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Judicialização razoável como meio de efetivar o acesso à saúde

Judicialização razoável como meio de efetivar o acesso à saúde

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Deve-se expungir tanto os argumentos radicais que pregam a mitigação absoluta da tutela jurisdicional da saúde, quanto os que defendem a “judicialização excessiva”, que tende a totalizar a microjustiça e amesquinhar a macrojustiça.

Toda riqueza futura depende do trabalho atual e, mais do que os bens terrenos, ele vos levará à gloriosa elevação. É então que, entendendo a lei do amor que une todos os seres, encontrareis os suaves prazeres da alma, que são o início das alegrias celestes. (Allan Kardec)


RESUMO

O presente trabalho aborda a tutela jurisdicional da saúde, os excessos dela decorrentes e a utilização de parâmetros razoáveis para a atuação do Poder Judiciário na solução das lides sanitárias. Inicia-se com a exposição preliminar do Direito à Saúde (Direito Sanitário), discorrendo-se sobre a sua inserção no âmbito dos Direitos Fundamentais e a sua evolução no ordenamento jurídico pátrio, estabelecendo-se ao fim a sua síntese conceitual. Em seguida, explicita a origem, as regras, os princípios informativos e a estrutura funcional do Sistema Único de Saúde, bem como discute os problemas que o afligem e que refletem na dificuldade de acesso aos serviços sanitários. Feito isso, elenca os instrumentos processuais de tutela individual e coletiva do direito à saúde e declina as críticas apresentadas pela doutrina à sua judicialização. Evidencia também o confronto entre a macrojustiça e a microjustiça e, como possível atenuação para o problema, traz a lume os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, aplicados ao Direito Processual na promoção do direito à saúde. Uma vez comentados e contextualizados tais princípios, extrai e discute alguns parâmetros estabelecidos pela doutrina com a finalidade de auxiliar o magistrado no momento de ponderar os princípios do Mínimo Existencial e da Reserva do Possível e solucionar a lide sanitária posta sob sua apreciação de maneira a provocar o menor prejuízo possível tanto ao interesse público quanto ao paciente litigante.

Palavras-chave: Direito à Saúde. Judicialização. Reserva do Possível. Mínimo Existencial. Microjustiça. Macrojustiça. Razoabilidade. Proporcionalidade.


1. INTRODUÇÃO

O tema a ser discutido neste trabalho deriva de uma polêmica que surgiu após a Constituição Federal de 1988 e que tomou dimensões vultosas na primeira década do milênio que se inicia. Trata-se, a priori, de uma espécie da categoria temática denominada “controle judicial dos direitos a prestações” ou “judicialização dos direitos sociais”. O termo “judicialização” é um neologismo empregado para traduzir a efetivação em concreto dos direitos sociais através da tutela jurisdicional. Em outras palavras, quando os demais “poderes” estatais são omissos, lenientes, ou, de qualquer maneira, falhos em garantir os direitos elencados no texto constitucional – os quais geram obrigações positivas – o cidadão prejudicado socorre-se do Poder Judiciário para força-los a cumprir os seus deveres. É forçoso perceber que o fenômeno do controle judicial das políticas públicas prestacionais deveria ser uma exceção. Mas não é, ao contrário, tem se tornado prática reiterada demandar judicialmente os entes públicos para exigir a prestação de serviços ou o acesso a algum direito social obstado pela própria inação estatal ou pela falta de normas que o regulamente. Tais exigências resultam nos milhares de processos que assoberbam a Justiça Comum. A esta crescente multiplicação processual a doutrina batizou de “judicialização”. Malgrado não esteja tombado na maioria dos dicionários, o termo em comento já vem sendo utilizado em diversos artigos e obras especializadas, não constituindo o seu uso um atentado ao nível culto-formal de linguagem utilizado nos trabalhos acadêmicos.

O fenômeno da judicialização atinge todo o grupo dos direitos sociais. Todavia, afeta com mais intensidade os direitos e garantias atinentes à saúde. Tramitam nos juízos estaduais e nas varas federais milhares de demandas nas quais se pleiteia a entrega de medicamentos e a realização de exames ou de intervenções cirúrgicas. Além disso, centenas de decisões e sentenças são prolatadas condenando o Estado a fornecer medicamentos caros, a arcar com tratamentos no exterior, dentre outras disposições abusivas que comprometem o orçamento dos entes federativos. É o que a doutrina denominou de “judicialização excessiva”.

As opiniões tanto no seio dos tribunais quanto no âmago da doutrina se dividem. Ora se afirma que a “judicialização” não é excessiva e que os direitos fundamentais não podem sofrer qualquer forma de mitigação. Ora se afirma que a saúde não é direito absoluto e que a sua garantia desenfreada através dos pleitos jurisdicionais é um perigo à paz social. O que fazer? As mais variadas soluções são encontradas na doutrina, mas nenhuma delas pode ser considerada como paradigma universal para o fim dos embates principiológicos que permeiam o tema.

Este trabalho não ousará ter a pretensão de resolver o problema. Apenas propõe acrescentar mais uma sugestão ao aplicador do Direito no momento de solucionar um conflito que envolver a saúde.

Para atingir tal propósito, esclarecimentos se fazem necessários. Assim sendo, não se pode falar em “judicialização da saúde” sem abordar o próprio direito à saúde, também chamado de direito sanitário. É o que será feito no decorrer do primeiro capítulo.

De nada adianta abordar o surgimento do direito à saúde, a sua evolução dentro dos direitos fundamentais e o seu conceito se não for analisado, com bastante cautela, o Sistema Único de Saúde (SUS). A compreensão das diretrizes e princípios que o regem, bem como da sua estrutura funcional é de suma importância para o conhecimento das causas do controle judicial – excessivo – do referido direito. Disso tratará o segundo capítulo.

Também não é de bom alvitre entrar no mérito do tema sem declinar os instrumentos processuais utilizados para a promoção do acesso à saúde através da invocação da tutela jurisdicional. Uma vez esclarecidas as dúvidas preliminares que cercam a temática em estudo, deve-se expor os motivos de a doutrina afirmar que a “judicialização” da saúde é excessiva. Devem ser explicitados também os conflitos principiológicos que polemizam a questão e, uma vez demonstrada a complexidade e a dificuldade de solução para o problema, será proposta uma “solução” alternativa. Esta, conforme se verá, terá lastro na razoabilidade e na proporcionalidade, e se expressará em parâmetros de atuação para o magistrado. Eis a “judicialização” razoável, como meio de tornar efetivo o acesso à saúde.


2. DO DIREITO SANITÁRIO

2.1. Direito à Saúde no Âmbito dos Direitos Fundamentais

Não se concebe a existência do homem, enquanto ser dotado de vitalidade, sem que estejam presentes os meios que contribuem para a sua manutenção. Em outros termos, é despicienda a vida sem a sanidade que lhe deve ser inerente. Para alcançar esta constatação, as sociedades percorreram um longo caminho de retrocessos e avanços que resultaram no que modernamente se concebe por Direitos Fundamentais, conhecidos, na órbita do jus gentium, por Direitos Humanos.

A raiz dos direitos naturais encontra-se no ideal de justiça, o qual não é uma novidade moderna. Ao revés, remonta à Babilônia, mais precisamente ao Código de Hamurabi, elaborado durante o governo do rei Hamurabi, em aproximadamente 1700 a. C., quando prescrevia, dentre as suas quase 282 leis e cerca de 3600 linhas[1], na Lei de Talião, que para cada ato ilícito praticado corresponderia punição da mesma natureza, com a mesma intensidade, para o seu autor. A expressão ‘’olho por olho, dente por dente’’, prevista na lei de nº 196[2], sintetiza o espírito da lex talionis. Pode parecer simplória tal ilação, mas, refletindo acerca da aplicabilidade das normas contidas no vetusto código, nota-se que naquela época já havia a preocupação com a defesa de bens jurídicos primordiais como a vida, a integridade física, a liberdade, a igualdade formal e a propriedade.

Reputa-se igualmente como fonte dos direitos do homem a noção de democracia. Esta, assim como o ideal de justiça, proporciona ao leitor uma viagem ao passado. Com mais exatidão, ao período arcaico[3] das civilizações da Grécia Antiga, no qual foram construídas cidades-estado, a exemplo de Atenas[4]. Malgrado a democracia existente nesse período histórico tenha se caracterizado pelo predomínio da classe sócio-econômica oligárquica (eupátridas – representados pelo partido Pediano) e, em menor expressão, da classe dos comerciantes (georgóis – representados pelo partido Paraliano), percebia-se que naquele tempo os detentores da cidadania[5] (excluídos os estrangeiros, as mulheres e escravos) exerciam o poder político diretamente, nas reuniões da Eclésia (assembléia popular composta por seis mil membros de todas as classes sociais atenienses), e indiretamente, deliberando acerca das diretrizes normativas propostas pela Bulé (corporação legislativa).

Não obstante os direitos naturais tenham origem remota nas civilizações situadas entre os rios Tigre e Eufrates, e nas do ocidente antigo, verifica a historiografia que foi na Baixa Idade Média européia e na Idade Moderna que se construíram os alicerces do que hoje a doutrina constitucionalista chama de Direitos Fundamentais de Primeira Dimensão. O primeiro documento normativo a tratar das liberdades públicas foi a Magna Carta inglesa, de 1215, a qual, conforme Albert Noblet, citado por José Afonso da Silva[6],

longe de ser a Carta das liberdades nacionais, é, sobretudo, uma carta feudal, feita para proteger os interesses dos barões e dos direitos dos homens livres. Ora, os homens livres, nesse tempo, ainda eram tão poucos que podiam contar-se, e nada de novo se fazia a favor dos que não eram livres.

Além da Magna Carta, a doutrina enumera outros textos normativos oriundos do Common Law. O primeiro é a Petition of Rights, de 1628, que consiste num ‘’documento dirigido ao monarca, em que os membros do Parlamento de então, pediram o reconhecimento de diversos direitos e liberdades para os súditos de sua majestade’’[7]. Nota-se que apesar de esta petição exigir a observância dos direitos e liberdades já reconhecidos pela Magna Carta, os seus mandamentos ainda não eram respeitados pelas autoridades monárquicas. Em 1679, um importante passo rumo à contensão do arbítrio absolutista foi dado com a promulgação do Habeas Corpus Act, o qual suprimia a prerrogativa das autoridades de efetuar prisões arbitrárias.

A mais importante das cartas inglesas, porém, foi a Declaração de Direitos (Bill of Rights), de 1688 ‘’que decorreu da Revolução de 1688, pela qual se firmara a supremacia do Parlamento (...). Daí surge, para a Inglaterra, a monarquia constitucional, submetida à soberania popular (...)’’[8].

Os movimentos revolucionários que abalaram a metrópole inglesa refletiram nas suas 13 colônias situadas no continente americano, concretizando-se nos documentos legislativos promulgados na Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, de 12.01.1776, na Declaração de Independência, de 04.07.1776 e na Constituição da Filadélfia (de 17.09.1787), após as suas 10 primeiras emendas, aprovadas em 1791[9].

Em que pese tenham as declarações de direitos, positivadas nos documentos normativos supradescritos, oriundos do sistema common Law, curial importância para a consolidação dos Direitos Subjetivos Públicos, ou Direitos Fundamentais de 1ª Dimensão, as mesmas tinham caráter concreto, limitado aos povos daquelas respectivas nações[10]. Diferente dessas, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, originada na Assembléia Constituinte francesa, em 1789 (na primeira fase da Revolução Francesa), tinha caráter abstrato, posto que visava à proteção dos direitos fundamentais do ser humano.

Os Direitos Fundamentais de Primeira Dimensão dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos. Materializam-se no rol numerus apertus de direitos concernentes à liberdade de ir e vir, de expressão, de crença, de informação e de imprensa, à proteção da vida privada e da intimidade, da imagem e da honra (subjetiva e objetiva), ao devido processo legal, ao juiz natural, ao contraditório e à ampla defesa, o direito ao sufrágio, à livre organização partidária, dentre outros apontados pela doutrina civilista.

 Consolidadas as liberdades formais nos séculos XVIII e XIX, iniciou-se a era dos Estados Liberais burgueses, nos quais ao poder público cabia a manutenção da ordem e da liberdade, tendo atribuições meramente negativas, de caráter absenteísta. Como bem afirma José Afonso da Silva:

O indivíduo era uma abstração. O homem era considerado sem levar em conta a sua inserção em grupos, família ou vida econômica. Surgia, assim, o cidadão como um ente desvinculado da realidade da vida. Estabelecia-se igualdade abstrata entre os homens, visto que deles se despojavam as circunstâncias que marcam suas diferenças no plano social e vital. Por isso, o Estado teria que abster-se. Apenas deveria vigiar, ser simplesmente gendarme.[11]

Em face da ausência do Estado no controle das relações sociais, assolava a miséria, a exploração do trabalho feminino e infantil, havendo jornadas de até 16 horas, não havendo direito a descanso, proteção contra a insalubridade e a periculosidade, sem contar com a ínfima remuneração que era oferecida à massa proletária. Tudo isso fez surgir teorias que pugnavam por um Estado mais presente, dotado de obrigações positivas. As primeiras obras a abordar tal necessidade foram as dos socialistas utópicos, cujos nomes mais expressivos foram Saint-Simon, Fourier, Louis Banc e Owen. Em seguida, vieram os socialistas científicos Karl Marx e Friedrich Engels, em sua obra prima Manifesto do Partido Comunista, além de títulos como O Capital e A Ideologia Alemã.

Politicamente, ocorreram importantes eventos na Europa que fizeram surgir o que na primeira metade do século XX denominou-se de Welfare state. O pioneiro foi a Revolução de 1848, em Paris, em cuja constituição (que teve breve existência) foi reconhecido o direito do trabalho. Todavia, os divisores de água ocorreram na primeira metade do século XX. O primeiro deles foi a Revolução Mexicana de 1917, a qual,por primeiro, sistematizara o conjunto dos direitos sociais do homem, restrita, no entanto, ao critério de participação estatal na ordem econômica e social, sem romper, assim, em definitivo, com o regime capitalista[12].

Em 1919, houve a promulgação da Constituição de Weimar, a qual reconheceu em seu livro intitulado Direitos e Deveres Fundamentais dos Alemães os direitos sociais.

A mais importante de todas foi a Revolução Bolchevique, de outubro de 1917, a qual rompeu em definitivo com a ordem capitalista, instaurando um regime político no qual eram evidenciados os direitos sociais e econômicos. Tão importante quanto a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, aprovada em 1918, durante o governo de Vladimir Ilyitch Ulianov (Lenin), a qual não se limitara a reconhecer direitos econômicos e sociais, dentro do regime capitalista, mas a realizar uma nova concepção de sociedade e do Estado, e também, uma nova idéia de direito, que buscasse libertar o homem, de uma vez por todas, de qualquer forma de opressão.

A partir de então, passaram a integrar os textos das constituições que sucederam os Direitos Fundamentais de Segunda Dimensão, também chamados de Direitos Sociais e Econômicos. São exemplos: os direitos concernentes à relação do trabalho, à organização sindical, à previdência social, à moradia, à educação, ao lazer, ao desporto, à proteção à maternidade e à infância e o direito sanitário. Estes geram obrigações positivas aos poderes públicos, devendo estes intervir para evitar a exploração da mão-de-obra e as iniqüidades dela decorrentes. Tais direitos possuem três características essenciais: o fato de serem considerados como um rol exemplificativo (numerus apertus); o fato de gerarem obrigações onerosas para o erário, ou seja, sua implementação progressiva deve respeitar os limites orçamentários (reserva do possível, da qual trataremos amiúde)[13]; e, por fim, a irrenunciabilidade (também característica geral dos direitos fundamentais, conforme se verá ao fim deste tópico), que é atribuída com mais propriedade aos direitos decorrentes da relação de trabalho, mas que não deixa de caracterizar os demais direitos sociais.

O Direito à Saúde insere-se no rol desses direitos, na medida em que exige ações de cunho positivo (intervencionista) dos três poderes. No âmbito do poder legislativo há a obrigatoriedade da elaboração e aprovação de leis que estejam voltadas à proteção da integridade física e psíquica dos cidadãos. No que concerne à atuação do poder executivo, deve esta pautar-se pela execução de políticas públicas, pelo fornecimento de medicamentos, e, sobremodo, pela aplicação e regulamentação das leis elaboradas pelas corporações legislativas. Já a atuação do poder judiciário deve consistir na tutela jurisdicional do cidadão, ou do grupo de pessoas, que se sentir lesado, de alguma forma, em seu direito à saúde (seja em virtude da omissão dos demais poderes, seja pelos danos causados pelos serviços prestados pelos órgãos e entidades vinculadas ao poder executivo[14]).

No século XX, face às transformações ocorridas após o término da 2ª guerra mundial e, sobremodo, posteriormente ao término da disputa armamentista entre a União Soviética e os Estados Unidos surgiu a necessidade de tutelar direitos que ultrapassavam as necessidades do homem individualmente (seja tal tutela atinente à liberdade formal, seja concernente aos direitos e garantias de cunho protecionista). Desta feita, para adequar-se às novas necessidades de um mundo caracterizado pela interligação entre as comunidades e os povos, tornando internacionais problemas que antes ficavam restritos ao âmbito local, surgiu uma nova classe de direitos: os Direitos Fundamentais de 3ª Dimensão. Estes dizem respeito à proteção do homem enquanto ser inserido em uma coletividade, não apenas em um grupo restrito, mas sim como parte integrante de uma massa populacional de interesses indivisíveis. São exemplos mais comuns os direitos do consumidor e o direito ao meio ambiente saudável.

Na medida em que o direito à saúde corresponde deste a necessidade de atendimento médico até a obrigação dos entes estatais de desenvolver políticas de proteção contra doenças, através de campanhas de conscientização acerca dos fatores que ameaçam a vida saudável, não em nível individual, mas coletivo em sentido amplo (difuso), pode-se inferir que se trata, também, de direito fundamental de 3ª dimensão.

O Direito Sanitário vai além. Imiscui-se nas novéis ciências biotecnológicas, seja através das leis que regulamentam a engenharia genética, seja pelas pesquisas que são desenvolvidas pelas universidades e centros especializados de estudo, seja, por fim, pela tutela jurisdicional dos biodireitos.  Posto isso, conclui-se que o direito à saúde adentra na novíssima 4ª dimensão dos direitos fundamentais[15].

Feitas as declinações acima, resta induvidoso que o direito à saúde, enquanto norma positivada no texto das constituições atualmente em vigor, inclusive na nossa (conforme se exporá no próximo item), é considerado um direito humano fundamental. Por conseguinte, é dotado das seguintes características: historicidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, imprescritibilidade, universalidade e limitabilidade[16].

A historicidade decorre do fato de os direitos fundamentais decorrerem da própria evolução da sociedade, não derivando da natureza humana ou de um atributo divino. Como afirma José Afonso da Silva, ‘’sua historicidade rechaça toda fundamentação baseada no direito natural, na essência do homem ou na natureza das coisas’’[17]. O direito à saúde, como direito fundamental de 2ª dimensão, surgiu no contexto das mudanças geopolíticas que originaram os direitos sociais e econômicos, sendo fruto das alterações sociológicas.

A inalienabilidade corresponde à indisponibilidade. Ou seja, ao fato de todo direito fundamental possuir caráter extra-patrimonial. Assim sendo, as normas de direito sanitário não podem jamais constituir objeto de transferência patrimonial.

A irrenunciabilidade atine ao fato de que não é possível ao ser humano renunciar a qualquer direito fundamental. Pode haver o não exercício do mesmo pelo seu titular, porém nunca a renúncia ao mesmo. Um exemplo relacionado ao direito à saúde pode ser apontado no art. 13, caput, do Código Civil. Neste dispositivo, veda-se a disposição do próprio corpo quando importar diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes, ressalvando-se o caso de exigência médica.

A imprescritibilidade significa que a exigibilidade de tais direitos não se extingue com o decorrer dos prazos estabelecidos na legislação para os direitos disponíveis. O direito de exigir do ente estatal a realização de um procedimento cirúrgico necessário à sobrevivência do paciente, por exemplo, não se extingue com o decorrer do tempo. Tal atributo não pertence a todos os direitos fundamentais, a exemplo da prescrição para a reparação aos direitos laborais violados[18].

A universalidade decorre do fato de serem destinados a todos os seres humanos, sem qualquer discriminação desarrazoada. Em outras palavras, são direitos oponíveis erga omnes, dos quais são titulares todos os indivíduos, independentemente da classe social, do sexo, da origem, da cor da pele ou de qualquer outro caractere discriminatório. O direito à saúde, sendo também a garantia de uma vida saudável, deve ser disponibilizado a todos os que dele necessitam, independentemente de terem recursos para se utilizarem dos serviços fornecidos supletivamente pela iniciativa privada.

Já a limitabilidade é decorrente da própria relatividade inerente a esses direitos. Ou seja, não absolutos, pois encontram seus limites nas demais garantias e direitos assegurados no ordenamento jurídico positivo. Tais limitações são de ordem financeira, consubstanciadas na reserva do possível, conforme se declinará mais adiante.

O direito à saúde insere-se, portanto, no rol de direitos a prestações, denominação dada por Robert Alexy[19], na sua Teoria dos Direitos Fundamentais. O professor alemão os conceitua como:

Todo direito a uma ação positiva, ou seja, a uma ação do Estado, é um direito a uma prestação. Nesse sentido, o conceito de direito a prestações é exatamente o oposto do conceito de direito de defesa, no qual se incluem todos os direitos a uma ação negativa, ou seja, a uma abstenção estatal.

Afirma ainda o referido autor que a expressão “direito a prestações” geralmente está associada à noção de um “direito a algo que o titular do direito poderia obter de outras pessoas privadas se dispusessem de meios financeiros suficientes e se houvesse no mercado uma oferta também suficiente[20]”. Além de prestações fáticas (e. g., atendimento médico gratuito), os direitos sociais abrangem igualmente as prestações normativas, ou seja, a criação de normas de cunho material e procedimental, as quais Alexy denomina de “normas organizacionais e procedimentais”.

Para fins didáticos, ele divide os direitos prestacionais em três grupos[21]: (1) direitos a proteção, (2) direitos a organização e procedimento, e (3) direitos a prestações em sentido estrito.

Os primeiros consistem nos “direitos do titular de direitos fundamentais em face do Estado a que este o proteja contra intervenções de terceiros[22]”, melhor explicitando, são “direitos constitucionais a que o Estado configure e aplique a ordem jurídica de uma determinada maneira no que diz respeito à relação dos sujeitos de direito de mesma hierarquia entre si[23]”. A saúde é citada como exemplo pelo autor, haja vista que impõe aos entes estatais a obrigação de realizar ações positivas com o fito de satisfazer as necessidades daqueles acometidos por enfermidades ou males crônicos, ou seja, a aplicar as normas existentes no ordenamento jurídico para proteger de forma isonômica os integrantes da relação jurídica existente entre o Estado prestador e o cidadão credor. Mais a frente, quando forem abordados os parâmetros de atuação do poder judiciário na tutela individual do direito à saúde, será explicitada mais detidamente a questão da “justiciabilidade” dos direitos prestacionais, tanto em sentido amplo quanto em sentido estrito.

No que tange aos direitos relacionados à organização e ao procedimento, explica Alexy que, a priori, existe certa dificuldade em estabelecer um elo entre os conceitos neles abarcados (organização e procedimento). Todavia, conforme elucida, a distinção entre eles não segue critérios técnicos, o que leva o estudioso à conclusão no sentido de que não é necessário tratá-los de forma distinta. Assim sendo, infere o professor da Universidade de Kiel que tais direitos

Podem ser tanto direitos à criação de determinadas normas procedimentais quanto a direitos a uma determinada ‘interpretação e aplicação concreta’ de normas procedimentais. (...). O direito a proteção jurídica efetiva (...) tem como destinatários os tribunais. De outra parte, os direitos a procedimentos que têm como objeto a criação de normas procedimentais, por serem direitos ao estabelecimento de normas, têm como destinatário o legislador.[24]

Por fim, os direitos a prestação em sentido estrito dizem respeito àqueles “do indivíduo em face do Estado”, ou seja, “a algo que se dispusesse de meios financeiros suficientes e se houvesse uma oferta suficiente no mercado, poderia também obter de particulares[25]”. Prossegue o autor, ao referir-se a tais direitos, afirmando que

É necessário diferenciar entre direitos a prestações previstos de forma expressa, (...), e direitos a prestação atribuídos por meio de interpretação. (...). A diferença entre os direitos a prestações expressamente garantidos e aqueles atribuídos por meio de interpretação é, sem dúvida, importante. Já no que diz respeito a seu conteúdo, sua estrutura e seus problemas, há uma ampla coincidência entre ambas as categorias. Isso justifica designar todos os direitos a prestações em sentido estrito como ‘direitos fundamentais sociais’ e, no interior da classe dos direitos fundamentais sociais, diferenciar entre aqueles expressamente garantidos e aqueles atribuídos por meio de interpretação.[26]

Os serviços de saúde, uma vez expressamente garantidos em nível normativo, geram a exigibilidade de sua concretização. Ou seja, uma vez presentes as normas regulamentadoras das ações e serviços sanitários, tem o Estado o dever de garanti-los a quem deles necessitar, podendo o cidadão lesado exigir o cumprimento da obrigação estatal em juízo. Amiúde, quando tratarmos da judicialização excessiva, retomaremos esta discussão.

2.2. Evolução no Direito Constitucional Brasileiro

Reiterando o que fora afirmado alhures, o direito à saúde surgiu no contexto histórico da crise do Estado Liberal, no qual eram garantidas apenas as liberdades formais, ou seja, os poderes públicos agiam apenas como mantenedores da ordem. Os direitos e garantias positivados nas constituições promulgadas – ou derrogadas – no século XIX visavam primordialmente a proteger o cidadão contra os abusos possivelmente praticados pelos agentes estatais.

No entanto, o indivíduo era visto como um ser isolado, habitante de uma bolha ideal, alheio à família, ao trabalho e às demais necessidades que pudessem concretizar as liberdades das quais formalmente ele era detentor. Tal visão, conforme os diversos acontecimentos históricos ocorridos no primeiro século da chamada Idade Contemporânea (que se iniciou com a Revolução Francesa), alterou-se na medida em que as constituições posteriores consagravam, ainda que de forma branda e tímida, direitos de cunho prestacional.

 Do pós-guerra até os dias atuais notou-se a progressiva elevação dos direitos sociais ao nível de direitos fundamentais prima facie (ou seja, de nível principiológico) e vinculantes[27], ou seja, capazes de gerar obrigação ao Estado e, por conseguinte, a possibilidade do cidadão de exigir a sua prestação diretamente (pelos órgãos ou entidades vinculadas ao poder executivo), ou a devida regulamentação das normas ditas programáticas por parte do poder legislativo.

O direito positivo brasileiro consagrou o direito à saúde de forma progressiva. É o que se observa quando se analisa os textos das constituições que vigoraram em nosso país.

A Constituição de 1824, primeira a vigorar após a conquista da independência política, consagrou a ideologia do Estado Liberal absenteísta, declarando em seu Título 8º, intitulado ‘’ Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros’’, os Direitos Fundamentais de 1ª Dimensão. Visava-se com tais direitos proteger, ao menos sob o ponto de vista formal, o indivíduo abstratamente considerado contra o arbítrio estatal. A práxis revelou, porém, que tais normas visavam a fortalecer os interesses (liberdades) das classes detentoras do poder político-econômico, deixando em total desamparo aqueles que não possuíam meios de acesso aos mesmos. Vale ainda lembrar que o nosso Estado Nacional surgiu em meio à economia escravocrata, na qual os escravos (oriundos das colônias africanas), que correspondiam a significativa parcela da população, não eram considerados sujeitos de direito, não disfrutando sequer das liberdades negativas já positivadas no texto da constituição monárquica.

Com o fim do império escravagista, após a insurreição política que resultou na queda do regime monárquico e na instauração da república oligárquica, alterou-se novamente a ordem constitucional, sendo promulgada em 24.02.1891. A primeira constituição republicana também não inovou no que tange à oferta de direitos fundamentais, limitando-se a consagrar as liberdades formais em seu ‘’Título V’’.

