Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/18357
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Parâmetros para o controle judicial do fornecimento de medicamentos

Parâmetros para o controle judicial do fornecimento de medicamentos

Publicado em . Elaborado em .

Resumo.

Observado o princípio da universalidade de jurisdição estampado no art. 5º, XXXV, da Constituição da República, pretende-se abordar o controle da política pública de saúde com ênfase aos requisitos necessários e indispensáveis ao fornecimento judicial de medicamentos não contemplados na relação de dispensação do Sistema Único de Saúde - SUS.

Sumário: Introdução. 1. A discussão jurídica. 2. O princípio da subsidiariedade e a hipossuficiência financeira. Conclusão. Obras Consultadas. Notas.

Palavras-chave: Acesso à Justiça. Saúde. Medicamento. Controle Judicial.


Introdução.

A consolidação do Estado Constitucional promoveu a expansão dos direitos fundamentais e das expectativas da sociedade quanto ao seu cumprimento pelo Estado.

Aborda-se, assim, a atuação do Poder Judiciário frente à negativa administrativa ao fornecimento de medicamento, com ênfase aos pressupostos necessários ao exercício do direito constitucional.


1. A discussão jurídica.

Faz algum tempo que o Poder Judiciário tem examinado pedidos para determinar o Estado (lato sensu) a fornecer medicamentos sob a alegação de que a Constituição da República estabeleceu que a saúde é direito fundamental a ser perseguido e implementado, conforme previsão dos arts. 6º e 196.

Entretanto, não cabe ao órgão jurisdicional a definição, a criação e a execução irrestrita de políticas públicas de saúde, podendo, quando muito, em hipóteses excepcionais, devidamente justificadas, determinar tão-somente o cumprimento das medidas já fixadas pela administração em geral e aceitas pela sociedade.

É verdade que sob o rótulo do neoconstitucionalismo várias correntes jurídicas têm propugnado a idéia de um Judiciário protagonista e transformador do Estado Constitucional Social de Direito, que deixa de atuar de forma defensiva, passando a um agente criador e implementador das políticas públicas. [01]

No que toca ao fornecimento de medicamentos, os entes públicos trazem, geralmente, a alegação da possível violação ao princípio da separação dos poderes e da reserva do possível como elementos impeditivos ao deferimento da pretensão veiculada judicialmente. De outro lado, o autor da ação também afirma que o direito ao remédio decorre do direito à vida, da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial.

Nada obstante, várias são as facetas que devem ser observadas quando o Judiciário é invocado para o exame de políticas públicas, pois o excesso de judicialização das políticas públicas tem levado a uma não concretização das regras e princípios estampados na Constituição da República, seja porque o juiz não tem conhecimento técnico para escolher a política mais adequada, seja porque há invasão indevida no controle orçamentário ou ainda, e em especial, porque implica em conceder um privilégio ao autor da ação em detrimento da generalidade das pessoas (argumento que fica minorado quando se trata de ação coletiva).

Ao discorrer sobre o tema, Luís Roberto Barroso aborda o ponto crucial do debate:

Alguém poderia supor, a um primeiro lance de vista, que se está diante de uma colisão de valores ou de interesses que contrapõe, de um lado, o direito à vida e à saúde e, de outro, a separação de Poderes, os princípios orçamentários e a reserva do possível. A realidade, contudo, é mais dramática. O que está em jogo, na complexa ponderação aqui analisada, é o direito à vida e à saúde de uns versus o direito à vida e à saúde de outros. Não há solução juridicamente fácil nem moralmente simples nessa questão. [02]

Desta forma, as políticas públicas precisam ser estudadas coletivamente, com base no controle democrático e dialógico da administração, por intermédio, v.g., de audiências públicas, locus que permite a participação da sociedade na decisão mais adequada, a exigir, inclusive, que o cidadão seja mais proativo e protagonista (menos passivo e súdito) do Estado Constitucional Democrático, conforme preconiza o princípio da participação [03]. A mesma perspectiva é trazida por Peter Häberle, que apregoa uma mudança de postura do Estado frente ao cidadão, com a pluralização da hermenêutica constitucional e a incorporação ao sistema jurídico de uma sociedade aberta dos intérpretes da constituição [04]. Tal posicionamento levou o Supremo Tribunal Federal a promover audiência pública a fim de subsidiar o posicionamento a ser seguido pela Corte sobre o controle judicial das políticas públicas de saúde e a concessão de medicamentos. [05]

De qualquer forma, o próprio STF já trouxe alguns balizamentos para as ações desta natureza, quando da análise da ADPF 45. [06] Tal decisão permite o excepcional controle pelo Judiciário da omissão estatal relacionada às políticas públicas. Tal exame, contudo, não pode ser ilimitado, vinculado que está, pois, à situação apresentada em Juízo.

