sedimentado por séculos de evolução cultural, pouco mudou.

Assim, de acordo com o autor, como os homossexuais se colocam como obstáculos à heteronormatividade, eles acabam por, simbolicamente, representando o próprio feminino. Os efeminados, então entendidos como homossexuais cujos comportamentos se aproximam ainda mais com o feminino, fazem com que este ranço se torne ainda mais ressaltado e evidenciado[11]:

A homofobia é mais do que uma realidade, ela é um fato social, uma característica milenar que vem acompanhando a humanidade, o que por si só já justificaria a pertinência temática deste trabalho. Entretanto, a presente pesquisa não teve como escopo se dedicar à análise quantitativa das estatísticas dessa violência, muito menos se debruçar sobre seu atual estado. Na mais lacônica e concisa análise genealógica da homofobia, não há como se ignorar seu longínquo e primitivo resquício de memória, por meio da arqueologia historiográfica e da antropologia, em busca de respostas que tentem explicar a evolução desse fenômeno de extrema violência e hostilidade. Nesse sentido, o retrocesso ao passado é explicado enquanto metodologia de pesquisa, na medida em que se buscam suas radicais causas, uma vez que não é possível se entender o presente sem se voltar ao passado. Logo, não obstante o colorido arco-íris da bandeira LGBTT, a mais breve observação demonstra um passado bastante cinzento. Com maior evidência ainda, é o fato de que os processos culturais envolvendo a homossexualidade, mormente em que pese à violência, estão imediatamente ligados ao feminismo. Dessa forma, observa-se que a opressão de gênero, maxime no que tange o pensamento misógino, sempre esteve acompanhado do ranço anti-homossexual. De forma que a homofobia, enquanto manifestação individual e coletiva de agressividade, perante o homossexual, se torna um apêndice do próprio fenômeno sexista[12].

Durante o período Pré-Histórico, a religião primitiva estava relacionada ao culto do feminino, e, como ainda não havia qualquer relação casuística entre o ato sexual e a gestação, os homens observavam maravilhados o processo de gravidez, como se a mulher magicamente tivesse o dom divino de criar a vida[13]. Porém, a dinastia feminina durou pouco, pois, com o início do Neolítico, os primitivos desenvolveram a arte da pecuária e puderam observar que grupos de fêmeas não geravam filhotes sozinhas. O homem, então, descobriu que o segredo da vida estava em sua ferramenta viril e poderosa – aliás, na semente que dela provinha. O falocentrismo foi, pois, o culto à antípoda do feminismo, pois não havia mais sentido em idolatrar a mulher. O feminino se tornou mais do que obsoleto, ele foi dominado e aniquilado pelos padrões culturais[14] [15].

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Assim, as deusas da Pré-história perderam o seu espaço e registro, quando o homem descobriu o seu papel sexual. Após a instalação do patriarcado, há certa de cinco mil anos, a mulher adquiriu status de mercadoria: podia ser comprada, vendida ou trocada. Passou a ser considera inferior ao homem e, por conseguinte, subordinada a sua dominação[16].

Assim, deve-se enfatizar que a grande ruptura em que emerge o pensamento misógino e, por consequência, homofóbico, ocorreu ainda na Pré-História, no final do Paleolítico. Até então, a mulher era considerada como a única responsável pela concepção. É impossível ao homem ou à mulher hodierna compreender como era ser do sexo feminino, engravidar de forma divina e inexplicável, ter a possibilidade de amamentar, com a produção de seu próprio alimento – talvez as mulheres fossem tratadas como Deusas vivas!

Porém, com a Revolução Agrícola, quando os primeiros pastores começaram a domesticar animais, logo perceberam que um grupo cercado e composto unicamente por fêmeas jamais engravidavam. Era necessário a introdução de um bode, um cabrito ou um cavalo para que houvesse crias. A lógica foi muito simples: quem detêm o poder da criação são os membros do sexo masculino e não mais do sexo feminino. Não foi por outro motivo que, a partir do Neolítico, o culto à Deusa e a Natureza se tornou obsoleto e primitivo. Em que pese as particularidades de cada cultura, não ignorando o fato do próprio etnocentrismo, a história demonstra que no período antigo, em todos os panteões, o principal Deus era sempre uma figura masculina, viril, dominadora, poderosa e indestrutível: Odin, dos nórdicos, Zeus, dos gregos, Júpiter, dos romanos, Baal, dos fenícios, Rá, dos egípcios, Javé, dos hebreus, Olorum, dos iorubanos.  

