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Pornografia não consensual e a carência de tutelas jurídicas e emancipatórias de gênero

Pornografia não consensual e a carência de tutelas jurídicas e emancipatórias de gênero

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O ambiente das redes sociais tem facilitado o incentivo da violência de gênero ao disseminar a prática da intimidade sexual não consentida. Surge daí a necessidade de analisar as respostas e propostas legais oferecidas pelo sistema jurídico brasileiro e questionar se a majoração das penas ou a criminalização de novas condutas seria a solução.

1. INTRODUÇÃO

Com o advento das novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC) - representadas principalmente pelos sites de relacionamento e de entretenimento, como Facebook, Whatsapp e Youtube, houve uma significativa mudança na forma de se relacionar. Isso se deve ao fato de que as relações a partir do contato com essas plataformas se tornaram imersas em uma zona intercambiável mais profunda, mais extensa e fugaz.

Tal mudança se comporta de forma paradoxal, na medida em que, imersos nessa relação, os ganhos são aniquilados pelas perdas. Essas tecnologias trouxeram para a humanidade uma gama de facilidades, como o acesso ao conhecimento e a atenuação da distância; mas por outro lado, essa facilitação possibilitou que fôssemos atingidos de forma subjetiva, em razão de a tecnologia ainda estar a serviço das fraquezas humanas, pois quanto mais profunda, extensa e fugaz essa tecnologia, mais intangível se torna.

Dito isso, não é difícil imaginar que as fraquezas humanas estão intrinsecamente ligadas a construções sociais que obedecem mandamentos de opressão e discriminação. Dessa forma, naturalmente, o espaço tecnológico se torna reflexo daquilo que somos, e essas representações assumem novos instrumentos capazes de manter a mesma ordem social de opressão e discriminação, dotados de uma complexidade ainda pouco explorada.

A pornografia não consensual tem sido considerada um fenômeno associado a essas construções sociais, pois seu objeto se adequa à afirmação da opressão e da discriminação. A visibilidade desse tipo de violência considerado fenômeno, equivale ao fato de que os meios para executar a violência estão relacionados com a tecnologia, visto que a prática da opressão e da discriminação não é um fator desconhecido - existe independente da sua associação com os meios tecnológicos.

A pornografia não consensual, ou revenge porn, como é conhecida popularmente, é o meio pelo qual o indivíduo transgride a intimidade sexual de outrem através da facilitação das tecnologias, como forma de opressão e intimidação. A prática consiste na divulgação não consentida de material íntimo, como fotos, vídeos e áudios contendo ou não nudez e/ou atos sexuais, e a sua captação pode se dar através de forma consentida, ou não. Esse fenômeno obedece especialmente às construções sociais de desigualdade de gênero, uma vez que de modo geral, é dirigido contra a mulher.

Por isso, o debate aqui proposto ultrapassa a discussão da intimidade e da privacidade, sem desconsiderar seus aspectos, bem como os limites entre o público e o privado. A questão a se debater é sobre as estruturas que dão legitimidade a esse fenômeno, que permitem a apropriação de material íntimo de forma não consentida, como meio de reduzir a autonomia e a integridade feminina em um espaço que deveria servir de emancipação.

Dessa forma, o texto centra-se na análise do fenômeno como um todo, desde o estudo da construção dos gêneros, da sexualidade, da disponibilização indevida do material, do seu compartilhamento por outras pessoas, até a estigmatização - como produto de uma construção histórica de inferioridade feminina.

Para isso, fez-se necessário descrever a conjuntura psicossocial da violência de gênero, levantar dados quantitativos e qualitativos a respeito do tema e identificar os meios de instrumentalização e amparo às vítimas. Isso se consuma através de um método de abordagem dedutiva, com apoio em levantamento de material bibliográfico pertinente, análise de reportagens veiculadas em jornais de grande circulação, pesquisa na lei, e na jurisprudência.

Contudo, convém ressaltar que o estudo não se dá de forma a esgotar o tema. Primeiro, que o fenômeno da pornografia não consensual oferece infinitas problematizações, que não se condensariam em uma monografia, e segundo que, por tratar de tema recente, o material disponível ainda se faz escasso – sendo preciso cautela para não comprometer a seriedade das informações, e das teorizações.

Em um primeiro momento cabe investigar o processo de construção de gênero, que transforma os conceitos biológicos em tradição, e depois disso os legitimam como condição. No primeiro capítulo é feito um resgate teórico a partir de autoras especialistas nos estudos de gênero, como Gayle Rubin, Joan Scott, Heleieth Saffioti a fim de demonstrar a relação da divisão binária partir do gênero, com a discriminação sofrida pelas mulheres.

Depois disso serão analisadas as nuances de violência a que está submetido o fenômeno da pornografia não consensual, bem como a tentativa de emancipação feminina e o processo de visibilidade das hierarquias de gênero, como objeto de estudo e intervenção. Esse processo se faz através de uma ordem cronológico-histórica, que se apoia em importantes marcos teóricos, bem como em literatura jurídica especializada a fim de caracterizar a violência, ademais, psicológica.

O segundo capítulo descreve o fenômeno da pornografia não consensual como objeto de estudo através de conceitos, derivações e dados estatísticos. Essa conceituação perpassa pela análise do Cyberepaço, como um dos seus campos de manifestação, e das suas conquências off – line. Além disso, é necessário diferenciar a sua natureza, posto que a exposição não consentida de material íntimo, pode se dar através de outras motivações, que não somente a vingança – como popularmente se caracteriza o Revenge Porn. Nesse sentido, se faz necessário a diferenciação desses termos, e a análise do consentimento tanto na captação desse material, quanto, no seu compartilhamento. A descrição desse fenômeno também requer que se faça uma análise estatística a fim de identificar importantes dados. Só assim, é possível tecer constatações primárias satisfatórias, capazes de conduzir o restante do estudo.