Mais recentemente, o STF sufragou a possibilidade do controle judicial das políticas públicas:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SEGURANÇA PÚBLICA. LEGITIMIDADE. INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. OMISSÃO ADMINISTRATIVA. 1. O Ministério Público detém capacidade postulatória não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos [artigo 129, I e III, da CB/88]. Precedentes. 2. O Supremo fixou entendimento no sentido de que é função institucional do Poder Judiciário determinar a implantação de políticas públicas quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. [grifado]

(RE 367432 AgR/PR, Relator Min. EROS GRAU, j. 20/04/2010, Segunda Turma, DJe- 13-05-2010 )

DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO A SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido. [grifado]

(AI 734487 AgR/PR, Relatora Min. ELLEN GRACIE, j. 03/08/2010, Segunda Turma, DJe-154 19-08-2010)

Assim, cabe ao magistrado verificar se há abusividade negativa decorrente da inércia estatal na implementação do direito social, já que existe o dever estatal de estabelecer um standard mínimo a fim de satisfazer as normas constitucionais. Neste contexto, na ação em que se postula o fornecimento de medicamento, exige-se do juiz a verificação do cumprimento daquele standard mínimo, ou seja, se a tabela do SUS ou relação de dispensação é suficiente para o cumprimento e observância da norma constitucional. Caso contrário, ficará conferida à via judicial a coerção estatal à prestação material positiva.

Importa lembrar ainda que os direitos sociais previstos na Constituição, nas palavras de Clémerson Merlin Cléve, são "direitos de satisfação progressiva, cuja realização encontra-se estreitamente ligada ao PIB (Produto Interno Bruto) e, portanto, à riqueza do país. [...] Isso não significa dizer que possam ser considerados como meras normas de eficácia diferida, programática, limitada. Certamente não. São direitos que produzem, pelos simples reconhecimento constitucional, uma eficácia mínima. [...] Ora, referidos direitos criam, desde logo, também, posições jurídico-subjetivas positivas de vantagem (embora limitadas)." [07]

Em verdade, a despeito da sua previsão, o texto constitucional não estabelece um rol de prioridades no cumprimento dos direitos fundamentais sociais, razão pela qual a definição e a implementação de políticas públicas ensejam uma escolha trágica, já que a opção por uma levará ao prejuízo de outra política também contemplada constitucionalmente, ante a inexorável limitação fática e orçamentária [08].


2. O princípio da subsidiariedade e a hipossuficiência financeira.

De outro lado, nada obstante a recente crise econômica mundial, que implicou na maior intervenção do Estado na economia, parece que o princípio da subsidiariedade da ação estatal tem ganhado relevo nos últimos anos, seja em decorrência da impossibilidade fática de o Estado atuar em todos os setores da sociedade, ou ainda, porque há uma tendência pós-moderna a caminhar nesta trilha.

O próprio J. J. Gomes Canotilho aborda esta temática e menciona que "há alguns autores que avançam hoje a idéia de uma 'nova subsidiariedade' no campo da política de realização de direitos sociais, de 'auto-ajuda e auto-organização' no domínio da política de saúde". [09] Ou seja, preconiza-se a transferência aos particulares da realização de determinadas políticas públicas, a fim de reduzir o espaço de atuação do Estado. [10]

Nesta linha de entendimento, a atuação estatal é subsidiária ou supletiva, vale dizer, somente poderá existir condenação à entrega coativa de medicamentos quando o interessado não puder adquirir extrajudicialmente o remédio, por meios próprios, ou por intermédio de familiares. Ou seja, a Constituição também materializa o princípio da solidariedade, traduzido no objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (art. 3º I) ou na regra estampada no artigo 229, ao mencionar que "os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, valendo tal assertiva, obviamente, para o âmbito assistencial e da saúde.

Tal digressão é necessária para mencionar que o direito fundamental não absoluto à saúde prestada pelo Estado, nos termos dos arts. 6º e 196 da Constituição da República, somente pode ser exigido por quem comprovar a necessidade do auxílio, por encontrar-se em situação de hipossuficiência financeira.