Um considerável avanço ocorreu na Constituição de 1934, a qual seguiu a esteira da Constituição do México de 1917 e da Constituição de Weimar, de 1919. Pela primeira vez em nossa história constitucional foram declarados, ainda que timidamente, os direitos de cunho social, no “Título IV”, denominado “Da ordem Econômica e Social”. Nos artigos 115 a 145 foram declarados alguns direitos concernentes à relação de trabalho (a exemplo da limitação da jornada de trabalho[28], do salário mínimo[29], das férias[30], dentre outros) e à segurança e medicina do trabalho, a exemplo do disposto no art. 121,§ 1º, alínea f[31].

Na Constituição de 1937, outorgada sob a égide do Estado Novo, os direitos sociais foram reconhecidos, porém a sua tutela sofria limitações. Exemplo disto era a vinculação dos sindicatos a órgãos estatais e a proibição absoluta do direito de greve. No que tange à saúde, esta foi garantida de forma reflexa, quando no art. 137, alíneas “k” a “n”[32], foram elencados alguns preceitos que informavam a segurança higiênico-sanitária da relação trabalhista e no inciso XXVII do art. 16, quando tratou da competência privativa da União de editar normas de defesa e proteção à saúde, em especial das crianças. Também no art. 18, quando elencou as competências legislativas dos estados-membros, em suas alíneas “c[33]” e “e[34]”.

A Constituição de 1946, que teve sua vigência durante o período histórico da “República Populista”, promoveu um maior fortalecimento dos direitos prestacionais, prevendo-os nos artigos 145 a 175. Todavia, limitava-se a garantir a saúde e a segurança higiênica do trabalhador, conforme se depreende da leitura do art. 157, inciso XIV[35]. Além de prever a medicina e a segurança das relações de trabalho, a constituição do pós-guerra mencionou a saúde nas competências da União – de estabelecer planos nacionais de educação e saúde[36] e de legislar sobre normas gerais de defesa e proteção da saúde[37] – dos Estados – legislando supletivamente[38].

De forma não muito diferente dispuseram a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional nº 01, de 1969, sendo a primeira formalmente promulgada e a última reconhecidamente outorgada durante o Regime Militar (1964 – 1988). Na redação original da Constituição de 1967 consta a previsão da higiene e da segurança do trabalho[39], bem como da assistência hospitalar, sanitária e médica preventiva[40]. A nova redação oriunda da E. C. nº 01/1969 não divergiu da anterior, elencando a garantia abstrata à segurança no trabalho e à assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva no art. 165, incisos X e XV.

O que se observou nas constituições que sucederam a Constituição de 1934 foi uma relativa estagnação, haja vista que os Direitos Fundamentais de 2ª Dimensão ficavam adstritos aos direitos concernentes à relação de trabalho, à medicina e à segurança laborais e às normas regentes de cunho previdenciário. Não houve nesses textos magnos o reconhecimento da saúde como um direito primordial do ser humano, o que somente ocorreu com a Constituição de 1988.

Foi com a atual Lex Maxima que houve a preocupação do Estado em garantir, regulamentar e obrigar os entes públicos a executar políticas que visem a concretizar o Direito Sanitário. Para tanto, reconheceu a saúde como direito social, em seu artigo 6º, elevando-a ao nível normativo hierárquico supremo de cláusula pétrea, no art. 60, § 4º[41]. Não apenas realizou tal declaração como elencou na “Seção II” (constante do Título VIII, Capítulo II, arts. 196 a 200) os princípios informativos e as normas instituidoras do Sistema Único de Saúde, estabelecendo diretrizes para o legislador ordinário e para os órgãos e pessoas jurídicas de Direito Público.

Mais adiante, serão abordados de forma mais detalhada a criação do Sistema Único de Saúde, seus princípios básicos e a sua estrutura. No entanto, antes de tecer tais comentários, considera-se de extrema importância consolidar o conceito e a autonomia didática do Direito Sanitário.

2.3. Conceito de Direito Sanitário

Nos tópicos pretéritos, o Direito à Saúde (ou Direito Sanitário) foi analisado sob o ponto de vista da sua inserção no âmbito dos Direitos Fundamentais. Para tanto, considerou-se importante tecer as considerações elucidativas necessárias para tornar mais nítida a noção da saúde como um direito essencial à dignidade humana, tendo a sua tutela primária no texto constitucional. Em seguida, foi abordada a evolução deste direito no ordenamento jurídico pátrio, elencando-se desde a completa omissão por parte do legislador constituinte de 1824 até a sua elevação ao nível de cláusula pétrea conferida pela Constituição Federal de 1988.

Pois bem, consolidadas as noções elementares, passar-se-á neste momento à conceituação do Direito à Saúde. Em primeiro plano, serão exibidos e comentados os conceitos genéricos dados pelas normas de direito internacional e pelas vigentes em nosso ordenamento jurídico. Em seguida, declinar-se-ão os conceitos formulados pela doutrina publicista. E, por fim, será feita uma síntese conceitual a ser utilizada como paradigma para as considerações feitas posteriormente neste trabalho.

No que tange às normas internacionais, as quais existem usualmente sob a forma de tratados e convenções[42], infere-se a priori que, dispondo sobre direitos humanos, uma vez aprovadas pelas Casas do Congresso Nacional, com o quórum mínimo de três quintos, elas integrarão o ordenamento jurídico pátrio com o status de norma constitucional[43]. Assim sendo, encontra-se nos Pactos dos Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Sociais, Culturais e Econômicos, de 1966[44], no art. 12, item 1, o conceito amplo de Direito à Saúde, considerado “direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental”. O art. 12, item 2, do mesmo documento, especifica as garantias dele decorrentes, quais sejam

(...) a) a diminuição da mortinalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento das crianças; b) a melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente; c) a prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças; d) a criação de condições que assegurem a todos a assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidades[45].

Conceito amplo também pode ser extraído do preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde, segundo o qual “saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de doenças ou enfermidades[46]”.

Pode-se inferir que os conceitos fornecidos pelos documentos internacionais alhures mencionados são de caráter excessivamente amplo e abstrato, os quais são tidos como ideais, haja vista a sua impossibilidade de concretização no plano fático. Todavia, em que pese não possam ser integralmente materializados, tais conceitos devem servir de paradigma para as ações dos entes e agentes públicos, e, por conseguinte, para os demais setores da sociedade.

Menos genérico e mais voltado para a sua execução prática é o conceito existente no art. 196 da nossa Constituição Republicana de 1988. Segundo este dispositivo.

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Nota-se que a Lex Fundamentallis estabelece o Direito à Saúde sob duas perspectivas: objetiva, quando estabelece que ele deverá ser garantido mediante a execução de políticas sociais e econômicas pelas pessoas jurídicas de direito público competentes – ou seja, direcionando-se ao Estado; e subjetiva, quando estabelece que o acesso ás ações e serviços sanitários deve ser universal e igualitário – direcionando-se às pessoas.

Pormenorizando a definição dada pela Lex Legum, a Lei nº 8.080/90, nas suas disposições gerais, preceitua que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado promover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício[47]”. Em seguida, tece maiores detalhes conceituais quando elenca os deveres do Estado, das pessoas, das empresas e da sociedade, nos seguintes termos:

Art. 2º. (...)

§ 1º. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

§ 2º. O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.

Art. 3º. A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País.

Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.

Encontra-se na doutrina uma infinidade de conceitos. Basicamente, pode-se dividir o Direito Sanitário em duas vertentes[48]: a primeira, tida como direito à saúde, ou seja, o direito subjetivo do indivíduo de exigir do Estado a realização de programas e ações que o protejam contra quaisquer males que possam ou venham atingir a sua integridade física e/ou mental; a segunda, propriamente denominada sob a alcunha Direito Sanitário, é encarada como direito da saúde pública, melhor dizendo, como

um conjunto de normas jurídicas que têm por objeto a promoção, prevenção e recuperação da saúde de todos os indivíduos que compõem o povo de determinado Estado, compreendendo, portanto, ambos os ramos tradicionais em  que se convencionou dividir o direito: o público e o privado[49].

Analisando o texto constitucional, Fábio Zambitte Ibrahim conclui que “a saúde é direito de todos e dever do Estado (art. 196 da CRFB/88), ou seja, independentemente de contribuição, qualquer pessoa tem o direito de obter o atendimento na rede pública de saúde[50]”. Salienta o autor que “mesmo a pessoa que, comprovadamente, possua meios para patrocinar seu próprio atendimento médico terá a rede pública como opção válida”, assim sendo, não pode Administração Pública se negar a atender uma pessoa, em virtude de a mesma possuir recursos financeiros suficientes para dispensá-lo.

Júlio César de Sá Rocha, citado por André Ramos Tavares, observa que

a conceituação da saúde deve ser entendida como algo presente: a concretização da sadia qualidade de vida. Uma vida com dignidade. Algo a ser continuamente afirmado diante da profunda miséria por que atravessa a maioria da nossa população. Consequentemente a discussão e a compreensão da saúde passa pela afirmação da cidadania plena e pela aplicabilidade dos dispositivos garantidores dos direitos sociais da Constituição Federal.[51]

Perlustrando os conceitos declinados acima, pode-se estabelecer uma síntese conceitual, utilizando como base a classificação feita por Robert Alexy dos direitos prestacionais. Desta feita, o Direito Sanitário (aqui designado também como Direito à Saúde em sentido amplo) consiste no direito fundamental do indivíduo à proteção da sua vida e da sua integridade física e mental, bem como o da coletividade à manutenção de um meio ambiente saudável, através da elaboração de normas que regulam o sistema de ações (a cargo, prioristicamente, do Poder Legislativo) e programas de execução obrigatória pelo Poder Executivo (e as pessoas jurídicas colaboradoras), os quais, se não realizados de forma universal e igualitária, poderão ser objeto de tutela jurisdicional.

O direito de acesso à saúde deve ser encarado sob as três perspectivas dos direitos prestacionais. Em outras palavras, engloba a proteção, a organização e o procedimento, bem como a prestação em sentido estrito. É direito protecionista em decorrência da sua finalidade precípua de pôr a vida (com a dignidade que lhe deve ser inerente) e a integridade física de todo cidadão a salvo de quaisquer males provocados por agentes físicos, químicos, biológicos e, em muitos casos, por eventos antrópicos. É organizacional e procedimental na medida em que todas as políticas de promoção do acesso à saúde têm como substrato de validade a Constituição, a lei e a norma infra-legal (decreto, resolução, portaria, et coetera). Além disso, tais ações orientam-se por metas, as quais são atingidas seguindo etapas, o que resulta em procedimentos operacionais. Ademais, as ações sanitárias são direitos prestacionais stricto sensu, já que devem ser oferecidas a todos, independentemente da riqueza pessoal do beneficiado.

Antes de finalizar este tópico, considera-se de curial importância tecer breves comentários acerca da ciência jurídica sanitária. Pois bem, o Direito Sanitário categoricamente enquadra-se no Direito Público, pois tutela interesses preponderantemente públicos (vida, integridade física e psíquica, bem-estar coletivo), regulando relações jurídicas pautadas pela subordinação do interesse estatal (promoção do acesso universal e igualitário à situação de completo bem-estar físico e mental de todos os indivíduos abstratamente) a qualquer interesse patrimonial privado e pelo primado da justiça distributiva[52]. Embora possua similitudes com o Direito Administrativo, por ter como princípios norteadores a supremacia e a indisponibilidade do interesse público, e com o Direito Previdenciário, em virtude de ter sido incluído, na ordem constitucional pretérita, na tutela do bem-estar dos contribuintes, trata-se de ciência autônoma, haja vista possuir princípios e leis próprias, as quais emanam de agentes e instituições que lhe são peculiares. Tal autonomia fica evidente quando no texto da atual Constituição Federal a saúde é tratada em seção distinta, inserida no capítulo que dispõe sobre a seguridade social (gênero do qual a saúde é espécie[53]). Ademais, o Direito Sanitário está incluído em algumas grades curriculares de cursos de pós-graduação e especialização stricto sensu, consistindo numa obsolescência acadêmica ministrar pormenorizadamente os seus institutos no bojo da ementa de disciplinas como Direito Previdenciário e Direito Constitucional.


3. Sistema Único de Saúde

3.1. Origem, Normatização Constitucional e Conceito

No capítulo anterior, observou-se que a realização de serviços assistenciais e profiláticos de saúde pelo Estado não foi uma inovação trazida pela ordem constitucional instituída com o texto magno de 1988. Ao revés, existiam no ordenamento jurídico pretérito normas regendo a prestação de tais serviços sanitários. Não obstante isso, tal oferta era limitada, não havendo nas Leis Federativas Máximas anteriores normas que impusessem às pessoas jurídicas estatais a obrigação de oferecer a todo cidadão a assistência médico-hospitalar integral. É justamente disso que tratará este tópico introdutório, abordando brevemente o panorama da saúde pública antes e após o advento da Constituição Federal de 1988. Além disso, declinar-se-ão as normas constitucionais regem o SUS.

Pois bem, a partir da Constituição de 1934, ingressaram no ordenamento jurídico brasileiro normas de proteção aos hipossuficientes, sobremaneira aos membros da classe operária.  Dentre as referidas garantias de caráter fundamental estavam a de assistência médica aos trabalhadores e a concernente à higiene e à medicina do trabalho.

Com fulcro nas garantias supramencionadas, foram criadas instituições (pessoas jurídicas) públicas e privadas com fins assistenciais.

As primeiras, em geral, destinavam-se a atender unicamente aos trabalhadores formais (contribuintes). Entretanto, as mesmas não prestavam tais serviços de forma integral, não conferindo aos seus beneficiados um atendimento de caráter complexo, tais como intervenções cirúrgicas de emergência. Ao revés, limitavam-se a serviços de odontologia, clínica-geral, pediatria, dentre outros de caráter ambulatorial[54]. Ou seja, os serviços de saúde prestados pelas pessoas jurídicas de direito público (e de direito privado criadas pelo Estado) eram pontuais e sem um substrato legislativo sólido, o que inviabilizava o acesso aos mesmos pela via judicial.

Os serviços públicos sanitários, em sua generalidade, estavam ou vinculados à previdência social, ou adstritos de forma desordenada a fundações e autarquias prestadoras de serviços específicos, os quais tinham uma eficácia protetiva limitada. O mesmo se pode afirmar em relação às ações preventivas (combate às endemias, mais especificamente), as quais eram realizadas de forma multifacetada por diversas entidades criadas pela União, pelos Estados e pelos Municípios. Dentre os exemplos podem ser mencionados o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), a Legião Brasileira de Assistência (LBA), a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), os diversos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP´s) – exempli gratia, Instituto de Previdência do Estado de Sergipe (IPES), ainda existente – e fundações como a FUNASA (Fundação Nacional de Saúde) e a FSESP (Fundação de Serviços de Saúde Pública).

Além das instituições públicas, havia as pessoas jurídicas de direito privado que prestavam serviços em caráter complementar. Estas atendiam ao público que não participava dos regimes contributivos da previdência social, ou seja, àqueles que ficavam à margem do proletariado – os desempregados e os hoje denominados portadores de necessidades especiais (os “inválidos”). Tais serviços, obviamente eram prestados a título de filantropia. Existiam tanto instituições nacionais quanto estrangeiras. Dentre as nacionais destacavam-se as Santas Casas de Misericórdia e as congregações religiosas, a exemplo dos dominicanos, camilianos, vicentinos, além dos grupos espíritas. Dentre as sociedades estrangeiras podem ser mencionadas as portuguesas, as espanholas e as francesas[55], as quais colaboravam para a assistência aos desamparados pelos serviços estatais.

Assim sendo, para ter acesso aos serviços de saúde, o cidadão não beneficiado pela assistência fornecida pela previdência social o faria ou como pagante, ou como indigente[56]. Tal panorama comprova o absenteísmo estatal na tutela do direito à saúde, certamente o mais importante dos direitos sociais.

Percebeu-se que tal modelo carente de ordenação estratégica gerava uma série de transtornos sociais, pois deixava a grande parcela da população (desempregados, subempregados, indigentes e deficientes físicos) excluída de qualquer amparo, seja na prevenção, seja no tratamento de doenças. Além disso, os parcos serviços oferecidos não possuíam uniformidade em seus objetivos – já que se orientavam por diretrizes desconexas – nem estavam sujeitas a normas emitidas por um órgão comum (ministério da saúde, nos dias atuais).

Com a finalidade de dar maior efetividade ao direito fundamental à saúde, os serviços e ações sanitários passaram a estar vinculados a uma única instituição jurídica, prevista originariamente no art. 198 da Constituição Federal de 1988: o Sistema Único de Saúde – SUS. O caput e os incisos deste artigo estabelecem o conceito e as diretrizes do SUS, assim dispondo:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III – participação da comunidade. (grifos do autor)

Os três primeiros parágrafos do referido artigo tratam do financiamento do SUS. O § 4º trata do combate às endemias, mais especificamente, dos agentes responsáveis por efetuá-lo e do ingresso deles por meio de processo seletivo público[57].

O art. 199 trata da possibilidade de a iniciativa privada atuar nos serviços de saúde, os quais possuem como regra geral, caráter suplementar ao próprio SUS, prevendo que “a assistência à saúde é livre à iniciativa privada”. Além disso, consoante preleciona o § 1º deste artigo, a participação de instituições privadas nas ações do SUS poderá ser complementar, mediante contrato de direito público ou convênio, devendo, quando assim atuar, estar sujeitas às diretrizes deste. Além disso, terão preferência as entidades filantrópicas e sem finalidade lucrativa. O que é defeso pelo texto magno, pelo que se depreende do § 2º do art. 199, é a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções a instituições privadas com fins lucrativos. Também é vedada pela CRFB/1988 a participação (direta ou indireta) de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde em nosso país, ressalvados os casos previstos na legislação ordinária.

O art. 200 da mesma Lei das Leis elenca as competências gerais do SUS, englobando normas de natureza puramente executiva. No entanto, na parte final do seu caput esclarece-se que o rol descrito nos incisos seguintes é exemplificativo, podendo outras atribuições ser criadas pelo legislador ordinário, o qual o fez posteriormente.

Tais normas, quando do início da vigência da atual Carta Federativa, possuíam aparentemente caráter programático, haja vista que obrigavam o Estado a concretizar direitos prestacionais concernentes à organização e ao procedimento relativo ao acesso à saúde. Todavia, após a promulgação das Leis nº 8.080/90 e 8.142/90, e de outras leis regulamentadores, tais comandos constitucionais obtiveram exeqüibilidade, tornando obrigatórias as providências concretas a cargo do poder executivo dos entes federados, podendo ser objeto de tutela judicial a sua não oferta a quem delas efetivamente necessitassem.

Observa-se, por conseguinte, que com o advento da atual Constituição o direito à saúde, além de ser elevado ao nível de direito social fundamental, é garantido por meio de um sistema de ações e políticas executivas denominado Sistema Único de Saúde. Este pode ser conceituado como uma “instituição jurídica criada pela Constituição Federal de 1988 para organizar as ações e os serviços de saúde no Brasil”[58]. Esta instituição indubitavelmente tem natureza jurídica de direito público e engloba serviços prestados por órgãos e entidades da administração direta e indireta de todos os entes federativos, os quais seguem diretrizes, possuem objetivos e se guiam por princípios comuns, os quais serão objeto de estudo do item que se segue.

3.2. Objetivos, Princípios Regentes e Diretrizes

Neste item serão expostos os princípios, os objetivos e as diretrizes que informam o SUS. A priori, serão analisados os previstos no texto constitucional. Em seguida, serão declinados os declarados nas leis orgânicas sanitárias, principalmente nas Leis nº 8.080/90 e nº 8.142/90. Antes de tais inferências, considera-se de bom alvitre refletir acerca da definição de princípio e da sua proximidade semântica com a expressão diretriz, bem como discorrer sobre a sua função no ordenamento jurídico.

Pois bem, princípio significa começo, origem, causa primeira de algo. No âmbito da ciência jurídica, a expressão em estudo possui significados diversos. Dentre eles, destacam-se o normativo e o hermenêutico. No que tange ao primeiro, os princípios são encarados como normas pertencentes ao ordenamento jurídico positivo, funcionando como elementos de coesão entre as demais regras, possuindo nível hierárquico superior ao daquelas que meramente ordenam, proíbem ou permitem condutas. Neste aspecto, são reputados como fontes materiais do Direito, sendo denominados pela doutrina de princípios gerais[59]-[60]. Todavia, são consideradas fontes primárias, haja vista orientarem todo o sistema normativo. Epistemologicamente, é possível também conferir aos princípios um significado hermenêutico. Neste diapasão, pode-se afirmar que os mesmos servem de instrumento ao operador do Direito na aplicação das normas jurídicas, seja na solução de antinomias, seja na colmatação de eventuais lacunas (servindo de exemplo o dogma da completude[61]), seja na solução de aparentes antinomias de segundo grau[62].

As palavras princípio e diretriz, malgrado possuam divergência etimológica, na medida em que a primeira expressão deve ser interpretada como o “conjunto de proposições que alicerçam ou embasam um sistema e lhe conferem legitimidade”[63], e a última como a maneira pela qual se organiza o mesmo, devem ser utilizadas de modo a complementar-se conceitualmente.

Seguindo essa linha de raciocínio, a Constituição estabelece princípios que norteiam tanto a administração pública como um todo (art. 37, caput), quanto o SUS em especial (art. 198, caput). Além disso, estabelece diretrizes (art. 198, I a III), as quais, em geral, complementam os princípios e garantem a sua exequibilidade. O mesmo faz a Lei 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde), em seu art. 7º, o qual constitui o capítulo intitulado “Dos Princípios e Diretrizes”.

Para fins didáticos, serão explanados juntamente com os princípios regentes, os objetivos do SUS. Em seguida, serão declinadas as diretrizes do sistema.

Pois bem, como visto acima os princípios são os alicerces do sistema normativo e as diretrizes indicam a maneira de alocá-los. No entanto, ambos norteiam-se por objetivos. Estes são finalidades, metas que devem ser atingidas ou, ao menos, servir de paradigma para todas as ações concretas fundadas naqueles. A Constituição da República elenca no art. 196 os objetivos fundamentais do SUS, quais sejam: a redução do risco de doenças e de outros agravos à saúde, e o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. O primeiro objetivo fundamental direciona-se às ações de natureza profilática, haja vista que estabelece a meta de proteger a coletividade (e cada indivíduo particularmente) do risco da enfermidade e qualquer outra ameaça ao estado de bem-estar físico e mental. Já o segundo dirige-se tanto às ações preventivas quanto às assistenciais, haja vista que estabelece como finalidade precípua de toda e qualquer ação concreta a universalidade e a igualdade de acesso aos que dela necessitarem. A Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90 - LOS) estabelece em detalhes os objetivos institucionais do SUS, assim dispondo:

Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde (SUS):

I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;

II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei;

III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.

Vale ressaltar que os objetivos do SUS não se destinam unicamente aos agentes estatais e aos seus colaboradores, mas sim a toda a sociedade. Assim sendo, infere-se da intelecção do caput e do § 2º do art. 2º da LOS que o dever de zelar pela saúde não cabe unicamente ao Estado, mas também às pessoas, à família e à sociedade. Isso significa que

embora o Estado seja obrigado a tomar todas as medidas necessárias para a proteção do direito à saúde da população, as pessoas também possuem responsabilidade sobre sua própria saúde e sobre a saúde do seu ambiente de vida, de sua família, de seus colegas de trabalho, enfim, todos têm a obrigação de adotar atitudes que protejam e promovam a saúde individual e coletiva, como a higiene, a alimentação equilibrada, a realização de exercícios, etc.[64].

No que concerne aos princípios regentes do Sistema Único de Saúde, a Lei Maior, no art. 196 e no caput do art. 198, estabelece aqueles considerados fundamentais, que servem de parâmetro de atuação tanto para o legislador infraconstitucional, quanto para os órgãos executivos. Desta feita, consideram-se princípios constitucionais do SUS a universalidade e igualdade de acesso, e a regionalização.

A oferta dos serviços de saúde deve ter como alvo todos aqueles que venham a deles necessitar. Obviamente, a demanda por eles nunca será absoluta, ou seja, é remota a possibilidade de todos os indivíduos necessitarem a mesmo tempo dos serviços prestados pelo sistema público, significando então que pelo princípio da universalidade a administração pública deve realizar estudos epidemiológicos situacionais e apresentar propostas que concretamente solucionem ou atenuem os problemas existentes em cada parcela da comunidade, a fim de que todos possam ter acesso aos serviços do SUS quando deles necessitarem. Assim sendo, é imprescindível que as ações e políticas sociais sanitárias sejam precedidas de aprofundados estudos e cuidadosos planejamentos. Estes são uma obrigação de todo gestor da coisa pública. Por consequência, quando os membros do Ministério Público “acompanham o funcionamento do sistema de saúde, fica fácil identificar as falhas para exigir a correção de rumos, antes de a população ser obrigada a exigir, na Justiça, os seus direitos individuais sobre o acesso aos serviços de saúde[65]”. O princípio ora em comento está previsto no art. 196, da CRFB/88 e no art. 7º, I, da Lei 8.080/90.

Inobstante o acesso aos serviços de saúde esteja disponível a todos os que necessitem, deve tal disponibilidade ocorrer de forma igualitária. Em face disto, o princípio da igualdade de acesso significa que diante da superioridade da demanda em relação à oferta de serviços públicos sanitários, devem ter prioridade os que mais necessitem, ou seja, “o que deve determinar o tipo e a prioridade para o atendimento é a necessidade das pessoas, por demanda própria ou identificadas pelo sistema de saúde e o grau de complexidade ou agravo[66]”, e nunca a condição econômica do paciente, ou quaisquer outros critérios segregacionistas desarrazoados (cor da pele, origem, religião, etc.). Faz-se mister asseverar que mesmo sendo coibido qualquer tratamento discriminatório que não se paute pelo critério da intensidade da doença ou do agravo, são cada vez mais frequentes os relatos de discrepância no tratamento dos usuários do SUS e daqueles que pagam planos de saúde. Tal fato é oportunamente lembrado por Conceição Aparecida Pereira Trindade e Jorge Trindade, quando afirmam que

são frequentes as histórias de “separação de ambientes” de espera/recepção para usuários “pagantes”, “não pagantes (SUS)” e dos seguros privados. A utilização de equipamentos “novos” para os pagantes e os “velhos” para os usuários do SUS. A fila de espera para o usuário do SUS e a agenda diária para os pagantes. Existem situações que, por si mesmas agravam o quadro de saúde dos usuários. Não se pode esquecer que os usuários em situação de fragilidade de sua saúde estão em condição desfavorável para o enfrentamento de adversidade. A interferência do Ministério Público, no sentido de não minimizar as condições de acolhimento ao usuário, em detrimento da oferta de serviço, terá uma função de alto valor humanístico para o sistema de saúde.

Outro princípio constitucional do SUS que merece a atenção deste estudo é o da regionalização. Seu alicerce normativo decorre do caput do art. 198 da Constituição Federal e do art. 8º da Lei Orgânica da Saúde. Para compreendê-lo é primordial que se reflita acerca do instituto publicista denominado descentralização. Para Hely Lopes Meirelles, descentralizar, “em sentido jurídico-administrativo, é atribuir a outrem poderes da Administração[67]”. Com mais precisão afirma Maria Sylvia Zanella di Pietro, considerando que a “descentralização é a distribuição de competências de uma para outra pessoa, física ou jurídica[68]”, e esta não se confunde com a desconcentração, consistente na “distribuição de competência dentro da mesma pessoa jurídica”. Dentre as modalidades enumeradas pela doutrinadora citada, a regionalização dos serviços sanitários enquadra-se na modalidade de descentralização política, que ocorre “quando o ente descentralizado exerce atribuições próprias que não decorrem do ente central”, sendo que cada um dos entes descentralizados “detém competência legislativa própria que não decorre da União nem a ela se subordina”. Ou seja, a descentralização política pela qual se pauta a organização do SUS respeita a autonomia dos entes federados, fazendo valer o princípio federativo[69]. A sua realização deve aperfeiçoar-se para que os entes federativos exerçam a autonomia que lhes é conferida pela Constituição de maneira integrada e coordenada entre si.