Como resume Adaid, durante a Antiguidade, entre os gregos, o modelo que mais se evidenciou foi a pederastia pedagógica, que consistia, na realidade, numa dominação intelectual onde os mais novos se deixavam possuir pelos mais velhos, em busca de proteção e conhecimento. Por outro lado, entre os romanos, a homossexualidade se expressava de forma ainda mais agressiva. Dado sua necessidade imperiosa de demonstração fálica, reflexo de sua prepotência, o homem romano necessitava constantemente conquistar e demonstrar seu poder, seu Falo, seja nos homens, seja nas mulheres.

Sobre a homossexualidade feminina, esta jamais foi tolerada publicamente, nem pelos gregos, nem pelos romanos. Sendo assim, as antigas práticas homossexuais não excluem, absolutamente, a possibilidade de serem consideradas precursoras do movimento homofóbico contemporâneo. Uma vez que os clássicos desprezavam o feminino, ligavam-se mais ao masculino, assim, o que tornava o indivíduo de fato livre e respeitável era sua virilidade, assegurando a negação ao feminino[17].

Os valores pagãos permaneceram incorporados na cultura medieval por alguns séculos, práticas como a sodomia, a zoofilia, masturbação e felação eram tolerados pelos governos e pela Igreja Católica. De certa forma até eram considerados formas de contenção e alienação popular. Apenas se tornaram um empecilho quando a Peste Negra passou a dizimar a população[18]. Com o advento da Idade Média, graças à hegemonia cristã, a homossexualidade passou a ser criticada, muitas vezes vinculada com o paganismo. Contudo, foi somente após a Peste Negra que as perseguições sumárias às práticas homossexuais se intensificaram.

Ao turno que a pandemia dizimou um terço da população europeia, o medo tenaz de uma possível extinção fez com que as elites logo proibissem qualquer comportamento sexual que não objetivasse a procriação. Ademais, as Cruzadas fizeram com que os europeus se confrontassem novamente com as culturas pagãs, as notícias que vinham do oriente diziam sobre estranhas orgias e bestialidades, o que acirrou os debates a respeito da homossexualidade e suas nefastas consequências diante do julgamento divino. O sentimento de negação em relação aos comportamentos homossexuais, que já eram considerados uma heresia, por serem contra a natureza humana procriativa, se intensificou, porém, nada se assemelharia ao legado deixado pela Peste Negra.

Apenas com o alvorecer da Renascença que os primeiros psiquiatras iniciaram novos estudos sobre a subjetividade humana. Em um viés fouccaultiano, é possível afirmar que a homossexualidade, mormente a partir do século XIX, não representaria mais um mero comportamento, um desvio facilmente corrigível ou um pecado, o entendimento da época passou a caracterizá-lo como um aspecto idiossincrático. O homossexual, então considerado indivíduo, passara a fazer parte do discurso científico, filosófico, religioso e popular. Todavia, isto não significou um avanço, enquanto outrora havia a ilusão de que o exorcismo consistia na solução para a maldição, doravante, a ciência mostraria que, sendo a homossexualidade uma característica encrustada na própria personalidade, sendo infrutífera qualquer mudança, a única saída seria a própria destruição do indivíduo.

Os Estados, já laicos, fizeram questão de manter a repressão contra o comportamento homossexual. Assim, os homossexuais, que durante a Idade Média eram queimados em praça pública, passaram a ser enforcados nos mesmos cadafalsos. A mudança, embora paulatina, ocorreu pois, como aponta Adaid (2017), a população, com a influência do cientificismo já não mais aceitava conceito medievais como pecado, era necessário que novos mecanismos fossem pensados para continuar a conter tal comportamento. Se antes, os canonistas se utilizavam das escrituras sagradas para fundamentar suas execuções, sendo o fogo melhor meio de expiar os pecados; doravante os legisladores deveriam tipificar, sob a ótica do criminologia, que a homossexualidade era um comportamento antinatural e incompatível com a sociedade moderna. O fim, ao contrário das fogueira, poderia ser a forca ou a prisão. Em qualquer das possibilidades o Direito Penal se utilizada da pena como exemplo aos demais.

No Brasil, desde 1500, quando o Brasil foi redescoberto por Portugal, durante o reinado de Dom Manuel I, ainda sob domínio das Ordenações Afonsinas de 1446, promulgada por Dom Afonso V, o Africano, a passar pelas ordenações Manuelinas de 1512, promulgada por Dom Manuel I, o Venturoso, e, por fim, com as Ordenações Filipinas de 1603, promulgada por Dom Filipe II, o Pio, a qual só teve termo em 1823, o comportamento homossexual era tipificado como crime, de sorte que, com exceção da primeira Ordenação, a qual tinha como pena apenas a fogueira e o proibição dos restos mortais serem enterrados com inscrições, para que o de cujus perdesse sua memória, as demais Ordenações também incluíam como sanção penal o confisco de bens à Coroa Portuguesa, de modo a prejudicar seus herdeiros.