Sobre o tema, vale transcrever o pensamento de George Marmelstein:

"Existe uma corrente doutrinária e jurisprudencial, a meu ver correta, que defende que somente aquelas pessoas em desvantagem social poderão exigir do Estado a prestação dos serviços que decorrem dos direitos econômicos, sociais e culturais (saúde, educação, moradia, alimentação etc). Nesse sentido, Paul Singer chega a defender que os direitos sociais são direitos condicionais: vigem apenas para quem depende deles para ter acesso à parcela da renda social, condição muitas vezes fundamental para sua sobrevivência física e social - e, portanto, para o exercício dos demais direitos.

Na verdade, todas as pessoas podem ser titulares dos direitos sociais. No entanto, o Estado somente pode ser obrigado a disponibilizar os serviços de saúde, educação, assistência social etc. para aqueles que não têm acesso a esses direitos por conta própria. Desse modo, apenas as pessoas que não podem pagar pelos serviços de saúde, de educação etc. podem, em dadas circunstâncias, exigir judicialmente o cumprimento da norma constitucional." [11]

No mesmo sentido é o entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet, ao mencionar que não há gratuidade à saúde e que entendimento contrário implicaria em desconsiderar equivocadamente o princípio da subsidiariedade "(inclusive no sentido de uma co-responsabilidade do indivíduo) e da necessidade de assegurar o máximo em prestações sociais ao máximo de pessoas, evitando, além disso, excluir - desnecessariamente - pessoas efetivamente carentes, impossibilitadas mesmo de contribuir para a manutenção de um plano de saúde privado, em detrimento de pessoas capazes de suprir, por seus próprios meios e de modo proporcional, suas necessidades, ainda que contribuam mediante o pagamento de impostos para o financiamento do sistema de saúde." [12]

Tal conclusão também advém da necessidade, cada vez mais crescente, de controlar os dispêndios públicos, lembrando-se, ainda, que os direitos não nascem em árvores, tal qual afirma Flávio Galdino [13].

Este posicionamento também não colide o princípio da vedação do retrocesso (ou efeito cliquet), pelo contrário, aperfeiçoa-o, permitindo evitar a chamada evolução regressiva nos institutos jurídicos, conforme alusão de Giorgio Del Vecchio [14].

O próprio Supremo Tribunal Federal também já entendeu que o fornecimento de medicamento somente é devido a pessoas sem recursos financeiros:

PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E DOENÇA MANÍACO-DEPRESSIVA CRÔNICA, COM EPISÓDIOS DE TENTATIVA DE SUICÍDIO - PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES - DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196) - PRECEDENTES (STF) - ABUSO DO DIREITO DE RECORRER - IMPOSIÇÃO DE MULTA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA.

[...] DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR.

- O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. [...] [grifado]

(STF, RE-AgR Processo 393175/RS, 2ª Turma, Relator CELSO DE MELLO, j. 12.12.2006, DJ 02-02-2007)

Feitas essas considerações, pode-se concluir que é indispensável a comprovação da hipossuficiência do autor da ação ou do destinatário do medicamento, na hipótese de ação coletiva deflagrada pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública.

Preenchido o requisito da ausência de condições financeiras, admite-se a hipótese excepcional de fornecimento coativo de medicamentos, desde que estejam comprovados os seguintes critérios:

1) essencialidade: o medicamento deve ser essencial ao destinatário e indispensável para a manutenção da sua vida;

2) o fármaco não pode estar em fase experimental, ter eficácia duvidosa ou para uso em terapia alternativa não comprovada;

3) deve-se optar pelo medicamento genérico ou correlato, de menor valor ou de eficácia semelhante já fornecido pelo SUS;

4) a substância deve estar disponível no mercado nacional;

Tais exigências, não exaustivas, devem ficar robustamente demonstradas para a obtenção de decisão favorável.

Em princípio, deve-se exigir prova pericial para a comprovação dos pressupostos acima apresentados, ressalvada a hipótese de prova documental suficiente ao entendimento do Juízo.

Na hipótese de condenação, é importante a fixação de parâmetros da execução da sentença, pois, em princípio, caberia ao próprio agente do órgão fornecedor ou, em especial, ao médico vinculado ao SUS promover, regular e periodicamente, uma consulta para análise do real estado de saúde do paciente, a fim de constatar, no transcurso de certo espaço de tempo, se ainda persistem os sintomas que ensejam o uso da medicação cuja entrega foi determinada judicialmente.