A regionalização materializa-se nos diferentes níveis de competência existentes no Estado Federal. Assim sendo, no âmbito da União existe a incumbência da elaboração de normas gerais (art. 24, XII, CRFB/1988), bem como a de exercer a gestão nacional do SUS (art. 23, II, CRFB/1988), através do Ministério da Saúde. No âmbito dos Estados-membros ocorre a gestão regional da saúde, através das Secretarias de Estado da Saúde. E, em nível local, ocorre a atuação do município. Vale ressaltar que a regionalização não retira a unicidade do SUS, ou seja, a atuação dos vários entes que compõem o sistema devem estar vinculados à administração direta de cada esfera de governo.

Como esclarecido na introdução deste item, os princípios estabelecem o conteúdo básico de todo sistema (ou microssistema) normativo e as diretrizes determinam a maneira de concretizá-los. Assim sendo, os incisos do art. 198 elencam as diretrizes elementares do SUS, quais sejam: a descentralização, com direção única em cada esfera de governo; o atendimento integral (ou integralidade) com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; a participação da comunidade; e além destas, o parágrafo 2º do mesmo dispositivo prevê o financiamento permanente, com vinculação de recursos orçamentários.

A primeira diretriz constitucional diz respeito à finalidade a que se destina o princípio da regionalização. Assim sendo, as considerações feitas acima se aplicam à diretriz em estudo, devendo-se salientar a importância do disposto no art. 7º, IX, “a”, da LOS, dispondo que as ações e serviços de saúde deverão ter ênfase na atuação dos municípios.

O foco na municipalização relaciona-se umbilicalmente com a diretriz da participação da comunidade. Esta “impõe aos agentes públicos a criação de mecanismos de participação da comunidade na formulação, na gestão e na execução das ações e dos serviços públicos de saúde, incluindo aí a normatização[70]”. Para tanto, foram criadas pela Lei 8.142/90 as Conferências e os Conselhos de Saúde.

À diretriz da descentralização vincula-se a também a da intersetorialidade, consoante se depreende da leitura do art. 7º, X, da LOS. Explicando-se melhor,

O direito de todos à Saúde deve ser organizado por meio de políticas econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos à saúde. (...). Estas ações são planejadas e executadas pelo conjunto de órgãos do governo, com a colaboração do setor saúde, mas com recursos específicos e são consideradas ações intersetoriais de saúde.

A diretriz da integralidade está vinculada aos princípios da universalidade e igualdade de acesso aos serviços de saúde, na medida em que

Significa que o cidadão tem o direito de ser atendido e assistido sempre que necessitar, em qualquer situação de risco ou agravo (doença), utilizando ou não insumos, medicamentos, equipamentos, entre outros. Ou seja, o que define o atendimento deve ser a necessidade das pessoas[71].

Conforme preleciona o texto constitucional, a prioridade deve se dar nas ações preventivas, não devendo, porém, descurar o gestor público das ações assistenciais. Assim sendo, à integralidade liga-se o princípio da resolubilidade, previsto no art. 7º, inciso XII, da LOS, o qual aponta que

o sistema de saúde (...) seja organizado de tal maneira que suas equipes de trabalho, bem assim os seus usuários, sejam capazes de identificar a sua utilidade prática e a sua missão institucional no sistema, e que, se acaso uma determinada unidade da rede não tiver condições de solucionar uma dada situação, ela saiba exatamente onde resolver e seja capaz de entrar em contacto, encaminhar, viabilizar o acesso do usuário, ter resposta satisfatória por parte do usuário e tê-lo de volta reencaminhado ao território de referência com seu problema solucionado.[72]

Outra diretriz com sede constitucional diz respeito ao financiamento permanente e à vinculação de recursos orçamentários. Tal diretriz está prevista no § 2º do art. 198 e deriva da regra geral de destinação orçamentária dos recursos da seguridade social, prevista no art. 195, todos da Constituição Federal. O § 3º do art. 198 determina que a alteração dos valores dos percentuais previstos no parágrafo anterior, bem como os critérios de rateio de recursos e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas diversas esferas de governo. Tais normas são regulamentadas pelos artigos 31 a 38, da Lei 8.080/90. O objeto desta diretriz é justamente evitar a suposta carência de recursos para o setor da saúde e retirar qualquer possibilidade de justificá-la e saná-la com a criação ou majoração de tributos, a exemplo da já extinta CPMF.

A Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90), em seu art. 7º, detalha os princípios e diretrizes constitucionais e, estabelece outros que lhes são auxiliares, pelos quais devem se basear as ações e programas do SUS, assim dispondo:

Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:

I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;

II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;

IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;

V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;

VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário;

VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;

VIII - participação da comunidade;

IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:

a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;

b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;

X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico;

XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população;

XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e

XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.

3.3. Composição e Organização

Uma vez expostos o surgimento, o conceito, os princípios e as diretrizes que regem o Sistema Único de Saúde (SUS), passar-se-á neste momento às declinações acerca dos entes, órgãos e agentes que o compõem, bem como a maneira como ele é gerido.

A Lei Orgânica da Saúde (L. 8.080/90) trata da organização, da direção e da gestão do SUS, no Capítulo III, do seu Título II, artigos 8º a 14. No capítulo IV deste mesmo título são elencadas as atribuições dos entes federativos no âmbito do SUS, conforme serão expostos infra.

Consoante dispõe o art. 8º da mesma Lei Orgânica, os serviços sanitários serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada, em níveis crescentes de complexidade. Assim sendo, o art. 9º da mesma lei, seguindo a diretriz constitucional da direção única em cada esfera de governo, atribui o ônus de gestão da seguinte maneira: no âmbito da União, ao Ministério da Saúde; no âmbito dos Estados-membros e do Distrito Federal, às Secretarias de Saúde, ou órgão similar; nos municípios, às Secretarias Municipais de Saúde ou órgão equivalente.

Orientando-se pela diretriz da descentralização administrativa com ênfase na atuação dos municípios (municipalização), o caput do art. 10 da referida lei dispõe sobre a possibilidade de os municípios estabelecerem consórcios com a finalidade de desenvolver as ações e os serviços de saúde que lhes correspondam, sendo a eles aplicada a diretriz da direção única. Além disso, cada município poderá organizar-se em distritos, a fim de integrar e articular os meios voltados para a cobertura total das ações sanitárias.

Com o fito de articular as políticas sociais e programas executivos de interesse para a saúde cuja execução envolva áreas não abrangidas pelo Sistema Único de Saúde, foi determinada a criação de Comissões Intersetoriais, as quais se encontram subordinadas ao Conselho Nacional de Saúde[73], e integradas pelos Ministérios e órgãos competentes, assim como por entidades representativas da sociedade civil. O art. 13 da LOS expõe o rol numerus apertus de atribuições das referidas comissões[74].

No art. 14 da LOS prevê-se também a criação das Comissões Permanentes, às quais cabe a tarefa de integrar os serviços de saúde e as instituições de ensino profissional e superior. A cada uma delas cabe, segundo o parágrafo único do artigo em comento, propor prioridades, métodos e estratégias para a formação e educação continuada dos recursos humanos do SUS, na esfera de governo correspondente, bem como em relação à pesquisa e à cooperação técnica entre essas instituições.

Nos artigos 15 a 19, que compõem o Capítulo IV, do Título II, da Lei Orgânica da Saúde são elencadas as atribuições e as competências sanitárias dos entes federativos. No art. 15, que corresponde à Seção I, encontram-se as atribuições comuns à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Estas, conforme se depreende da leitura dos incisos do referido artigo, servem como mecanismo legislativo de integração das atribuições específicas declinadas logo em seguida.

No art. 16 são enumeradas as competências da direção nacional do SUS (exercida pelo Ministério da Saúde), que, possuindo caráter geral, traduzem as competências legislativas e materiais da União no âmbito da saúde. Algumas delas dizem respeito à atuação direta do Ministério da Saúde (por seus órgãos subalternos[75] e pessoas jurídicas a ele vinculadas), a exemplo das previstas nos incisos I, II, III, IV, V, VIII, IX, X, XII, XIV e XVI do artigo em comento. Outras, declaradas nos incisos VI, VII, XI, XIII, XV, XVII, XVIII e XIX, além do parágrafo único, todos do artigo sub óculo, evidenciam o caráter integrador da direção nacional com os serviços prestados pelas direções estaduais e municipais. Vale ressaltar que a vigilância epidemiológica de que trata o parágrafo único deste artigo, a cargo da União, deverá ocorrer somente quando a ameaça à saúde coletiva ultrapassar os limites de competência das direções estaduais.

O art. 17 enumera as competências da direção estadual do SUS. Interessa asseverar que algumas delas dizem respeito à ação integrada do Estado com os municípios existentes em seu território, conforme demonstram os incisos I, III e XIII, enquanto outras correspondem à atuação direta das Secretarias de Estado da Saúde, o que fica patente nos demais incisos do artigo em estudo. Vale ressaltar que algumas destas competências concernem à atuação do Estado-membro em caráter suplementar, quando se tornam insuficientes os serviços prestados pelos municípios.

O art. 18 contempla as competências da direção municipal do SUS, exercida pelas respectivas Secretarias Municipais de Saúde. Seguindo a diretriz da descentralização com ênfase na municipalização dos serviços sanitários, a execução direta daqueles de natureza assistencial e profilática, bem como a fiscalização imediata dos serviços privados de saúde será feita pela direção municipal. Em face da importância tanto didática quanto política dos dispositivos em análise, faz-se mister a sua exposição ipsi litteris:

Art. 18. À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete:

I - planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde;

II - participar do planejamento, programação e organização da rede regionalizada e hierarquizada do Sistema Único de Saúde (SUS), em articulação com sua direção estadual;

III - participar da execução, controle e avaliação das ações referentes às condições e aos ambientes de trabalho;

IV - executar serviços:

a) de vigilância epidemiológica;

b) vigilância sanitária;

c) de alimentação e nutrição;

d) de saneamento básico; e

e) de saúde do trabalhador;

V - dar execução, no âmbito municipal, à política de insumos e equipamentos para a saúde;

VI - colaborar na fiscalização das agressões ao meio ambiente que tenham repercussão sobre a saúde humana e atuar, junto aos órgãos municipais, estaduais e federais competentes, para controlá-las;

VII - formar consórcios administrativos intermunicipais;

VIII - gerir laboratórios públicos de saúde e hemocentros;

IX - colaborar com a União e os Estados na execução da vigilância sanitária de portos, aeroportos e fronteiras;

X - observado o disposto no art. 26 desta Lei, celebrar contratos e convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde, bem como controlar e avaliar sua execução;

XI - controlar e fiscalizar os procedimentos dos serviços privados de saúde;

XII - normatizar complementarmente as ações e serviços públicos de saúde no seu âmbito de atuação.

No que tange à direção do SUS no Distrito Federal, dispõe o art. 19 da lei 8.080/90 que esta terá as atribuições conferidas às direções municipal e estadual. Tais atribuições cumulativas são uma decorrência natural do disposto no art. 32, § 1º da Constituição Federal.

A Lei 8.142/90, regulamentando a diretriz constitucional da participação da comunidade (prevista no art.198, III, da CRFB/88), além de dispor sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde, prevê a criação, em cada esfera de governo, de dois órgãos colegiados: a Conferência de Saúde; e o Conselho de Saúde.

 A primeira reunir-se-á a cada quatro anos, tendo em sua composição a representação dos vários segmentos sociais, à qual incumbe a avaliação da situação da saúde e a proposição das diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes, convocada pelo Poder Executivo, ou, de forma extraordinária, por ela mesma ou pelo Conselho de Saúde[76].

Os Conselhos de Saúde são órgãos colegiados compostos por representantes do governo, dos prestadores de serviço, dos profissionais da saúde e dos usuários, possuindo caráter permanente e natureza deliberativa. Tais instâncias colegiadas atuam na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões são homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo[77].

Além disso, foram posteriormente criados no âmbito do SUS subsistemas, os quais se relacionam com objetos de atuação específicos. O primeiro deles foi o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, incluído na LOS, em seus artigos 19-A a 19-H (Título II, Capítulo V), pela lei 9.836/99. Em seguida, através da lei 10.424/02, foi criado o Subsistema de Atendimento e Internação Domiciliar. Por fim, em 2005 foi criado o Subsistema de Acompanhamento Durante o Trabalho de Parto, Parto e Pós-parto Imediato.

Para finalizar este tópico, tratar-se-ão dos serviços privados de assistência à saúde. Pois bem, o Título III da lei 8.080/90 (artigos 20 a 26), regulamenta o art. 199 da Constituição da República.

No primeiro capítulo, intitulado “Do Funcionamento”, estão contidas as normas gerais que norteiam a atuação dos agentes particulares, de maneira suplementar ao SUS. Assim sendo, o art. 20 descreve que esta atuação se dá por iniciativa própria dos profissionais liberais e das pessoas jurídicas de direito privado, sendo exercida de forma livre[78]. Todavia, estão sujeitos aos princípios éticos e às normas expedidas pelo órgão de direção do SUS para o seu funcionamento[79]. O art. 23 regulamenta a atuação das empresas e capitais estrangeiros. A priori, é vedada a participação destes na prestação de serviços suplementares ao SUS. No entanto, tal regra comporta uma exceção, que consiste nas doações de organismos internacionais vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU), a exemplo da Organização Mundial da Saúde (OMS), bem como de entidades de cooperação técnica e de financiamentos e empréstimos[80]. De qualquer sorte, a prestação de tais serviços por estas entidades estrangeiras será fiscalizada pelo Ministério da Saúde[81]. Ademais, pode-se também citar como exceção à regra geral proibitiva citada nas linhas retro os serviços de saúde prestados sem finalidade lucrativa por empresas, para o atendimento de seus empregados e dependentes, sem acarretar ônus para a seguridade social[82].

O segundo capítulo trata “Da Participação Complementar” da iniciativa privada nos serviços assistenciais de saúde. Cabe aqui uma distinção. Nos comentários acima foi abordada a participação suplementar, ou seja, dissociada do SUS, sujeitando-se apenas às suas regras básicas de operacionalização e aos princípios éticos que o regem. A participação de que tratam os artigos 24 a 26 da Lei Orgânica da Saúde significa que as entidades privadas que atuarem desta maneira atenderão aos usuários do SUS, ou seja, não pagantes. Desta feita, quando a disponibilidade dos serviços oferecidos pelo SUS forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, poder-se-á recorrer aos serviços oferecidos pela iniciativa privada[83], cuja participação será formalizada mediante contrato ou convênio, devendo ser observadas as normas de direito público[84] e tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem finalidade lucrativa[85].

3.4. Ações e Programas

No tópico anterior foi esmiuçada a estrutura orgânica do Sistema Único de Saúde, ocasião na qual foram expostos os entes personalizados que o compõem, bem como seus órgãos, sendo, de maneira ilustrativa, declinadas as suas principais atribuições constitucionais e legais. Aqui, serão abordadas as ações e os programas executados pelo SUS, com o enfoque dado pela Norma Operacional Básica nº 01/96.

Esta Norma Operacional foi instituída através de Portaria expedida pelo Ministério da Saúde e a sua finalidade precípua é racionalizar as ações e serviços sanitários a fim de atender aos princípios da equidade e da regionalização, assim como às diretrizes da integralidade, da participação da comunidade e da descentralização, com ênfase na atuação dos municípios. Consoante prevê a própria NOB/SUS nº 01/96, a sua finalidade primordial consiste em

promover e consolidar o pleno exercício, por parte do poder público municipal e do Distrito Federal, da função de gestor da atenção à saúde dos seus munícipes (art. 30, incisos V e VII e artigo 32, parágrafo 1º, da Constituição Federal), com a consequente redefinição das responsabilidades dos estados, do Distrito Federal e da União, avançando na consolidação dos princípios do SUS[86].

Para atingir a sua finalidade, a NOB/SUS nº 01/96 estabelece uma verdadeira reordenação no modelo de atenção à saúde, na medida em que redefine os papéis de cada esfera de governo (sobremodo no que concerne à direção única); os instrumentos de gestão para que os municípios e estados superem o exclusivo papel de prestadores de serviços e assumam seus respectivos papéis de gestores do SUS; os mecanismos e os fluxos de atendimento, reduzindo de forma progressiva e contínua a remuneração por produção de serviços e ampliando as transferências de caráter global com base em programações ascendentes, pactuadas e integradas; a prática do acompanhamento, do controle e da avaliação no SUS, superando os mecanismos tradicionais; e os vínculos dos serviços com seus usuários, dando privilégio aos núcleos familiares e comunitários, criando, por conseguinte, condições para uma efetiva participação e controle social[87].

Além de redefinir os parâmetros que devem ser seguidos pelos órgãos e agentes sanitários, a NOB/SUS nº 01/96 divide a atenção à saúde em três campos de atuação: o da assistência; o da intervenção ambiental; e o das políticas externas ao setor de saúde.

Antes, porém, de tratar destes campos de atuação, considera-se de bom alvitre citar duas entidades colegiadas de articulação criadas pela NOB/SUS nº 01/96, quais sejam: a Comissão Intergestores Tripartite – CIT; e a Comissão Intergestores Bipartite – CIB. A primeira é composta paritariamente por um representante do Ministério da Saúde – MS –, um representante do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde – CONASS – e por um representante do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde – CONASEMS, possuindo abrangência nacional. Já a CIB é composta de maneira paritária por representação da Secretaria Estadual de Saúde e do Conselho de Secretários Municipais de Saúde, ou órgão equivalente, do respectivo estado. Essas comissões reúnem-se periodicamente, e nelas são definidas normas específicas de atuação comum dos entes envolvidos, sendo as conclusões das negociações pactuadas nesses encontros formalizadas em ato normativo de competência da direção do SUS específico – no caso das CIB´s, a Secretaria Estadual de Saúde, e no da CIT, o Ministério da Saúde. A criação de tais instâncias de articulação executiva deveu-se à necessidade de integração dos órgãos gestores do SUS, com o fito de harmonizar as ações e programas realizados por suas diferentes instituições, o que é essencial para o aperfeiçoamento do sistema[88].

Nos subtópicos que se seguem serão declinados os campos de ação do SUS, definidos pela Norma Operacional Básica nº 01.

3.4.1. Assistência

A Norma Operacional Básica nº 01/96 estabelece como primeiro grande campo de atenção à saúde o das ações e programas assistenciais. Para explanar melhor, alguns questionamentos se fazem pertinentes. Primeiramente, em que consistem tais ações? Outra questão diz respeito a quem executa mediata e diretamente? As respostas encontram-se nas linhas abaixo.

O campo assistencial de atenção à saúde consiste em atividades que são “dirigidas às pessoas, individual ou coletivamente, em nível ambulatorial e hospitalar, bem como em outros espaços, especialmente no domiciliar[89]”. Em termos singelos, trata-se dos serviços sanitários essenciais de assistência direta e imediata, prestados por entes personalizados (fundações e autarquias vinculadas aos estados e municípios) e órgãos estaduais e municipais, por meio de seus agentes (auxiliares e assistentes técnicos, além dos especialistas nas diversas áreas das ciências da saúde – médicos, dentistas, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas, físicos-médicos, etc.), de caráter profilático (e.g., vacinação contra enfermidades causadas por pelos diversos agentes biológicos nocivos, fornecimento de medicamentos, diagnóstico pré-natal, etc.) e curativo (e.g., primeiros socorros, prescrição de medicamentos, realização de intervenções cirúrgicas, etc.).

A NOB/SUS nº 01/96 estabelece as ações e programas que devem ser executados genericamente pelas gestões estaduais do SUS. Assim sendo, devem elas consistir:

na prestação de serviços próprios ambulatoriais e hospitalares de alto custo, para o tratamento foram do domicílio (intermunicipal) e da disponibilidade de medicamentos e insumos especiais, sem prejuízo das competências dos sistemas municipais; (...); e no componente estadual de assistência farmacêutica; nas políticas de sangue e hemoderivados; (...)[90] (com adaptações).

Para as gestões municipais, as ações de cunho assistencial devem por finalidade maior a garantia:

da prestação de serviços ambulatoriais e hospitalares, ou de encaminhamento para atendimento fora do domicílio; (...); dos serviços de apoio ao diagnóstico e terapia (laboratórios para exames complementares, radioimagem, entre outros); do componente municipal de assistência farmacêutica; das políticas de sangue e hemoderivados; (...)[91]

Podem ser enumerados, exemplificativamente, alguns programas de cunho eminentemente assistencial, instituídos pela direção nacional do SUS e pactuados nos encontros da Comissão Intergestores Tripartite – CIT. O primeiro deles é o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU 192[92] –, tem como finalidade proteger a vida das pessoas e garantir a qualidade no atendimento emergencial no SUS. Outro que pode ser citado é o Programa Farmácia Popular, implantado em 2004, cujo objetivo consiste em levar medicamentos essenciais a um baixo custo para mais perto da população, melhorando o acesso e beneficiando uma maior quantidade de pessoas[93]. Considera-se igualmente válido mencionar o Programa Brasil Sorridente, o qual faz parte da Política Nacional de Atenção à Saúde Bucal, visando a

garantir as ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde bucal dos brasileiros, entendendo que esta é fundamental para a saúde geral e qualidade de vida da população. Suas metas perseguem a reorganização da prática e a qualificação das ações e serviços oferecidos, no marco do fortalecimento da atenção básica, reunindo uma série de ações em saúde bucal, com ampliação do acesso ao tratamento odontológico gratuito aos brasileiros, por meio do SUS[94].

3.4.2. Intervenção Ambiental

O segundo campo de atenção à saúde designado pela NOB/SUS nº 01/96 consiste nas intervenções ambientais. A expressão “intervenção ambiental” deve ser interpretada

no seu sentido mais amplo, incluindo as relações e as condições sanitárias nos ambientes de vida e de trabalho, o controle de vetores e hospedeiros e a operação de sistemas de saneamento ambiental (mediante pacto de interesses, as normalizações, as fiscalizações e outros)[95].

A NOB/SUS nº 01/96 estabelece para a gestão estadual atribuições que devem direcionar-se à concretização:

do componente estadual de vigilância epidemiológica, com sistema de informação que inclua as informações obtidas pela vigilância municipal e pela vigilância sanitária, e ainda, consolide as informações municipais; do componente estadual de vigilância sanitária; do componente estadual da rede de laboratórios de saúde pública; (...); do componente estadual de programas de abrangência nacional relativas a agravos que constituam riscos de disseminação para além do seu limite territorial; (...)[96].

Para a gestão municipal do SUS, a Norma Operacional Básica nº 01/96 estabelece incumbências que objetivam a concretização

do componente municipal do sistema de vigilância epidemiológica com sistema de informação que inclua as informações obtidas pela vigilância alimentar e nutricional e a vigilância sanitária; do componente municipal de vigilância sanitária; (...); dos programas especiais, conforme a necessidade, apontada por indicadores epidemiológicos locais; (...)[97].

Vê-se, portanto, que o campo de atenção à saúde voltado para a intervenção ambiental consiste em ações e programas de cunho eminentemente preventivo, que visam ao benefício da saúde coletiva, refletindo diretamente no bem-estar individual. Citam-se como exemplos de tais medidas institucionais programas como o de combate à dengue (de caráter permanente, haja vista ter esta enfermidade potencial lesivo endêmico), de prevenção às inúmeras doenças e agravos, além das campanhas de vacinação contra novos males causados por vírus, bactéria, protozoários e suas mutações.

3.4.3. Políticas Externas ao SUS

O terceiro grande campo de atenção à saúde estabelecido pela Norma Operacional Básica nº 01/96 refere às políticas sociais e administrativas a serem desenvolvidas pelos entes e órgãos componentes do SUS, as quais

interferem nos determinantes sociais do processo saúde/doença das coletividades, de que são partes importantes questões relativas às políticas macroeconômicas, ao emprego, à educação, ao lazer e à disponibilidade e à qualidade dos alimentos[98].

Tais políticas dizem respeito à relação do Sistema Único de Saúde com outros setores das esferas governamentais, bem como com as associações e fundações de direito privado que representam os setores sociais vinculados à área da saúde.

A NOB/SUS nº 01/96, ao estabelecer as funções atribuídas às gestões municipais e estaduais do SUS, elucida com precisão o funcionamento deste campo de atenção às políticas sanitárias. Assim sendo, para as gestões estaduais do SUS, são dadas as atribuições concernentes à concretização

do componente estadual do Sistema Nacional de Auditoria; dos sistemas de informação de produção de serviços e de insumos críticos e processamento de dados; do componente estadual de comunicação social e educação em saúde; da administração e desenvolvimento de pessoal; de ciência e tecnologia; de mecanismos e instrumentos visando a integração das políticas e das ações de relevância para a saúde como aquelas relativas a saneamento, recursos hídricos, habitação e meio ambiente; (...)[99]

Para a gestão a nível municipal, a NOB estabelece como atribuições as referentes

aos sistemas de informação de produção de serviços e insumos críticos; ao componente municipal de comunicação social e educação em saúde; ao componente municipal do Sistema Nacional de Auditoria; à administração e ao desenvolvimento de pessoal; aos mecanismos e instrumentos visando a integração das políticas e das ações de relevância para a população, como aquelas relativas a saneamento, recursos hídricos, habitação e meio ambiente, entre outras; à gerência dos recursos do Fundo Municipal de Saúde; (...)[100]. (com adaptações)

3.5. As Falhas do SUS e os Óbices ao Efetivo Acesso à Saúde

No tópico introdutório ao presente capítulo, discutiu-se o surgimento do Sistema Único de Saúde. Nos tópicos seguintes, foram explanados o seu conceito, os princípios e as diretrizes que o informam, bem como foram abordados com razoável margem de aprofundamento a composição e a divisão de atribuições, além das ações e programas desenvolvidos. Neste diapasão, chegou-se à conclusão de que a normatização sanitária não foi uma novidade introduzida pela Carta de 1988. A novidade se deu na maneira como foi tratado o direito à saúde, o qual foi considerado direito humano fundamental e, na tentativa de concretizá-lo, foi incumbida ao legislador ordinário a criação de um sistema orgânico que atendesse à finalidade precípua de garantir a todo e qualquer cidadão, independentemente de suas condições econômicas, a proteção à sua integridade física (e psíquica, por consequência mediata).

Assim sendo, o SUS representou um considerável avanço na garantia deste direito fundamental, sendo mundialmente reconhecido como paradigma de atuação administrativa, sobremodo nos Estados Unidos e na União Europeia. Em país nenhum, nem mesmo nos da Europa Setentrional, existe, ao menos sob o aspecto normativo-institucional, um modelo de atenção à saúde que institua e articule políticas sociais que vão desde campanhas publicitárias e de vacinação, até ao tratamento de câncer, da AIDS – neste caso, considerado exemplo mundial –, ao fornecimento de medicamentos (para pacientes de doenças crônicas, como a diabetes e hipertensão, e degenerativas, como o mal de Alzheimer), transplante de órgãos, atendimento domiciliar, e assim por diante. Todos esses serviços, não ofertados integralmente por nenhum plano privado de saúde, são oferecidos gratuitamente a todos os que deles venham a necessitar[101].

Desta feita, é cediço afirmar que o Sistema Único de Saúde promoveu em concreto o acesso à proteção da saúde individual e coletiva. Todavia, tal mudança no panorama sanitário provocou um aumento significativo na demanda de usuários do sistema e isso é considerado como um dos fatores que geraram os seus incontáveis problemas. São frequentes notícias jornalísticas televisionadas nas quais usuários reclamam de problemas que vão desde as longas filas de atendimento nos postos, da má qualidade do atendimento prestado por alguns profissionais da área, da demora na marcação de consultas, da falta de medicamentos nos postos de distribuição, da precariedade dos instrumentos de trabalho, da falta de higiene em muitos hospitais e maternidades, a casos mais chocantes, como o de gestantes que dão a luz nos corredores dos hospitais em virtude da falta de leitos, das quadrilhas que fraudam a fila de espera no transplante de órgãos, da morte de crianças em maternidades decorrentes de doenças hospitalares causadas pela precariedade higiênico-sanitária das suas instalações, das mortes de pessoas nos corredores dos hospitais de urgência, em virtude da impossibilidade de atendimento por parte do quadro de profissionais disponível, da dificuldade de acesso a produtos essenciais para o tratamento de doenças especiais (e.g., leite especial para crianças acometidas cujo organismo possui intolerância à lactose), dentre outros.

Dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – demonstram as dimensões dos problemas causados pelo aumento na demanda por pacientes do SUS. Estima-se que mais de 140 milhões de pessoas (70% da população brasileira) dependem exclusivamente dos serviços fornecidos pela rede pública de saúde. O programa Brasil Sorridente fornece atendimento de saúde bucal a cerca de 82 milhões de pessoas. No que tange às vacinas, as estatísticas[102] indicam que mais de 130 milhões de vacinas são aplicadas por ano, sendo de R$ 84 bilhões é o montante de despesas totais com saúde no Brasil, sendo 48,5% dos gastos feitos pela União.