O próximo passo é revelar quem são essas vítimas, e dar nome a elas. Isso é feito a partir da breve narrativa de sete casos, que representam as duas formas mais recorrentes de motivação dessa prática: a vingança, e o mero deleite - ambos revestidos de dominância como meio de submissão. As histórias servem para confirmar as estatísticas exploradas, bem como dar voz às vítimas, ainda que de forma indireta. E embora o estudo exija certa dose de distanciamento e imparcialidade, revelar essas histórias nos transporta para um imaginário subjetivo que eleva a o interesse em aprofundar essas questões.

No quarto capítulo tenta - se construir uma análise sociológica da Pornografia não consensual como fenômeno, a fim de compatibilizá-lo como um todo e demonstrar as impressões e constatações que derivam desse estudo. Isto é feito a partir de análise doutrinária de autores como Brunello Stancioli, Erving Gofman, Marilena Chauí e Nara Pereira Carvalho . Lança-se uma discussão a respeito da construção e deterioração da identidade da pessoa, com base em teorizações que vão desde a caracterização de termo pessoa, até a apresentação do estigma. A estigmatização proveniente do ato se torna assim, para o estudo, um objeto central, pois é através dela que se manifestam as confirmações das construções sociais que engendram essas práticas condenáveispela sociedade.

Os capítulos quinto e sexto, por fim, cuidam de explorar os possíveis enquadramentos legais existentes, bem como os projetos de lei em trâmite. Essa exploração é possível através de pesquisas legislativas e jurisprudenciais, que demonstram qual tem sido as respostas no judiciário para lidar com o fenômeno. Suas respostas servem para a formulação de dois questionamentos: as alternativas jurídicas existentes oferecem respostas satisfatórias às mulheres? A criação de outros tipos legais é a solução para o seu enfrentamento? São questionamentos inevitáveis, quando se avança na análise da temática, posto que provocam um incômodo inquietante.

A hipótese que se confirma é que pornografia não consensual tem sido utilizada reiteradamente como instrumento, a fim de perpetrar a violência de gênero, eis que sua fórmula resulta na degradação da moral, ultrapassados os limites da vida privada. Essa hipótese se estrutura no fato de que a repressão sexual – componente das construções sociais, funciona como catalisador de opressão inconsciente tanto para o opressor, quanto para o oprimido. Discutir a sexualidade não é tarefa instantânea. É em razão disso que ainda se percebe um contingente de casos aquém da inércia do judiciário, e um contingente de casos que nem chegam às delegacias, porquanto se transformam em cifra oculta; ou seja, casos existentes, mas não notificados, e solucionados.

A relevância da proposta é fomentar um campo de discussão qualificada e critica, capaz de provocar a inquietação de seus potenciais protagonistas, incluindo as instituições, na tentativa de oferecer um caminho de enfrentamento satisfatório de emancipação.


2. GÊNERO E VIOLÊNCIA

A opressão das mulheres tem sido objeto de significativas teorizações recentes na tentativa de explicar as relações de poder e desigualdades entre os gêneros. A recusa do essencialismo biológico fundado na anatomia como destino se mostra como resultado de algumas dessas teorizações, que passaram a despertar um estudo mais sistematizado, sobretudo por parte de teóricas feministas, a partir do século XIX. Assim, à medida que os estudos do sexo e da sexualidade foram se consolidando, a utilização do termo gênero se destacou, e assumiu o papel de representar essa distinção, que não mais necessariamente se relaciona com prática sexual ou anatomia humana.

O termo gênero introduziu-se como discussão mais aparente no Brasil na década de 1990, e ainda se mostra um assunto relativamente recente, dado o contexto de persistente desigualdade, marcada pelas estruturas de relações de poder (SAFFIOTI, 2001, p. 100). Gênero, então, passa a ser visto como termo que remete às relações sociais de poder e desigualdade entre homens e mulheres - resultado de uma construção social a partir das diferenças sexuais percebidas entre ambos, e que não se confunde com sexo, visto que esta última categoria descreve características e diferenças biológicas atreladas a aspectos da fisiologia e anatomia (CAMINHAS; TOFFANO, 2013, p.1).

Desse modo, Auad (2003, p.57) afirma que o termo gênero reflete um conjunto de estereótipos construídos em torno do feminino e do masculino, em que se associam papéis aos sexos biológicos e são ditados parâmetros para cada polo da dicotomia. Indubitavelmente, as sociedades modernas edificaram ao longo da história recente variados significados, símbolos, e características para interpretar cada um dos sexos, de modo que são determinadas suas percepções e se tem como produto a expectativa social de determinado comportamento. Segundo Sydow e Castro:

Dentre os estereótipos mais comuns estão as pre-concepções de que as mulheres gostam menos de sexo, sentem pouco desejo e são guardiãs da virtude, da família e da moral. Em consequência, se cederem à tentação ou se provocarem os homens, são responsáveis pelas consequências das violências que vierem a sofrer. Daí o apelo popular tão intenso da chamada “cultura da vagabunda”(...). Vale dizer, trata-se da depreciação e da hostilização da mulher que viole as normas socioculturais tradicionais e as expectativas acerca da conduta sexual adequada ao seu gênero (SYDOW; CASTRO, 2017, p.76).

A política de gênero costuma se revelar em normas obrigatórias que demandam que nos tornemos um gênero ou outro (costumeiramente localizado em um molde estritamente binário), que exerce uma negociação cotidiana com o poder. Constrói-se desse modo, segundo Judith Butler, a “perfomatividade de gênero”, que se mostra como um certo tipo de decreto, atrelado às maneiras diferenciais em que sujeitos se tornam elegíveis ao reconhecimento. Esse reconhecimento dependeria assim, da existência de meios em que o corpo poderia se apresentar (COOLING, 2016, p. 35-36).

