Com a aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados, o Brasil passou a integrar o grupo de países com legislação própria sobre o tema, ganhando maior relevância no cenário mundial. Sancionada em 14 de agosto de 2018, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), nº 13.709 dispõe sobre a proteção de dados pessoais e altera o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.925/2014)). Com o advento da lei foram esclarecidos alguns conceitos, modos de regulamentação e fiscalização em sua forma mais abrangente e inédita.
Criada com reflexos na Lei de Proteção de Dados Europeia (GPDR), a LGPD no Brasil vem com o intuito de estabelecer a forma como deve ser conduzido o tratamento de dados, sendo ele pessoal ou sensível, sempre observando a proteção dos direitos individuais de seu titular.
Apesar de sua aplicação ampla, como o próprio nome diz: “geral”, caberá, a este artigo a fazer um recorte reflexivo acerca da relação existente entre a LGPD e a recuperação de crédito. Dois temas abrangentes e cheios de nuances, que podem ser analisados de inumeradas formas, se separadamente.
É inegável que o advento da LGPD trará impactos no mercado de crédito. Porém quais impactos serão esses? O intuito desta Lei, realmente é o de inviabilizar empresas que atuam neste ramo do mercado? Se não, como nortear o tratamento de dados para que as empresas se adequem às conformidades exigidas em lei?
Para adentrar, de fato, nos impactos que a LGPD trará ao mercado de crédito (em sentido lato) é substancial entender que este setor não envolve exclusivamente aos tradicionais bancos, mas também envolvem fundos de investimentos, fintechs, bancos digitais, dentre outras entidades deste segmento. Trata-se de setor de grande impacto na economia e no mercado de capitais.
Isto porque, o crédito é essencial para o desenvolvimento econômico da sociedade, uma vez que permite a transferência de recursos para os diversos setores. Na outra ponta da relação, há a recuperação de crédito, sendo igualmente essencial à sociedade, uma vez que objetiva reparar os danos sofridos em razão do não pagamento do crédito tomado.
Apesar do ordenamento jurídico brasileiro ter criado recursos legais que tem o objetivo de salvaguardar o credor, dentre outras ferramentas extrajudiciais, a recuperação de crédito no Brasil não é efetiva, sendo um procedimento árduo e moroso, seja pela não efetividade no Judiciário, seja pelas tentativas infrutíferas de negociação da dívida ou mesmo pelas proteções patrimoniais que os devedores fazem, como por exemplo, o esvaziamento e/ou blindagem patrimonial.
Ao passo que o crédito fomenta o desenvolvimento econômico, o inadimplemento, por sua vez, desacelera-o. Assim, para garantir a viabilidade deste, se faz necessário a criação de medidas que buscam proteger o mercado de crédito contra a inadimplência, ou ao menos, ter mecanismos que mitiguem esse risco.
Por esse motivo, ter um processo investigativo de rastreio e localização de patrimônio de devedores é substancial para viabilizar o processamento da recuperação de crédito, e consequentemente garantir a proteção de toda a cadeia em que o crédito está inserido.
Nota-se, portanto, que o impacto da LGPD nesse ponto é extremamente importante ao processo de recuperação do crédito através da investigação patrimonial, uma vez que para a localização de ativos do devedor se faz necessário a análise e tratamento de dados do titular que está inadimplente.
A partir da análise finalística da lei, observa-se que a LGPD se preocupa em proteger os dados da pessoa, para que o tratamento dessas informações esteja de acordo com a finalidade a que se destina, boa-fé e interesse público. Isto é, todo tratamento de dados deve ter sua destinação definida dentro do escopo contratual legítimo que justifique a utilização de dados particulares, ainda que públicos.
Além disso no artigo 7º fica autorizado o tratamento de dados para o exercício regular de direito em processos judiciais, administrativo ou arbitral, bem como para a proteção do crédito. Assim, uma vez seguido os princípios norteadores da LGPD, a investigação patrimonial é uma atividade legítima.
Vale dizer, a lei cria mecanismos e proteções para garantir que a intenção dos agentes de tratamento de dados pessoais seja legítimo e seguro, uma vez que penaliza situações ilícitas quanto à obtenção ou desvio dos dados.
Ainda com relação ao legitimo interesse, o artigo 10 alinha expectativas entre a justificativa no tratamento de dados pessoais e o exercício regular do direito. No caso concreto, o exercício regular do direito do credor em obter o cumprimento de uma obrigação pecuniária.
Portanto, a LGPD não possui a intenção de inviabilizar o negócio ou o mercado que explora o tratamento desses dados, em especial para recuperação do crédito, mas sim de formalizar e respaldar ao titular a proteção dos seus dados e em paralelo garantir o legítimo interesse daquele que possui os dados e dará algum tratamento.
Logo, considerando que a investigação patrimonial se faz necessária para a recuperação do crédito, que está intrinsecamente relacionada à proteção ao crédito, expressamente tutelada dentro da LGPD, é possível concluir que, estando a finalidade e o legítimo interesse devidamente demonstrados, bem como toda a cadeia de obtenção, utilização e divulgação dessas informações assegurada dentro dos procedimentos que a lei determina, a investigação patrimonial restará válida. Assim, a recuperação de crédito sob a ótica da LGPD, está devidamente assegurada aos agentes do mercado.
Referências bibliográficas:
- BRASIL. LEI nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso em: 09 out. 2019.
- Professores CAMARGO Coriolano, e PREDOLIM Emerson Alvarez,. No curso à distância: Lei Geral De Proteção de Dados – Entendendo e Implementando, em 10 ago. 2020.