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Por uma Lei de Responsabilidade Socioambiental

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Diante da desigualdade social historicamente constatada no Brasil, assim como a posição do país durante a Cúpula do Clima de 2021, é preciso que os poderes apresentem saídas para o estado de coisas, protegendo os interesses nacionais.

Nos idos de 2020, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes - durante uma live promovida pelo Movimento Sem Terra – apresentou uma proposta ousada: a criação de uma “Lei de Responsabilidade Social”1. A proposta rapidamente foi endossada por diversos setores da sociedade, bem como importantes figuras do meio político, a exemplo de Flávio Dino2, Governador do Estado do Maranhão.

Neste momento, presenciamos a Cúpula do Clima, encontro promovido pelo Presidente dos Estados Unidos Joe Biden – e que reúne 40 líderes mundiais – com o objetivo de debater estratégias para reduzir o aquecimento global e outras ameaças contemporâneas ao Meio Ambiente. Tendo em vista que o Brasil, nos últimos anos, assumiu verdadeira postura de pária internacional nessa temática, aproveitamos o ensejo da Cúpula para sugerir uma pequena (porém necessária) alteração na proposta aventada pelo Ministro Gilmar Mendes.

A propositura de uma Lei de Responsabilidade Social é, nitidamente, inspirada na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), aprovada ainda no Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Assim como ocorre na LRF, o bojo da Lei de Responsabilidade Social apresentaria um conjunto de ações e metas, com o fito de combater desigualdades sociais. No atual contexto, de grave crise econômica, associada à pandemia de covid-19, no qual o Governo Federal apresenta como suposta “alternativa” apenas um auxílio emergencial, tardio e insuficiente, a ideia do Ministro é inegavelmente meritória.

Ademais, não é proporcional que questões sociais e ambientais, que afetam diretamente a vida das pessoas, sejam colocadas em segundo plano. O rigor que se exige para o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal – em alguns pontos, excessivo e desarrazoado – deve ser deslocado para o cumprimento das metas e dos objetivos socioambientais.

De antemão, é preciso registrar que a Constituição Federal tutela amplo conjunto de Direitos Sociais, contemplando constitucionalmente questões como a “educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados” (Art. 6º da CRFB/88). Em mesma direção, a Carta Magna aponta a defesa do meio ambiente, também, como imperativo constitucional – tendo o constituinte estabelecido o Meio Ambiente como um direito de todas as pessoas, bem como (nos termos do Art. 170, VI) submetido a ordem econômica à proteção do Meio Ambiente.

Neste sentido, quando observamos o Poder Executivo Federal, capitaneado pelo Presidente Jair Bolsonaro, empreendendo um verdadeiro programa antiambiental, através de ações que objetivam inviabilizar o combate ao desmatamento, anistiar grileiros e proteger madeireiros3, não apenas os interesses nacionais, mas a própria Lei Maior do país corre um sério risco.

O mesmo pode ser dito, talvez até com maior ênfase, acerca da postura do Ministro do Meio Ambiente que, na condição de agente de Estado, adota agenda diametralmente oposta aos princípios e objetivos de sua pasta.

Enquanto a “Cúpula do Clima” ocorre, servidores do IBAMA – órgão de fiscalização e proteção ao Meio Ambiente – delatam4 a paralisação de suas atividades. Paralelamente, denunciam a exoneração (pelo Ministro da Justiça) do Superintendente da Polícia Federal no Estado do Amazonas, logo após este apontar o conluio entre madeireiros e o Ministro do Meio Ambiente, sinalizando que não se omitiria perante práticas não republicanas.

À luz do exposto, não é de se estranhar que o Brasil chegue ao evento ostentando um malgradado status de “pária internacional do clima”5. Contudo, não se pode afirmar que a imagem do País, perante seus pares, tenha atingido o “fundo do poço”, visto que há iminente ameaça de piora. São gigantes, por exemplo, os riscos de sanções econômicas ao Brasil, em resposta a adoção de uma agenda abertamente contrária à proteção ao Meio Ambiente6, em especial no que tange ao resguardo da floresta amazônica.

Vale salientar que, embora o Executivo (através do Presidente e Ministro do Meio Ambiente) venha destacando a necessidade de receber recursos internacionais para combater o desmatamento7 – fala-se em US$ 1 bilhão relativos a créditos de carbono de período entre 2006 e 2017 –, o mesmo Governo Federal detém (há dois anos) R$ 2,9 bilhões em doações da Noruega e da Alemanha ao Fundo Amazônia8. Tal fundo, registre-se, não financia nenhum projeto desde o início do governo Bolsonaro.

Tendo em vista a notável incapacidade técnica e operacional da equipe do governo, somada à inquestionável ausência de vontade política voltada à pauta ambiental, é preciso que que se exija respostas objetivas, que apontem não apenas em direção à proteção do Meio Ambiente, mas à garantia dos interesses sociais e mesmo econômicos da nação. Aprovando uma Lei de Responsabilidade Socioambiental, o Congresso Nacional contribuiria, em muito, para a efetivação desse caminho.