O SUS, como se percebe, é uma fonte de contradições, seja pelos contrastes existentes nos serviços prestados, seja pelas estatísticas. O contracenso estatístico reside na constatação de que malgrado os gastos com a manutenção do Sistema sejam exorbitantes, o que inclusive motivou o legislador constituinte derivado a criar tributos (a exemplo da CPMF[103]) com a finalidade de cobri-los, os investimentos públicos na saúde suplementar nos últimos anos por vezes superaram os destinados ao setor público. Isto se reflete na maior demanda de usuários de planos privados de saúde, os quais não conseguem atender de forma integral seus pacientes. O resultado é o sucateamento dos serviços originalmente prestados pelo SUS, o que acarreta maiores dispêndios do erário, pois a precariedade dos serviços faz com que muitos pacientes recorram ao poder judiciário para ter acesso efetivo aos serviços sanitários essenciais.

À excessiva demanda de pacientes e ao crescimento dos investimentos públicos na saúde suplementar acrescentam-se problemas gerenciais, sobremodo no âmbito dos municípios. Devido a fatores de ordem política, muitas irregularidades ocorrem nas gestões municipais, seja no desvio de verbas oriundas de repasses orçamentários, seja por fraudes cometidas por agentes públicos responsáveis pela administração dos serviços imediatos de atenção sanitária.

Esse quadro torna-se ainda mais grave quando os problemas do SUS constituem causa de pedir para as incontáveis ações judiciais pleiteando desde o fornecimento de remédios e a realização de tratamentos, até a reparação de danos causados pelas falhas do próprio sistema.

Uma vez solidificados os esclarecimentos acerca do Direito Sanitário e do funcionamento do SUS, bem como evidenciados os seus problemas mais graves, passar-se-á, no capítulo seguinte, à análise do fenômeno crescente chamado “judicialização da saúde”, ou seja, do acesso à saúde através do poder judiciário, das críticas a ele inerentes e os parâmetros razoáveis de sua realização.


4. DO ACESSO À SAÚDE PELA VIA JURISDICIONAL

4.1. Considerações Prévias

A priori, causa certo estranhamento ao leitor a existência de um tópico introdutório ao capítulo que tratará justamente do mérito deste trabalho. No entanto, não se fará aqui uma introdução aos institutos jurídico-dogmáticos e jusfilosóficos pelos quais inexoravelmente versarão os argumentos e posicionamentos colimados nos itens que se seguirão. Ao revés, far-se-á uma conexão necessária com os temas discutidos nos capítulos pretéritos, que servem de substrato cognitivo para o cerne desta atividade monográfica, e uma elucidação geral sobre a polêmica que gravita sobre o tema em apreço.

Estudou-se, no capítulo reputado como termo dies ad quo desta monografia, o Direito Sanitário. Para abordá-lo, considerou-se de suma importância contextualizar o seu surgimento no âmbito dos Direitos Fundamentais. Por conseguinte, para evitar uma lacuna didática, foi, ainda que de modo en passant, dissecado, sob a ótica tanto da historiografia quanto da dogmática jurídica, o instituto dos Direitos Fundamentais, abordando-se a sua categorização clássica, bem como a sua divisão feita pela contemporânea doutrina constitucionalista.

Uma vez conceituado e contextualizado, sob as suas diversas facetas, o Direito Sanitário, passou-se, no capítulo seguinte, ao estudo do Sistema Único de Saúde. Foram abordados, de maneira ilustrativa e observando o nível mínimo de aprofundamento exigido para este trabalho, o seu surgimento – bem como as mudanças trazidas com ele –, a sua previsão na atual Carta Federativa, os princípios e diretrizes que o guiam, a sua estrutura organizacional, a forma como são realizados os seus programas e as suas ações (níveis de atenção à saúde), não se furtando da exposição das mazelas que por infortúnio ainda lhe são inerentes.

Nesse toar, restam pacíficas todas as elementares dúvidas porventura existentes acerca do que seja a saúde (pública), tanto no que tange à análise jurídica de seus institutos, quanto no que pertine ao que se concebe por meios de acesso a ela – explica-se, promovidos pelo poder legislativo, editando as normas regulamentadoras gerais, seja pelo poder executivo, que as executa e as concretiza independentemente das falhas que lhe são patentes.

Consoante visto no item “3.5”, em que pese haja um complexo de princípios e regras dispondo sobre os serviços públicos na área da saúde e que, sob o ponto de vista normativo, o acesso à saúde seja plenamente garantido, a praxis revela que a constitucionalmente idealizada universalização equitativa do acesso torna-se utopia diante dos vultosos problemas que assolam o SUS.

Por conseguinte, uma vez assegurado o direito à saúde, elevando-se o mesmo ao patamar de direito humano fundamental, nasce para todo cidadão (ou indivíduo em trânsito pelo território nacional) e, igualmente, para a coletividade (seja restrita a grupos determinados, seja em caráter geral) a pretensão à sua execução (obrigação de fazer), salvaguarda (obrigações de não fazer) e, quando a ausência da sua garantia concreta gera danos de qualquer natureza, reparação (obrigação de dar, reparar). Eis que, seguindo a esteira dos demais direitos sociais, surge o fenômeno batizado pelo neologismo chamado “judicialização” ou, com mais propriedade, acesso à saúde pela via jurisdicional.

O capítulo presente iniciará as discussões sobre o referido fenômeno – de origem sociopolítica com reflexos imediatos sobre o Direito, seja no meio acadêmico, seja na prática forense – abordando os instrumentos pelos quais deve se utilizar o operador jurídico (leia-se advogado e membro do Ministério Público) para promover o acesso efetivo aos serviços sanitários daqueles que deles necessitam e que se veem impedidos por razões diversas de ordem financeiro-administrativa estatal. Em termos menos eruditos, tratar-se-ão das ações e procedimentos de ordem individual e coletiva existentes em nosso ordenamento jurídico instrumental.

Passada a fase discursiva de ordem meramente dogmático-processual, dar-se-á início a um momento de criticas e reflexões, as quais certamente escaparão ao âmbito puramente científico-objetivo do Direito. Como se sabe, todo binômio direito/garantia – assim como tudo o que existe no universo, inclusive as suas dimensões – é dotado de limitabilidade. Seus limites decorrem de fatores de ordem principiológica, mais precisamente, da ponderação com outros distintos binômios de mesma natureza que venham a entrar em rota de colisão em sua aura de aplicabilidade. Mutatis mutandis, o próprio direito fundamental de acesso à jurisdição, bem como as garantias que lhe são inerentes (frise-se: contraditório, ampla defesa, razoável duração do processo, celeridade processual, juiz natural e imparcial, e efetiva satisfação da pretensão posta sub judice), quando exercido de forma inconsequente, acaba por entrar em conflito com outros direitos e garantias, sobremodo os de cunho coletivo. Assim sendo, críticas ao fenômeno da “judicialização excessiva” se fazem necessárias e decerto serão elas declinadas neste capítulo. No mesmo bojo será confrontada a antinomia existente entre a macro-justiça (representada pelo acesso à saúde a que faz jus toda a sociedade, devendo, em tese, prevalecer o seu interesse) e a micro-justiça (que se concretiza nas decisões e sentenças judiciais, não podendo o magistrado violar direitos assegurados pela própria Constituição).

Feitas as merecidas críticas aos fenômenos advindos da “judicialização” sanitária excessiva, serão expostas possíveis soluções para o problema. Tal solução encontra-se na utilização do princípio da razoabilidade (bem como o da proporcionalidade) como plano de fundo para o estabelecimento de parâmetros a serem seguidos pelos operadores jurídicos nos diversos momentos e papéis assumidos nos processos cuja causa de pedir envolve, ainda que reflexamente, o acesso à saúde. Em primeiro plano, serão declinados os parâmetros de atuação na tutela individual das ações judiciais sanitárias. Em seguida, expor-se-ão os parâmetros em sede coletiva, mais precisamente, no que tange aos procedimentos processuais específicos.

4.2. Meios Processuais de Promoção do Acesso à Saúde

Nesta etapa de trabalho monográfico serão abordados os meios processuais de concretização do direito à saúde. Tais meios materializam-se genericamente no direito de ação, o qual se torna exequível através do processo e do procedimento, visando a satisfazer pretensões e proteger direitos substanciais porventura violados seja a um indivíduo especificamente, seja a um pequeno grupo de pessoas, seja a toda a sociedade difusamente. Seguindo esta linha de raciocínio, serão neste tópico expostos os instrumentos processuais tanto de proteção individual quanto de tutela coletiva.

Antes, porém, de dar início a esta exposição necessária, considera-se de bom alvedrio tecer breves comentários elucidativos acerca dos seguintes institutos jurídicos: tutela jurisdicional, ação (e seus requisitos), processo (e seus pressupostos), procedimento (e a sua ligação epistemológica com o processo), e a distinção entre tutela individual e coletiva.

O direito material, como é cediço, não é capaz de ser exercido sem que haja meios para concretizar a sua exequibilidade. Para atingir este objetivo foram criadas e aperfeiçoadas as normas jurídicas de caráter instrumental, originando os diversos ramos do Direito Processual, dentre eles, o Processo Civil. De todos esses microcosmos da ciência jurídica processual reputa-se como ponto de partida o conceito de tutela jurisdicional, o qual se dissocia do conceito de jurisdição. Para Alexandre Freitas Câmara, aquela consiste numa “modalidade de tutela jurídica, ou seja, uma das formas pelas quais o Estado assegura proteção a quem seja titular de um direito subjetivo ou outra posição jurídica de vantagem[104]”. Para este mesmo autor, deve a tutela jurisdicional ser adequada. Em outros termos, “o Estado só presta verdadeira tutela jurisdicional quando esta é adequada a proteger o direito material lesado ou ameaçado de lesão[105]”. Como bem obtempera Luiz Guilherme Marinoni, “a jurisdição [aqui entendida como tutela jurisdicional] tem por objetivo editar a norma jurídica capaz de dar conta das necessidades do direito material[106]”. Esta forma de proteção dos direitos lesados ou ameaçados de sofrer lesão em sua efetividade divide-se em três espécies: a cognitiva, que visa a definir a existência ou não do direito e da relação processual deduzida (res judicium deducta); a executiva, que visa a satisfazer o direito declarado em uma sentença; e a cautelar, que visa a garantir a efetividade de outra tutela (cognitiva ou executiva).

Pois bem, a tutela jurisdicional, entendida sucintamente como a apreciação de qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito pelo Poder Judiciário, constitui direito fundamental de 1ª dimensão, alçado ao nível de norma principiológica constitucional, materializada na Lex Legum de 1988 no art. 5º, inciso XXXV. Ocorre que, para que esta tutela se realize faz-se necessária a provocação do Estado-Juízo para que este aprecie a controvérsia suscitada, em virtude de ser este, por natureza, inerte (nemo judex procedat ex officio). Tal provocação é promovida pelo fenômeno jurídico processual denominado ação. Conceituar este instituto não é tarefa fácil para a doutrina, haja vista haver inúmeras teorias divergindo acerca do seu conceito e da sua natureza jurídica. A doutrina processualista aponta três teorias que conceituam a ação. A primeira delas é a teoria abstrata, a qual “vê na ação o poder de provocar a atuação do Estado-Juiz. Tal poder, efetivamente, existe, e não é negado por qualquer das outras teorias[107]”. A segunda é a teoria concreta da ação, para a qual esta se constitui no “direito de obter um resultado final favorável e se trata de posição jurídica de que só será titular aquele que, no plano do direito substancial, demonstre ter razão[108]”. Por fim, mesclando o objeto das teorias anteriores construiu-se a teoria eclética da ação. Esta define a ação como o “poder de obter um provimento de mérito, poder este que só estaria presente se o autor preenchesse as ‘condições da ação’. A ausência de qualquer de tais ‘condições’ deve levar à extinção do processo sem resolução de mérito[109]”. O legislador infraconstitucional brasileiro assimilou fragmentos das três teorias, reputando-se as condições da ação como fatores que, uma vez ausentes, implicam na extinção do processo sem a análise do mérito. Assim sendo, chancelando a doutrina de Enrico Tullio Liebman[110], o Código de Processo Civil, no art. 267, VI, define como condições da ação a legitimidade (legitimatio ad causam), o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido.

Consoante assevera Liebman, citado por Marinoni,

Legitimação para agir (legitimatio ad causam) é a titularidade (ativa e passiva) da ação. (...). A legitimação, como requisito da ação, é uma condição para o pronunciamento sobre o mérito do pedido: indica, pois, para cada processo, as justas partes, as partes legítimas, isto é, as pessoas que devem estar presentes para que o juiz possa julgar sobre determinado objeto. Entre esses dois requisitos, ou seja, a existência do direito de agir e a sua pertinência subjetiva, o segundo é que deve ter precedência, porque só em presença dos dois interessados diretos é que o juiz pode examinar se o interesse exposto pelo autor efetivamente existe e se ele apresenta os requisitos necessários[111]. [grifos do autor]

O processualista italiano alhures aludido, ao tratar da segunda condição da ação, qual seja, do interesse de agir, afirma que este se trata de um interesse de caráter secundário (instrumental, processual), auxiliar ao interesse material primário, tendo por objeto “o provimento que se pede ao juiz como meio para obter a satisfação de um interesse primário lesado pelo comportamento da parte contrária, ou mais genericamente, pela situação de fato objetivamente existente[112]”. Prossegue Liebman, considerando que “o interesse de agir decorre da necessidade de obter através do processo a proteção do interesse substancial; pressupõe, por isso, a assertiva de lesão desse interesse e a aptidão do provimento pedido a protegê-lo e satisfazê-lo”. Neste diapasão, a doutrina dissecou esta condição da ação em dois elementos: o interesse necessidade e o interesse adequação. Para Ada Pellegrini Grinover, Antônio Cintra e Cândido Rangel Dinamarco, a necessidade da tutela jurisdicional repousa “na impossibilidade de obter a satisfação do alegado direito sem a intervenção do Estado[113]”, em outras palavras, decorre da vedação da autotutela. A adequação, para os mesmos autores, “é a relação existente entre a situação lamentada pelo autor ao vir a juízo e o provimento jurisdicional concretamente solicitado. O provimento, evidentemente, deve ser apto a corrigir o mal de que o autor se queixa, sob pena de não ter razão de ser[114]”.

A possibilidade jurídica do pedido, em termos gerais, diz respeito à inexistência de óbices no ordenamento jurídico positivo ao direito pleiteado ou à relação jurídica deduzida. Alexandre Freitas Câmara, seguindo a esteira de parte da doutrina, observa que “não só o pedido, mas também o seu fundamento devem ser juridicamente possíveis, sob pena de se ter presente o fenômeno da ‘carência da ação’. Fala-se, então, (...) em possibilidade jurídica da demanda[115]”. E conclui, afirmando que

se deve considerar juridicamente impossível a demanda quando o pedido ou a causa de pedir sejam vedados pelo ordenamento jurídico, não podendo o Estado-Juiz, ainda que os fatos narrados na inicial tenham efetivamente ocorrido, prestar a tutela jurisdicional pretendida.

A análise da pretensão afirmada e da relação jurídica deduzida pelo Poder Judiciário, que atua mediante provocação da parte interessada (ação), ocorre no processo, o qual não pode ser confundido com a ação. Esta – frise-se – consubstancia-se no poder jurídico de provocar o Estado-Juiz para que este, apreciando em concreto as quaestio facti et juri deduzidas, exare, quando juridicamente possível, um provimento de mérito. Também não pode ser confundido com a relação jurídica processual, muito menos com o procedimento (conforme se verá a seguir). Novamente se está diante de um instituto da ciência do direito cuja tarefa de conceituar e definir a sua natureza científica é reputada árdua pela doutrina.

Em sentido amplíssimo, pode-se conceituar o processo como todo procedimento realizado através do contraditório. Ocorre que tal conceito torna-se insuficiente para definir o complexo de atos que permeiam o procedimento em contraditório realizado com o fito de solucionar concretamente uma controvérsia posta em juízo, haja vista existirem, mutatis mutandis, procedimentos de semelhante natureza visando a elaborar em caráter abstrato normas jurídicas positivas (processo legislativo), a resolver questões de ordem de expediente no âmbito dos três “poderes” estatais (processo administrativo lato sensu), e assim por diante[116]. Desta feita, torna-se curial restringir o âmbito epistemológico do instituto em apreço, devendo-se falar em processo jurisdicional. Este pode ser definido como todo procedimento concretizado sob o manto do contraditório e animado por uma relação jurídica processual (formada pelas partes e pelo juízo). Com muito saber, observa Alexandre Freitas Câmara que

Não se confunde, pois, o processo jurisdicional (...) com os demais processos. Não se pode confundir o processo jurisdicional com os demais processos não-estatais, pela simples razão de que nestes não se encontra o Estado no exercício de seu poder soberano. Nem se pode confundir o processo jurisdicional com os demais processos estatais, por faltar nestes o requisito da imparcialidade e equidistância que está presente naquele[117].

Consoante o afirmado alhures, o processo não se confunde com o procedimento. Este é a “forma material com que o processo se realiza em cada caso concreto[118]”. Em outros termos, é o modo pelo qual ele se desenvolve no caso específico, visando à solução do conflito suscitado. Já o processo é o conjunto de atos jurídicos visando a atingir um fim determinado, pouco importando a forma como ele é atingido. É uma entidade complexa da qual é parte integrante o procedimento, juntamente com o contraditório e a res judicium deducta. Tais considerações são suficientes para concluir que não se concebe a existência do processo sem o procedimento. A recíproca não pode ser verdadeira, posto que o procedimento é um conjunto de atos visando a um fim, porém, prescinde da existência de uma relação jurídica processual e da observância do contraditório. O exemplo mais nítido pode ser extraído do Direito Processual Penal: o Inquérito Policial, cuja ausência do contraditório é a sua característica preponderante. Também pode ser tido como exemplo, extraído agora do Direito Processual Constitucional, o processo legislativo, que prescinde da existência de uma relação jurídica.

Procedimentos jurisdicionais (ressalte-se!) e administrativos de diversas espécies podem ser observados na tutela do direito à saúde. Esta pode visar à garantia da efetividade do acesso à saúde por um indivíduo especificamente, ou por um grupo, que pode variar de uma pequena coletividade à sociedade como um todo. Pode-se visar, outrossim, à reparação de um dano resultante da lesão ao direito à saúde, ou se pode recorrer ao Estado-Juiz para evitar a ameaça de lesão ao mesmo.

Neste tópico serão expostos os procedimentos jurisdicionais e administrativos com vistas tanto à proteção individual quanto à coletiva. Em primeiro plano serão declinados os mecanismos processuais de proteção individual. Em seguida, serão abordados os instrumentos jurisdicionais coletivos.

4.2.1. Meios de Proteção Individual

Nesta primeira etapa serão abordados os instrumentos processuais de proteção dos direitos da saúde em nível individual. Como é sabido, inúmeros procedimentos jurisdicionais e administrativos existem para tutelá-los. Inobstante isso, podem-se enumerar em nosso ordenamento jurídico seis maneiras de pleitear a materialização de direitos sanitários obstados[119]: a) o Direito de Petição (previsto no art. 5º, XXXIV, da CRFB/1988); b) o Mandado de Segurança Individual (art. 5º, LXVIII, da CRFB/1988); c) o Mandado de Injunção Individual (art. 5º, LXXI, CRFB/1988); d) o Habeas Data (art. 5º, LXXII, CRFB/1988); e) a Representação Individual ao Ministério Público; f) os meios de defesa dos direitos sanitários inseridos na relação de consumo (Código de Defesa do Consumidor).

O Direito de Petição é definido por Alexandre de Moraes como “o direito que pertence a uma pessoa de invocar a atenção dos poderes públicos sobre uma questão ou situação[120]”. Este direito está previsto em nossa Carta Federativa, no art. 5º XXXIV, sendo assegurado a todos, prescindindo-se ao pagamento de taxas, para a defesa de direitos, sejam eles decorrentes de ilegalidade ou do abuso de poder. Por se tratar de uma prerrogativa democrática, em que pese se consubstancie em um ato jurídico escrito, não possui forma prescrita ou não defesa em lei, tendo caráter essencialmente informal. É parte legítima ativa qualquer pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira. A sua finalidade é a de comunicar o “fato ilegal ou abusivo ao Poder Público, para que providencie as medidas adequadas[121]”. O seu exercício não exige o endereçamento ao órgão competente para apreciar a reclamação, devendo, portanto, quem a receber, enviá-la para a autoridade responsável. Trata-se de procedimento administrativo o qual, como é cediço em nosso sistema normativo[122], não impede o ajuizamento de demanda judicial. Assim sendo, na seara sanitária, o direito de petição pode ser endereçado às secretarias de saúde dos Estados ou Municípios, bem como às autarquias ou fundações por elas mantidas, ou ao próprio Ministério da Saúde, a depender de quem seja o responsável pela execução do serviço em questão, em situações como a do não fornecimento de remédios (desde que previstos na lista oficial de medicamentos essenciais[123]), não realização de tratamentos nas situações previstas na legislação específica, ou as lesões decorrentes de problemas de ordem administrativa local.

Não fosse a precariedade da nossa administração pública em resolver problemas de ordem interna certamente deixariam de ser ajuizadas milhares de demandas judiciais cujo cerne das controvérsias diz respeito a medicamentos ou tratamentos básicos que os órgãos e entes vinculados ao Poder Executivo dos Estados e Municípios poderiam fornecer. E, como observado alhures, inexiste qualquer óbice, ao menos normativo, ao acesso à tutela jurisdicional, aparecem em cena os procedimentos judiciais. O primeiro a ser abordado é o Mandado de Segurança. Hely Lopes Meirelles o define como sendo

O meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça[124] (...).

Este writ constitucional de tutela das liberdades tem sede constitucional, mais precisamente no art. 5º, inciso LXIX[125], da CRFB/1988. A Lei nº 12.016/2009 – Lei do Mandado de Segurança (LMS) – o regulamenta, trazendo em seu art. 1º, o conceito atual deste instituto jurídico-processual:

Art. 1º  Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

Trata-se de ação civil submetida a rito especial, a qual pode se dar sob a forma preventiva ou repressiva. A primeira de suas modalidades visa a coibir um ato ilegal ou abusivo que, uma vez praticado, causará lesão a direito. Como obtempera Hely Lopes Meirelles, “não basta a suposição de um direito ameaçado; exige-se um ato concreto que possa por em risco o direito do postulante”[126]. A forma repressiva visa a obstar ou fazer cessar a prática de um ato concreto que já tenha provocado lesão ao direito do impetrante. Consoante se depreende do seu conceito, o mandado de segurança visa a coibir lesão a direito provocada por ato de autoridade. O que se entende por tal ato e quem de fato pode ser enquadrado no conceito de autoridade? Pois bem, reputa-se ato de autoridade “toda manifestação ou omissão do Poder Público ou de seus delegados, no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las[127]”. Considera-se autoridade “a pessoa física investida de poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída pela norma legal[128]”. Vale ressaltar que não é qualquer agente público que responde pelo ato ilegal, ou seja, “o simples executor não é coator em sentido legal; coator é sempre aquele que decide, embora muitas vezes também execute sua própria decisão[129]”. O direito lesado ou ameaçado de lesão, por ora, é o individual (também podendo ser coletivo, conforme se verá adiante). Por direito individual, para fins deste remédio constitucional, reputa-se aquele que “pertence a quem o invoca e não apenas à sua categoria, corporação ou associação de classe. É direito próprio do impetrante[130].” O direito individual protegido não comporta condição (suspensiva ou resolutiva), termo ou encargo, muito menos se confunde com a mera expectativa de direito. Deve ser líquido e certo. “Quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para o seu reconhecimento e exercício no momento da impetração[131]”, vale dizer, “(...) é direito comprovado de plano[132]”. O Mandado de Segurança é cabível contra ato de autoridade. Porém, o art. 5º da LMS traz algumas exceções, quais sejam: ato que comporte recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; decisão judicial para a qual haja recurso processual eficaz; e decisão judicial transitada em julgado. Outra exceção está presente no art. 1º, § 2º da mesma lei (atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público). Uma vez cabível e não estando obstado por qualquer das exceções legais à sua impetração, o referido mandamus é meio processual para proteger o direito lesado, ou ameaçado de lesão, daquele que necessita de medicamentos, da realização de tratamento terapêutico ou de intervenção cirúrgica essencial à manutenção da vida, seja em virtude de ser o Estado (leia-se: entidade ou órgão vinculado ou conveniado ao SUS) o único econômica e tecnicamente apto a prover tal necessidade, seja em decorrência da debilidade econômica do indivíduo impetrante. Na jurisprudência encontram-se interessantes argumentos no sentido da utilização deste writ na defesa dos direitos sanitários:

“MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO A SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. OBRIGATORIEDADE. PODER PUBLICO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1 - É dever do poder publico, em qualquer de suas esferas, consoante dispõe o art. 196 da constituição federal, assegurar a todos os direitos a saúde, de modo universal e igualitário, incluindo-se aí o fornecimento de medicamentos a população, na forma prescrita por profissional de saúde. 2 - A omissão do poder público em prestar terapia medicamentosa adequada a pessoa enferma, utilizando-se de entraves burocráticos, constitui ofensa a direito líquido e certo do impetrante, amparável via mandamus. (TJ-GO; MS 16938-0/101; Goiânia; Rel. Des. Zacarias Neves Coelho; DJGO 17/11/2008; Pág. 193) [grifo do autor]

“MANDADO DE SEGURANÇA – LIMINAR CONCEDIDA – FORNECIMENTO PELO SUS DE MEDICAMENTO SOLICITADO – SÚMULA 18 DESTA CORTE – ARTS. 5º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – AGRAVO REGIMENTAL – PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR REJEITADA – PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO REJEITADA – PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO REJEITADA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – DEVER DO ESTADO DE FORNECER O MEDICAMENTO NECESSÁRIO À SAÚDE DO AGRAVADO – AGRAVO NEGADO – DECISÃO UNÂNIME. Liminar concedida, em sede de interlocutória, obrigando o Estado a fornecer gratuitamente o medicamento mabthera, 500 MG, necessário ao tratamento de artrite reumatóide, apresentada pelo agravado. Art. 23, II, da Constituição Federal. Preliminares argüidas já atacadas no mandamus e, mais uma vez, rejeitadas. Decisão interlocutória mantida. À unanimidade de votos, negou-se provimento ao recurso.” (TJPE – AgRg 161126-3/02 – Rel. Des. Antônio Fernando de Araújo Martins – DJPE 28.02.2008) [grifo do autor]

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – Fornecimento de medicamento pelo poder público - Impetrante portadora de artrite reumatóide de natureza gravíssima - Proteção constitucional do direito à vida e à saúde (art. 196 da carta magna) - Dever do estado - Remédio de custo elevado, inacessível aos necessitados - Súmula 018 do tribunal de justiça de Pernambuco - Direito líquido e certo violado - Segurança concedida à unanimidade de votos.” (TJPE – MS 130302-0 – Rel. Des. José Carlos Patriota Malta – DJPE 08.12.2007) [grifos do autor]

O procedimento do Mandado de Segurança Individual rege-se pelo conteúdo disposto nos artigos 6º a 25 da LMS. Como dito acima, trata-se de procedimento de rito especial, uma vez que não guarda muitas semelhanças em relação aos ritos presentes no CPC, a exemplo dos prazos diferenciados de citação e intimação (art. 7º, I), do reexame necessário no caso da concessão da segurança suplicada (art. 14, § 1º), além do não cabimento de embargos infringentes e da condenação ao sucumbente dos honorários advocatícios – ressalvada a hipótese de litigância de má-fé (art. 25). Ademais, é válido o alerta quanto ao prazo decadencial de 120 (cento e vinte) dias para exercer o direito de requerer o mandado de segurança (art. 23).