Ao tratar da questão da definição de gênero, Rubin (1993, p.5) adota a expressão “sistema gênero/sexo”, e a define como um conjunto de arranjos através dos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade humana, por meio da qual essas necessidades sexuais transformadas, são satisfeitas:

Toda sociedade conta ainda com um sistema de sexo/gênero um conjunto de arranjos através dos quais a matéria – prima biológica do sexo e da procriação humanas é moldada pela intervenção humana e social e satisfeita de forma convencional, pouco importando o quão bizarras algumas dessas convenções podem parecer (RUBIN, 1993, p. 5).

Com o mesmo efeito, de acordo com a visão de Joan Scott, (1989, p. 7) o gênero é utilizado para servir de desígnio às relações sociais entre o sexos, de forma que ele rejeita as justificativas biológicas - assumindo uma fórmula de subordinação. Dessa forma, o gênero se torna uma forma de indicar a construções sociais, estabelecendo papeis próprios aos homens e às mulheres, como elementos fundantes de identidades subjetivas. Para Scott, isso quer dizer que gênero assume uma categoria social imposta a um corpo sexuado, e além disso, se tornou uma palavra particularmente útil com a proliferação dos estudos do sexo e da sexualidade, pois constitui um meio de distinguir a prática sexual dos papeis atribuídos às mulheres e aos homens. Dessa forma, o uso do termo “gênero” enfatiza um sistema de relações de poder, que se pode incluir o sexo, mas que não é diretamente determinado por ele, e nem determina a sexualidade.

Sendo assim, segundo a autora, através da abertura científica menos conservadora em relação ao corpo, o gênero inaugurou um esforço das feministas do século XX em reivindicar um espaço de classificação mais coerente, de busca por uma análise descritiva sobre a desigualdade entre homem e mulher. Essa nova análise propõe o rompimento com o determinismo biológico, e transfere seu enfoque para as construções sociais.

Contudo, não há que se falar em um conceito homogêneo datado exclusivamente do movimento feminista que sirva de parâmetro conceitual definido. O que existe é um consenso a respeito de determinados pontos do conceito:

Não se pode negar que haja uma perspectiva feminista, construída ao longo das lutas de mulheres por uma sociedade menos injusta. Que haja um modelo feminista já é, no mínimo, bastante discutível. A perspectiva feminista toma o gênero como categoria histórica, portanto substantiva, e também como categoria analítica, por conseguinte, adjetiva. Não existe um modelo de análise feminista. Rigorosamente, o único consenso existente sobre o conceito de gênero reside no fato de que se trata de uma modelagem social, estatisticamente, mas não necessariamente, referida ao sexo. Vale dizer que o gênero pode ser construído independentemente do sexo (SAFFIOTI, 2001, p.129).

No seu uso mais recente, “gênero” demarca um propósito de desmistificar as distinções baseadas no sexo e no determinismo biológico implícito no uso de termos como “sexo”, ou diferença sexual. Esse sentido literal se mostra uma maneira de referir-se à organização social da relação entre os sexos. Gênero se torna assim na literatura científica, uma nomenclatura apta a indicar a vertente crítica de um trabalho complexo que estuda as relações. Sendo assim, o uso do termo gênero possui uma conotação dotada de mais objetividade e neutralidade, do que “mulheres”. O uso substitutivo abandona a polarização e conduz o objeto de estudo de forma equânime e dinâmica entre o feminino e o masculino, a fim de se fazer compreender como uma categoria de análise teórica e epistêmica voltada à estrutura da sociedade (SCOTT, 1989, p.6).

Apesar da multiplicidade teórica existente, há um considerável consenso de que a categoria gênero propicie um novo e positivo modelo de estudo relativo às mulheres. Diferente do modelo absoluto e estático em que se estrutura os teóricos do patriarcado, com base em diferenças biológicas entre homem e mulher, o novo modelo com perspectiva no gênero enfatiza a diferença entre o social e o biológico – e mesmo a construção do biológico por meio das relações sociais e discursivas. Entende-se, pois, que a noção de dominação patriarcal é insuficiente para acolher e compreender a dinâmica contemporânea das relações de gênero, bem como sua relação com a violência (SANTOS; IZUMINO, 2005, p.10).

Nesse sentido, se faz dispensável uma abordagem mais específica com relação à teoria da dominação patriarcal, visto que ela não é capaz de oferecer uma reflexão produtiva com relação aos desdobramentos da temática. Se faz necessário por outro lado, focalizar nos aspectos da categoria gênero, que se desdobram em um tipo especial de violência, que vem ganhando visibilidade a fim de encontrar alternativas para o seu enfrentamento.

2.1. PROCESSO DE VISIBILIDADE DA VIOLÊCIA DE GÊNERO

A violência, de modo geral, compreende o uso da força física, psicológica e/ou intelectual para compelir a outra pessoa a praticar um ato contra a sua vontade. Segundo Lacerda (2014, p. 4), ela rompe com qualquer forma de integridade da vítima; seja física, psíquica, sexual ou moral, e resulta da ação ou força irresistível praticadas através de uma motivação, que não se concretizaria por si mesma. Essa violência atua de modo agressivo e ilegítimo típicos do processo de coação, que corresponde à invasão da esfera de liberdade do outro e à restrição da autonomia.

A violência de gênero por sua vez, abarca diversos meios de domínio construídos socialmente, com base nos estereótipos. Esse domínio é dirigido às mulheres, de maneira que é capaz de moldar as vontades e as ações a um universo muito restrito. Azevedo a denomina como “expressão de relações sociais hierárquicas de dominância e subalternidade” (1985, p.73), que ganharam contornos elaborados nas artes, na religião, na filosofia, na ciência, na política e nas leis. Contudo, há um esforço emergente no sentido de amadurecer essas percepções.

