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Inversão de valores na medida cautelar de prisão preventiva

Inversão de valores na medida cautelar de prisão preventiva

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A banalização do uso da medida cautelar de Prisão Preventiva e o desrespeito aos direitos e garantias fundamentais.

Hodiernamente, no Brasil temos em tese duas modalidades de prisão, a prisão como medida cautelar e a prisão sentença ou condenatória, em tese porque o STF (Supremo Tribunal Federal) em julgamento do HC (habeas corpus) 126.292 do estado de São Paulo entendeu por desrespeitar a CF/88 (Constituição Federal/1988), permitindo que o réu fosse encarcerado, com decisão de segunda instância, mesmo pendendo recursos a Tribunais Superiores.  Abrindo um precedente no mínimo duvidoso e temerário, pisando no pescoço do Princípio Constitucional da Presunção de Inocência, resguardado no artigo 5º, em seu inciso LVII, que dispõe:  ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”, é causa de muita estranheza e perplexidade uma decisão nesse sentido, que, ironicamente, teve sua origem em uma instituição, a qual deveria zelar pela aplicabilidade integral dos direitos e garantias fundamentais preconizados e previstos na Magna Carta.

Mas, não deveríamos esperar menos de um país onde se impera o populismo, a ignorância e a ilusão, há uma onda de desrespeito às Leis em detrimento aos direitos e garantias fundamentais, praticada por boa parte do Poder Judiciário, através de jurisprudências, que têm o fito de aplacar a sede da massa por justiça a qualquer preço.

Portanto, o STF com esta decisão temerária estará chancelando a insegurança jurídica, onde tudo é relativo, se confirmada por seu Pleno, criando assim  a Presunção de Culpabilidade e invertendo os princípios e valores constitucionais.

Isto posto, cabe retornar ao tema das Medidas Cautelares de Prisão, o Ordenamento Jurídico Pátrio dispõe de três medidas cautelares, mais usadas, de encarceramento.

A primeira medida cautelar restritiva de liberdade é a Prisão em Flagrante, prevista no Código de Processo Penal em seu art. 301, senão vejamos: “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.” Já, o art. 302 do mesmo diploma descreve as possibilidades desta prisão e dispõe que:

Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

A segunda medida cautelar de aprisionamento, é a Prisão Temporária prevista na Lei nº 7.960/89 (Lei da Prisão Temporária), o seu artigo 1º elenca os requisitos de cabimento desta medida e o art. Logo em seguida (caput), estipula o prazo de duração, senão vejamos:

Art. 1° Caberá prisão temporária:

I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:

a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);

b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);

c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);

e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);

i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);

j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);

l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;

m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;

n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);

o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).

p) crimes previstos na Lei de Terrorismo.   

Art. 2° A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade

Agora, de volta ao tema principal deste artigo, falaremos sobre a “Pêpê”, essa moça, cobiçada por uns e temida por outros, ela está “na boca de todos”, está em voga, está no auge e mexe com a cabeça dos juristas de plantão e não é a Gisele Buendchen nem a Kim Kardashian, mas sim, a famosa Prisão Preventiva (PP).

Muitos operadores do direito estão enfeitiçados por esta linda moça, mormente os delegados, promotores e magistrados, eles deliram e se deleitam  nas curvas da Pêpê, onde tempo e espaço são desconhecidos e desconectados do “planeta chamado Brasil”, onde basta um toque de “ordem pública” para que ela se entregue, aos caprichos do poder e do populismo. A Pêpê age como se fosse um ”black hole” (buraco negro), o sujeito é abruptamente puxado para ele, sem resistência, permanecendo lá por tempo indeterminado, perdido no tempo e no espaço.

Antes de adentrar na seara da Prisão Preventiva, propriamente dita, não há como não abordar o tema da Presunção de Inocência preconizado pela Constituição brasileira de 1988, no art. 5º, inciso LVII.  O princípio da Presunção de Inocência é o fiel da balança, ou seja, garante à parte mais vulnerável do processo penal, que neste caso é o acusado, um certo equilíbrio, pois o Estado dispõe de todos os recursos para o procedimento acusatório, segundo o ilustre professor Aury Lopes Jr.:

 É fruto da evolução civilizatória do processo penal. Parafraseando GOLDSCHMIDT, se o processo penal é o termômetro dos elementos autoritários ou democráticos de uma Constituição, a presunção de inocência é o ponto de maior tensão entre eles. (Aury Lopes Jr., 2016, p. 314).