Outro remédio constitucional que pode ser usado na defesa dos direitos da saúde é o Mandado de Injunção Individual. Trata-se do instrumento de tutela constitucional das liberdades positivas “posto à disposição de quem se considerar prejudicado pela falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania[133]”, previsto no art. 5º, inciso LXXI, da CRFB/1988. Este instrumento processual de promoção do acesso aos serviços de saúde direciona-se ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo, na sua função secundária de criar normas abstratas. Na prática, o writ em comento pode ser usado como forma de cooptar o órgão legiferante competente a elaborar normas, mormente de ordem administrativa, que possibilitem o acesso do cidadão prejudicado ao serviço sanitário de que necessita.

Outro meio processual de grande valia para a tutela individual dos direitos da saúde é o “Habeas Data”. Este consiste no

meio constitucional posto à disposição de pessoa física ou jurídica para lhe assegurar o conhecimento de registros concernentes ao postulante e constantes de repartições públicas ou particulares acessíveis ao público, para retificação de seus dados pessoais[134].

O referido meio instrumental vem consagrado no art. 5º, inciso, LXXII, alíneas “a” e “b” da CRFB/1988, e é regulamentado pela Lei nº 9.507/97. Tecnicamente, trata-se de um procedimento processual civil que, malgrado regulamentado por lei especial, rege-se pelas normas do procedimento comum (sumário ou ordinário, a depender dos pressupostos processuais da demanda em concreto), o qual pode visar a garantir o acesso a informações relativas à pessoa do reclamante, ou à retificação de dados concernentes ao mesmo. Na prática jurídica sanitária, tem por finalidade assegurar o acesso aos registros presentes nos bancos de dados dos órgãos ou entes públicos responsáveis por serviços de saúde, bem como aos particulares que com eles se relacionem. Observa com prudência Hely Lopes Meirelles que

O habeas data não se confunde com a garantia constitucional de obter certidões, justificando-se pelo simples interesse, que não necessita de maiores motivações, do impetrante que deseja conhecer o teor dos dados e registros e eventualmente retificá-los. A doutrina dominante considera que só cabe a impetração se a autoridade se recusar a prestar as informações ou a fazer as correções em tempo razoável[135].

O indivíduo lesado em seu direito á saúde pode socorrer-se ao Ministério Público a fim de registrar uma reclamação, requerendo que sejam tomadas as providências cabíveis para a solução do problema que o afeta. A representação individual ao parquet decorre das funções institucionais dos diversos ramos dos Ministérios Públicos da União e dos Estados. A sua previsão legal genérica decorre do art. 6º[136] da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85). Uma vez formulada a reclamação, o promotor de justiça ou procurador da república (caso o objeto pertença à seara de competências do Ministério Público Federal) realizará a notificação das autoridades responsáveis, bem como realizará diligências investigatórias com o fito de averiguar se de fato há lesão a direito constitucional ou a interesse coletivo ou individual homogêneo. Faz-se mister asseverar que, consoante preleciona o art. 15 da Lei Complementar nº 73/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União – LOMPU), “é vedado aos órgãos de defesa dos direitos constitucionais do cidadão promover em juízo a defesa de direitos individuais lesados”. Explicando melhor, a reclamação individual deverá servir de lastro probatório com vistas a subsidiar a proposição de uma ação civil pública, haja vista ser o direito à saúde um direito fundamental tutelado pela Constituição. Caso fique patente que se trata de interesse individual disponível, mesmo que esteja reflexamente relacionado com o direito à saúde, o titular do direito lesado deverá, caso não possa constituir advogado, ser encaminhado ao representante da Defensoria Pública competente para promover a ação judicial cabível (art. 15, § 2º, da LOMPU).

 Com o advento da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC), os serviços de saúde prestados pelo SUS e pelos entes privados a ele conveniados passaram a integrar a relação de consumo. Prova disso encontra-se no art. 6º, inciso X, do CDC, quando dispõe que é direito básico do consumidor “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral”. Mais que isso, o art. 22, caput, do mesmo código consumerista prevê a obrigatoriedade dos órgãos públicos, bem como as suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, de fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, no que tange aos essenciais, contínuos. Assim sendo, nas situações em que a má qualidade dos serviços sanitários provoca danos aos seus usuários é possível o manejo de ações judiciais com a observância das normas presentes nos arts. 81 a 104 do CDC. Vale ressaltar que nesses casos, a tutela será de direitos individuais homogêneos, assim definidos no art. 81, parágrafo único, inciso III do mesmo código. Ou seja, a proteção individual lastreia-se em um interesse coletivo lato sensu.

4.2.2. Meios de Proteção Coletiva

Na etapa anterior, foram expostos alguns instrumentos de proteção judicial dos direitos da saúde. Observou-se naqueles procedimentos alhures declinados que a defesa do direito lesado destinava-se ao indivíduo concretamente considerado, em que pese, como nas hipóteses de representação ao Ministério Público e da observância das normas especiais presentes no Código de Defesa do Consumidor, estivesse sob a tutela mediata o interesse coletivo. Neste momento, ter-se-ão por foco os procedimentos jurisdicionais de natureza coletiva. Antes de declinar especificamente cada procedimento, elucidações didáticas, ainda que breves e superficiais, se fazem necessárias.

O surgimento das ações coletivas tem ligação umbilical com o advento dos Direitos Fundamentais de 3ª Dimensão, quais sejam, os coletivos lato sensu. Estes constituem gênero jurídico que possui três espécies, quais sejam, os Direitos Coletivos “Stricto Sensu”, os Direitos Difusos e os Direitos Individuais Homogêneos. Ao conceituar cada uma das espécies, será feita uma correlação entre elas e o complexo dos direitos da saúde.

A definição de todos eles encontra-se tombada nos incisos do parágrafo único do art. 81 do CDC. Assim sendo, por Direitos Coletivos “Stricto Sensu” reputam-se os

Transindividuais (...), de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas (indeterminadas, mas determináveis, frise-se, enquanto grupo, categoria ou classe determinável) ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base[137]

A definição de tal modalidade de direitos coletivos vem consagrada no art. 81, parágrafo único, inciso II, do CDC. Note-se que o interesse deve transpor à esfera jurídica do indivíduo singularmente considerado, sendo, como informa o próprio dispositivo legal que o conceitua, transindividual.  Em decorrência disso, a natureza jurídica de tais interesses não comporta a tutela jurisdicional individual, não se tratando de uma espécie de litisconsórcio multitudinário. Daí a sua indivisibilidade. Tais requisitos, como se verá logo em seguida, na análise dos direitos difusos, não são suficientes para identificar no caso concreto o caráter coletivo em sentido estrito do direito a ser tutelado. Desta feita, o que os identifica é a presença de uma relação jurídica base entre os litigantes. Vale ressaltar que “a relação-base necessita ser anterior à lesão (caráter de anterioridade)[138]”, formando-se entre os membros de uma classe, “quando unidos entre si (affectio societatis, elemento subjetivo que os une entre si em busca de objetivos comuns)[139]”, ou através do vínculo jurídico que os liga à parte contrária. No âmbito dos direitos da saúde, o caráter coletivo em sentido estrito pode se verificar quando, por exemplo, a irregularidade no fornecimento de remédios básicos, assim como a insuficiência de recursos humanos necessários ao atendimento da mínima demanda por consultas, tratamentos terapêuticos, enfim, quando tais problemas prejudicarem um grupo determinado de pessoas. Vale dizer, os membros de uma associação ou de uma determinada localidade.

A segunda modalidade a ser abordada diz respeito aos Direitos Difusos, definida no art. 81, parágrafo único, inciso I, do CDC. Para Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.,

Reputam-se direitos difusos (...) aqueles transindividuais (metaindividuais, supraindividuais, pertencentes a uma coletividade), de natureza indivisível (só podem ser considerados como um todo), e cujos titulares sejam pessoas indeterminadas (ou seja, indeterminabilidade dos sujeitos, não havendo individuação) ligadas por circunstâncias de fato, não existindo um vínculo comum de natureza jurídica (...)[140].

Percebe-se que na modalidade em estudo a lesão aos interesses não atinge a um indivíduo ou a um grupo deles de forma determinada, mas indistintamente a todos os que integram à relação fática estabelecida por ela. Assim sendo, a péssima qualidade das instalações de um hospital público que assiste pessoas oriundas de diversas localidades (abrangência regional), sendo o único no entorno geográfico a dispor de determinados equipamentos médico-hospitalares, por exemplo, afeta a todos os que fazem uso dos serviços por ele oferecidos, bem como aos que eventualmente possam deles necessitar. Outro exemplo é o de um reservatório de água situado em um terreno particular abandonado, o qual, se não esvaziado ou higienizado, pode servir de habitat para insetos transmissores de doenças (como a dengue, a febre amarela, o mal de chagas, etc.).

A terceira modalidade que se vislumbra é a dos direitos individuais homogêneos, prevista no art. 81, parágrafo único, inciso III, do CDC. Por eles entendem-se “aqueles decorrentes de origem comum, ou seja, os direitos nascidos em consequência da própria lesão ou ameaça de lesão, em que a relação jurídica entre as partes é post factum (fato lesivo)[141]”. Nota-se, porém, que é desnecessário que o fato “se dê em um só lugar ou momento histórico, mas que dele decorra a homogeneidade entre os direitos dos diversos titulares de pretensões individuais[142]”. Enfim, o que esses direitos têm de comum é a “gênese na conduta comissiva ou omissiva da parte contrária, questões de direito ou de fato que lhes conferem características de homogeneidade[143]”. Explicando melhor as ilações acima, toda vez que um fato causar lesão a vários indivíduos, pertencentes a um ou mais grupos de pessoas, nasce a pretensão para repará-la. Tal reparação pode ser pleiteada em sede individual, haja vista ser determinável. Todavia, a tese jurídica geral do pedido individual terá sempre fulcro em uma origem coletiva lato sensu. Conforme anotam Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr,

O fato de ser possível determinar individualmente os lesados não altera a possibilidade e a pertinência da ação coletiva. Permanece o traço distintivo: o tratamento molecular, nas ações coletivas, em relação à Fragmentação da tutela (tratamento atomizado), nas ações individuais. É evidente a vantagem do tratamento uno, das pretensões em conjunto, para a obtenção de um provimento genérico[144].

Imagine-se, para fins de exemplo, que um determinado laboratório que produz medicamentos a serem fornecidos gratuitamente pela rede pública de saúde (SUS), ao fabricar determinado remédio, insira em sua fórmula determinada substância que, por estar presente em quantidade superior ao permitido ou por qualquer outra circunstância, venha a causar efeitos colaterais em diversos pacientes que fizeram uso de tal insumo medicamentoso. Neste exemplo, inobstante tenham os fatos ocorrido em diferentes circunstâncias de tempo e lugar, resta patente que a origem dos danos causados às diversas vítimas é comum.

A causa de pedir em todas as modalidades de procedimentos jurisdicionais e administrativos (“pré-judiciais”) inexoravelmente deve-se pautar na lesão ou ameaça de lesão a direito coletivo, seja em sentido amplo, seja em sentido restrito.

Nas linhas abaixo serão expostos brevemente os seguintes instrumentos de proteção coletiva da saúde: a) Inquérito Civil; b) Ação Civil Pública; c) Ação Popular; d) Mandado de Segurança Coletivo.

O primeiro deles não possui natureza jurisdicional, mas administrativa, de origem pré-processual. Está-se a tratar do Inquérito Civil - IC. Este pode ser conceituado como um “procedimento administrativo investigatório, de caráter inquisitivo, instaurado e presidido pelo Ministério Público, sem maiores formalidades[145]”. Por se tratar de mero procedimento, não é obrigatória a observância do contraditório, embora em alguns casos ela se faça necessária. Seu objeto resume-se na coleta de elementos probatórios ou cognitivos para a atuação processual e extraprocessual incumbida ao órgão do Parquet. Sua finalidade, além da colheita de dados necessários para a propositura de ação civil pública, pode também consistir em facilitar a ocorrência da conciliação extrajudicial em conflitos coletivos, a qual ocorre mediante o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ou Compromisso de Ajustamento de Conduta, previsto no art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85, que também regulamenta a Ação Civil Pública. Uma vez firmado o compromisso, o mesmo deve ser submetido à deliberação e aprovação pelo Conselho Superior do Ministério Público, que pode decidir pela sua homologação, havendo, neste caso, a suspensão do inquérito até o cumprimento das cláusulas definidas no acordo. Além da celebração do Termo de Ajustamento de Conduta, pode também o inquérito civil resultar na propositura da ação civil pública, ou no seu arquivamento, caso fique comprovado não se tratar de objeto que requeira a intervenção ministerial. O rito procedimental do IC é disciplinado nos artigos 8º e 9º da Lei nº 7.347/85.

Na ocasião de o Inquérito Civil não ser extinto ou suspenso, terá o membro do Parquet lastro probatório suficiente para propor uma Ação Civil Pública – ACP. Sua disciplina advém da Lei nº 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública – LACP). Seu conceito pode ser extraído da doutrina de Hely Lopes Meirelles, que, elucidando a conceituação legal, afirma tratar-se do

Instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e por infrações de ordem econômica (art. 1º), protegendo, assim, os interesses difusos da sociedade[146].

O objeto da Ação Civil Pública não se limita aos direitos difusos. Conforme observam os atualizadores da obra de Hely Lopes,

A legislação posterior – especialmente o Código de Defesa do Consumidor – (...) [permitiu que] a ação civil pública viesse a abranger os interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, nos casos dos três primeiros incisos do art. 1º (proteção ao meio ambiente, ao consumidor e ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico), e tão somente os interesses difusos ou coletivos, nos demais casos. Em qualquer hipótese, o ajuizamento de ação civil pública não impede a propositura de ações individuais sobre o mesmo objeto, nem gera litispendência[147].

Interessa ressaltar que o rol trazido nos incisos do art. 1º da LACP é exemplificativo, havendo outras hipóteses previstas tanto de modo esparso na própria Lei nº 7.347/85, a exemplo do art. 12, § 1º[148], quanto em outras leis, a exemplo do CDC, do Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, e assim por diante. Desta feita, a proteção dos direitos da saúde, quando lesados em nível coletivo, pode ser feita através da Ação Civil Pública. Interessante julgado confirma o que se está a afirmar:

“APELAÇÃO. DIREITO Á SAÚDE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO ADEQUADO PARA TUTELA DO DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA TIDA COMO DEVER DE PROMOVER O BEM COMUM. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA ENTRE OS PODERES. INOCORRÊNCIA. DIREITO À SAÚDE ASSEGURADO COM ABSOLUTA PRIORIDADE À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE. EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE IMEDIATA. 1. Por atribuição constitucional (CF, art. 127, caput) e expressa previsão legal (ECA, art. 201, V e 208, VII), o Ministério Público é parte legítima para intentar ação civil pública em favor de direito individual heterogêneo de crianças e adolescentes, como, por exemplo, o direito à saúde e à educação. 2. A prestação de assistência à saúde é direito de todos e dever do Estado, assim entendido em sentido amplo, coobrigando União, Estados e Municípios, todos partes manifestamente legítimas a figurar no polo passivo de ação civil pública. 3. Conjugando-se a já sedimentada ideia de dever discricionário e função jurisdicional com a principiologia vertida na Constituição Federal, dando prioridade absoluta aos direitos da criança e do adolescente, estou em afirmar mesmo que não há discricionariedade quando se trata de direito fundamental da criança e do adolescente (vida, saúde, dignidade). Está o poder público necessariamente vinculado à promoção, com absoluta prioridade, da saúde da população infanto-juvenil. 4. O direito à saúde, super direito de matriz constitucional, há de ser assegurado, com absoluta prioridade às crianças e adolescentes e é dever do Estado (União, Estados e Municípios) como corolário do direito à vida e do princípio da dignidade da pessoa humana. Direito fundamental que é, tem eficácia plena e aplicabilidade imediata, como se infere do §1º do art. 5º da Constituição Federal. NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS APELOS E, EM REEXAME NECESSÁRIO. CONFIRMARAM A SENTENÇA.” (Apelação Cível Nº 70012462099, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 05/10/2005).

O art. 5º da LACP traz em seus incisos o rol numerus clausus dos legitimados a propor a referida ação coletiva. Assim sendo, têm legitimidade ativa ad causam o Ministério Público, a Defensoria Pública, os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), entes da Administração Pública Indireta (taxativamente enumerados: autarquias, empresas públicas, fundações ou sociedades de economia mista) e associações que estejam constituídas há pelo menos 01 (um) ano e que inclua entre as suas finalidades a proteção dos bens elencados no art. 1º da LACP. Impende ressaltar que a tutela coletiva pode visar a atender à necessidade de uma pessoa individualmente. Nesse sentido segue parte da jurisprudência do Praetorium Excelso:

“LEGITIMIDADE - MINISTÉRIO PÚBLICO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - FORNECIMENTO DE REMÉDIO PELO ESTADO. O Ministério Público é parte legítima para ingressar em juízo com ação civil pública visando a compelir o Estado a fornecer medicamento indispensável à saúde de pessoa individualizada.” (STF, REsp 407902/RS. Relator:  Min. MARCO AURÉLIO).

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FOR-NECIMENTO DE MEDICAMENTOS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. DEFESA DE DIREITOS SOCIAIS E INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS. PRECEDENTES. 1. A Constituição do Brasil, em seu artigo 127, confere expressamente ao Ministério Público poderes para agir em defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis, como no caso de garantir o fornecimento de medicamentos a hipossuficiente. 2. Não há que se falar em usurpação de competência da defensoria pública ou da advocacia privada. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF, RExt 554088 AgR / SC - SANTA CATARINA . AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator:  Min. EROS GRAU).

O procedimento jurisdicional da ACP segue o rito comum ordinário, previsto nos artigos 282 a 475-R do Código de Processo Civil – CPC. Apesar disso, ele possui algumas peculiaridades, a exemplo da admissão de medida liminar suspensiva da atividade do réu, caso seja requerida na petição inicial, desde que estejam presentes o fumus boni júris e o periculum in mora. Outra peculiaridade que deve ressaltada diz respeito aos efeitos da sentença. O art. 16 da LACP dispõe que a sentença fará coisa julgada erga omnes, dentro dos limites da competência territorial do órgão que a prolatar, excetuando-se no caso de o pedido ser julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese na qual qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, devendo-se valer de prova nova.

Outro instrumento de proteção coletiva da saúde é a Ação Popular. Esta consiste no Meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos – ou a estes equiparados – ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos[149].

Tal meio processual está previsto no art. 5º, inciso LXXIII, da atual Lex Fundamentallis, sendo regulamentado pela Lei nº 4.717/65 – Lei de Ação Popular (LAP).

Conforme infere Hely Lopes Meirelles, este procedimento jurisdicional

É um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros. Por ela não se amparam direitos individuais próprios, mas sim interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato desta ação não é o autor; é o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto. O cidadão promove em nome da coletividade, no uso de uma prerrogativa cívica que a Constituição da República lhe outorga[150].

Concatenando-se o que dispõem o art. 1º, caput e § 3º, e os arts. 2º a 4º, todos da LAP, são requisitos essenciais para a propositura deste mecanismo processual: a) a cidadania brasileira, que se traduz na capacidade eleitoral ativa, provada através do título de eleitor; b) a ilegalidade ou ilegitimidade de ato ou contrato (arts. 2º e 3º); c) a lesividade do ato ou contrato (art. 4º).

Consoante prelecionam o caput e os parágrafos 1º a 3º do art. 6º da LAP, figuram no polo passivo da demanda popular as pessoas jurídicas de direito público, nelas incluídas os componentes da administração pública indireta, assim como as de direito privado vinculadas aos entes federativos. Além delas, figuram também os agentes públicos que houverem praticado o ato lesivo impugnado ou que, por conduta omissiva, tenham permitido que a lesão viesse a ocorrer, bem como os beneficiários dela. No polo ativo figura, como já dito acima, qualquer cidadão que possua capacidade eleitoral ativa. O § 5º do artigo em apreço possibilita a formação de litisconsórcio ativo facultativo, desde que formado por cidadãos.

No que tange ao rito procedimental da Ação Popular, afirma o caput do art. 7º da sua lei regulamentadora que este seguirá o rito ordinário, previsto no CPC, devendo ser observadas algumas particularidades previstas nos seus incisos. Seguindo a previsão constitucional, é vedada a cobrança de custas processuais, nelas incluído o preparo, não tendo sido, pois, recepcionado o art. 10 da LAP. Os efeitos da sentença assemelham-se aos da proferida em sede de ação civil pública (art. 18) — erga omnes — distinguindo-se daquela no que concerne à sujeição da mesma ao duplo grau de jurisdição (reexame necessário), conforme dispõe o art. 19. Por fim, é curial ressaltar que a pretensão do cidadão para anular ato ou contrato lesivo aos bens tutelados pela LAP prescreve em 05 (cinco) anos (art. 21).

O último dos meios processuais de defesa coletiva da saúde a ser declinado neste subitem é o Mandado de Segurança Coletivo. Aqui as considerações indeclinavelmente serão breves, em virtude de valerem as observações feitas acima quando se tratou do Mandado de Segurança Individual. Assim sendo, cabem alguns questionamentos. Quem possui legitimidade ativa para impetrar o referido mandamus coletivo? E o que se pleiteia com a sua impetração? O inteiro teor do art. 21 da Lei nº 12.016/2009 (LMS) traz as respostas necessárias. Primeiramente, são legitimados para impetrar o Mandado de Segurança Coletivo partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 01 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial (art. 21, caput).  Os direitos que podem ser protegidos pela via heroica são taxativamente elencados nos incisos do parágrafo único do art. 21 da LMS, assim sendo: a) os coletivos, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica, ou seja, os coletivos “stricto sensu”; b) os individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante. Os efeitos da sentença proferida ao final deste procedimento possui efeitos inter partes, ou seja, limitados aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante (art. 22, caput).

4.3. Críticas à Judicialização Excessiva

No tópico acima, foram explicitadas as maneiras de se tutelar o direito à saúde, tanto em nível individual quanto coletivo. Como se sabe, a saúde é direito fundamental, alçada ao status de cláusula pétrea, tendo a sua principiologia básica origem na Constituição da República e nos diversos documentos internacionais. Viu-se, tanto item “2.3. Conceito de Direito Sanitário”, quanto no que tratou dos meios processuais de promoção ao acesso a este direito, que este se desdobra em três perspectivas epistemológicas: proteção (no sentido de tentar salvaguardar a integridade dos indivíduos contra quaisquer ameaças), alcançada, por exemplo, através do Mandado de Segurança; organização e procedimento (quando exige a elaboração de normas materiais e instrumentais que o tornem exequível), pleiteados através do Mandado de Injunção; e prestação em sentido estrito (na medida em que deve ser destinada a todos os que necessitem), reclamada através das ações individuais e coletivas cabíveis – e. g., representação individual ao Ministério Público, “Habeas Data”, Ação Civil Pública, bem como outras ações submetidas ao rito comum ordinário.

Neste diapasão, falou-se também que o direito à tutela jurisdicional é reputado como parte integrante do rol os Direitos Humanos Fundamentais, possuindo respaldo em nossa Constituição da República e em nossa legislação ordinária. Não há, pois, óbices ao acesso à jurisdição, mormente quando já se encontrarem esgotadas todas as vias extrajudiciais de solução do conflito em concreto, a exemplo recurso administrativo improvido ou não conhecido. Assim, sob o ponto de vista dogmático, o acesso à saúde pode ser feito através do Poder Judiciário nos casos em que o mesmo se torne difícil ou impossível de ser alcançado através dos serviços executados pelo Poder Executivo.

Não obstante isso ficou assentado, ainda nos primórdios desta monografia[151], que direito fundamental é dotado de limitabilidade. Assim sendo, não há direitos fundamentais absolutos, nem mesmo a vida, haja vista ser possível que este bem jurídico seja ceifado do seu titular sem que tal fato resulte em sanção para o ceifador. O exemplo disso são as descriminantes elencadas genericamente nos incisos do art. 23 do Código Penal[152], bem como as dirimentes de responsabilidade previstas no art. 188[153] do Código Civil. O art. 187 do Codex Civilis disciplina o fenômeno que a doutrina batizou de “abuso de direito”, dispondo que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé, ou pelos bons costumes”.

O exercício do direito à tutela jurisdicional, com a consequente satisfação das pretensões demandadas, realizado de maneira inconsequente, havendo sentenças e decisões judiciais concedendo pleitos teratológicos (a exemplo de tratamentos experimentais de valor exorbitante no exterior), indeclinavelmente gera o abuso de direito. Este abuso no acesso à tutela judicial vem sendo chamado pelos críticos de “judicialização excessiva”. Este fenômeno jurídico, de origem sociológica, torna-se palco para o surgimento de uma série de questões polêmicas quando se trata da dos excessos da “judicialização” dos direitos sociais, com mais pesar do Direito à Saúde. A matriz de todas as celeumas é de ordem financeira. Sabe-se que os direitos prestacionais (sociais ou fundamentais de segunda dimensão, como se prefira denominá-los) acarretam vultosos gastos aos cofres públicos e que o orçamento, malgrado possa ser quantificado em valores astronômicos, não é infinito. Assim sendo, nascem os argumentos no sentido de tolher os efeitos da “judicialização abusiva” destes direitos. As críticas a ela, porém, não se restringem à questão orçamentária. Ao contrário, permeiam a seara da Teoria Geral do Direito, quando se imiscui em questões como a ponderação dos princípios e a efetividade dos direitos sociais, bem como outras.

Nos itens que se seguem serão expostos os principais argumentos coletados na doutrina, com respaldo da jurisprudência, no sentido de se opor à judicialização em excesso dos direitos sociais, com ênfase no direito sanitário.

4.3.1. Reserva do Possível

A primeira – e certamente mais eloquente – crítica que se faz à judicialização dos direitos da saúde tem natureza financeira e nasce sob a alcunha “Reserva do Possível”, expressão largamente utilizada no Direito Brasileiro, originada no Tribunal Constitucional da Alemanha. O cerne desta crítica gira em torno da constatação de que os recursos públicos destinados a satisfazer as necessidades sociais serão sempre insuficientes, em virtude de serem as demandas inesgotáveis. Assim sendo, cabe aos gestores da coisa pública a escolha da melhor maneira de alocar as verbas existentes, de forma a estabelecer prioridades. E como a demanda supera em muito a oferta de recursos orçamentários, o legislador e o administrador, com a prudência necessária, deverão realizar “escolhas trágicas”. Como bem obtempera Luis Roberto Barroso, em importante estudo científico sobre o tema,

Os recursos públicos seriam insuficientes para atender às necessidades sociais, impondo ao Estado a tomada de escolhas difíceis. Investir recursos em determinado setor sempre implica deixar de investi-los em outros. De fato, o orçamento apresenta-se, em regra, aquém da demanda social pela efetivação de direitos, sejam individuais, sejam sociais[154]”.

Pela teoria da Reserva do Possível, para uma norma que gera um direito prestacional se tornar efetiva faz-se necessária a implementação de condições de ordem fática e jurídica que garantam a sua efetividade. Tais condições, sem dúvida, decorrem de fatores de natureza financeira, tendo em vista que a concretização de direitos sociais implica elevados dispêndios ao erário. E, como já afirmado, o orçamento público não é inesgotável, o que leva o administrador a destinar as verbas oriundas das diversas receitas financeiras de maneira a atender prioritariamente àqueles que mais necessitam de prestações estatais. Todavia, haverá casos em que a satisfação de uma necessidade individual pode comprometer a necessidade potencial dos outros membros da coletividade. É o que ocorre nos direitos da saúde, mormente no fornecimento de remédios e da realização de tratamentos em pacientes com doenças raras.