O avanço mais recente nesse sentido é o advento da Lei 13.104, de 09 de março de 2015, conhecida como “Lei do Feminicídio”. Essa lei altera o Código Penal no seu art. 21 a fim de prever o feminicídio como uma espécie de homicídio qualificado, com agravantes e inclusão no rol dos crimes hediondos. O feminicídio é a caracterização da violência em razão do gênero, com teor discriminatório em seu estágio mais avançado, pois as consequências são o homicídio (BRASIL, 2015). De acordo com o último “Mapa da Violência”, de 2015, em 2013 foram registrados treze homicídios femininos por dia, representando um número de quase cinco mil no ano (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2015). A lei representa um significativo passo de em busca de reconhecimento, uma vez que categoriza a violência contra a mulher. Com base nisso, sabe – se, que essa busca por reconhecimento, perpetrou um longo processo.

A Organização das Nações Unidas (ONU) iniciou seus esforços contra a violência de gênero na década de 50, através da criação da Comissão de Status da Mulher. Entre os anos de 1949 e 1962, foi estabelecida uma série de tratados com base em disposições da Carta das Nações Unidas, que declara, de forma expressa, a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Também a Declaração Universal dos Direitos Humanos declara que todos os direitos e liberdades humanos devem ser aplicados de forma igualitária a homens e mulheres, sem qualquer distinção (PINAFI, 2003, p.1).

No Brasil, nos anos 70, há o surgimento dos primeiros movimentos feministas que objetivavam tornar pública a violência contra a mulher. A política sexista deixava impunes muitos casos de abusos contra de mulheres sob o argumento da “legitima defesa da honra”. Predominava a negligência estatal, pois os atos de violência do homem contra a mulher, costumavam ser entendidos como problemas do âmbito privado, em que o estado não deveria intervir. Em 1976, por exemplo, ocorreu o brutal assassinato de Ângela Maria Fernandes Diniz pelo seu ex-marido, Raul Fernando do Amaral Street (Doca), que não conformou com o término da relação e descarregou um tiro contra o rosto da ex-mulher. Levado a julgamento, Raul foi absolvido com o argumento de que a execução se deu em “legítima defesa da honra” e que matara por amor. O caso rendeu grande repercussão na mídia, o que acarretou em uma grande movimentação de mulheres em torno do lema: “quem ama não mata” (PINAFI, 2003, p.4).

Em 1979, foi aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU), a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), que ficou conhecida como Lei Internacional dos Direitos da Mulher. Ela visou a promoção dos direitos na busca pela igualdade, e foi promulgada pelo Brasil em 2002. Essa Convenção representa a primeira tentativa internacional de chamar a atenção para a desigualdade de gênero e corresponde a um esforço da Comissão da Condição Jurídica e Social da Mulher, criado pela Assembleia Geral das Nações Unidas:

Artigo 1º – Para fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra a mulher" significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo (BRASIL, 2002).

Depois disso, o movimento feminista abriu espaço para outras conquistas em prol dos direitos da mulher a partir da década de 1980. Em 1981, cria-se o SOS Mulher, no Rio de Janeiro, como espaço de acolhimento para mulheres em situação de violência. Nos anos seguintes, em 1983 e 1985 surgem o primeiro Conselho Estadual da Condição Feminina, e a primeira delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), ambos no estado de São Paulo, com enfoque na cidadania feminina e no combate à violência de gênero (PINAFI, 2003, p.4).

A primeira Delegacia da Mulher, foi criada pelo Decreto 23.769, de 6 de Agosto de 1985. Esse decreto permitiu a inauguração da delegacia especializada com base no critério da identidade da vítima; uma vez que até então o trabalho policial era direcionado basicamente a certos tipos de crimes, como tráfico de drogas e homicídios. A partir dessa iniciativa, outros ramos de delegacias foram criados com base no mesmo critério, como a delegacias de crimes raciais, e de crimes contra os idosos – possibilitando a inserção de grupos frequentemente excluídos do acesso à justiça (PASINATO; SANTOS, 2008, p.11). Ademais, o Brasil foi pioneiro na América Latina na criação de Delegacias Especializadas, inspirando outros países a adotar tal iniciativa, que visa efetivar o compromisso com acordos internacionais (PINAFI, 2003, p. 4).

Em 1993, na Conferência Mundial realizada em Viena, a violência determinada pelo gênero passa a ser reconhecida no cenário internacional como violação dos direitos humanos, pois houve o reconhecimento do quão imprecisa era a caracterização da violência privada como criminalidade comum, dada extensão da gravidade. Assim, entendeu-se que caberia ao Estado zelar pela adoção de medidas que repercutissem na prevenção e no combate dessas práticas. Nessa Conferência, foram considerados vários graus e manifestações de violência, dentre eles, o preconceito cultural e o tráfico de pessoas (PINAFI, 2003, p. 4).

No ano seguinte, em 1994, a Assembleia geral da OEA (Organização dos Estados Americanos) da qual se firmou a “Convenção de Belém do Pará para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher” definiu a violência contra a mulher como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero, exercida no âmbito público ou privado, que cause morte, dano, sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher (BRASIL, 1996).

Posteriormente, em 1995, entrou em vigor a Lei 9.099, que instituiu os Juizados Especiais Criminais, demarcando a percepção desse tipo de violência como um problema de ordem pública no país. No entanto, a partir da vigência dessa lei, tal violência foi tida como “crime de menor potencial ofensivo” e o instrumento normativo não conseguiu se firmar como um meio apto a erradicar esse tipo de violência (BRASIL, 1995).