Ademais, nos ordenamentos, observa-se, como ficou demonstrado alhures, que crime e pecado se confundem. Sendo assim, após três ordenamentos portugueses, todos muito bem amparados pelo moralismo canônico, a homossexualidade foi perseguida de forma covarde pelo governo, descriminalizada apenas 330 anos depois, com o fim da Ordenação Filipina e promulgação do Código Criminal de 1830. Porém, mesmo com descriminalização, isso não era impedimento para que os flagrantes fossem esquecidos[19] [20]. Na prática os homossexuais flagrados eram enquadrados no crime de ultraje público, o que não diminuía sua humilhação e injustiça.

Por volta do século XVIII nasce uma incitação política, econômica, técnica, a falar do sexo. E não tanto sob a forma de uma teoria geral da sexualidade, mas sob forma de análise, de contabilidade, de classificação e de especificação, através de pesquisas quantitativas ou causais. O sexo não cessou de provocar uma espécie de erotismo discursivo generalizado. E tais discursos sobre o sexo não se multiplicaram fora do poder ou contra ele, porém lá onde ele se exercia como meio para seu exercício[21].

Por fim, com fulcro da Pós-modernidade, se por um lado as mulheres passaram a ganhar mais prestígio, os homossexuais permaneceram subjugados e oprimidos. É como que se todo o revanchismo misógino tivesse se focado nos grupos homossexuais, enquanto sobreviventes contumazes de aterradoras e impregnáveis práticas pagãs. O status de normalidade, de certa forma, foi conquistado apenas com o Movimento Gay, graças à Revolução Sexual, juntamente com a descoberta da pílula contraceptiva[22], a qual fez com que o sexo se desvinculasse da procriação. Com a aproximação entre sexo e afeto, os homossexuais conseguiram mostrar ao mundo que sua forma de sexualidade era tão legítima quanto a heterossexual.

Anos de lutas conferiam aos homossexuais militantes muita experiência. Mas, em 28 de junho de 1969, um único movimento definiu a causa gay. Um clube em Greenwich Willage, Nova Iorque, o Stonewall Inn, lugar de encontro de gays, lésbicas e travestis, foi invadido pela polícia. Não havia nada de especial na batida de Stonewaal, a não ser que, pela primeira vez, os gays reagiram. Seis meses mais tarde, a Frente de Libertação Gay havia discursado em 175 campi universitários. A primeira Marcha do Orgulho Gay aconteceu em 1972. Nos anos seguintes outros países começaram a levantar a mesma bandeira[23].

Assim, como apontou Adaid, o exame da historiografia, desde os mais remotos vestígios, corrobora para a conclusão de que a homofobia foi um fenômeno social sempre presente na humanidade. Nas mais diversas formas, o estudo cuidadoso das dinâmicas culturais evidencia que a homossexualidade – na concepção moderna, porquanto aspecto normal da sexualidade humana, jamais foi tolerada em sua plenitude. Considerados quer pecadores perante a onisciência divina, quer criminosos aos olhos cegos da Justiça, ou ainda, doentes mentais segundo a análise científica. A grande verdade é que, até bem pouco tempo, os homossexuais não passavam de uma massa inerte e inútil na sociedade, um estorvo que deveria ser aniquilado e exterminado.

Nesse diapasão, mutatis mutandis, não é nada exagerado dizer que, atualmente, diante das produções de entretenimento de massa, a homossexualidade permanece com sua finalidade incólume, qual seja, servir de chacota em programas de humor barato, por meio de personagens ridículos e estereotipados. Isso quando eles não são hostilizados nas ruas ou alvo de alguma piada feita por qualquer machista, motivado por sua carência de autoafirmação masculina. Ademais, a ter em vista os levantamentos bibliográficos, asseverar que a homofobia está relaciona com uma patológica necessidade de se sobrepor diante do outro é mais do que uma comprovação. 

Segundo as discussões do presente trabalho, pôde-se concluir que a homossexualidade, na ordem simbólica, em seus mais diversos aspectos, se aproxima deveras do feminino. Logo, a prática homossexual se coloca como negação à própria heterossexualidade e a heteronormatividade, sendo assim, consequentemente, ao ideal de masculinidade e virilidade, a resposta homofóbica se refere, então, a uma rejeição ao próprio feminino, o que está ligado ao caráter misógino da homofobia. Dessarte, pelos levantamentos realizados no decorre da pesquisa, foi possível demonstrar a estrita relação entre o fenômeno homofóbico e a difícil construção da identidade masculina[24].