Assim sendo, quando um magistrado prolata sentenças deferindo pedidos como o da realização de tratamentos caros ou de fornecimento periódico de remédios de alto custo, algumas vezes não presentes na lista oficial de medicamentos (RENAME) por ainda estar em fase experimental, ele além de imiscuir-se em uma função que pertence ao administrador público (Poder Executivo)[155], acaba também por gerar um caos na gestão orçamentária, posto que para o cumprimento do ato por ele exarado parte da verba destinada para os serviços sanitários fica comprometida. Dessa forma, como o número de demandas com pleitos dessa natureza é grande, deve o órgão judicial ponderar no sentido de guiar-se pela diretriz do acesso universal e igualitário. Em outras palavras, a reserva do possível deve servir de instrumento apto a reduzir, ao menos pontualmente, as desigualdades sociais, e não a privilegiar o interesse de uma minoria necessitada em detrimento da maioria hodiernamente prejudicada. Interessante julgado extraído da jurisprudência fluminense aborda esta questão, veja-se:

“Medida cautelar inominada destinada ao fornecimento de remédio de alto custo indispensável para a sobrevivência de pessoa com deficiência renal. Dada a carência de recurso não pode o Estado privilegiar um doente em detrimento de centenas de outros também carentes, que se conformam com as deficiências do aparelho estatal. Não pode o Poder Judiciário, a pretexto de amparar a autora, imiscuir-se na política da administração pública destinada ao atendimento da população. Manutenção da sentença.” (TJRJ, Apelação Cível 1994.001.01749. Relator Des. Carpena Amorim) [grifos do autor]

É indubitável que o argumento baseado na Reserva do Possível tem respaldo em parte da doutrina e da jurisprudência. Todavia, tal argumento, assim como a própria efetividade do direito à saúde, não pode ser utilizado como subterfúgio para o absenteísmo estatal justificado pela carência de recursos monetários. Definitivamente, não é isso que se vislumbra quando se fala em “judicialização razoável”, posto que em determinados casos o interesse individual, uma vez ignorado pelo Poder Público competente, pode ameaçar a paz coletiva. É então que se torna vital a intervenção do Poder Judiciário, que usando da prudência que lhe é inerente e da coercibilidade da qual são dotados os seus atos, promove a prestação estatal necessária para evitar a avaria de um bem jurídico de interesse supraindividual – a vida.

À cláusula da Reserva do Possível opõe-se o princípio do Mínimo Existencial. Este diz respeito à obrigação do Estado em garantir ao cidadão as condições mínimas para a manutenção de uma vida saudável. Em nosso ordenamento jurídico, tal princípio decorre da dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º, III, da Constituição da República. Em face disso, usar o princípio da reserva do possível como verdadeira escusa à obrigação positiva do Estado de garantir os meios necessários à manutenção de uma vida digna é ir de encontro a toda ordem constitucional vigente. Tal princípio recebe o acolhimento de parte da jurisprudência do STF, conforme se vislumbra do julgado colacionado abaixo:

PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E DOENÇA MANÍACO-DEPRESSIVA CRÔNICA, COM EPISÓDIOS DE TENTATIVA DE SUICÍDIO - PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES - DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196) - PRECEDENTES (STF) - ABUSO DO DIREITO DE RECORRER - IMPOSIÇÃO DE MULTA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. (...)”. (STF,  RExt 393175 AgR / RS. Relator: Min. CELSO DE MELLO)

Antes de passar para a próxima crítica à judicialização sanitária, uma observação se faz necessária. Trata-se da relação entre a reserva do possível, a real alocação dos recursos destinados à manutenção dos serviços prestados pelo SUS e o princípio da universalidade equitativa de acesso à saúde. Como se sabe, o sistema público sanitário brasileiro, ao oferecer uma atenção com vistas à integralidade, acaba por abranger desde serviços de nível assistencial primário (como consultas e intervenções cirúrgicas corriqueiras) a procedimentos de alto nível de complexidade, a exemplo do tratamento de câncer, da AIDS, de males crônicos como o diabetes e doenças degenerativas, como o Alzheimer. Em alguns casos, a exemplo da AIDS, a assistência farmacêutica é prestada quase exclusivamente pelo SUS. Ocorre que tais tratamentos complexos (e dispendiosos) competem com outros níveis de atenção à saúde, a que faz uso a parcela da população mais carente. Nota-se que o nível de atenção à saúde atinente aos procedimentos de alto custo possui uma demanda muito menor que a do nível primário, mas os recursos destinados a este são quantitativamente menores, o que revela a real desigualdade no acesso universal à saúde. Osmir Antônio Globekner, em artigo sobre a equidade no acesso à saúde, ao tratar da “universalização excludente”, observada na prática cotidiana, constata o seguinte:

Entendemos que a “universalização excludente” que resulta de uma tutela formalmente universal, por dizer respeito a todos, mas que, na prática, implica o favorecimento de camadas da população já detentoras de um acesso privilegiado no acesso aos serviços de saúde. Este fenômeno resulta, em parte, na linha que vimos expondo neste trabalho, ao lado de outros fatores, de um provimento jurisdicional acrítico às demandas individualizadas.

Essa “universalização excludente” está na contramão da função primeira dos direitos sociais, concebidos como forma de promover a inclusão social, compensando as desigualdades existentes na sociedade ou, nas palavras de CAMPILONGO, citadas no início desta discussão, compensando os “déficits e desvantagens que o próprio ordenamento provoca.”[156]

4.3.2. Legitimidade Democrática na Alocação Orçamentária

A próxima crítica que se estabelece à judicialização do acesso à saúde diz respeito ao confronto entre os princípios da separação dos poderes – com a consequente legitimidade democrática na alocação dos recursos orçamentários – e da Reserva do Possível, e os da máxima efetividade das normas constitucionais e do Mínimo Existencial.

Sabe-se que o Estado brasileiro adotou o modelo de organização do poder estatal proposto por Montesquieu, em seu “O espírito das leis”, dividindo-o em três funções estatais: administrativa (a cargo do “Poder” Executivo), legiferante (“Poder” Legislativo) e jurisdicional (“Poder” Judiciário). Importa, a priori, ressaltar a impropriedade da expressão “tripartição de poderes[157]”. O que existe é a divisão de um poder estatal uno e indivisível em funções típicas – descritas acima – e atípicas – quando exercidas na qualidade de atribuição-meio. Porém, para fins didáticos, utilizar-se-á a expressão “poder” para fazer referência ás funções estatais. O princípio da Separação dos Poderes está tombado no art. 2º[158] da Constituição Federal de 1988 e goza do status de cláusula pétrea, consoante se depreende da leitura do art. 60, § 4º, inciso III, da mesma Carta Maior. Assim sendo, ao Poder Legislativo é dada a tarefa de deliberar acerca da maneira como as receitas públicas serão utilizadas e ao Poder Executivo a execução (direta ou indireta) dos serviços estatais. Ou seja, nas respectivas leis orçamentárias (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual), deliberadas pelos parlamentares, e sancionadas e executadas pelo Poder Executivo, estão contidos os valores e o seu destino na execução dos serviços públicos, dentre eles os prestados pelo SUS e seus conveniados. Tais atribuições constitucionais típicas decorrem da escolha democrática. Portanto, para os defensores da contenção da tutela jurisdicional sanitária, quando o Poder Judiciário impõe ao Executivo (ou a algum ente da administração indireta a ele vinculado) uma obrigação de dar (consistente no fornecimento de remédio para determinado paciente, por exemplo) ele passa a exercer uma atribuição para a qual ele não é democraticamente competente, rompendo, em tese, com a cláusula pétrea da separação dos poderes. Assim, seguindo a esteira deste posicionamento, não deveria o Judiciário imiscuir-se nesta seara, deixando a tarefa de concretamente aplicar o princípio da Reserva do Possível aos poderes competentes.

Não obstante esteja o princípio da separação dos poderes inserido no rol das cláusulas pétreas, ele não é absoluto. Ao contrário, é facilmente mitigado quando posto na balança da ponderação juntamente com outros princípios constitucionais, a exemplo da vida, de onde se origina o direito à saúde. A conclusão pela relatividade deste princípio decorre da regra hermenêutica da Máxima Efetividade das Normas Constitucionais[159], segundo a qual estas devem ter a mais ampla efetividade social. Utiliza-se também o princípio hermenêutico da Concordância Prática[160], que veda a possibilidade de um princípio anular os efeitos de outro quando em rota de colisão, devendo-se aproveitar o máximo da efetividade de cada um deles.

Neste toar, o embate principiológico “separação dos poderes vs. tutela jurisdicional da saúde” traz em seu bojo o conflito entre os princípios da Reserva do Possível, mascarada sob o argumento da separação dos poderes e da legitimidade democrática na alocação das receitas sanitárias, e do Mínimo Existencial, que justifica o amparo judicial do direito à saúde lesado.

Com muita propriedade, Flávia Moreira Guimarães Pessoa e Clara Cardoso Machado, em artigo que aborda o controle judicial das políticas públicas, afirmam que

(...) a Constituição Democrática não consagrou o princípio da separação dos poderes de maneira absoluta, admitindo, pois, o controle recíproco entre os mesmos (check and balances) a fim de se consubstanciar o Estado Democrático de Direito. (...) Com efeito, prioristicamente, cabe ao Poder Legislativo e ao Executivo a deliberação acerca da destinação e aplicação dos recursos orçamentários. Todavia, essa competência não é absoluta, pois encontra seu limite nas normas constitucionais. Assim, a atuação do administrador deve estar umbilicalmente ligada aos direitos fundamentais sociais que exigem prioridade na distribuição desses recursos. Por conseguinte, necessário asseverar que será inconstitucional, por exemplo, a medida de política econômica que retraia a efetividade dos direitos fundamentais[161].

Francisco Viegas Neves da Silva, em trabalho monográfico agraciado com menção honrosa no Prêmio Ajuris, em 2005, ao abordar o cotejo dos princípios do Mínimo Essencial, da Reserva do Possível e da Legitimidade Democrática, conclui no sentido da prevalência do primeiro, assim inferindo:

Na esfera de um padrão mínimo em prestações sociais, também será mínima a restrição na esfera dos princípios conflitantes com a realização dos direitos sociais, afirmando ainda Alexy, que o reconhecimento de um direito subjetivo a prestações sociais básicas, indispensáveis para uma vida com dignidade, sempre deverá prevalecer, no caso concreto, quando em conflito com o princípio da reserva do possível e o princípio democrático, igualmente fundamental, mas não absoluto[162].

A jurisprudência majoritária do STF confirma a prevalência do princípio do mínimo existencial quando em confronto com o da separação dos poderes (e a derivada legitimidade democrática na alocação orçamentária). Vejam-se os seguintes julgados:

“Suspensão de Liminar. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde - SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Ordem de regularização dos serviços prestados em hospital público. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança pública. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF, 47 AgR / PE. Relator: Min. Gilmar Mendes).

“Suspensão de Segurança. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde - SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Fornecimento de medicamento: Zavesca (miglustat). Fármaco registrado na ANVISA. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança públicas. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF, STA 175 AgR / CE. Relator: Min. Gilmar Mendes).

4.3.3. Direitos Sociais Como Normas Programáticas

Um terceiro argumento que pode ser utilizado para combater a judicialização sanitária lastreia-se no enquadramento do Direito à Saúde na categoria das normas programáticas. Antes de prosseguir na assertiva deste tópico, faz-se mister esclarecer o que se entende por elas.

Para que seja feita a conceituação deste grupo de normas torna-se necessário aludir à classificação das normas constitucionais. A doutrina publicista estabelece diversas classificações. Dentre elas, a que oferece a maior possibilidade de compreensão do que se pretende elucidar nesta etapa é a feita por José Afonso da Silva[163], haja vista ser a mais didática.

O professor da USP enquadra as normas constitucionais em três categorias. A primeira é a das normas constitucionais de eficácia plena (e aplicabilidade direta, imediata e integral), as quais estão aptas a produzir todos os seus efeitos a partir do momento em que são promulgadas, prescindindo de complementação normativa infraconstitucional. A segunda consiste nas normas constitucionais de eficácia contida (ou prospectiva). Estas normas surgem aptas a surtir todos os seus efeitos, porém, eles podem ser mitigados ou parcialmente tolhidos por norma infraconstitucional. Observação pertinente é feita por Pedro Lenza, ao comentar tal categoria de normas, quando afirma que

Além da restrição da eficácia das referidas normas de eficácia contida tanto por lei como por outras normas constitucionais, (...), a restrição poderá implementar-se, em outras situações, por motivo de ordem pública, bons costumes e paz social, conceitos vagos cuja redução se efetiva pela Administração Pública[164].

A terceira das espécies aqui colacionadas é a das normas constitucionais de eficácia limitada, também chamadas de aplicabilidade mediata, reduzida ou diferida. Em geral, elas nascem desprovidas dos meios necessários à sua plena aplicação, necessitando da regulamentação infraconstitucional para que possam surtir seus integrais efeitos.

José Afonso da Silva divide esta categoria em dois grupos: o das normas de princípio institutivo (ou organizativo) e o das normas de princípio programático (ou normas programáticas). O primeiro grupo refere-se àquelas “através das quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei[165]”. Já as normas programáticas são aquelas

através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado[166].

Dentre as normas pertencentes a esta classe (direitos sociais em geral) está, segundo o doutrinador acima citado, o Direito à Saúde, previsto genericamente no art. 196 da CRFB/1988. Desta feita, para os que adotam este posicionamento, o Direito à Saúde, assim como os demais direitos prestacionais, constituem normas constitucionais desprovidas de aplicabilidade imediata, ou seja, constituem normas instituidoras de princípios a serem seguidos pelos órgãos estatais e que, em virtude disso, têm a sua exequibilidade condicionada à regulamentação ordinária e, quiçá, infralegal, quando para se tornarem plenamente exequíveis exigem a elaboração de normas de caráter concreto (decreto, resolução, etc.) a cargo dos entes federativos competentes.

Data maxima venia, este posicionamento não merece prosperar, haja vista serem os direitos sociais alçados ao nível de direitos fundamentais do cidadão, tendo os limites de sua aplicabilidade definidos na própria Lei Maior, em seu art. 5º, § 1º. E de fato, cada vez mais a jurisprudência e a doutrina caminham rumo à anulação desta justificativa, sedimentando a orientação no sentido de afirmar os direitos sociais, mormente o direito à saúde, como normas constitucionais de eficácia plena. Observa André Feijó Barroso que

A doutrina também não acolhe a tese de que o direito à saúde é uma norma programática sem efetividade imediata, como vemos em Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos (2002): “O direito à saúde não pode se consubstanciar em vagas promessas e boas intenções constitucionais, garantido por ações governamentais implantadas e implementadas oportunamente, mas não obrigatoriamente. O direito à saúde (art. 6º e 196) é dever estatal que gera direito subjetivo público, devendo o Estado colocar à sua disposição serviços que tenham por fim promover, proteger e recuperar a sua saúde[167]”.

Novamente são válidas as considerações feitas pelas professoras Flávia Guimarães e Clara Cardoso, quando rechaçam a visão dos direitos sociais como normas programáticas, quando aduzem que

De fato, em respeito ao princípio da máxima efetividade da Constituição, parece mais consentâneo inclinar-se para a possibilidade de aplicação direta e imediata de todas as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, independentemente de seu grau de eficácia ou de seu objeto (direito de defesa ou de prestação), como bem afirmou Konrad Hesse: “embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas[168]”.

Nos últimos tempos, a jurisprudência – sobremaneira no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e no STJ – tem se posicionado neste sentido, conforme se depreende da leitura dos julgados colacionados infra:

DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. Legitimidade passiva ad causam. A obrigação de fornecimento de remédios, com base no artigo 196 da CF, é de qualquer dos entes federativos, cabendo ao titular do direito subjetivo constitucional a escolha do demandado. Norma autoaplicável. O artigo 196 da CF, por conter todos os elementos necessários à sua aplicação, é norma de eficácia plena. Apelações improvidas. (TJRS, AC nº 597246552, Primeira Câmara Cível. Relator: Des. Tupinambá Miguel Castro do Nascimento).

APELAÇÃO CÍVEL. ECA. MEDICAMENTO. TUTELA ENTECIPADA. PERDA DO OBJETO. RISCO DE VIDA. Direito à saúde. As normas constitucionais sobre o direito à saúde têm eficácia plena e aplicabilidade imediata, e não caráter meramente programático. Procedimento Licitatório A determinação para o cumprimento do dever constitucional dos entes federativos, de garantir o acesso à saúde à população, não implica, de forma alguma, afastar o procedimento licitatório. A realização ou não de licitação para aquisição de medicamento urgente está na órbita do Executivo, ligada a sua organização e planejamento interno. Prova da necessidade do tratamento e da internação. A prova da necessidade da internação e do tratamento médico foi realizada através de atestados médicos. Perda do objeto. Não há perda do objeto só porque se alega ter satisfeito o pedido do fornecimento de tratamento médico em sede de decisão liminar. Importa que para ser efetivado o direito da parte autora fez-se necessário analisar o mérito da ação, o que ensejou a confirmação em sentença do pedido liminar de antecipação de tutela. Urgência e necessidade. A legislação constitucional e infraconstitucional aplicável à espécie não prevê como requisito para a concessão do direito em tela a urgência ou o risco de vida, mas sim, a necessidade de recebimento do medicamento. E a necessidade de receber o medicamento Leponex 25 mg está comprovada nos autos. Separação dos poderes e devido processo legal. Em razão da proteção integral constitucionalmente assegurada à criança e ao adolescente, a condenação dos entes estatais ao atendimento do direito fundamental à saúde não representa ofensa aos princípios da separação dos poderes, do devido processo legal, da legalidade ou da reserva do possível, e não caracteriza ofensa a eventuais restrições orçamentárias. CONHECERAM EM PARTE DO RECURSO E, NA PARTE CONHECIDA, NEGARAM PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº 70029328283, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 02/07/2009).

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. HERCEPTIN 440 MG. O Município é responsável, solidariamente ao Estado e à União, ao fornecimento de medicamentos, porquanto incumbe ao Poder Público, em todas as esferas de poder político, a proteção, defesa e cuidado com a saúde. Por outro lado, não há afastar a responsabilidade do Município, ora agravante, em fornecer à agravada o medicamento apontado na inicial, sob o argumento de ausência de previsão na lista de medicamentos fornecidos pelo Município. Deve ser mantida absoluta prioridade no tocante à proteção da vida. Para tanto, a Constituição Federal preconiza (art. 196) o dever do Estado e demais entes federativos em providenciar a saúde, através de políticas públicas. Essa norma possui eficácia plena e aplicabilidade imediata, como expressamente prevê o § 1º do art. 5º da Constituição Federal. A alegada ausência de requerimento administrativo perante o Estado do Rio Grande do Sul não afasta o direito da parte autora de receber a medicação, uma vez que a obrigação estatal de garantir o direito à saúde não se limita a determinado procedimento administrativo, considerando a necessidade atestada pelos relatórios médicos mencionados na decisão agravada. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70025020371, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Agathe Elsa Schmidt da Silva, Julgado em 17/09/2008).

ECA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. Caracterizada a pretensão resistida pela necessidade de intervenção judiciária para a obtenção da tutela pretendida. Demonstração da necessidade financeira dos pais. A responsabilidade dos entes públicos, na efetivação do direito à saúde, é solidária, conforme prevê o art. 196 da CRFB. Precedentes desta Corte e do STF. Normas constitucionais de eficácia plena. Direito à vida que sobrepõem a limitações licitatórias ou orçamentárias. REJEITADAS AS PRELIMINARES. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO. (Agravo de Instrumento Nº 70018018531, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 05/02/2007)

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS CONCRETAS. DIREITO À SAÚDE (ARTS. 6º E 196 DA CF/88). EFICÁCIA IMEDIATA. MÍNIMO EXISTENCIAL. RESERVA DO POSSÍVEL. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE DECIDIU A CONTROVÉRSIA À LUZ DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I e II, DO CPC. NÃO CONFIGURADA. (STJ, REsp 811608 / RS. Relator: Min. Luiz Fux)

4.4. Macrojustiça &. Microjustiça

A tutela jurisdicional da saúde além de ser a força motriz de discussões de natureza dogmática e filosófica, é também palco para uma celeuma que não encontra consenso tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Trata-se do confronto entre a Macrojustiça e a Microjustiça, que tem raiz no embate entre o interesse individual e o coletivo. Antes de expor os comentários pertinentes a este embate jurídico-filosófico de reflexos práticos, alguns esclarecimentos se fazem necessários.

Prima facie, a discussão em evidência torna-se motivo de polêmica quando são postos em conflito direitos de natureza prestacional. Isto se explica pelo fato de estes imporem ao Estado obrigações positivas que inevitavelmente acarretam gastos. E, como já se afirmou à exaustão neste trabalho, a necessidade dos administrados é infinita e a verba necessária para satisfazê-la é deveras limitada. Não geram tantas divergências as hipóteses em que um indivíduo terá de sacrificar um direito fundamental de 1ª dimensão a fim de preservar o interesse da coletividade (que, indiretamente, refletirá no dele). Assim sendo, o direito de ir e vir (art. 5º, XV, CRFB/1988) de um cidadão poderá lhe ser temporariamente retirado quando este vier a atentar contra a ordem pública cometendo um delito que enseje o seu recolhimento ao cárcere. Igualmente, o direito de propriedade (art. 5º, XXII), cuja limitação de seu exercício encontra-se na sua função social (art. 5º, XXIII). A inviolabilidade domiciliar encontra mitigações em casos como o de desastre (art. 5º, XI). Até mesmo a vida pode ceder ao interesse nacional (soberania), quando é permitida a da aplicação da pena de morte em caso de guerra declarada (art. 5º, XLVI, “a”, da CRFB/1988; arts. 55 a 57, do Decreto-Lei 1.001/1969 – Código Penal Militar). Nesses casos, a prevalência do interesse público sobre o individual ou, como também ocorre, a prevalência deste sobre aquele não trará restrições de ordem financeira ao Estado, tendo os argumentos origem filosófica, religiosa, política, sociológica, e assim por diante. O mesmo raciocínio aparentemente simples não pode ser aplicado quando se trata de direitos prestacionais, haja vista haver situações em que o privilégio de qualquer deles atentará contra a ordem pública e a paz social. Explicações mais precisas serão feitas logo a frente.

Tangenciando qualquer inferência quanto às mazelas existentes em nossa administração pública (corrupção, desvio de finalidade, lesão ao erário, favorecimento pessoal, etc.), é certo que o povo, através do direito de sufrágio exercido pelo voto, escolhe aqueles incumbidos de criar leis que definirão a maneira de aplicar as receitas públicas (Deputados e Senadores) e aqueles incumbidos de gerenciá-las (Prefeitos, Governadores e Presidente da República). Os administradores estatais (rectius, membros do Poder Executivo da cada um dos entes da federação), nomeiam os gestores (ministro da saúde e secretários de governo) que diretamente alocarão os recursos destinados a prover os serviços sanitários. Assim sendo, no uso de suas atribuições, os gestores da saúde, com base em dados estatísticos oficiais e em informações técnicas oriunda de fontes especializadas, escolhe a melhor maneira de satisfazer as necessidades da coletividade. Analisam-se, a título de exemplo, quais as localidades e grupos sociais que mais necessitam de assistência médico-hospitalar; define-se a execução das políticas farmacêuticas, cujo exemplo maior é a escolha dos medicamentos que comporão a Relação Nacional de Medicamentos – RENAME; escolhe-se a melhor maneira de prover os recursos humanos, promovendo, a depender da necessidade e da conveniência orçamentária, a realização de concursos públicos para o provimento de cargos diversos, dentre eles, os de especialistas na área médica, biomédica, odontológica, terapêutica, psicossocial, etc.; gerencia-se a execução das políticas de vigilância sanitária; e assim por diante. Visa-se com isso ao atendimento dos interesses prioritários da sociedade, privilegiando-se aqueles que mais necessitam. Privilegia-se, vale ressaltar, não aqueles mais débeis economicamente, mas aqueles que estão em situação de maior risco à integridade física, independentemente da condição econômica. Realiza-se, com tais medidas, a justiça em nível amplo ou, como se diz com mais propriedade, a macrojustiça.

Acontece que a justiça supostamente concretizada em nível geral, a cargo do Poder Executivo e do Legislativo (gestores do SUS), encontra obstáculos à sua plena realização nas já mencionadas falhas gerenciais do SUS. Sendo assim, o indivíduo, tendo a sua necessidade de assistência médico-hospitalar ou farmacêutica desamparada pelos órgãos competentes, não vislumbra outra solução senão recorrer ao Poder Judiciário para ter a sua pretensão atendida. Este, uma vez convencido da viabilidade jurídica do pedido individual (ou individual lastreado no interesse coletivo lato sensu), profere uma decisão interlocutória (concedendo um pedido de tutela antecipada, por exemplo) ou uma sentença (de procedência) impondo ao ente federativo responsável a obrigação de, no caso concreto, fornecer um determinado medicamento, conceder a realização de intervenção cirúrgica ou de tratamento terapêutico especial. Nesta perspectiva, realiza o Poder Judiciário a chamada microjustiça.

Analisando-se pontualmente cada caso posto sub judice, pode-se concluir de modo simplório que o argumento baseado na reserva do possível cai por terra, haja vista ter o erário condições financeiras suficientes para fornecer, por exemplo, um medicamento cuja dose mensal custa em torno de cinco mil reais. O que são alguns poucos milhares de reais para um orçamento alçado em bilhões? Quase nada, responde-se. O magistrado, ao expedir seus atos processuais, visa apenas à satisfação do caso posto em concreto para a sua apreciação. Assim sendo, em uma conclusão en passant, não restariam dúvidas de que havendo no polo ativo da demanda paciente acometido de mal grave, desprovido de recursos para custear o tratamento do mesmo (exacerbadamente dispendioso) e, tendo em vista a diretriz da integralidade dos serviços sanitários e do acesso universal à saúde, nada justificaria denegar o pedido formulado pelo autor e acolher a tese do requerido (fazenda pública, geralmente) utilizando-se como justificativa a escassez de recursos orçamentários.

Mas o que dizer quando esse mesmo argumento é utilizado para condenar o Estado ou Município a fornecer remédios ou a realizar tratamentos no exterior de valores exorbitantes[169]? Mais ainda. Questiona-se a validade do raciocínio demonstrado poucas linhas acima quando se tem conhecimento da prolação de milhares de decisões e sentenças em todo o país condenando os gestores do SUS a arcar com tratamentos desta monta. Nesta perspectiva o conflito “macrojustiça x microjustiça” torna-se quase um problema sem solução. De um lado tem-se um indivíduo que luta pela sua sobrevivência. De outro, visualizam-se a diretriz da integralidade e os princípios da universalidade e da equidade no acesso – impostas ao Estado-Administrador (gestor do SUS) – ameaçadas de ineficácia absoluta. Como é sabido, não é possível prever nas leis orçamentárias a verba necessária para suprir os gastos com o cumprimento das condenações judiciais, ante a sua necessária imprevisibilidade.

Outro questionamento que se faz é quanto à eficácia social da “microjustiça”. Sabe-se que o acesso à Justiça é assegurado genericamente no inciso XXXV[170] do art. 5º da Constituição da República, sendo garantida a assistência judiciária gratuita àqueles desprovidos de recursos (art. 5º, LXXIV, CRFB/1988), através das Defensorias Públicas dos Estados (DPE´s) e da União (DPU). Não obstante isso, a prática cotidiana revela que o acesso ao Poder Judiciário, assim como aos demais direitos prestacionais (com mais pesar, a saúde), não se dá de forma isonômica. Prova disso é a debilidade financeira e técnica das defensorias públicas, que em muitas comarcas carecem até mesmo de materiais básicos como impressora, computador e papel. O que deveria ser uma instituição independente e forte na defesa dos mais necessitados acaba por se tornar uma atividade de filantropia por parte dos elogiáveis defensores públicos. A praxis revela uma desvantagem dupla da maioria dos usuários do SUS: além de não conseguirem ter acesso a serviços de saúde de qualidade, ainda têm que percorrer uma via crucis para conseguir ter acesso a uma tutela jurisdicional efetiva.

Realidade diversa enfrenta uma pequena parcela dos usuários dos serviços prestados pelo SUS – classes média e alta – que têm acesso à advocacia privada – aos grandes escritórios, ressalte-se. Estes apenas fazem uso do sistema público de saúde para ter acesso a remédios ou tratamentos que os seguros privados de saúde não cobrem. Assim sendo, quando em situações concretas veem-se privados do acesso aos meios de promover a manutenção de sua integridade física, pacientes desta categoria social recorrem aos advogados especializados em demandas judiciais sanitárias e, utilizando-se de um poderoso aparato jurídico, conseguem ter acesso à tutela jurisdicional efetiva. São esses os casos majoritários em que se realiza a “microjustiça”. E é por isso que a sua eficácia social é questionada.

Ainda assim, não se pretende com este trabalho reforçar as críticas à judicialização da saúde. Visa-se, ao contrário, reforçar a necessidade da intervenção judicial nos casos em que a mesma se torna vital. É disso que tratará o tópico que se segue, ao abordar a aplicação do princípio da razoabilidade às sentenças e decisões judiciais, bem como ao estabelecer parâmetros para a atuação do magistrado nas lides sanitárias.