Mas, infelizmente o que acontece hoje no cenário jurídico é a violação de direitos e garantias fundamentais, chancelada pelo Poder Judiciário, instituição que está se tornando cada vez mais, uma arena política. Judiciário, este, que deveria tutelar estas garantias fundamentais, porém vem agindo com incoerência em suas decisões, tomado pelo glamour da massa.

A medida restritiva de liberdade, neste caso a Prisão preventiva, deveria ser empregada excepcionalmente, como ultima ratio, atendendo aos seus requisitos, de cabimento e aplicabilidade,  e respeitando as garantias constitucionais, tais como: a Presunção de Inocência.

Vejamos o que dispõe os artigos, do Código de Processo Penal, que disciplinam esta medida cautelar:

Art. 311.  Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.          

Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

  [...]     

 Art. 316. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.           

Com  o advento da Operação Lava Jato, a medida cautelar tornou-se conhecida da opinião pública, mas principalmente a queridinha das instituições de acusação, que a usam sem temor e nem observância às Leis, cometendo todo tipo de injustiça com suas decisões estapafúrdias, exageradas e infundadas.

Nota-se o completo descaso, ignorância e incompetência por parte de certos agentes, que deveriam zelar pela aplicação correta da Lei, mas que no entanto a desvirtuam em seu manejamento.

Como aconteceu recentemente com um ex-presidente da OAB-MT, que teve sua prisão preventiva decretada, sob os argumentos de que advogados criminalistas podem usar suas prerrogativas  para manipular e atrapalhar atos da justiça. Isso é irracional e inadmissível, essa decisão mostra quão frágil está nosso ordenamento jurídico e quão despreparados estão certos agentes. Quer dizer que, agora, nossas prerrogativas serão criminalizadas, mesmo antes de usá-las? Vejamos a matéria na íntegra, juntamente com a nota de repúdio da OAB, apresentada pelo site Conjur.com.br:

O argumento usado para prender o ex-presidente da seccional de Mato Grosso da Ordem dos Advogados do Brasil Francisco Faiad foi criticado pelo Conselho Federal da OAB e pela própria seccional. "Ao decretar prisão preventiva sob o argumento de que 'advogados criminalistas têm conhecimento de fatos que poderão ser manipulados para atrapalhar a instrução criminal', a magistrada demonstra contrariedade à ordem jurídica sob a qual se ergueu a própria Constituição Federal', diz a entidade em nota conjunta. Durante sua gestão na OAB-MT, Faiad chegou a receber determinação da Justiça para que deixasse o cargo, mas conseguiu liminar na segunda instância. Reprodução A prisão foi decretada pela juíza Selma Rosane Santos Arruda, da 7ª Vara Criminal de Cuiabá. Francisco Faiad foi preso preventivamente na manhã da última terça-feira (14/2) pela Polícia Civil na operação sodoma, que investiga fraudes à licitação, desvio de dinheiro público e pagamento de propinas.

“Especificamente no caso presente, [Faiad] poderá dificultar as investigações, utilizando-se de suas prerrogativas de advogado, inclusive para obter acesso em autos sigilosos, dados estes que um investigado qualquer jamais obteria", escreveu a juíza na decisão.Para a OAB, é inadmissível o uso das prerrogativas da advocacia como argumento para decretar uma prisão preventiva. A argumentação, continua, fere a presunção da inocência "a partir do momento que a livre dedução de que o acesso do profissional da advocacia poderá – até mesmo de maneira hipotética como se depreende do tempo verbal escolhido pela referida juíza – atrapalhar a instrução criminal".

"A própria julgadora afasta, em seu argumento, que ocorra interferência à instrução criminal — isto sim motivo para decretação da prisão preventiva — no momento em que trata a situação como hipótese", complementa a Ordem.