A lei 9099/95 recebeu inúmeras críticas, pois ao considerar crime de menor potencial ofensivo, muitas sentenças restringiam-se a pagamentos de cestas básicas e prestação de serviço à comunidade. Esse enfrentamento através da nova lei reforçava o que ela preconizava; de que a violência contra a mulher era crime de menor potencial ofensivo. As vítimas não eram ressarcidas em benefícios materiais, e não havia nenhuma garantia de proteção que afastasse a ameaça de uma nova violência. Esse tratamento resultava em um processo de sobrevitimização da mulher, haja vista que o Estado o encarava de forma branda (SOUZA; DUARTE, 2015, p.9).

Outro avanço se deu em 1998, através da elaboração da Norma Técnica do Ministério da Saúde para prevenção e tratamento dos danos decorrentes da violência sexual. Em decorrência disso, foi instituída a Lei 10.778/03, determinando a notificação compulsória no território nacional, de todo caso de violência contra a mulher que viesse a ser atendida em serviços de saúde públicos ou privados (BRASIL, 2003). Além disso, em 1998, a Organização Mundial de Saúde (OMS) se inseriu no debate, e definiu a violência contra a mulher:

Todo ato de violência baseado em gênero, que tem como resultado, possível ou real, um dano físico, sexual ou psicológico, incluídas as ameaças, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade, seja a que aconteça na vida pública ou privada. Abrange, sem caráter limitativo, a violência física, sexual e psicológica na família, incluídos os golpes, o abuso sexual às meninas, a violação relacionada à herança, o estupro pelo marido, a mutilação genital e outras práticas tradicionais que atentem contra mulher, a violência exercida por outras pessoas – que não o marido – e a violência relacionada com a exploração física, sexual e psicológica e ao trabalho, em instituições educacionais e em outros âmbitos, o tráfico de mulheres e a prostituição forçada e a violência física, sexual e psicológica perpetrada ou tolerada pelo Estado, onde quer que ocorra (OMS, 1998, p.7).

No ano de 2002m foi inaugurada a Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher (SEDIM), com o intuito de monitorar as políticas públicas de igualdade de gênero, com a posterior criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), que já contava com orçamento próprio para financiar políticas públicas. A criação dessa secretaria Especial representou um avanço no entendimento de que as políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher vão além do aspecto criminal. A criação dessas secretarias possibilitou um diagnóstico mais qualitativo a fim de implementar outras medidas de combate à violência contra a mulher (SOUZA; DUARTE, 2015, p.8-9).

Ainda em 2002, intensificaram-se as ações das Casas Abrigo, criadas em 1985, que representam até hoje um espaço de acolhimento para mulheres em situação de violência. Essas casas atuam através da tentativa de um tratamento mais adequado para com a visão social desse tipo de violência. As ações objetivam focar na segurança pública e na assistência social, assim como o Programa Nacional de Combate à Violência contra a Mulher, gerenciado pela SEDIM (SOUZA; DUARTE, 2015, p. 9).

No ano seguinte, em 2003, houve a implementação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, com uma atuação destinada à prevenção e à assistência da mulher inserida em um contexto de violência. O objetivo era concretizar e integrar serviços de saúde, segurança, educação, assistência social, cultura e justiça, a fim de trilhar um caminho de quebra com a cultura de hierarquização masculina, e o posterior rompimento com o ciclo de violência. Depois disso, foi organizada a I Conferência Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres – CNPM, que firmou compromisso do Governo Federal com a formulação de uma política voltada ao gênero no país (SOUZA; DUARTE, 2015, p. 9).

No ano de 2006, aconteceu um dos avanços mais significativos em prol do combate à violência de gênero. Através da promulgação da Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, houve um respaldo de forma mais abrangente à questão do combate à violência de gênero, propondo-se ações mais acentuadas no âmbito jurídico, inclusive associadas ao atendimento psicossocial (BRASIL, 2006).

A Lei Maria da Penha é um microssistema que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. A Lei traz consigo esse nome em razão daquela que a motivou, pois Maria da Penha Maia Fernandes foi uma das muitas vítimas de violência doméstica do Brasil. E assim como tantas outras, insistentemente denunciou as agressões que sofreu, mas não foi amparada pelo Estado com a devida assistência e com a responsabilização do agressor (DIAS, 2007, p. 14).

O drama vivido por Maria da Penha gerou tanta repercussão, que o Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEN formalizaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. O Brasil foi condenado internacionalmente por negligência e omissão às vítimas de violência doméstica em 2001, com a imposição do pagamento de indenização no valor de vinte mil dólares em favor de Maria da Penha. Com isso, foi imposta ao país a adoção de medidas mais eficientes nessa questão, inclusive, a simplificação de processos judiciais penais (DIAS, 2007, p.14).

O Projeto de Lei que viria a se tornar a Lei Maria da Penha foi elaborado em 2002 com a participação de quinze ONG’s, e enviado ao Congresso Nacional em 2004. A Deputada e relatora do projeto, Jandira Feghali, realizou audiências públicas pelo Brasil, e houveram modificações pelo Senado Federal. Em sete de agosto de 2006, a lei foi sancionada pelo Presidente da República, com data de entrada em vigor em vinte e dois de setembro de 2006. (DIAS, 2007, p.14).

Contudo, com a condenação do Brasil dada situação de negligência, a lei expressa de forma bem clara no parágrafo 2° do art. 3° que não é de responsabilidade exclusiva do Estado a criação de condições necessárias para que a mulher viva em um ambiente livre de violência, cabendo também esse papel à sociedade:

Art. 3° Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

(...)§ 2° Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput (BRASIL, 2006).