Ou seja, os profissionais médicos do SUS também serão responsáveis pela execução de sentença, devendo, com base nos postulados fixados na medicina avaliar regularmente, com razoabilidade, o quadro clínico do paciente, exigindo, inclusive, receita médica do médico assistente.

Em resumo, há definitividade na sentença e a alteração do tratamento deve ser comprovada, de forma robusta, por ordem fundamentada de profissional da área médica.


Conclusão.

Doutrina e jurisprudência sufragaram o entendimento da inexistência de direitos absolutos no sistema jurídico. [15] Assim, as diretrizes fixadas nos arts. 6º e 196 da Constituição da República não conferem direito ilimitado ao cidadão de postular o recebimento de medicamento do Estado, pois o dever estatal somente se estabelece diante da comprovação específica da: (a) hipossuficiência financeira do destinatário; (b) demonstração da essencialidade do fármaco; (c) eficácia induvidosa do remédio para o fim a que é destinado.


Obras consultadas.

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha. Critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2 ed., 2010.

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 4 ed, 2009.

BARCELOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Revista de Direito Administrativo, abril/junho 2005.

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil), Revista de Direito Administrativo, abril/junho 2005.

______________. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Disponível em <http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/medicamentos.pdf>. Acesso em 23 dez. 2010.

BRASIL. Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em 23.12.2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45, Relator Min. CELSO DE MELLO, julgado em 29/04/2004, DJ 04-05-2004.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

CASSESE, Sabino. La crisis del Estado. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2003.

CLÉVE, Clémerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 54, 2006.

FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. Malheiros: SP, 3 ed., 2004.

JULIOS-CAMPUZANO, Alfonso de. Constitucionalismo em tempos de globalização. Trad. José Luis Bolzan de Moraes, Valéria Ribas do Nascimento. Porto alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. (tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997, reimpressão 2007.

_________. Pluralismo y Constitución. Estudios de teoría constitucional de la sociedad abierta. Trad. Emilio Mikunda-Franco. Madrid: Editorial Tecnos, 2008.

MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008.

MORAES, José Luis Bolzan de. As crises do estado e da constituição e a transformação espacial dos direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo. A invasão da Constituição, São Paulo: Método, 2008.

NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra: Coimbra Editora, 2006.

SARLET, Ingo Wolfgang.Os direitos fundamentais, sua dimensão organizatória e procedimental e o direito à saúde: algumas aproximações. Revista de Processo, n. 175, 2009.

GALDINO, Flávio. Introdução à teoria dos custos dos direitos - direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005.

VECCHIO, Giorgio Del. Evolução e involução no sistema jurídico. Belo Horizonte: Líder, 2005.


Notas

  1. Sobre o tema é interessante observar os seguintes trabalhos: MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo. A invasão da Constituição, São Paulo: Método, 2008; BARCELOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Revista de Direito Administrativo, abril/junho 2005 e; BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil), Revista de Direito Administrativo, abril/junho 2005.
  2. Disponível em <http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/medicamentos.pdf>. Acesso em 22 dez. 2010.
  3. Sobre o princípio da participação vide Juarez Freitas. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. Malheiros: SP, 3 ed., 2004, pp. 17, 28, 87.
  4. A contribuição de Peter Häberle pluralizou o debate sobre o direito constitucional brasileiro, popularizando o Supremo Tribunal Federal, que já promoveu inúmeras audiências públicas com a finalidade de permitir a intervenção da sociedade em processos submetidos à sua apreciação. O trabalho de Peter Häberle pode ser conferido em: Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997, reimpressão 2007 e Pluralismo y Constitución. Estudios de teoría constitucional de la sociedad abierta. Trad. Emilio Mikunda-Franco. Madrid: Editorial Tecnos, 2008.
  5. A Audiência Pública foi convocada pelo então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes. Na ocasião, foram ouvidos 50 especialistas, entre advogados, defensores públicos, promotores e procuradores de justiça, magistrados, professores, médicos, técnicos de saúde, gestores e usuários do sistema único de saúde, nos dias 27, 28 e 29 de abril, e 4, 6 e 7 de maio de 2009. Os esclarecimentos prestados pela sociedade na Audiência Pública balizaram o julgamento dos processos de competência da Presidência que versavam sobre o direito à saúde, destacando-se os Agravos Regimentais nas Suspensões de Liminares nºs 47 e 64, nas Suspensões de Tutela Antecipada nºs 36, 185, 211 e 278, e nas Suspensões de Segurança nºs 2361, 2944, 3345 e 3355.
  6. A decisão, ainda que monocrática, reflete significativo entendimento materializado, resumidamente, nos seguintes fundamentos:
  7. ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).