Está decisão é grave e não se coaduna com o ambiente de Estado Democrático de Direito, além do mais tenta inibir o exercício regular da profissão e deve ser revertida pelo Tribunal competente, pois privilegiou-se a Presunção de Culpabilidade em detrimento a Presunção de Inocência, prevista na Constituição. Isto é algo que devemos repelir com veemência, pois aceitar, seria retroceder a estados primitivos e ditatoriais, onde se impera o autoritarismo e a injustiça.

Uma das falhas da Prisão Preventiva que assombra os advogados criminalistas e que causa júbilo à acusação é a falta de prazo desta medida cautelar, ela tem início com a decretação pelo magistrado, mas não tem data para terminar, portanto passa a ser, em vários casos, uma prisão arbitrária pela demora da investigação ou instrução.

Como é o que acontece com vários presos da Operação Lava Jato, onde alguns réus estão há mais de um ano encarcerados, sem uma condenação.

Onde estão os princípios constitucionais do “due process of Law” (devido processo legal), da duração razoável do processo, da presunção de inocência e do direito à liberdade provisória? De forma alguma se espera que essas pessoas saiam impunes, mas que se atenda ao procedimento legal esperado e garantido por Leis e tratados internacionais. Nitidamente exibe essa situação o artigo publicado no Folha de São Paulo, senão vejamos:

Com a Operação Lava Jato prestes a completar três anos, 21 envolvidos permanecem presos no Rio ou Paraná, por ordem do juiz Sergio Moro. Destes, 7 não foram julgados: o ex-­governador do Rio Sérgio Cabral, seu ex-­secretário Wilson Cordeiro, o ex­-ministroAntonio Palocci, o ex­-deputado Eduardo Cunha e os empresários Carlos Miranda, Flávio Macedo e Eduardo Meira. Os outros 14 têm algum tipo de condenação. Entre os 21, há um delator, o empreiteiro Marcelo Odebrecht. Os demais delatores já foram libertados. Os outros executivos da Odebrecht, que firmaram acordo de colaboração, já deixaram a cadeia – os últimos foram Olívio Rodrigues e Luiz Eduardo da Rocha, em dezembro. Um dos principais delatores da Lava Jato, o doleiro Alberto Youssef, que firmou acordo ainda em 2014, obteve o direito de permanecer em prisão domiciliar em novembro passado. 18/02/2017 Lava Jato tem 21 presos, dos quais 7 ainda não julgados. ­Na lista dos presos remanescentes no Paraná estão figuras de grande peso na política nacional. Além de Palocci e Cunha, lá está o ex-­ministro José Dirceu. O ex-­deputado Pedro Corrêa (PP­PE) ainda aguarda a homologação de seu acordo de delação pela Justiça e espera deixar a cadeia. Segundo o Ministério Público Federal e a Justiça Federal, a prisão que se estende há mais tempo é a de Renê Luiz Pereira, detido ainda na primeira fase, em 2014. O caso já foi julgado na segunda instância, assim como os do empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, e do ex­-deputado federal Luiz Argôlo. Em segundo lugar, está o ex-­diretor da Petrobras Renato Duque, que vai completar dois anos seguidos na prisão no próximo mês. Antes, em 2014, ele já havia ficado três semanas detido. CONDENAÇÕES Duque é também quem recebeu penas mais altas de cadeia até o momento entre os presos. Ele já foi condenado em três ações penais em penas que somam 51 anos. O ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto também já tem três condenações. A maioria dos detidos são ex-­agentes públicos suspeitos de receber propina, como ex-congressistas. Há ainda acusados de operar os pagamentos, como Adir Assad, já condenado por Sergio Moro a quase dez anos de prisão. Na semana passada, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes disse que a corte tem um "encontro marcado com as alongadas prisões que se determinam em Curitiba". "Temos que nos posicionar sobre este tema que conflita com a jurisprudência que desenvolvemos", afirmou. Advogados de suspeitos vêm criticando as ordens de prisão expedidas por Moro desde as primeiras fases da investigação, em 2014. Os procuradores da Lava Jato sustentam que a quantidade de prisões remanescentes, diante do número de 260 suspeitos já denunciados na operação, mostra que os decretos de detenção são "excepcionais". Para a força­tarefa, as prisões impedem que crimes voltem a ser cometidos e "protegem a sociedade ao longo do processo". Moro costuma citar como argumento para prisões o risco à ordem pública ou possível prejuízo às investigações. (grifo meu)