Ao considerar que a masculinidade é um aspecto desenvolvido socialmente, uma característica não inata, em que os homens devem, a todo o momento, provar sê-lo, fica comprovado que a estruturação dela é bastante custosa e de igual modo frágil.[25] O homem precisa, então, constantemente manter sua reputação de virilidade, dominação e força, que são características imprescindíveis à masculinidade. Por outro lado, o feminino, antagonicamente, se opera ao oposto do que se entende por masculino, sua mera presença constitui uma ameaça terrível, que poderia abalar seus delicados baldrames.

Ora, já que a homossexualidade se apresenta como equiparação ao feminino, ideologicamente uma negação do masculino, por meio da oposição à heterossexualidade, então, não é arriscado afirmar que a sua presença na sociedade inibe e fere a construção e a manutenção da identidade masculina dos demais indivíduos. Da mesma maneira, essa necessidade de autoafirmação masculina, quiçá, seja devida a uma reminiscência demasiada tardia, um ranço enterrado no inconsciente coletivo humano, da época em que as mulheres eram corolárias supremas do poder.

O falocentrísmo, então, deve ser interpretado como uma forma legítima de gerência do poder, no patético temor de ter seu trono seja dominado novamente por elas. Isso prova que o pensamento misógino, propagado de forma tão milenar, ainda está fortemente enraizado. A homofobia é, pois, prova cabal da dinâmica falocêntrica que ainda reina na sociedade hodierna, a qual ainda permanece disseminando a opressão e a violência, por meio da hegemonia masculina.             

Talvez – e isto é apenas uma conjectura – em um futuro, não se sabe se ainda muito longínquo, é possível que os seres humanos se identifiquem apenas como seres, de forma que qualquer tipo de idiossincrasia, se torne irrelevante no convívio social. Em relação a sexualidade, como Freud mesmo propôs, há mais de cem anos, a natureza humana é bissexual. Assim sendo, é plausível imaginar que ao transcender os conflitos coevos, ainda tão enraizados, futuramente as pessoas possam se relacionar e escolher seus parceiros enquanto seres humanos, pois tamanha é a diversidade sexual e as formas de vivenciar e experimentar a sexualidade, que é impossível, leviana e reducionista, dividí-la em opções, sexos e gêneros. Assim como Procusto, quando se classifica e diferencia com a intenção de melhor entende-la, dilacera-se. A sexualidade deve ser vivida pacificamente, e não dissecada. Em uma profecia um tanto piegas, caso a humanidade realmente consiga atingir este estágio, as palavras poder, dominação e violência, perderão sentido à esta nova perspectiva. Dessarte, a retomar o mito de Aristófanes, no banquete platônica, os novos seres não se sentirão mais infinitamente perdidos e desesperados a procura de sua verdadeira metade. Neste novo e excelso estágio evolutivo, qualquer outro ser poderia lhe completá-la, desde que entre eles houvesse compreensão, afinidade e, principalmente, amor![26] 

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Sobre o autor
Felipe Adaid

Advogado e consultor jurídico em Direito Penal e Direito Penal Empresarial no Said & Said Advogados Associados. Foi Diretor de Gerenciamento Habitacional da Secretaria de Desenvolvimento Social e Habitação e Primeiro Secretário do Conselho de Habitação do Município da Valinhos, SP. Mestre em Educação e Políticas Públicas pela PUC Campinas. Ingressou em primeiro lugar no mestrado e foi contemplado com a bolsa CAPES durante os dois anos de curso. Cursou disciplinas de pós-graduação na Unicamp. É especializando em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia, pela PUC Campinas. Na graduação, tem 5 semestres de créditos no cursos de Psicologia, também pela PUC Campinas. Durante a graduação de Direito também foi bolsista de iniciação científica, CNPq, e foi monitor em diversas disciplinas, tanto no curso de Direito como no curso de Psicologia. Foi membro do grupo de pesquisa Direito à Educação do Programa de Pós-Graduação da PUC Campinas. É corretor de revistas científicas pedagógicas e jurídicas. É autor de 11 livros, sendo 3 ainda em fase de pré-lançamento, e organizador de outros 10 livros, além da autoria de 44 capítulos de livros publicados no Brasil, no Chile e em Portugal. É autor de mais de 100 publicações científicas, entre artigos científicos, resenhas e anais, nacionais e internacionais. Ademais, também escreve periodicamente ensaios e artigos para jornais e blogs. No âmbito acadêmico, suas principais bases teóricas são: Foucault, Lacan, Freud, Dewey e Nietzsche. Por fim, tem interesse sobre os seguintes temas: Direito, Direito Penal, Criminologia, Psicologia, Psicologia Forense, Psicanálise, Sexualidade, Educação e Filosofia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ADAID, Felipe. Uma crítica ao conceito de efeminofobia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5719, 27 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71392. Acesso em: 21 nov. 2024.

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