    [...]

    Não obstante a superveniência desse fato juridicamente relevante, capaz de fazer instaurar situação de prejudicialidade da presente argüição de descumprimento de preceito fundamental, não posso deixar de reconhecer que a ação constitucional em referência, considerado o contexto em exame, qualifica-se como instrumento idôneo e apto a viabilizar a concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto da Carta Política, tal como sucede no caso (EC 29/2000), venham a ser descumpridas, total ou parcialmente, pelas instâncias governamentais destinatárias do comando inscrito na própria Constituição da República.

    Essa eminente atribuição conferida ao Supremo Tribunal Federal põe em evidência, de modo particularmente expressivo, a dimensão política da jurisdição constitucional conferida a esta Corte, que não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais - que se identificam, enquanto direitos de segunda geração, com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO) -, sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da Constituição, comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional:

    "DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO.

    O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.

    Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.

    A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental." (RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

    É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.

    Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático.

    Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante já proclamou esta Suprema Corte - que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política "não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado" (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

    Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à "reserva do possível" (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, "The Cost of Rights", 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.

    É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.

    [...]

    Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da "reserva do possível", ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas.

    Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos.

    Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.

    [...]

    Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional.

    No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais.

    A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais a prestações materiais depende, naturalmente, dos recursos públicos disponíveis; normalmente, há uma delegação constitucional para o legislador concretizar o conteúdo desses direitos. Muitos autores entendem que seria ilegítima a conformação desse conteúdo pelo Poder Judiciário, por atentar contra o princípio da Separação dos Poderes (...). Muitos autores e juízes não aceitam, até hoje, uma obrigação do Estado de prover diretamente uma prestação a cada pessoa necessitada de alguma atividade de atendimento médico, ensino, de moradia ou alimentação. Nem a doutrina nem a jurisprudência têm percebido o alcance das normas constitucionais programáticas sobre direitos sociais, nem lhes dado aplicação adequada como princípios-condição da justiça social.

  8. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 54, 2006, p. 34/37.
  9. AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha. Critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2 ed., 2010.
  10. Estudos sobre direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 111/112.
  11. Há vários trabalhos jurídicos que abordam a crise do Estado, destacando-se: CASSESE, Sabino. La crisis del Estado. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2003; JULIOS-CAMPUZANO, Alfonso de. Constitucionalismo em tempos de globalização. Trad. José Luis Bolzan de Moraes, Valéria Ribas do Nascimento. Porto alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009 e MORAES, José Luis Bolzan de. As crises do estado e da constituição e a transformação espacial dos direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
  12. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008, p. 219.
  13. Os direitos fundamentais, sua dimensão organizatória e procedimental e o direito à saúde: algumas aproximações. Revista de Processo, n. 175, 2009, p. 30.
  14. Introdução à teoria dos custos dos direitos - direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005.
  15. Evolução e involução no sistema jurídico. Belo Horizonte: Líder, 2005, p. 09.
  16. Na doutrina menciona-se, v.g., Robert Alexy. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 276 e seguintes; Jorge Reis Novais, Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 49 e José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 4 ed, 2009, p. 265. O mesmo posicionamento também é adotado pelo Supremo Tribunal Federal, e.g., HC 93250/MS, Segunda Turma, Relatora Min. ELLEN GRACIE, j. 10/06/2008, DJe-117 26-06-2008; RE 455283 AgR/RR, Segunda Turma, Relator Min. EROS GRAU, j. 28/03/2006, DJ 05-05-2006, p. 39 e ADI 2566 MC/DF, Tribunal Pleno, Relator Min. SYDNEY SANCHES, j. 22/05/2002, DJ 27-02-2004, p. 20.

Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHULZE, Clenio Jair. Parâmetros para o controle judicial do fornecimento de medicamentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2765, 26 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18357. Acesso em: 19 abr. 2024.