Pois bem, estamos vivendo a era jurídica da “zona cinzenta”, onde medidas que deveriam ser usadas em último caso ou como medidas excepcionais, se tornam a primeira alternativa do Judiciário, com o intuito de aplacar o clamor social, com fundamentações como: “garantia da ordem pública...”, expressa no caput do art. 312 do CPP, ou seja, são verdadeiras prisões políticas, dada a interpretação extensiva empregada pelos magistrados, aproveitando a abrangência da expressão “garantia da ordem pública...”, interpretação essa que deveria ser restritiva, para promover o devido processo legal e consequentemente não prejudicar o indiciado ou réu; até mesmo a polícia judiciária está encarcerando e somente depois investigando, amparada pelo mesmo vago preceito, causando sérios prejuízos a inocentes e trazendo insegurança jurídica, como assevera em seu artigo, Prisão Preventiva Light: até quando?, Osny Brito de Costa Jr., vejamos o teor:

É incontestável que a prisão preventiva é a medida cautelar mais extremada em nosso ordenamento jurídico. Tal medida apenas deve ser decretada quando presentes os indícios de autoria e prova da materialidade (fumaça do cometimento de delito), conjugados com um dos fundamentos previstos no art. 312, do CPP, quais sejam: garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal, acautelar eventual aplicação da lei penal e a famigerada ordem pública (perigo de liberdade). Ocorre que o Direito Penal e o Processo Penal presenciam atualmente crescente mutação. Apesar de apresentarem o mesmo texto legal, vem sofrendo profunda mudança na interpretação de seus dispositivos, especialmente quando relacionados à prisão. Entrementes, não questiono que as normas penais que versem sobre prisão devam, sim, sofrer mudanças, evitando-se, por derradeiro, o fenômeno da “fossilização penal”. Todavia, os rumos dos ventos dessa mudança, sopram tempos tumultuados e difíceis.

Nesse sentido, é comum nos plantões forenses a prisão preventiva ser estribada com base na formula genérica da ordem pública, transcrevendo-a como “clamor social”, “repercussão do caso” e “acautelamento do judiciário”. Com efeito, muito se debate acerca do que seria concretamente ordem pública, haja vista a ausência de qualquer norma explicativa. Para alguns garantistas trata-se de verdadeira anomalia jurídica inconstitucional, mas a jurisprudencial pátria, majoritariamente considera como um fundamento legal e constitucional da prisão. Cumpre ressaltar que, apesar da constitucionalidade do postulado “ordem pública”, não podemos admitir os excessos, sob pena de regressar ao infinito a insegurança das prisões, pois o processo penal deve interpretado como sinônimo de garantia de liberdade. Ademais, esta mutação que estou sustentando vem ocorrendo também na própria atividade persecutória, haja vista que a policia judiciária está primeiro prendendo para, só depois, investigar. Estas prisões midiáticas, baseada no postulado da ordem pública (clamor social), evidencia flagrante violação ao princípio constitucional da presunção de inocência e antecipação da pena, sem o exercício do direito de defesa e devido processo legal. [...].

É de causar ojeriza, o estágio em que chegamos, a tamanha e descarada INVERSÃO DE VALORES em nome da popularidade e da aprovação social.

