I – O FATO
Na véspera do julgamento no Conselho Nacional do Ministério Público que pode culminar em punição ao líder da força tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, integrantes do MP em todo o País lançaram manifesto em que defendem ‘importância das garantias constitucionais da inamovibilidade e da independência funcional para o regular cumprimento das suas relevantes funções em defesa da sociedade’.
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) julgará, no dia 18 de agosto deste ano, casos envolvendo o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato em Curitiba.
II – AS GARANTIAS POLÍTICAS DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Segundo Antônio Araldo Ferraz dal Pozzo (Democratização da justiça – atuação do Ministério Público, Justitia, 127: 42 e 49), há garantias políticas do membros do Ministério Público (independência funcional, inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos, vitaliciedade, isonomia de vencimentos, vedações etc).
Foram reconhecidos aos membros do Ministério Público as mesmas garantias dos magistrados: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos.
No entendimento de Higro Nigro Mazzilli (O Ministério Público na Constituição de 1988, 1989, pág. 79), são predicamentos necessários à maior independência funcional e que já tinham sido, em maior ou menor extensão, conquistados nos Ministérios Públicos estaduais anteriormente à Constituição de 1988.
As garantias são distintas das prerrogativas.
As prerrogativas ligam-se ao cargo; já as garantias, são da pessoa, do órgão, do oficio ou da instituição.
III – A REMOÇÃO COMO PUNIÇÃO
A origem e a própria razão de ser da garantia remetem a uma inamovibilidade no cargo, assim entendido o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas ao agente público.
Ela assegura que os Magistrados não possam ser removidos das comarcas onde atuam sem um motivo palpável. No caso dos juízes federais, falo das Seções Judiciárias onde oficiam. Por simetria, é o que ocorre com o membro do Parquet.
O art. 93 VIII da CF dita que o magistrado poderá ser removido (além de colocado em disponibilidade e aposentado), por interesse público, fundando-se tal decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa”.
Mas essa inamovibilidade diz respeito ao oficio.
A inamovibilidade funciona, na verdade, como garantia da sociedade, para evitar que juízes e membros do MP tenham retirados arbitrariamente os processos sob sua responsabilidade ou sejam mudados em sua lotação, por interesses ilegítimos.
Porém, essa garantia de inamovibilidade não ocorre nos casos de punição administrativa.
A remoção por interesse público, também chamada de remoção compulsória (ou seja, obrigatória), tem caráter de punição e depende de processo administrativo no qual seja garantida ampla defesa ao juiz ou membro do MP. Tal se dará após um processo administrativo disciplinar, em que seja dada ao membro da Instituição direito à ampla defesa dentro do devido processo legal.
IV – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR
O processo administrativo disciplinar tem como escopo apurar a responsabilidade funcional de servidor público por infração disciplinar praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as prerrogativas do cargo em que se encontre vinculado.
São princípios que regem esse processo administrativo disciplinar:
- Legalidade;
- Tipicidade;
- Impessoalidade;
- Moralidade;
- Publicidade;
- Eficiência;
- Finalidade.
Dentro disso a verdade real, assim como no processo penal, deve ser buscada a todo tempo, advertindo-se que a presunção de inocência deve ser aplicada para a devida segurança jurídica.
Sendo assim as penas, devidamente motivadas, devem ser aplicadas de forma razoável e proporcional.
V – A FALTA GRAVE PARA APLICAÇÃO DA PENA
A chamada remoção compulsória passou a ser penalidade, pois que sua aplicação pressupõe ampla defesa (CF,artigo 128, § 5º, I, b).
Para tanto, necessária a falta grave.
O que é falta grave?