Sendo assim, em vários momentos, a Lei Maria da Penha faz menção à participação da sociedade civil no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Além disso, o art. 8, inciso IV diz que o Poder Público deve celebrar convênios com as organizações não governamentais para que seja implementados programas, projetos e ações a fim de erradicar a violência doméstica contra mulheres.

Art. 8° A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-à por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não governamentais, tendo por diretrizes:

(...) IV – a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher; (BRASIL, 2006).

Ainda, através do lançamento do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra Mulheres, em agosto de 2007, a violência doméstica contra a mulher foi tipificada e os crimes cometidos pelos autores da violência que antes eram julgados pelos Juizados Especiais Criminais e tratados como ações de menor potencial ofensivo, passam a ser reconhecidos com natureza de violência de gênero (SOUZA; DUARTE, 2015, p. 10).

O Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra Mulheres consolida o Estado como provedor das ações de combate à esse tipo de violência, além de estabelecer um conjunto de ações que objetivam a efetivação da Lei Maria da Penha no país. Ele surgiu como parte da Agenda Social do Governo Federal, e consiste em um acordo federativo entre o governo federal, os governos dos estados e dos municípios brasileiros para o planejamento de ações públicas em prol do enfrentamento à violência de gênero, seja ela física, sexual, patrimonial, moral, ou psicológica (BRASIL, 2011).

2.2. DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

A lei Maria da Penha permite abarcar o sentido de violência mais amplo e complexo, ao trazer não somente a definição de violência física; mas também sexual, patrimonial, moral e psicológica. Ela abre um espaço de discussão política/social dos aspectos em que estão inseridos esse tipo de violência, visto que as construções culturais têm considerado o masculino e suas formas de representação como superiores – desdobrando-se em relações de poder injustas e desiguais. E uma vez que essas relações advém de uma construção cultural, elas variam de acordo com a história e com o espaço e assumem diversos arranjos específicos de discriminação e opressão (NETO; GURGEL, 2014, p. 2). A violência psicológica é um desses arranjos. De acordo com o inciso II, art. 7° da Lei 11.340/06:

A violência psicológica contra a mulher pode ser entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação (BRASIL, 2006).

Apesar do grande avanço ao ter sido reconhecida através de uma lei, a violência psicológica ainda carece de visibilidade de modo geral, visto que ainda é pouco considerada pelos serviços públicos de saúde e instituições policiais como um problema social grave.

Sua gravidade consiste no fato de que é uma espécie de violência de gênero que propicia ações ou omissões que visam degradar, dominar, humilhar outra pessoa, controlando seus atos, comportamentos, crenças e decisões. É empregada através de meios intimidatórios que impedem ou prejudicam o exercício da autodeterminação e do desenvolvimento pessoal (TELES; MELLO, 2003, p. 22). É importante ressaltar que a violência física, sexual e moral, não ocorrem de forma isolada, de modo que qualquer que seja a forma assumida pela agressão, a violência emocional está presente, assim como a violência moral (SAFFIOTI, 2004, p. 75).

A violência psicológica é uma categoria de violência que é negligenciada. Ela é pouco considerada pelas autoridades públicas e pelos meios midiáticos. Tal afirmação se baseia em dois pilares: o primeiro refere-se ao que é denunciado nas manchetes dos jornais, que destacam a violência doméstica contra a mulher somente quando esta se manifesta de forma aguda, em que ocorrem danos físicos, aparentes, ou mesmo quando a vitima vai a óbito. O segundo pilar é que apesar de estarem completamente interligadas as violências físicas e psicológicas, e sendo até mesmo tão ou mais grave que a primeira, muitos artigos científicos sequer citam sua existência (SILVA, et al, 2007, p. 93-103). Isso reforça a afirmação inicial sobre a prioridade dada para a violência que provoca consequências físicas graves em detrimento das graves consequências psicológicas. Observa-se assim, uma dupla invisibilidade da violência psicológica oriunda da falta de referência da mídia, e também dos estudos científicos.

Esse tratamento negligente acontece porque há uma falsa percepção de que a violência psicológica seria mais “branda” do que qualquer outro tipo de violência, visto que a sua visibilidade não é direta como a violência física. A violência psicológica aliás, deve ser comparável à violência física, pois abala a autoestima, a segurança e a confiança da mulher em si mesma. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (1998) é um tipo de violência que deve ser vista como um grave problema de saúde pública, que merece espaço de esclarecimento e prevenção através de políticas públicas específicas

É importante enfatizar que a violência psicológica causa, por si só, graves problemas de natureza emocional e física. Independentemente de sua relação com a violência física, a violência psicológica deve ser identificada, em especial pelos profissionais que atuam nos serviços públicos, sejam estes de saúde, segurança ou educação. Não raro, são detectadas situações graves de saúde, fruto do sofrimento psicológico, dentre as quais se destacam: (...) síndrome do pânico, depressão, tentativa de suicídio e distúrbios alimentares. Como já dito anteriormente, isso significa que a violência psicológica deve ser enfrentada como um problema de saúde pública pelos profissionais que ali atuam, independentemente de eclodir ou não a violência física (SILVA et al, 2007, p. 100).

A violência psicológica apesar de situada em uma zona periférica com relação a outras nuances de violência, já se faz reconhecida na legislação extravagante brasileira. Tal reconhecimento se mostra como importante avanço, visto que permite despertar a atenção para determinados tipos de abusos, que habitualmente eram tidos como comportamentos naturais, fixos e pré-estabelecidos que reproduzem padrões de comportamentos violentos, mas socialmente aceitos. Contudo, apesar do amparo legal dessa espécie de violência, impõe – se o desafio e identificar novas configurações de violência psicológica que se mostram como produto das relações contemporâneas, ademais, discutir os caminhos para o seu enfrentamento.


