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Dos reflexos da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 130 na Lei n. 6.015/73:

A (não) recepção do artigo 122 usque 126 da Lei de Registros Públicos pela Constituição Federal de 1988

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A razão de ser do presente estudo decorreu do consequente desdobramento da decisão da ADPF n° 130. Julgada procedente pelo Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, a ação teve por objetivo a declaração de não recepção, pela ordem constitucional e democrática vigente, de todo o conjunto que normatizava a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, de base nitidamente ditatorial, eis que reflexo do período de sua elaboração, ou seja, a Lei n° 5.270/67.

Pelo efeito erga omnes do julgamento e a declaração de não recepção da referida Lei de Imprensa, e como a Lei de Registros Públicos – Lei n° 6.015/73 - previu em seu art. 122 usque 126, norma de redação e conteúdo semelhante ao art. 8° usque 11 da Lei não recebida, surgiu a questão sobre a qual discorremos neste trabalho, ou seja, se o resultado da ADPF n° 130 influenciou a Lei n° 6.015/73, não recepcionando, também, os dispositivos similares à Lei de Imprensa.

Não obstante o posicionamento do insigne doutrinador Walter Ceneviva, em sua obra Lei dos Registros Públicos Comentada, no sentido de que seria plenamente possível a coexistência da matrícula dos meios de comunicação no Livro B do RCPJ e a liberdade de imprensa, sobretudo pelo imperativo da transparência, chegamos à consideração diversa.

Pelo histórico demonstrado na legislação que rege o sistema de registros públicos brasileiro, desde o Decreto n° 4.587/39 até a Lei n° 6.015/73, que lhe sucedeu, passando intermediariamente pela Lei n° 5.250/67, percebemos que todos estes diplomas legais tiveram cunho restritivo, por terem sido elaborados em períodos ditatoriais, quando imperou o cerceamento das liberdades públicas, inclusive a censura prévia dos meios de comunicação.

Neste ideal, em conjunto com o registro constitutivo determinado tanto pelo Código Civil de 1.916, em seu art.18, quanto pelo art. 45, do Código Civil de 2.002, havia o registro de controle do órgão governamental, denominado de "matrícula" pelo Decreto de 1.939, repetido pela Lei de 1.973, e tratado pela Lei de 1.967 por "registro". Mas em todas as situações legais vemos a existência do ato constitutivo, verdadeiro registro e, em situação mais detalhada, e com vistas a obter todas as informações sobre o meio noticioso, a matrícula.

Porém, o período em que foram elaborados tais dispositivos era de regime de exceção, com forte controle sobre a liberdade de expressão e dos meios condutores de informação, inclusive sobre seus proprietários, diretores e a localização da sede, sob pena de clandestinidade, apenada com multa e retirada de circulação. Isso refletiu no texto da Lei de Imprensa e, em ato contínuo, na Lei de Registros Públicos, que retratou da matéria em similaridade.

Mas, os tempos são outros. Veio a revolução democrática e as ideologias autoritárias não se seguiram. O Poder emana do povo, consoante dicção do art. 1°, parágrafo único, da Constituição Federal de 1.988 e, desta forma, não foram recepcionadas as normas que possuem ideais totalitários. É o que ficou decidido na ADPF n° 130.

Consagrou-se a plena liberdade de imprensa, um patrimônio imaterial e que mantém, com a democracia, a mais estreita relação de mútua dependência. Assim, não haveria compatibilidade alguma com a novel Constituição, uma Lei (ou várias) que sufoca(m) a liberdade de pensamento, de expressão e de imprensa livre.

Assim, dando eloquência aos princípios constitucionais insculpidos no artigo 5º da Constituição Federal de 1.988, em especial o de vedação do anonimato (parte final do inciso IV); do direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV), bem como o artigo 220, do mesmo diploma, que trata da Comunicação Social, extirpou-se qualquer interpretação restritiva ou controladora da liberdade dos meios de comunicação.

Frisamos, não recepcionado que foi o bloco legal constituído pela Lei n° 5.250/67, por simetria de razão e de direito, também devemos considerar não recepcionado o capítulo III da Lei n° 6.015/73, artigo 122 usque 126 c.c art.116, II do mesmo diploma, o que torna desnecessária a matrícula, ou registro mencionado na Lei de 1.967, da imprensa no Livro B do RCPJ, tornando-se devido, apenas, seu registro para fins de aquisição de personalidade jurídica, de cunho constitutivo, seja na Junta Comercial ou Livro A da Serventia Registral de Pessoas Jurídicas.

Por derradeiro, esta atribuição de matrícula ao RCPJ está relegada ao ordenamento jurídico anterior, não devendo prosperar como supedâneo à Constituição Federal de 1.988, sendo lídimo, ainda, como salientou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF n° 130, que a liberdade de imprensa é bem de personalidade e se qualifica como sobredireito e não merece controle governamental adicional, sendo suficiente os dados obtidos por ocasião da constituição em pessoa jurídica, nos termos do art. 46 do Código Civil c.c art. 120 e 121 da Lei n° 6.015/73.

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REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Frederico Augusto Passarelli Mendonça

Ex Oficial de RTDPJ da Comarca de São Gonçalo do Sapucaí-MG. Atual Tabelião de Protestos da Comarca de Itanhandu-MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDONÇA, Frederico Augusto Passarelli. Dos reflexos da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 130 na Lei n. 6.015/73:: A (não) recepção do artigo 122 usque 126 da Lei de Registros Públicos pela Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6191, 13 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82945. Acesso em: 24 abr. 2024.

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