São deveres do membro do Ministério Público da União:
LC n. 75/1993 |
Lei n. 8.625/1993 |
Art. 116. São deveres do servidor: I - exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo; II - ser leal às instituições a que servir; III - observar as normas legais e regulamentares; IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais; V - atender com presteza: a) ao público em geral, prestando as informações requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo; b) à expedição de certidões requeridas para defesa de direito ou esclarecimento de situações de interesse pessoal; c) às requisições para a defesa da Fazenda Pública. VI - levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo; VII - zelar pela economia do material e a conservação do patrimônio público; VIII - guardar sigilo sobre assunto da repartição; IX - manter conduta compatível com a moralidade administrativa; X - ser assíduo e pontual ao serviço; XI - tratar com urbanidade as pessoas; XII - representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder. Art. 117. Ao servidor é proibido: I - ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato; II - retirar, sem prévia anuência da autoridade competente, qualquer documento ou objeto da repartição; III - recusar fé a documentos públicos; IV - opor resistência injustificada ao andamento de documento e processo ou execução de serviço; V - promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição; VI - cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em lei, o desempenho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado; VII - coagir ou aliciar subordinados no sentido de filiarem-se a associação profissional ou sindical, ou a partido político; VIII - manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil; IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública; X - participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário; XI - atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro; XII - receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições; XIII - aceitar comissão, emprego ou pensão de estado estrangeiro; XIV - praticar usura sob qualquer de suas formas; XV - proceder de forma desidiosa; XVI - utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades particulares; XVII - cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias; XVIII - exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho; XIX - recusar-se a atualizar seus dados cadastrais quando solicitado. |
Art. 236. O membro do Ministério Público da União, em respeito à dignidade de suas funções e à da Justiça, deve observar as normas que regem o seu exercício e especialmente: I - cumprir os prazos processuais; II - guardar segredo sobre assunto de caráter sigiloso que conheça em razão do cargo ou função; III - velar por suas prerrogativas institucionais e processuais; IV - prestar informações aos órgãos da administração superior do Ministério Público, quando requisitadas; V - atender ao expediente forense e participar dos atos judiciais, quando for obrigatória a sua presença; ou assistir a outros, quando conveniente ao interesse do serviço; VI - declarar-se suspeito ou impedido, nos termos da lei; VII - adotar as providências cabíveis em face das irregularidades de que tiver conhecimento ou que ocorrerem nos serviços a seu cargo; VIII - tratar com urbanidade as pessoas com as quais se relacione em razão do serviço; IX - desempenhar com zelo e probidade as suas funções; X - guardar decoro pessoal. Art. 237. É vedado ao membro do Ministério Público da União: I - receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto; honorários, percentagens ou custas processuais; II - exercer a advocacia; III - exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como cotista ou acionista; IV - exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério; V - exercer atividade político-partidária, ressalvada a filiação e o direito de afastar-se para exercer cargo eletivo ou a ele concorrer |
Tem-se, então, como faltas graves:
Faltas disciplinares |
Funcionais |
Processuais |
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Institucionais |
Não funcionais |
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Não funcionais |
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VI – O ÓRGÃO E O OFICIO
Sobre essa ampla defesa, é mister lembrar os fundamentos encontrados in RTJ, 118: 236, no que se aplicam aos magistrados.
Para o caso concreto há evidente preocupação trazida por alguns órgãos da mídia com relação a saída do procurador da República acima mencionado da chamada operação lava-jato.
Ora, para o caso, não se trata propriamente de perda da inamovibilidade.
Ademais, o procurador-geral da República, ouvido o Conselho Superior do Ministério Público poderá fazer cessar certas operações, dentro do interesse público.
O que são órgão e oficio?
Marcello Caetano (Manual de direito administrativo, 1965, pág. 154) definiu os órgãos públicos nos seguintes termos:
“Órgão é o elemento da pessoa coletiva que consiste num centro institucionalizado de poderes funcionais a ser exercido pelo indivíduo ou pelo colégio dos indivíduos que nele estiverem providos, com o objetivo de exprimir a vontade juridicamente imputável a essa pessoa coletiva”.
Mas não podemos esquecer que o ofício, como círculo de poder que é, configura uma realidade objetiva e estática que, realmente, não se relaciona juridicamente com quem quer que seja. Os ofícios não se relacionam entre si, uma vez que são apenas quadros demarcatórios de poderes.
Os órgãos são relações entre relações entre ofícios e agentes.
Os ofícios não se relacionam entre si, uma vez que nada mais são, como bem disse Bandeira de Mello (Apontamentos sobre os agentes e órgãos públicos, segunda tiragem, pág. 69, pág. 78), além de um quadro abstrato demarcatório de atribuições.
Ofícios e agentes são duas noções perfeitamente substantes e não se integram em uma unidade que se possa considerar como um composto de ambas, como um ser decomponível nestes dois elementos.
Como disse Celso Antônio Bandeira de Mello (obra citada, pág. 75):
Sem embargo, a manifestação da vontade do Estado se realiza por meio dos agentes que são os instrumentos de vitalização do ofício, isto é, o meio pelo qual as atribuições que constituem o oficio se tornam operativas. Os ofícios não se relacionam entre si, pois que nada mais são além de um quadro demarcatório de atribuições. Já os agentes, atuando as atribuições dos ofícios, estabelecem entre si relações jurídicas.
O procurador da República, como agente político, ocupa órgão e nele se ocupa de suas funções previamente determinadas em norma própria.
VII – CONCLUSÕES
Será o caso de pensar numa Lei de Ofício dentro do Parquet federal para maiores digressões.
Caso a operação lava-jato seja desativada, por determinação superior, não se tratará, para os que lá oficiam, de perda de garantia constitucional.
A cessação da operação é ato administrativo discricionário, motivado por razões de conveniência e oportunidade. Uma vez cessada, os procuradores da República nela envolvidos deverão retornar a seu oficio sem que isso represente qualquer pena.
O procurador da República, salvo razão de pena por falta grave, que o leve à perda da inamovibilidade, não perderá o seu oficio e isso é o que importa para o caso.