4.5. Judicialização Razoável: Parâmetros de Atuação do Poder Judiciário

Da leitura do tópico pretérito é possível perceber que o controle judicial das políticas sanitárias e os seus reflexos no orçamento que mantém o Sistema Único de Saúde – SUS – geram um conflito hermenêutico que, por mais que haja sugestões dadas pelos doutrinadores para a sua solução, os fatos que subsidiam os princípios e normas em confronto permanecem. Em termos menos singelos, continuam a se proliferar julgados dissonantes ora concedendo a realização de tratamentos ou o fornecimento de remédios de altíssimo valor – apoiando-se no Mínimo Existencial e na prevalência da Microjustiça –, ora denegando-os – com fundamento na Reserva do Possível e na primazia da Macrojustiça. E o pior: longe do ambiente caloroso das discussões jurídicas, as mazelas nos serviços públicos de saúde permanecem e os princípios e diretrizes do SUS tornam-se verdadeira utopia. As palavras de Norberto Bobbio, ao discorrer sobre o dever da coerência na tentativa de solucionar os conflitos entre os critérios de resolução das antinomias normativas, expressam de forma cristalina a dimensão abstrata do problema:

Quando a coerência não é condição de validade, continua a ser condição para a justiça do ordenamento. É evidente que quando duas normas contraditórias são ambas válidas e podem ser aplicadas indistintamente, ora uma, ora a outra, segundo o livre juízo daqueles que são chamados a aplicá-las, são violadas duas exigências fundamentais, em que se inspiram ou tendem a se inspirar os ordenamentos jurídicos: a exigência da certeza (que corresponde ao valor da paz ou da ordem) e a exigência da justiça (que corresponde ao valor da igualdade). Quando existem duas normas antinômicas, ambas válidas, e, portanto, ambas aplicáveis, o ordenamento jurídico não consegue garantir nem a certeza, entendida como possibilidade, por parte do cidadão, de prever com exatidão as consequências jurídicas da própria conduta, nem a justiça, entendida como igual tratamento das pessoas que pertencem à mesma categoria[171].

Face à complexidade deste funesto principiológico, não pode este singelo trabalho monográfico ter a pretensão de solucioná-lo. Do contrário, qualquer conclusão a que se tente chegar com as premissas argumentativas formuladas será inexoravelmente um sofisma. Em compensação, podem-se aproveitar as inúmeras tentativas de solução formuladas pela doutrina e, com base nelas, condensar os possíveis meios de pacificação, mesmo que paliativa, deste conflito teórico de reflexos na praxe cotidiana.

É justamente isso que será feito nos itens que se seguem: estabelecer parâmetros de atuação nas lides que envolvem o direito à saúde, com mais ênfase no fornecimento de remédios e na realização de tratamentos terapêuticos e intervenções cirúrgicas. Estes paradigmas de atuação propostos, sem dúvida, deverão estar lastreados nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, conforme se verá logo adiante.

4.5.1. Razoabilidade e Proporcionalidade

Os princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade, mais que premissas informativas de um ou outro ramo do Direito, são verdadeiros mandamentos de otimização que embasam a ciência jurídica de um modo geral. São, por assim dizer, Princípios Gerais do Direito. Em face disso, torna-se importante fazer um recorte epistemológico da sua definição e do seu âmbito de abrangência, aplicando-os ao Direito Processual, com mais pesar, à prática judicante. Para tanto, serão feitos os devidos esclarecimentos acerca de cada um desses princípios.

Tratar-se-á, em primeiro plano, do princípio da razoabilidade. Nos manuais e compêndios de Direito Administrativo encontram-se diversos conceitos, haja vista estar este princípio positivado no art. 2º da Lei nº 9.784/99 – regulamentadora do processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Para fins do presente estudo, as reflexões acerca deste princípio não incidirão sobre o controle judicial direto da Administração Pública. Ao contrário, abrangerão o controle indireto, quando se condenam as Fazendas Públicas mantenedoras do SUS ao fornecimento de algum bem relacionado à saúde. De maneira simples, mas não por isso simplória, José os Santos Carvalho Filho assim preceitua:

Razoabilidade é a qualidade de ser razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro dos limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam dispor-se de forma um pouco diversa. Ora, o que é razoável para uns pode não o ser para outros. Mas, mesmo quando não o seja, é de reconhecer-se que a valoração se situou dentro dos standards de aceitabilidade[172].

Alguns doutrinadores do seio administrativista afirmam que o princípio em análise é sinônimo da “proibição do excesso”[173] ou da “adequação entre os meios e os fins” . Estes, porém, são aspectos do princípio da proporcionalidade. Maria Sylvia Zanella Di Pietro infere que a razoabilidade decorre da contensão da discricionariedade (administrativa), a qual, se não for controlada, pode se converter em arbítrio[174]. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, citado por Di Pietro, ao conceituar o princípio em comento, insere elementos da proporcionalidade em sua definição, assim preceituando:

A razoabilidade, agindo como um limite à discrição na avaliação dos motivos, exige que sejam eles adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo a que o ato atenda a sua finalidade específica; agindo também como um limite à discrição na escolha do objeto, exige que ele se conforme fielmente à finalidade e contribua eficientemente para que ela seja atingida[175].

Nota-se, então, que as considerações feitas em relação aos atos administrativos são plenamente aplicáveis aos praticados pelos demais poderes estatais, mormente o Poder Judiciário. Mas, transpondo o ponto de vista para o campo da hermenêutica jurídica, encontra-se no pensamento de Ricaséns Siches, uma importante contribuição para a tentativa de elucidar este princípio. Ao comentar o livro intitulado Nova Filosofia da Interpretação do Direito, do referido doutrinador, a professora Margarida Maria Lacombe Camargo afirma que para ele,

Os juízes, ao privilegiarem os efeitos concretos do direito na sociedade, muitas vezes se veem diante da necessidade de dissimular a lei para fazer justiça, ou pelo menos evitar a injustiça. Mas, para escapar de qualquer tipo de crítica ou acusação, em virtude de terem agido arbitrária ou negligentemente, ameaçando a ordem e a estabilidade social, precisam elaborar uma justificativa que apresente uma aparência lógica e que seja, portanto, convincente. (...). De toda forma, (...), o problema de se identificar qual é a norma aplicável ao problema concreto não é um problema de conhecimento de realidades, mas um problema de valoração[176].

Prossegue a professora, afirmando que

Sobre a essência da função judicial, que se ampara no logos do razoável, o autor nos remete para o problema da interpretação. A dimensão criadora de Ricaséns Siches, por sua vez, remete-nos à questão da valoração, que se dá na escolha dos fatos e das normas. O método aplicável (...) é o método que leva o juiz à interpretação mais justa, mas infelizmente [o autor] não se aprofunda na questão do método valorativo (...)[177].

Neste diapasão, tendo por paradigma o pensamento de Siches, a razoabilidade pode ser resumida, no tocante à atividade jurisdicional, à necessidade de o aplicador das normas jurídicas escolher dentre elas a mais justa para reger o caso concreto apreciado, devendo usar da sua prudência para, com isso, não fugir à legalidade. Como dito alhures, a razoabilidade é utilizada por parte da doutrina como sinônimo da proporcionalidade, posição não adotada neste trabalho. Luis Roberto Barroso, justificando a cogitada fungibilidade conceitual existente entre eles, pondera em nota de rodapé que

A ideia de razoabilidade remonta ao sistema jurídico anglo-saxão, tendo especial destaque no direito norte-americano, como desdobramento do conceito de devido processo legal substantivo. O princípio foi desenvolvido como próprio do sistema do common Law, através de precedentes sucessivos, sem maior preocupação com uma formulação doutrinária sistemática. Já a noção de proporcionalidade vem associada ao sistema jurídico alemão, cujas raízes romano-germânicas conduziram a um desenvolvimento dogmático mais analítico e ordenado. (...). Sem embargo da origem e do desenvolvimento diversos, um e outro abrigam valores subjacentes: racionalidade, justiça, medida adequada, senso comum, rejeição aos atos arbitrários ou caprichosos. Por essa razão, razoabilidade e proporcionalidade são conceitos próximos o suficiente para serem intercambiáveis[178].

Assim sendo, entendendo-se que a proporcionalidade não é sinônima da razoabilidade, como se poderia, então, defini-la? Novamente é curial valer-se da doutrina publicista, mormente dos ramos do Direito Constitucional e Administrativo para conceituá-la e explaná-la de maneira segura. Segundo Carvalho Filho,

O grande fundamento do princípio da proporcionalidade é o excesso de poder, e o fim a que se destina é exatamente o de conter atos, decisões e condutas de agentes públicos que ultrapassem os limites adequados, com vistas ao objetivo colimado pela Administração, ou até mesmo pelos Poderes representativos do Estado. Significa que o Poder Público, quando intervém nas atividades sob seu controle, deve atuar porque a situação reclama realmente a intervenção, e esta deve processar-se com equilíbrio, sem excessos e proporcionalmente ao fim atingido[179].

Hely Lopes Meirelles, seguindo a esteira doutrinária que entende pela sinonímia conceitual de ambos os princípios, elenca o que se pode entender por proporcionalidade em sentido amplo:

Sem dúvida, pode ser chamado de princípio da proibição do excesso, que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais. Como se percebe, parece-nos que a razoabilidade envolve a proporcionalidade e vice-versa[180].

Classicamente é possível dividir o princípio em estudo em três vertentes fundamentais[181]: a) adequação, que significa que os meios utilizados para a realização de qualquer ato devem ser compatíveis com os fins colimados; b) necessidade, ou seja, a conduta a ser realizada deve ser a necessária ao caso concreto, devendo o agente público escolher, dentre as possíveis maneiras de realizá-la, a que seja menos onerosa e prejudicial aos interessados; c) proporcionalidade em sentido estrito, que significa que o ônus decorrente da prática do ato administrativo (ou judicial) não pode ser maior que o bônus dela derivado, seja para a Administração (ou Jurisdição), seja para o destinatário (“administrado” ou “jurisdicionado”) do ato.

Faz-se mister ressaltar que malgrado os princípios em evidência tenham origem e significados distintos, guardam eles certa semelhança (configurando-se uma verdadeira paronímia). Esta se consubstancia no fato de ambos terem uma finalidade comum: a coibição da discricionariedade ilimitada e do puro arbítrio, os quais muitas vezes vêm mascarados no chamado “livre” convencimento motivado, na “legitimidade” democrática do legislador e nos diversos atos administrativos “discricionários” praticados pelos gestores públicos. Novamente se torna útil socorrer-se da doutrina de Carvalho Filho, que, adotando o posicionamento que pugna pela divergência conceitual desses princípios, faz, com bastante racionalidade, a seguinte consideração:

Examinada, conquanto em síntese, a fisionomia dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, chega-se à conclusão de que ambos constituem instrumentos de controle de atos estatais abusivos, seja qual for a natureza. (...). Na verdade, “confluem ambos, pois, rumo ao (super) princípio da ponderação de valores e bens jurídicos, fundante do próprio Estado de Direito Democrático contemporâneo (pluralista, cooperativo, publicamente razoável e tendente ao justo)[182]”.

Como dito, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade servem como instrumento de controle dos atos judiciais na medida em que tentam se imiscuir em um campo obscuro e praticamente impenetrável conhecido como “convencimento” judicial. Este, apesar de obrigatoriamente fundamentado, confere grande margem de discricionariedade ao aplicador oficial do ordenamento positivo na solução das lides – o magistrado. Assim sendo, usando dos meios dogmáticos apropriados, pode o julgador, da mesma maneira que pratica atos de ofício que concretamente pacificam as relações sociais conflituosas, proferir também decisões e sentenças que ultrapassam os limites do que se entende por aceitável e tumultuar mais ainda os ânimos já rivalizados.

Nas lides que envolvem a entrega de medicamentos e a realização de tratamentos hospitalares e exames clínicos, decisões arbitrárias e exageradas, sob o manto da prevalência do direito à manutenção da sanidade física e mental dos requerentes, impõem aos gestores do SUS obrigações que lesam o orçamento destinado a atender a todos os usuários do sistema, mormente no nível de atenção primária. Esquecem-se os julgadores da relatividade inerente aos princípios fundamentais e encaram a cláusula do mínimo essencial como uma premissa principiológica absoluta, configurando-se um verdadeiro e inconsequente “livre convencimento” totalitário.

Os operadores das normas jurídicas, quando se deparam com essa questão, muitas vezes posicionam-se da maneira unilateral, seja contra, seja a favor da judicialização do acesso à saúde. Poucos, ao menos em nível doutrinário, são aqueles que se preocupam com os males advindos dos excessos judiciários no orçamento do SUS e tentam harmonizar a dicotomia ideológica existente, estabelecendo parâmetros de atuação. Estes são elencados pontualmente pelos doutrinadores e nos diversos julgado, não havendo, pois, uma uniformidade a ser seguida. Sendo assim, deve o magistrado guiar-se pelo binômio proporcionalidade-razoabilidade e escolher a orientação necessária para fundamentar o seu ato dispositivo. Nos itens finais deste capítulo serão expostas algumas das sugestões encontradas na doutrina para auxiliar o Poder Judiciário na solução dos conflitos de origem sanitária.

4.5.2. Parâmetros de Atuação em Sede Individual

Como visto nas páginas acima, o radicalismo ideológico deve ser evitado quando se trata do acesso à saúde. Afirmar que o Estado-Juiz não deve imiscuir-se no plasma de competências do Estado-Legislador e do Estado-Gestor – salvo quando estes praticam escabrosos abusos – sob o argumento de serem eles os legitimados pelo sufrágio popular para decidir a maneira como deverão ser alocados os recursos do SUS é fechar os olhos para a realidade político-social brasileira, marcada pelo fosso abissal de desigualdades. Afirmar também que o direito à saúde é norma programática é abraçar um posicionamento há tempos superado. Em contrapartida, conferir ao acesso à saúde o status de direito fundamental absoluto e, com base nesta premissa, deferir todo e qualquer pedido é ignorar as limitações orçamentárias e, mais ainda, lesar o interesse público de ter serviços de saúde adequados para todos os que deles necessitem, mormente no nível primário de atenção. Assim sendo, urge o apelo à racionalidade, que, juridicamente se expressa nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Neste tópico serão declinados alguns parâmetros de atuação jurisdicional nas ações individuais, sobretudo nas que versam sobre o fornecimento (ou “dispensação”) de medicamentos – a maioria. Vale inferir que o rol aqui apresentado é deveras exemplificativo, devendo existir outros elencados na doutrina pátria e estrangeira.

O primeiro dos paradigmas a ser expostos diz respeito à observância, por parte do juiz, da pertinência dos medicamentos requeridos às listas oficiais elaboradas pelos gestores nacional, estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde. Como é sabido, o SUS é regido pelo princípio do acesso universal e igualitário aos serviços de saúde, assim sendo, para que tal preceito informativo seja observado devem os entes federativos garanti-lo por meio de políticas sociais e econômicas, consoante preceitua o art. 196 da Constituição da República. Estas, no caso do fornecimento de remédios, se materializam na elaboração das listas (ou relações) de medicamentos essenciais a serem distribuídos gratuitamente.

 A Portaria nº 3.916/98, do Ministério da Saúde, estabelece a Política Nacional de Medicamentos, na qual são descritas as atribuições da União, dos Estados e dos Municípios, além do Distrito Federal. Ao gestor federal é incumbida a formulação e a manutenção gerencial da referida política de medicamentos. Cabe também ao Ministério da Saúde a elaboração da Relação Anual de Medicamentos – RENAME – a qual deve servir de base para as listas a serem criadas pelos demais entes da federação. A União, em parceria com os Estados e com o Distrito Federal, encarrega-se da aquisição e da distribuição dos remédios considerados excepcionais (de caráter excepcional[183]), ou seja, os destinados ao tratamento de doenças específicas, as quais afetam a um número reduzido de pacientes, possuindo elevado custo,seja em decorrência do seu uso por período longo, seja em decorrência do valor de cada unidade. Os Estados ocupam-se da definição do relatório de medicamentos a serem adquiridos diretamente por eles, sobretudo os de caráter excepcional. Já os Municípios estão incumbidos primordialmente de adquirir e distribuir os remédios destinados ao nível de atenção básica. Além disso, o gestor municipal deverá estabelecer uma relação de suprimentos farmacêuticos a serem fornecidos, com base no RENAME.

Com base nisso, deve o julgador, ao apreciar um pleito que versa sobre a dispensação de determinado medicamento, verificar o seguinte: a) se o ente demandado é competente para entregar a res objeto da lide, ou seja, se o remédio é considerado excepcional – obrigação de dar incumbida à União ou ao Estado – ou se é essencial, ou seja, destinado à cura ou atenuação de enfermidades ou males que afetam a maioria dos pacientes – obrigação de dar conferida ao município; b) se a droga – quando de alto custo e destinada ao tratamento de doença rara – consta na RENAME e nas listas estaduais de dispensação excepcional. Assim sendo, não tendo o demandado a obrigação de fornecer a droga pleiteada, por ser da competência de ente diverso, deverá o magistrado acolher a preliminar de carência da ação (art. 301, do CPC) suscitada pelo requerido e extinguir o processo sem resolução do mérito com base no art. 267, inciso VI, do CPC, haja vista restar configurada a falta de legitimidade passiva para compor a res judicium deducta. Além do mais, não constando o medicamento em nenhuma das listas deverá o julgador analisar o mérito da demanda, e, cotejando os princípios do mínimo essencial e da reserva do possível, dar preferência ao último, já que o acolhimento do pedido do autor afetaria o orçamento destinado concretizar o previsto nas listas oficiais, elaboradas por órgãos e agentes democraticamente escolhidos para tanto, colocando indiretamente em risco a saúde dos demais usuários do SUS. Deve, pois, rejeitar o pedido do requerente neste segundo caso, extinguindo o processo nos termos do art. 269, inciso I, segunda parte, do CPC.

Luis Roberto Barroso, dissertando sobre o assunto, obtempera que

Esse primeiro parâmetro decorre também de um argumento democrático. Os recursos necessários ao custeio dos medicamentos (e de tudo o mais) são obtidos através da cobrança de tributos. E é o próprio povo – que paga os tributos – quem deve decidir preferencialmente, por meio de seus representantes eleitos, de que modo os recursos públicos devem ser gastos e que prioridades serão atendidas em cada momento. A verdade é que os recursos públicos são insuficientes para atender a todas as necessidades sociais, impondo ao Estado a necessidade permanente de tomar decisões difíceis: investir recursos em determinado setor implica deixar de investi-los em outros. A decisão judicial que determina a dispensação de medicamento que não consta das listas em questão enfrenta todo esse conjunto de argumentos jurídicos e práticos[184].

O segundo critério diz respeito à observância, tanto por parte do patrono do paciente-demandante – ao formular o pedido –, quanto do magistrado – ao apreciá-lo –, do princípio ativo do medicamento pleiteado e não da sua designação comercial. Em termos cristalinos, recomenda-se que o pedido formulado pelo autor especifique a composição química básica da droga prescrita pela perícia médica, ainda que esta faça constar na receita o seu nome comercial. Não é de bom alvitre condenar o ente público a fornecer medicamento produzido por um laboratório específico pois o Estado muitas vezes já disponibiliza remédio com semelhante composição, só que de origem industrial diversa. Assim sendo, pleitear algo que o SUS já fornece sob outra denominação, sem ao menos comprovar óbices de natureza administrativa na entrega do mesmo, é certamente carecer de interesse processual, o que deve levar o magistrado a decidir pela extinção do feito sem apreciação do mérito da demanda. No caso de medicamento de dispensação excepcional, caso o pedido verse apenas sobre determinada droga produzida por um laboratório específico, caso haja coincidência com os medicamentos já distribuídos pelo Estado, deve o juiz acolher o petitório. Do contrário, deve-se ponderar se o custo da aquisição da droga suplicada é compatível com a semelhante fornecida pelo SUS. Em caso positivo, como não se vislumbra grave prejuízo ao erário, deve-se acolher o pedido. Em caso negativo, estará violando tanto a cláusula da reserva do possível quanto o princípio do acesso igualitário, já que comprometerá os recursos destinados a os demais pacientes com necessidades de mesma natureza, dando privilégio a um usuário somente.

O terceiro parâmetro consiste na verificação por parte do magistrado da existência de registro oficial da substância medicamentosa pleiteada. Prima facie, é de bom grado lembrar que todo medicamento prescrito no âmbito do SUS deve ter por base o Formulário Terapêutico Nacional[185] (FTN), o qual serve de norte para os profissionais da área da saúde na utilização e prescrição de produtos farmacêuticos existentes para a comercialização[186]. A disponibilidade para o mercado necessita da aprovação e do registro dos mesmos, atribuições conferidas ao Ministério da Saúde, conforme prevê o art. 12, da Lei nº 6.360/76. O registro pressupõe a conclusão de um processo administrativo específico, realizado no âmbito da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), conforme estatui a Lei nº 9.782/99. Sem a observância de tais formalidades, nenhum produto farmacêutico pode ser produzido nem comercializado no país.

Não obstante isso, a comunidade médica brasileira tem conhecimento da existência de substâncias comercializadas em outros países que são eficazes para o tratamento de determinadas doenças, sobremodo algumas de rara incidência. A comercialização de tais drogas é inclusive aprovada pelos respectivos órgãos de vigilância sanitária. No entanto, elas não chegam ao mercado brasileiro formal, em virtude de não terem sido aprovadas pela ANVISA, ou de, no máximo, estarem em fase de aprovação e inscrição no FTN, o que obsta o seu fornecimento pelos entes estatais. Ressalta-se que o processo administrativo que resulta na sua disponibilização em território nacional é moroso, o que levou a ANVISA a expedir uma resolução visando a conferir maior celeridade e transparência na apreciação de petições relativas à aprovação de medicamentos[187]. A demora na tramitação do referido procedimento é justificada pelo risco que algumas drogas experimentais ou mesmo já em circulação em outros países podem causar.

Há muitos processos cujo pedido versa sobre o fornecimento de substâncias medicamentosas ou de tratamentos terapêuticos ainda em fase experimental, alguns disponíveis apenas no exterior. O mais grave é que há registros do acolhimento de pedidos desta natureza, indo de encontro ao ordenamento jurídico sanitário e ferindo a cláusula da reserva do possível. Neste diapasão, é recomendado ao julgador que, valendo-se do binômio principiológico proporcionalidade-razoabilidade, acolha apenas pedidos que versem sobre medicamentos já registrados na ANVISA ou, na pior das hipóteses, que a sua aprovação esteja em andamento.

O penúltimo dos critérios de atuação a serem seguidos pelo Poder Judiciário nas lides de natureza individual diz respeito à verificação da pertinência da receita prescrita ao tratamento do paciente-requerente. Trata-se de um parâmetro essencialmente subjetivo, haja vista não ser possível uniformizar a relação estabelecida entre a droga terapêutica e a cura ou atenuação de certa enfermidade, bem como entre aquela e os efeitos manifestados por cada paciente. Sabe-se que em determinados casos existe uma pluralidade de insumos utilizáveis no trato de uma específica doença. Assim sendo, é de bom alvitre que seja acolhido apenas o pedido que consistir na dispensação da droga comprovadamente (através de prova pericial) eficaz para o combate da enfermidade que acomete ao suplicante, e que, havendo semelhantes produtos disponíveis no mercado, seja dada preferência àquele já fornecido pelo SUS, ou o que tenha o valor mais próximo ao deste.  Não se deve, pois, condenar o Estado a fornecer meios terapêuticos que sejam inócuos para o mal físico que atinge o autor da demanda, nem preferir uma substância demasiadamente cara a uma genérica de menor custo de aquisição. É prudente aferir também se o profissional que prescreveu a receita que originou a res judicium deducta tem habilitação para tanto. Em outras palavras, deve-se averiguar se o mesmo é especialista no assunto, haja vista haver uma presunção relativa de racionalidade e prudência naquele que detém especialização na área específica de estudo sobre a referida enfermidade. Dissertando sobre este parâmetro, Gandini, Barione e Souza inferem que

(...) é prudente que o magistrado verifique, no caso concreto, as peculiaridades do tratamento com a finalidade de impedir que o Poder Judiciário ratifique prescrições negligentes e tratamentos inócuos.

A verificação da habilitação do médico para prescrever o medicamento pleiteado é necessária não só para a constatação da pertinência do tratamento – presume-se que um médico especializado formule prescrições coerentes e racionais – mas também para coibir o uso desvirtuado do processo judicial. (...)[188]

O último critério extraído da doutrina consiste na necessidade de o operador do direito verificar se o insumo medicamentoso pleiteado está incluído nos programas de assistência farmacêutica promovidos pelo Sistema Único de Saúde. Deve-se tomar esta precaução principalmente quando o pedido se tratar da dispensação de medicamento excepcional. A relação oficial de drogas desta natureza não consta da RENAME, mas da Portaria de nº 2.577/2006, do Ministério da Saúde, a qual estabelece o Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional na Política de Assistência Farmacêutica do SUS. No âmbito dos Estados é possível que haja, mutatis mutandis, políticas que se assemelhem à promovida pelo Ministério da Saúde. Em face disso, deve-se pleitear uma substância conste nas listas dos referidos programas, recomendando-se ao magistrado que pondere bastante na escolha de rejeitar ou acolher pleitos que versem sobre medicamentos que não sejam fornecidos por essas políticas públicas, principalmente quando for elevado o custo da sua aquisição. Em todo caso, urge que sejam harmonizados e cotejados os prejuízos ao requerente em nível de microjustiça e ao erário, em nível macro.

Antes de finalizar este tópico uma observação se faz necessária. Como já afirmado páginas acima, os parâmetros de atuação do magistrado na solução de conflitos que envolvem o fornecimento de produtos medicamentosos ou a concessão de exames e intervenções cirúrgicas não podem ser encarados como padrões imutáveis a serem seguidos. Ao revés, são meras recomendações, posicionamentos que podem ou não ser adotados, a depender da prudência do aplicador do direito no caso concreto. É a lide sub judice quem melhor encaminhará o juiz à tomada da solução menos prejudicial tanto ao paciente, quanto à sociedade. Há demandas em que se torna patente a relatividade da cláusula da reserva do possível, devendo esta ser mitigada. Em outras, fica evidente a desnecessidade da intervenção judicial, por variados motivos. Muitas vezes a solução pode surgir da opinião de outros personagens processuais (advogados das partes, peritos e, principalmente, o Ministério Público), emitida nas petições, cotas, pareceres, laudos periciais e peças afins. Em artigo publicado sobre a relação entre as ações judiciais na área da saúde e a necessidade do conhecimento acerca das diretrizes normativas do SUS, Andrea Carla Veras Lins afirma que

É sempre bom enaltecer que o direito à saúde compreende o bem-estar e a melhora do paciente e não só o simples recebimento de medicamento ou a submissão ao tratamento. Quem recorre ao SUS é aquele que realmente não tem condições de custear um plano de saúde ou socorrer-se do médico particular. Mas os recursos orçamentários para a área de saúde não são suficientes para atender toda a demanda existente no país. E isso é uma realidade que não pode ser resolvida apenas no âmbito do Poder Judiciário. Não se está dizendo que o direito à saúde não possa ser objeto de apreciação pelo juiz, mas se indica usar da razoabilidade e dos conhecimentos do funcionamento do SUS, quando da prolação da decisão[189].

Vistos os parâmetros de atuação em nível individual, passar-se-á à exposição daqueles que devem orientar o Poder Judiciário na solução de conflitos que envolvem a coletividade, entendida esta tanto como um restrito grupo de pessoas ligadas por circunstâncias jurídicas (em sentido estrito) quando a todos indistintamente (tutelando interesses difusos).

4.5.3. Parâmetros de Atuação em Sede Coletiva

Discutiu-se no tópico anterior a racionalidade aplicada à solução das lides individuais sanitárias, a qual se verifica na formulação de critérios ou parâmetros de atuação para o Poder Judiciário. Independentemente dos posicionamentos adotados, verificou-se que a satisfação do interesse individual inevitavelmente implica no sacrifício do interesse social. O magistrado, quando aprecia uma lide travada entre um paciente e o ente federativo – ainda que conheça o funcionamento do SUS e que tenha consciência da complexidade existente nos embates principiológicos que gravitam em torno da judicialização da saúde – acaba por ser cooptado a garantir a efetividade do direito individual reivindicado. Salvo nas hipóteses já discutidas, em que fica configurado o “excesso jurisdicional”, o juiz, adstrito ao caso concreto, acaba por promover uma melhoria aferível de maneira pontual na sociedade (microjustiça). Todavia, ainda que eventualmente consigam pacificar um ou outro conflito isoladamente, não possuem as sentenças com efeitos inter partes a capacidade de provocar mudanças estruturais que favoreçam indistintamente a toda sociedade.