3. DA PORNOGRAFIA NÃO CONSENSUAL

No mundo contemporâneo é inimaginável que as relações se desenvolvam sem o amparo das tecnologias, pois elas estão presentes cada vez mais no cotidiano da população mundial, influenciando a maneira como as pessoas vivenciam suas experiências sociais. A utilização da internet dinamizou o dia a dia das pessoas em diversos sentidos, e a rede foi usada inclusive para causas políticas, especialmente nos países muçulmanos, como Egito e Síria, em que os protestos se fortaleceram através de redes sociais como o Facebook, Twitter e Youtube.

Assim, a partir desse cenário de utilização indispensável da rede, a ONU declarou, em 2011, o acesso a tal tecnologia como um direito humano básico, em razão da sua real necessidade. O exercício de alguns direitos fundamentais efetivamente já depende de tal acesso. A exemplo disso está o acesso ao exercício da liberdade de expressão, do acesso à educação, da expressão artística, e outros, que se tornam mais efetivos quando explorados através do acesso à internet (ZWICKER; ZANONA, 2017, p. 1). No Brasil existe inclusive, um projeto de Emenda Constitucional, que acrescenta a acessibilidade universal à internet, no artigo quinto da Constituição Federal, em que trata da inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade (BRASIL, 2011).

As redes sociais representam essa dinamização de modo acentuado, uma vez que, cada vez mais, elas atraem para si usuários e serviços. Elas são plataformas derivadas da internet, que ganharam destaque em 2004, com a criação do Flickr, e posteriormente, Orkut e Facebook. Elas funcionam como instrumentos aptos a difundir a comunicação através de textos, sons, imagens e vídeos. Além disso, estabelecem um campo personalizado de informações individuais capazes de elaborar um agrupamento de “comunidades virtuais”, para a facilitação da troca de informações (DA SILVA, 2015, p. 2). Contudo, essas difusões de dados facilitados propiciam uma exposição mais ampla do indivíduo, que, se deparada com má-fé, repercutem negativamente na esfera da personalidade, gerando discussões e desafios no âmbito do direito.

Isso quer dizer que apesar de úteis e de facilitar a troca de informação e debate, as redes sociais e outras áreas da comunicação digital tem sido além disso, um espaço de violência contra a mulher. O fácil acesso, a possibilidade do anonimato, a velocidade da divulgação de informações, entre outras situações, propiciam a criação de um campo fértil de uma nova modalidade de violência: a “Pornografia sem Consentimento” ou popularmente “Reveng Porn”, que quer dizer “Pornografia de Vingança” (LELIS; CAVALCANTE, 2016, p. 5). O termo americano originalmente foi concebido em 2007 através da inclusão no dicionário online dos Estados Unidos, o Urban Dictionary. No Brasil, a expressão “manda nude” se tornou popular em 2015, e também caracteriza o ato de enviar fotos íntimas (nuas ou seminuas) por meio de aplicativos de mensagens.

A despeito de os termos “pornografia de vingança” e “pornografia não consensual” serem utilizados como sinônimos, a pornografia de vingança representa uma espécie do gênero “pornografa não consensual”. Entende – se que o fenômeno é melhor conceituado através da utilização dos termos: pornografia sem consentimento, exposição pornográfica não consentida, ou simplesmente pornografia não consensual; uma vez que facilita a identificação do fenômeno de forma mais abrangente, a fim de contemplar também situações em que não haja vingança como motivação (SYDOW; DE CASTRO, 2017, p. 37).

Ademais, a pressuposição de vingança lida com uma linha muito tênue de compreensão. Isso porque a utilização do termo pode comunicar a inclusão de julgamento de que aquilo é condenável sob o aspecto da moral. Utilizar o termo vingança também pode pressupor que a mulher fez algo de errado, e o sujeito está se vingando.

Não é incomum a utilização do termo Sexting. Essa nomenclatura surgiu através da contração entre as palavras sex (sexo) e texting (enviar mensagens de texto). Assim, o termo que resulta consiste na prática de enviar mensagens com conteúdo sexual (textos, fotografias e/ou vídeos), produzidos geralmente pelo próprio remetente, que são disseminados através do celular, ou outro meio eletrônico; com ou sem o consentimento desta. O sexting textual ou de sons é um assunto novo, que vem despertando a apreciação de estudiosos no assunto. A identificação da autoria muitas vezes se torna exposição mais danosa do que um nu parcial, por exemplo. Isso se justifica porque há o detalhamento de preferências sexuais, ou descrições pormenorizadas do ato sexual (SYDOW; DE CASTRO, 2017, p. 48-49).

A manifestação da nova prática de violação do consentimento e da intimidade de outrem, atinge principalmente o sexo feminino, apesar de qualquer gênero ser passível de vitimização por ausência de consentimento na divulgação de informações íntimas. Nesse sentido, além de exposição e constrangimento sofridos do ato da divulgação, os danos enfrentados pelas mulheres são muito mais devastadores do que os sofridos pelos homens, dada a estigmatização proveniente da cultura sexista, e causa três sofrimentos imediatos: o da traição da pessoa envolvida, a vergonha da exposição e a punição social. As práticas geralmente se reportam à divulgação e registro de conteúdos audiovisuais de pessoas em situações de sexo ou nudez, com a ausência de consentimento das mesmas (LELIS; CAVALCANTE, 2016, p. 10). Apesar de ser caracterizado como fenômeno recente com relação às tecnologias, mais precisamente associado com as redes sociais, a prática em si, pode se dar através de vários meios:

A exposição pornográfica não consentida, como disseminação não autorizada de imagem de nudez total, parcial ou em ato sexual, ou, ainda, gravação de sons produzidos em tais contextos, pode se dar por diversos meios, desde correspondências anônimas para familiares e empregadores, afixação de outdoors, impressão para livre distribuição em cartazes, folhetos ou simples reproduções fotográficas, inclusão em anúncios de prostituição, em classificados de jornal e na virtualidade. Pode incluir ou não dados completos que permitam a identificação da vítima e possibilidade de contato o que fortalece ainda mais o caráter ofensivo (SYDOW; DE CASTRO, 2017, p. 48).