Pasmem; fiquei atônito e envergonhado ao ter conhecimento de que uma magistrada de São Paulo foi punida por respeitar, cumprir e zelar pela aplicação correta das Leis do nosso ordenamento jurídico pátrio, ela pôs em liberdade réus presos sob a medida cautelar de prisão preventiva, que já estavam encarcerados por mais tempo do que a pena prevista, vejamos o teor da nota de repúdio do IBADPP (Instituto Baiano de Direito Processual Penal):

O Instituto Baiano de Direito Processual Penal – IBADPP vem publicamente repudiar a punição aplicada – pena de censura -, no último dia 08 de fevereiro, pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, à Juíza de Direito, Drª. KenarikBoujikian, por ter assinado decisões monocráticas libertando réus que estavam presos preventivamente por mais tempo do que a pena fixada em suas sentenças. Por 15 votos a 9, entendeu-se que em pelo menos três ocasiões a Juíza de Direito “não adotou cautelas mínimas” antes de ter expedido os alvarás de soltura. Nascida na Síria e uma das fundadoras da Associação Juízes para a Democracia – AJD, DrªKenarikBoujikian atua hoje como substituta em segundo grau, na 34ª. Câmara de Direito Privado. Na prática, a pena de censura impede que ela seja promovida por merecimento no prazo de um ano, conforme a Lei Orgânica da Magistratura. Inaceitável a posição adotada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, pois não havia motivos suficientes para responsabilizar a Drª. KenarikBoujikian, seja em razão da independência de que gozam os Magistrados, seja pela absoluta ausência de dolo ou culpa. Assim, o Instituto Baiano de Direito Processual Penal – IBADPP repele a punição imposta, ao tempo em que se solidariza com a Magistrada, uma profissional séria, competente e comprometida com os postulados de um Processo Penal democrático e garantidor das liberdades públicas.

Mas, nem tudo está perdido, pois vislumbra-se uma saída do “black hole” da Prisão Preventiva, porque alguns ministros do STF começam a sair da letargia criada pelo clamor social, criticando a maneira como sua própria instituição, o Poder Judiciário, está fragilizando o sistema jurídico.

Um desses magistrados é o ministro Gilmar Mendes, que em sua fala defende a revisão de prisões preventivas aplicadas pela Justiça Federal do Paraná, aos casos da Operação Lava Jato, senão vejamos:

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou, nesta terça-feira (7), na primeira sessão sobre um caso da Operação Lava Jato, que a corte precisa discutir e se posicionar sobre o tempo alongado das prisões preventivas determinadas pela Justiça do Paraná e pelo juiz federal Sérgio Moro. "Temos um encontro marcado com as alongadas prisões que se determinam em Curitiba. Temos que nos posicionar sobre este tema que conflita com a jurisprudência que desenvolvemos ao longo desses anos", disse Gilmar Mendes, durante o voto favorável à manutenção da prisão de João Cláudio Genu, ex-tesoureiro do PP que foi condenado a oito anos por corrupção passiva e associação criminosa na Lava Jato.

O também ministro do STF, Ricardo Lewandowski, criticou duramente seus pares (magistrados), por gerarem insegurança jurídica, colocando em risco o Estado Democrático de Direito, atropelando o devido processo legal e desrespeitando garantias e direitos fundamentais, previstos tanto na Constituição como em Leis Federais, usando uma decisão do STF para justificar condenações provisórias, sem observar o trânsito em julgado como determina a Constituição. Estes, estão cometendo atropelos gravíssimos que não podem ser permitidos,  vejamos a crítica do ex-presidente do STF:

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, classificou como “teratológica” uma decisão da 3ª Vara Criminal de Brasília que mudou entendimento para determinar a prisão de um réu antes do fim da ação. A condenação era clara ao dizer que o cumprimento da pena seria somente após o trânsito em julgado do processo. "Para prender, é preciso mais do que o simples acatamento de petição ministerial em primeiro grau", diz Lewandowski. Acontece que, quando o Supremo permitiu a prisão após condenação em segunda instância, esse caso dependia apenas da análise de um agravo em recurso especial, no Superior Tribunal de Justiça, movido pela defesa do réu. Mas o MP fez novo pedido ao juízo de primeiro grau, que determinou o imediato cumprimento da pena. A defesa recorreu, mas os recursos foram negados pelo TJ-DF e pelo Superior Tribunal de Justiça. O advogado Alberto Zacharias Toron foi então ao Supremo, onde, em Habeas Corpus, argumentou ter havido violação da coisa julgada. Toron disse que a sentença assegurou o direito de recorrer em liberdade e, como essa determinação não havia sido questionada pelo Ministério Publico em recurso ao segundo grau no momento da condenação, o réu teria direito de responder às acusações fora da cadeia. O único recurso do MP para o TJ-DF, à época da condenação, foi para que fosse decretada a perda de cargo público de um dos envolvidos, o que foi provido. Os réus também conseguiram provimento parcial de recurso, para que fosse afastada a pena de multa. Para o ministro Ricardo Lewandowski, “o juízo utilizou-se de uma forma imprópria para modificar a fundamentação do acórdão”. O magistrado explicou que esse ato configuraria uma espécie de reformatio in pejus, ou seja, a pena do réu estaria sendo agravada sem que o MP houvesse apelado da sentença, o que é proibido pelo artigo 617 do Código de Processo Penal. Lewandowski destacou na liminar que a possibilidade de o réu recorrer em liberdade não foi alterada pela segunda instância. Disse ainda que o juízo de primeiro grau não pode mudar sua decisão simplesmente porque o STF alterou sua jurisprudência, ainda mais em um caso que aguarda julgamento de mérito e sequer é vinculante. (grifo meu) “Para prender um cidadão é preciso mais do que o simples acatamento de uma petição ministerial protocolada em primeiro grau, sobretudo quando estão em jogo valores essenciais a própria existência do Estado Democrático de Direito como a liberdade e o devido processo legal [...] Trânsito em julgado difere substancialmente — como e obvio — de julgamento em segundo grau”, finalizou.

Destarte, nós Operadores do Direito, delegados, promotores, juízes e advogados não podemos calar diante de tais aberrações jurídicas que penalizam não somente as pessoas envolvidas, mas como também toda uma sociedade.

Estas ações que violam prerrogativas, direitos e garantias fundamentais devem ser combatidas por todos nós.

Vamos sair das trincheiras do comodismo e da ignorância, onde se clama por justiça a qualquer preço, em que “ os fins justificam os meios”, como disse Maquiavel em O Princípe.

Defendamos a punição com rigor, mas que atenda ao devido processo legal, sem destruir o Estado Democrático de Direito e o combalido princípio da Presunção de Inocência, que já se encontram na UTI.

BIBLIOGRAFIA

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BRASIL. Lei 7.960, de 21 de Dezembrode 1989. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7960.htm>. Acesso em: 20 fev.. 2017.

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COSTA Jr., Osny Brito. Prisão preventiva light: até quando? Disponível em:< https://canalcienciascriminais.com.br/prisao-preventiva-light/> Acesso em: 15 fev. /2017

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IBADPP. Nota de Repúdio a punição aplicada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, à Juíza de Direito, Drª. KenarikBoujikian. Disponível em: <http://www.ibadpp.com.br/2041/nota-de-repudio-a-punicao-tjsp-a-juiza-kenarik >. Acesso em :18/02/201

JORNAL DO BRASIL. Gilmar Mendes diz que Supremo precisa rever "alongadas prisões" da Lava Jato. Disponível em:< http://www.jb.com.br/pais/noticias/2017/02/07/gilmar-mendes-diz-que-supremo-precisa-rever-alongadas-prisoes-da-lava-jato/ >. Acesso em 19 fev. 2017

LOPES Jr., Aury,Direito processual penal,13. ed. – São Paulo : Saraiva, 2016.


Autor

  • José Borges Neto

    Advogado, atuante na área Criminal (associado da ABRACRIM) e atua juntamente com outros profissionais nas áreas Civil, Trabalhista, Família e Consumidor. bacharel em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira-Goiânia e ASPER-Paraíba, onde concluí, também formado pelo Gibbs College-EUA em Redes de Computadores. Estagiei por um ano na Defensoria Pública do Estado da Paraíba com enfâse em Direito Civil e Conciliação. Fui Agente de Proteção, por quase 5 anos, no Juizado da Infância e Juventude de Goiânia. Na Faculdade ASPER também participei de projetos de solução de conflitos em comunidades carentes do entorno de João Pessoa (mediação de conflitos). Falo inglês fluentemente e alemão nível intermediário.

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