É por isso que, aqui, embora se parabenize a proposta apresentada pelo Ministro Gilmar Mendes e “emendada” pelo Governador Flávio Dino9, a provocação é para irmos além. Urge a necessidade de uma legislação de responsabilidade que, em adição às questões sociais já aventadas, contemple também metas de sustentabilidade e medidas objetivas de defesa do Meio Ambiente.

Destarte, objetivando destrinchar brevemente a estruturação de uma Lei de Responsabilidade Socioambiental, tomamos a liberdade de apontar alguns eixos prioritários, quais sejam: 1) Responsabilidade Social, com enfoque no combate às desigualdades, metas para a implementação dos Direitos Sociais previstos na Constituição Federal e estruturação de um programa de Renda Cidadã; 2) Responsabilidade Pública e Privada pela preservação do Meio Ambiente, com a estruturação de metas para redução da emissão de gases poluentes, fim das queimadas ilegais e demarcação de terras indígenas;3) Regulamentação do controle social e reativação de conselhos temáticos; 4) Definição de Crimes de responsabilidade em descumprimento à Lei.

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A responsabilidade pela preservação do Meio Ambiente, que deve regulamentar os setores público e privado, precisa ser dotada de instrumentos legais amplos, para garantir a eficácia das políticas ambientais. Não basta editarmos políticas nacionais como as do Meio Ambiente (Lei 8.938/81) e de Resíduos Sólidos (12.305/10), ou mesmo instituir Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), se o próprio Estado – seja por ação ou omissão – configura-se como baluarte contra quaisquer princípios de sustentabilidade ambiental.

É por isso criação de metas privadas e sobretudo públicas, voltadas à redução de emissões de carbono e outros gases poluentes, associada a sanções legais em caso de descumprimento, é imprescindível. A instituição de uma meta (factível, mas breve) para o fim do desmatamento e das queimadas ambientais é outra inegável urgência.

Noutro giro, a atual conjuntura de caos sanitário e econômico, per si, já demonstra o quão crucial é a criação de programas sociais voltados, por exemplo, à Renda Básica permanente, que vise à proteção das camadas mais vulnerabilizadas da sociedade brasileira – esta finalidade seria apenas uma, entre o conjunto de ações englobadas no eixo de combate à desigualdade.

No concernente à demarcação de terras indígenas e de outros povos originários/tradicionais, a situação é ainda mais gravosa. Para além de observar-se que o atual governo vai na contramão do mundo, se recusando a construir e executar um cronograma de demarcação de terras, faz-se necessário compreender esta problemática como histórica e estruturante da sociedade brasileira – perpassando por gestões de diferentes espectros políticos, ao longo de nossa curta democracia. A dívida histórica é imensa e a responsabilização é apenas um dos vários passos necessários a uma mínima reparação do Estado para com esses povos.

Por fim, é de suma importância que a Lei de Responsabilidade Socioambiental inclua, no rol dos “Crimes de Responsabilidade” previstos da Lei 1.079/1950, passíveis de processos de impeachment, o descumprimento das supracitadas metas ambientais e sociais, assim como qualquer embaraço a operações de fiscalização ambiental.

Instituída esta legislação e, sobretudo, modificada a atual cultura de secundarização de pautas socioambientais, o Brasil poderá voltar a frequentar cúpulas climáticas, não como pária, mas como exemplo internacional entre os países emergentes.


Notas

1https://www.brasildefatopr.com.br/2020/08/16/gilmar-mendes-em-ato-com-mst-defende-lei-de-responsabilidade-social

2 https://www.brasil247.com/blog/a-lei-de-responsabilidade-social

3https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/04/15/pf-confirma-troca-de-chefe-no-amazonas-um-dia-apos-pedido-de-investigacao-de-ricardo-salles.ghtml

4https://g1.globo.com/natureza/noticia/2021/04/20/mais-de-400-servidores-do-ibama-denunciam-em-carta-estarem-com-as-atividades-de-fiscalizacao-ambiental-paralisadas.ghtml

5https://g1.globo.com/politica/blog/valdo-cruz/post/2021/04/20/embaixadores-sao-cobrados-a-doar-verba-ao-brasil-somente-se-pais-cumprir-metas-ambientais.ghtml

6https://www.infomoney.com.br/economia/biden-ameaca-brasil-com-sancoes-por-amazonia-e-propoe-us-20-bi-para-floresta/

7 https://oglobo.globo.com/mundo/em-reuniao-com-empresarios-salles-insiste-em-que-brasil-deve-receber-fundos-para-evitar-desmatamento-24981425

8 https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-tem-r-2-9-bi-parados-mas-pedira-mais-dinheiro-contra-desmatamento,70003689233

9 https://www.brasil247.com/blog/a-lei-de-responsabilidade-social

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Sobre os autores
Pedro Valter Ferreira de Lavor

Advogado, membro da Comissão de Direito Parlamentar da OAB/PE, Pós-graduando em Direito Tributário e Aduaneiro pela PUC-MINAS e sócio do escritório Lavor, Novaes & Leandro Advocacia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAVOR, Pedro Valter Ferreira ; LEANDRO, Roberto Rocha. Por uma Lei de Responsabilidade Socioambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6517, 5 mai. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90193. Acesso em: 21 nov. 2024.

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