Neste diapasão é que desponta a necessidade do ajuizamento de ações coletivas[190], as quais têm por finalidade defender o interesse público (rectius, individuais homogêneos, coletivos em sentido estrito e difusos). A procedência de pedidos formulados em sede de ação popular, ação civil pública, inquérito civil, mandado de segurança coletivo e mandado de injunção coletivo conseguem balancear os efeitos da macro e da microjustiça, pois satisfazem o interesse de determinado grupo (ou da sociedade, no caso do interesse difuso) e evitam que sejam ajuizadas inúmeras demandas individuais para suplicar o mesmo objeto.

Dessa forma, em consonância com os parâmetros sugeridos em sede individual, pode-se estabelecer para as ações coletivas um paradigma geral que consiste na possibilidade de alteração do rol das substâncias que compõem as relações oficiais de dispensação (inclusive a própria RENAME). Luis Roberto Barroso, de cuja obra se extraem os parâmetros aqui colacionados, afirma que

(...) a impossibilidade de decisões judiciais que defiram a litigantes individuais a concessão de medicamentos não constantes das listas não impede que as próprias listas sejam discutidas judicialmente.  O Judiciário poderá vir a rever a lista elaborada por determinado ente federativo para, verificando grave desvio na avaliação dos Poderes Públicos, determinar a inclusão de determinado medicamento. O que se propõe, entretanto, é que essa revisão seja feita apenas no âmbito de ações coletivas (para defesa de direitos difusos ou coletivos e cuja decisão produz efeitos erga omnes no limite territorial da jurisdição de seu prolator) ou mesmo por ações abstratas de controle de constitucionalidade, nas quais se venha a discutir a validade de alocações orçamentárias[191].

Decerto, nos processos de natureza individual, o juiz fica limitado a conceder apenas os medicamentos constantes das listas oficiais (RENAME e as elaboradas pelos Estados e Municípios). De maneira diversa, em uma ação civil pública, por exemplo, é possível discutir se a escolha dos medicamentos que figuram na referida lista oficial foi adequada, ao menos sob o aspecto legal e constitucional, havendo não uma intervenção no mérito do ato administrativo do gestor do SUS, mas sim, uma aferição dos elementos do mesmo (com mais pesar, a finalidade e a competência). Uma vez constatada, através de todos os meios de provas utilizados pelo Ministério Público (ou outro legitimado), que a composição da lista não é condizente com a realidade, é possível que o magistrado conceda o pedido de inclusão de nova substância, ou ao menos, que obrigue o ente responsável a fornecê-la. Uma vez constatado isso, questiona-se: que critérios – razoáveis, frise-se! – devem orientar o julgador na concessão de pedidos que importem na alteração fática das listas oficiais?

O primeiro deles diz respeito à eficácia do medicamento a ser incluído na lista oficial de distribuição. Esta deve ser comprovada[192], devendo-se excluir as substâncias cuja eficácia no tratamento da enfermidade seja discutível. Ou seja, não é aconselhável obrigar o ente a inserir medicamentos que se encontram em fase de experimentação, ou cujos efeitos colaterais sejam mais danosos que os seus efeitos terapêuticos. Também não é de bom alvitre optar por incluir insumos alternativos, os quais se assemelham a alguns já existentes e disponíveis, porém, em virtude de a sua eficiência não ter sido certificada pela ANVISA, é possível que possam a causar danos aos pacientes que deles se utilizarem.

Além da eficácia comprovada, devendo ser mínimo o risco à integridade física dos usuários, torna-se curial que os produtos medicamentosos discutidos em sede coletiva estejam disponíveis no Brasil[193]. Existindo tratamento para o caso no país é desarrazoado obrigar o ente gestor do SUS a custear outro similar disponível no exterior. Tal condenação violaria o princípio do acesso igualitário à saúde, porque garantiria apenas aos suplicantes de uma determinada demanda um tratamento mais caro e desnecessário, priorizando-se desnecessariamente a cláusula do mínimo essencial. Ainda que a substância a ser incluída já tenha sido aprovada por órgãos internacionais, a sua indisponibilidade no território nacional inviabiliza a sua inserção na referida lista, já que obrigaria o Estado a arcar a importação e os demais encargos decorrentes dela. No entanto, a razoabilidade deve imperar. Assim sendo, se não houver tratamento semelhante no país e os enfermos tutelados necessitaram de determinado medicamento ou tratamento disponíveis apenas em outro país, deve o magistrado, com base em forte lastro probatório, ponderar com bastante cautela e decidir se deve ou não deferir a inclusão do mesmo, favorecendo aos pacientes representados pelos entes que detêm legitimidade ativa ad causam. Novamente, o caso concreto determinará a solução mais coerente.

Recomenda-se também que sejam incluídas preferencialmente as substâncias genéricas e de menor custo. Os medicamentos genéricos, consoante preleciona a legislação específica[194], são aqueles que se assemelham aos de referência produzidos pelos laboratórios que patentearam a fórmula original. Sua eficácia é comprovada e constam dos órgãos de vigilância sanitária a autorização para o seu fornecimento, bem como o seu registro. Assim sendo, nada justifica preterir um medicamento genérico, incluindo nas listas de dispensação similares mais caros, posto que a verba gasta para a sua aquisição resultaria na retirada de recursos destinados à realização de outros serviços igualmente essenciais. Novamente, há de compatibilizar o mínimo essencial com o princípio do acesso universal e com a cláusula do possível.

Por último, importa ressaltar que os medicamentos a serem inseridos nas listas oficiais de fornecimento gratuito devem ser indispensáveis para a manutenção da vida daqueles que deles necessitam. Em outras palavras, deve-se discutir, em sede de ação coletiva ou abstrata (e.g., Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) a inclusão de novos medicamentos às listas de dispensação excepcional e essencial, pois estes são primordiais para a sobrevivência daqueles acometidos por doenças raras ou de grave risco para a vida. Dessa forma, devem-se priorizar tais substâncias em decorrência da natural escassez de recursos para custear a demanda de todos os que vierem a necessitar do SUS.


5. CONCLUSÃO

Quando se trata de um tema dotado de tamanha complexidade como o discutido neste trabalho monográfico, a certeza que se tem é a de que não há uma solução universal para a problemática que nele se insere. De fato, nenhuma das opiniões emitidas tanto na doutrina quanto na jurisprudência é suficientemente segura para afirmar que a adoção de uma determinada medida pacificará plenamente os princípios conflitantes (Reserva do Possível e o Mínimo Essencial). Tendo consciência disto, não se pode negar veementemente o acesso à saúde pela via jurisdicional àqueles cuja vida está ameaçada. Em contrapartida, não é coerente ignorar a prejudicialidade da prolação de sentenças absurdas condenando os entes gestores do SUS a arcar com tratamentos de valor exorbitante, de eficácia duvidosa, ou a fornecer medicamentos cujas versões genéricas existem no mercado nacional e chancelar a inconsequência do Poder Judiciário em desrespeitar as limitações impostas pela legislação orçamentária. O que fazer, então? A alternativa é harmonizar os argumentos antagônicos apresentados, estabelecendo como liame o binômio principiológico razoabilidade-proporcionalidade.

Para chegar a essa constatação, foi necessário situar o leitor no contexto doutrinário e sócio-político que gravita sobre o tema. Assim sendo, foi visto no primeiro capítulo que os direitos e garantias que visam a promover o acesso à saúde não podem ser considerados normas de princípio programático, uma vez que decorrem do direito à vida, sendo, portanto, fundamentais, inderrogáveis, irrenunciáveis, dotados de aplicabilidade imediata e eficácia plena. A saúde é direito prestacional em sentido amplo, e, ao contrário do que afirma uma pequena parte da doutrina, não é dotado de eficácia limitada e aplicabilidade mediata. A prova disso é a criação e organização do Sistema Único de Saúde (SUS), o qual é regido por regras e princípios que obrigam os poderes públicos de todos os entes da federação a efetivar o acesso aos serviços essenciais à manutenção da vida. Em virtude disso, é indispensável que todo operador jurídico que lida com ações judiciais nesta área tenha noção do funcionamento do SUS. Foi esta a finalidade do segundo capítulo: explicitar, ainda que de forma panorâmica, as informações elementares sobre esse sistema público, expor ao leitor a dimensão precisa dos problemas que o assolam e ressaltar a necessidade da intervenção judicial nas situações em que não restam outras formas de fazer valer as suas diretrizes e os seus princípios regentes (mormente o acesso universal e igualitário). Ou seja, provar que mesmo com um substrato legislativo garantista, o SUS é falho e que os seus defeitos devem ser atenuados pela intervenção do Estado-Juiz.

Seguindo, então, a linha de pensamento que pugna pelo controle judicial das políticas sociais (no caso, a sanitária), o último capítulo tratou com bastante propriedade da judicialização. Num primeiro momento, foram expostos os meios técnicos de promoção do acesso à saúde, declinando sucintamente as ações individuais e coletivas pertinentes. O objetivo foi levar a teoria do acesso pela via jurisdicional para a realidade cotidiana, explicitando como deve atuar o profissional da área jurídica no momento de invocar a tutela jurisdicional para proteger o interesse do seu representado.

Passada essa fase, voltou-se para o cerne das discussões, expondo-se os problemas apontados pela doutrina decorrentes de algumas (leia-se, muitas) decisões e sentenças que exorbitam os limites do aceitável e exaram condenações esdrúxulas que comprometem os recursos do SUS destinados ao atendimento da população em geral.  Abordaram-se a cláusula da Reserva do Possível, a questão da ausência de legitimidade democrática do Poder Judiciário na alocação das receitas destinadas à saúde, bem como se expos a justificativa apresentada pelos defensores da programaticidade do direito à saúde. Já nessa fase, ponderou-se a essência de cada argumento pró e contra a judicialização, o que culminou na exposição do embate “Macrojustiça vs. Microjustiça” e na constatação da dificuldade em pacificá-lo. A saída encontrada foi a coerência, traduzida nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, ambos aplicados à polêmica em apreço. Com lastro neles, foram extraídos da doutrina especializada parâmetros que devem orientar o aplicador das normas jurídicas na solução das lides sanitárias, tanto nas que envolvem pontualmente um ou alguns pacientes litisconsortes, quanto nas que envolvem um grupo considerável de pessoas ou que envolvam o interesse de toda a sociedade.

Com isso, atinge-se o objetivo central deste trabalho, que consiste em reafirmar a necessidade do controle judicial sobre as políticas sociais na área da saúde e tentar harmonizá-lo com a observância da cláusula da reserva do possível, inobstante se saiba que a depender do caso sub judice haverá necessariamente a prevalência desta ou do mínimo essencial. Os parâmetros formulados, portanto, servem para auxiliar o magistrado a ponderar os princípios em conflito (integridade física do litigante vs. garantia de serviços sanitários dignos para a coletividade) e determinar qual deles deverá predominar na solução da lide individual ou coletiva posta em apreço. É de bom alvitre ressaltar que apesar de as alternativas aqui propostas aplicarem-se majoritariamente na dispensação de medicamentos, o mesmo raciocínio deve existir quando se tratar da realização de intervenções cirúrgicas e exames clínicos.

O que se almeja com esses paradigmas ou critérios de atuação é expungir tanto os argumentos radicais que pregam a mitigação absoluta da tutela jurisdicional da saúde, quanto os que defendem a “judicialização excessiva”, que tende a totalizar a microjustiça e amesquinhar a macrojustiça. Propõe-se com o uso da razoabilidade e da proporcionalidade buscar um equilíbrio, uma solução alternativa que diminua ao máximo os males provocados pelos excessos da jurisdição na tutela sanitária e que faça dela um meio eficaz para promover o acesso à saúde nas situações em que a macrojustiça não consegue atender às necessidades essenciais do indivíduo.


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Notas

[1] Mais informações em:<http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/hamurabi.htm>, acessado em: 19.09.2010.

[2]  196º - Se alguém arranca o olho a um outro, se lhe deverá arrancar o olho.

[3]  VICENTINO, Cláudio. História Geral. p. 67 a73.

[4]  Além de outras como Esparta, Siracusa, Corinto, Mégara, etc.

[5]  Idem, p. 72.

[6] NOBLET, Albert. A democracia inglesa. p. 28. Apud, SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 152.

[7]  SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 152.

[8]  Idem, p. 153.

[9]  Idem, p. 155.

[10] Idem, p. 157.

[11] Idem, p.159.

[12] Idem, p. 160.

[13] TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. pp. 799 e 800.

[14] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de Direito Sanitário com enfoque em vigilância em saúde. p. 28.

[15] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. p. 6.

[16] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. p. 282.

[17] SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. p. 181.

[18] Art. 7º, XXIX, CRFB/1988.

[19] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 442.

[20] Idem, p.442.

[21] Idem, p. 444.

[22] Idem, p. 450.

[23] Idem, p. 451.

[24] Idem, p. 474.

[25] Idem, p. 499.

[26] Idem, pp. 499-500.

[27] Idem, p. 501.

[28] Art. 121, § 1º, alínea c.

[29] Art. 121, § 1º, alínea b.

[30] Art. 121, § 1º, alínea e.

[31] “assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte.”

[32] Art. 137. (...). k) proibição de trabalho a menores de catorze anos; de trabalho noturno a menores de dezesseis, e, em indústrias insalubres, a menores de dezoito anos e a mulheres; l) assistência médica e higiênica ao trabalhador e à gestante, assegurado a esta, sem prejuízo do salário, um período de repouso antes e depois do parto; m) a instituição de seguros de velhice, de invalidez, de vida e para os casos de acidentes do trabalho; n) as associações de trabalhadores têm o dever de prestar aos seus associados auxílio ou assistência, no referente às práticas administrativas ou judiciais relativas aos seguros de acidentes do trabalho e aos seguros sociais.

[33] “assistência pública, obras de higiene popular, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fonte medicinais”.

[34] “medidas de polícia para a proteção das plantas e dos rebanhos, contra as moléstias ou agentes nocivos”.

[35] XIV - assistência sanitária, inclusive hospitalar e médica preventiva, ao trabalhador e à gestante;

[36] Art. 8º, XIV.

[37] Art. 8º, XVII.

[38]Art. 8º, § 2º.

[39] Art. 158, inciso IX.

[40]Art. 158, inciso XV.

[41] Art. 60. (...) § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. (grifo do autor)

[42] “A análise da experiência convencional brasileira ilustra, quase que à exaustão, as variantes terminológicas de tratado concebíveis em português: acordo, ajuste, arranjo, ata, ato, carta, código, constituição, contrato, convenção, convênio, declaração, estatuto, memorando, pacto, protocolo e regulamento. (...)” REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. p. 16.

[43] CRFB. Art. 5º. (...). § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

[44] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de Direito Sanitário com enfoque em vigilância em saúde. p. 40.

[45] UNITED Nations Human Rights: a compilation of international instruments. New York: United Nations Publication, 1997 ª Volume I: Global Instruments. Art. 12, 2.

[46] ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Constituição da Organização Mundial da Saúde. Preâmbulo.

[47] L. 8.080/90. Art. 2º.

[48] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Direito Sanitário e Saúde Pública. p. 48.

[49] Idem.

[50] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. p. 6.

[51] ROCHA, Júlio César de Sá. Direito Sanitário na Perspectiva dos Interesses Difusos e Coletivos.p. 42. Apud, TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. p. 814.

[52]  DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. pp. 254 e 255.

[53] Dallari, Sueli Gandolfi. Direito Sanitário. Em: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Direito Sanitário e Saúde Pública. Márcio Lorio Aranha (Org.) Volume I. p. 48 e 55.

[54] REZENDE, Conceição Aparecida Pereira. TRINDADE, Jorge. Manual de Atuação Jurídica em Saúde Pública. Em: BRASIL. Ministério da Saúde. Direito Sanitário e Saúde Pública. p. 60 e 61.

[55] Idem, p. 62.

[56] Idem, p. 62.

[57] Redação conferida pela Emenda Constitucional nº 51/2006.

[58] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de Direito Sanitário com enfoque em vigilância em saúde.p. 56.

[59] “(...) os princípios gerais, em sua forma indefinida, compõem a estrutura do sistema, não seu repertório. São regras de coesão que constituem as relações entre as normas como um todo. Ora, as regras estruturais são, nesse sentido global, responsáveis pela imperatividade total do sistema. (...) nos princípios gerais, enquanto designativos do conjunto de todas as regras estruturais do sistema, repousa a obrigatoriedade jurídica de todo repertório normativo.” FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. p. 248.

[60] “Os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais.” BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. p. 158.

[61] Idem, pp. 115 a 122.

[62] Idem, pp. 105 a 110.

[63] REZENDE, Conceição Aparecida Pereira. TRINDADE, Jorge. Manual de Atuação Jurídica em Saúde Pública.. Em: BRASIL. Ministério da Saúde. Direito Sanitário e Saúde Pública.  p. 60.

[64] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de Direito Sanitário com enfoque em vigilância em saúde. p. 69 e 70.

[65] REZENDE, Conceição Aparecida Pereira. TRINDADE, Jorge. Manual de Atuação Jurídica em Saúde Pública.. Em: BRASIL. Ministério da Saúde. Direito Sanitário e Saúde Pública.  p. 64.

[66] Idem, p. 65.

[67] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 752.

[68] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 411.

[69] “Apesar de o assunto não ser pacífico, muitos autores consideram que o traço essencial da Federação repousa na participação direta e indireta dos Estados-membros na formação da vontade federal, ou seja, na composição dos órgãos federais e na elaboração de suas decisões. (...). (...) embora (...) os municípios não integrem a federação, ocupam posição sobremaneira e privilegiada em nosso cenário jurídico. São (...) pessoas jurídicas dotadas de grande autonomia, que haurem suas competências diretamente da Constituição Federal, único fundamento de validade de suas leis.” CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. p. 138 e 163.

[70] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de Direito Sanitário com enfoque em vigilância em saúde. p. 76.

[71] REZENDE, Conceição Aparecida Pereira. TRINDADE, Jorge. Manual de Atuação Jurídica em Saúde Pública. Em: BRASIL. Ministério da Saúde. Direito Sanitário e Saúde Pública. p. 64.

[72] Idem, p. 67.

[73] Lei 8.080/90, art. 12.

[74] Art. 13. A articulação das políticas e programas, a cargo das comissões intersetoriais, abrangerá, em especial, as seguintes atividades: I - alimentação e nutrição;  II - saneamento e meio ambiente;  III - vigilância sanitária e farmacoepidemiologia;  IV - recursos humanos;  V - ciência e tecnologia; e  VI - saúde do trabalhador.

[75] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 73.

[76] Lei 8.142/90, art. 1º, § 1º.

[77] Idem, § 2º.

[78] Lei 8.080/90, art. 21.

[79] Idem, art. 22.

[80] Idem, art. 23, caput.

[81] Idem, art. 23, § 1º.

[82] Idem, art. 23, § 2º.

[83] Idem, art. 24, caput.

[84] Idem, art. 24, parágrafo único.

[85] Idem, art. 25.

[86] BRASIL. Norma Operacional Básica nº 01/96. op. cit. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de Direito Sanitário com enfoque em vigilância em saúde. p. 85.

[87] Idem, p. 86.

[88] Idem, p. 88.

[89] Idem, p. 86.

[90] REZENDE, Conceição Aparecida Pereira. TRINDADE, Jorge. Manual de Atuação Jurídica em Saúde Pública. Em: BRASIL. Ministério da Saúde. Direito Sanitário e Saúde Pública.  p. 95.

[91] Idem, p. 96.

[92] BRASIL. Ministério da Saúde. Portal da Saúde – SAMU 192. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=30273&janela=1>, acessado em 18.10.2010.

[93] BRASIL. Ministério da Saúde. Portal da Saúde – Farmácia Popular. Disponível em <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=30269>, acessado em 18.10.2010.

[94] BRASIL. Ministério da Saúde. Portal da Saúde – Brasil Sorridente. Disponível em <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=21125>, acessado em 18.10.2010.

[95] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de Direito Sanitário com enfoque em vigilância em saúde. p. 86.

[96] REZENDE, Conceição Aparecida Pereira. TRINDADE, Jorge. Manual de Atuação Jurídica em Saúde Pública. Em: BRASIL. Ministério da Saúde. Direito Sanitário e Saúde Pública.  p. 95.

[97] Idem, p. 96.

[98] BRASIL. Norma Operacional Básica nº 01/96. op. cit. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de Direito Sanitário com enfoque em vigilância em saúde. p. 86/87.

[99] REZENDE, Conceição Aparecida Pereira. TRINDADE, Jorge. Manual de Atuação Jurídica em Saúde Pública. Em: BRASIL. Ministério da Saúde. Direito Sanitário e Saúde Pública. p. 96.

[100] Ibidem.

[101] BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do SUS – DATASUS. Informações de Saúde. Disponível em: < http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0201>, acessado em: 18.10.2010.

[102] BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Pesquisa de Assistência Médico-Sanitária. Disponível em < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/ams/default.shtm>, acessado em: 18.10.2010.Pesquisa de Assistência Médico-SanitáriaPesquisa de Assistência Médico-Sanitária.

[103] Extinta desde o exercício financeiro de 2008.

[104] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. 1. p. 87.

[105] Idem, p. 88.

[106] MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Volume 1 – Teoria Geral do Processo. p.113.

[107] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. 1. p. 126/127.

[108] Idem, p. 127.

[109] Ibidem.

[110] LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Volume 1. pp. 147/155. Apud, MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Volume 1 – Teoria Geral do Processo. pp .170/173.

[111] Idem, p. 172.

[112] Ibidem, 171.

[113] GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. p. 277.

[114] Idem.

[115] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. 1. p. 134.

[116] Idem, p. 147/148.

[117] Idem, p. 149.

[118] Idem, p. 150.

[119] REZENDE, Conceição Aparecida Pereira. TRINDADE, Jorge. Manual de Atuação Jurídica em Saúde Pública. Em: BRASIL. Ministério da Saúde. Direito Sanitário e Saúde Pública.  p. 148.

[120] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p.169.

[121] Idem, p. 170.

[122] O ordenamento jurídico brasileiro não comporta a chamada “instância administrativa de curso forçado”, segundo a qual são tidos como requisitos do provimento final o indeferimento do pedido e o esgotamento das vias recursais em sede administrativa.

[123] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: RENAME.

[124] MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, “Habeas Data”, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, O Controle Incidental ou Concreto de Normas no Direito Brasileiro, A Representação Interventiva, A Reclamação Constitucional no STF, O Controle Abstrato de Constitucionalidade no Direito Estadual e Municipal. p. 25/26.

[125] CRFB/1988. Art. 5º. (...) LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

[126] Ibidem, p. 28.

[127] Idem, p. 36.

[128] Idem.

[129] Idem.

[130] Idem, p. 38.

[131] Idem, p. 39.

[132] Idem.

[133] Idem, p. 258.

[134] Idem, p. 274.

[135] Idem, p. 278.

[136] Art. 6º. Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhes os elementos de convicção.

[137] ZANETI JÚNIOR, Hermes. DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. Volume 04. p. 74.

[138] Idem, p. 75.

[139] Idem.

[140] Idem, p. 74.

[141] Idem, p. 76/77.

[142] Idem, p. 77.

[143] Idem.

[144] Idem.

[145] Idem, p. 216.

[146] MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, “Habeas Data”, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, O Controle Incidental ou Concreto de Normas no Direito Brasileiro, A Representação Interventiva, A Reclamação Constitucional no STF, O Controle Abstrato de Constitucionalidade no Direito Estadual e Municipal. p. 161/162.

[147] Idem, p. 161.

[148] Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo. § 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato.§ 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.

[149] MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, “Habeas Data”, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, O Controle Incidental ou Concreto de Normas no Direito Brasileiro, A Representação Interventiva, A Reclamação Constitucional no STF, O Controle Abstrato de Constitucionalidade no Direito Estadual e Municipal. p. 126/127.

[150] Idem, p. 127.

[151] V. item “2.1. O Direito à Saúde no Âmbito dos Direitos Fundamentais”.

[152] Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade; II – em legítima defesa; III – em estrito cumprimento ao dever legal ou no exercício regular de direito.

[153] Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de direito reconhecido; II – a deterioração ou a destruição de coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

[154] BARROSO, Luis Roberto. Da Falta de Efetividade à Judicialização Excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento Gratuito de Medicamentos e Parâmetros para a Atuação Judicial. p. 24.

[155] Sobre a ingerência judicial na função administrativa, vide item seguinte.

[156] GLOBEKNER, Osmir Antonio. O Direito Fundamental à Saúde e a Equidade no Acesso à Atenção à Saúde.

[157] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 399.

[158] CRFB/88. Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

[159] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 136.

[160] Idem.

[161] PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. MACHADO, Clara Cardoso. Direito à saúde e controle judicial de políticas públicas.

[162] SILVA, Francisco Viegas Neves da. Considerações Sobre a Judicialização do Acesso à Saúde.

[163] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 262. Apud, LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 177/183.

[164] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 179.

[165]  SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 126. Apud, LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 181.

[166] Ibidem, p. 138.

[167] BARROSO, André Feijó. Aspectos Relacionados à Efetivação do Direito à Saúde no Brasil Através do Poder Judiciário. p. 12.

[168] PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. MACHADO, Clara Cardoso. Direito à saúde e controle judicial de políticas públicas.

[169] Nos autos do processo nº 351/1999, da 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, foi proferida decisão interlocutória concedendo pedido de tutela antecipada que consistia na condenação do Estado de São Paulo em arcar com os gastos do tratamento de paciente menor vítima de distrofia muscular progressiva de Duchenne no valor de R$ 174.500,00.

[170] Art. 5º. (...). XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

[171] BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. p. 257.

[172] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. p. 36.

[173] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 94.

[174] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. p. 79.

[175] Idem, p. 80.

[176] CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. p. 170/171.

[177] Idem, p. 174/175.

[178] BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo.. p. 304.

[179] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. p. 38.

[180] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. p. 94.

[181] BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 305.

[182] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. p. 39.

[183] BARROSO, Luis Roberto. Da Falta de Efetividade à Judicialização Excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento Gratuito de Medicamentos e Parâmetros para a Atuação Judicial. p. 18.

[184] Idem, p. 28/29.

[185] Portaria nº 3.916/98, do Ministério da Saúde.

[186] GANDINI, João Agnaldo Donizeti; BARIONE, Samantha Ferreira; SOUZA, André Evangelista de. A Judicialização do Direito à Saúde: a obtenção de atendimento médico, medicamentos e insumos terapêuticos por via judicial: critérios e experiências. Academia Brasileira de Direito, São Paulo, 1 fev. 2008. Disponível em: <http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=1451&categoria=Sanitário>. Acesso em: 23.11.2010.

[187] Resolução RDC nº 28/2007, publicada no DOU de 05.04.2007.

[188] GANDINI, João Agnaldo Donizeti; BARIONE, Samantha Ferreira; SOUZA, André Evangelista de. A Judicialização do Direito à Saúde: a obtenção de atendimento médico, medicamentos e insumos terapêuticos por via judicial: critérios e experiências. Academia Brasileira de Direito, São Paulo, 1 fev. 2008. Disponível em: <http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=1451&categoria=Sanitário>. Acesso em: 23.11.2010.

[189] LINS, Andrea Carla Veras. Breve abordagem acerca da necessidade de conhecimento das diretrizes normativas do SUS: correlação com as ações judiciais na área de saúde. p. 23.

[190] Vide item “4.2.2. Meios de Proteção Coletiva”.

[191] BARROSO, Luis Roberto. Da Falta de Efetividade à Judicialização Excessiva: Direito à Saúde, Fornecimento Gratuito de Medicamentos e Parâmetros para a Atuação Judicial. p. 30.

[192] Idem, p. 32.

[193] Idem, p. 33.

[194] Lei nº 6.360/76.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITO, Augusto Vieira Santos de. Judicialização razoável como meio de efetivar o acesso à saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3173, 9 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21258. Acesso em: 17 abr. 2024.