Nos casos em que a motivação do ato de expor a intimidade sexual de alguém é a vingança, ela costuma ser elemento pressuposto e originário da conduta, mas nem sempre ela contextualiza a dimensão do ato, depois de “viralizar”. A viralização é um termo que caracteriza a grande repercussão de alguns conteúdos expostos na internet. Os usuários compartilham tais conteúdos de forma constante e simultânea, como se fosse uma epidemia. Assim, a viralização acaba se transformando em um elemento intensificador da dinâmica da exposição na internet, uma vez que a pessoa se torna exposta de forma contínua e reiterada. É importante frisar que a vingança exige para si o mínimo de vínculo, contudo, o ato toma grandes proporções através do compartilhamento daqueles que não possuem nenhuma relação com a pessoa exposta.

Para saber se a exposição pornográfica não consentida constitui um ato de vingança é necessário analisar a fonte de captura, a forma de circulação e a motivação. Conforme a fonte ela pode ser: oriunda da própria vítima, oriunda do parceiro ou da parceira sexual, oriunda de terceira pessoa, ou de origem ignorada. Conforme a obtenção do material: consentida ou não consentida. Conforme a permissão para a divulgação do material pode ser: de divulgação consentida, de divulgação parcialmente consentida, de divulgação não-consentida, ou de divulgação proibida. Conforme a forma da publicação pode se apresentar: por vingança, para humilhação da vítima, por vaidade ou fama do divulgador, como objetivo de chantagem/ vantagem, ou obtenção de lucro (SYDOW; DE CASTRO, 2017, p. 38-39). A importância da diferenciação entre os conceitos reside não somente na compreensão do termo, mas também no auxílio ao legislativo e ao judiciário.

É preciso observar que na formulação da tipologia, se não consideradas todas as variáveis apresentadas na classificação, há risco de ineficácia do resultado pretendido, seja pela tentativa de cobertura muito ampla de diversas categorias em um único tipo penal, o que invariavelmente acabaria por resultar em ferimento ao princípio da estrita legalidade, seja pela definição de condutas específicas demais, relegando ao esquecimento práticas criminosas mais comuns e de maior alcance social. A classificação também se destina a facilitar aos operadores do Direito a percepção da gravidade dos fatos, a qual deve ter consequência concreta tanto na fixação da pena na esfera penal, quanto na fixação do quantum indenizatório no âmbito penal, conforme previsão do artigo 387 do Código de Processo Penal, e no âmbito cível nas ações de reparação por danos materiais, morais e existenciais (SYDOW; DE CASTRO, 2017, p 46-47).

Independente da motivação, a violência que deriva de tal prática incide na violência psicológica, pois a vítima estará sujeita a enfrentamentos sociais, que afetam o próprio núcleo familiar, ciclo de amizades e até mesmo a vida profissional. Há casos em que as providências tomadas vão desde encerramento de perfis em redes sociais, a mudança de emprego, troca de escola, mudança de cidade e até alteração do nome através das vias judiciais.

Além da estigmatização social, há o risco eminente de que algozes virtuais, se transformem em agressores reais. Não é incomum que de forma paralela ao assédio e perseguição cibernéticos, as vítimas passam a sofrer perseguições ou ameaças, que são concretizadas por vezes na violação do corpo, ou até mesmo levadas às últimas consequências, como no feminicídio (SYDOW; DE CASTRO, 2017, p .80).

Pode ocorrer também a Sextortion, que é uma modalidade especial de extorsão cibernética, que não envolve valores patrimoniais como moeda de troca. O que ocorre é o uso do poder sobre o material íntimo, em troca de favores sexuais (SYDOW; DE CASTRO, 2017, p . 34-36). Em todos esses casos, a vítima costuma enfrentar isolamentos, distúrbios fóbicos e culpa - o que culmina na depressão, causando a necessidade de acompanhamento profissional psicológico, uma vez que não é incomum as consequências chegarem ao extremo do suicídio (MECABÔ; COLUTTI, 2015, p. 13-14).

As vítimas dessa prática de exposição não consentida da intimidade veem-se expostas na internet para o acesso livre a qualquer interessado, e passam a ser humilhadas, intimidadas, perseguidas e assediadas, pois encontram-se em um ciclo conhecido pela teoria feminista como slut shaming. Esse tratamento não possui tradução para o português, e pode ser definido como o ato de induzir uma mulher a se sentir culpada ou inferior com relação a prática de certos comportamentos sexuais que não cumprem com as expectativas tradicionais ligadas ao gênero a que é identificada pela sociedade. Podem ser incluídos nesses comportamentos, a depender da cultura, ter um grande número de parceiros sexuais, praticar sexo casual, ou possuir gostos e fantasias peculiares ou excessivamente sexuais.

Essa exposição é potencializada pelo espaço cibernético. Ele age como uma estrutura social que reúne um conjunto de relações interpessoais e vinculam indivíduos, grupos e instituições de forma fluida. A globalização e as comunicações em rede alteraram a noção de tempo e espaço do ser humano, e alargaram o sentimento de não pertencer. O anonimato, a agilidade e o fluxo de informações afastam o caráter pessoal e individualizante a que é atribuída a divulgação de material íntimo não consentida, e o termo “vingança” se torna, mais uma vez, difícil de ser utilizado de forma exclusiva, de forma que cada compartilhamento compactua com o crime (BARQUETTE, 2015, p. 4).

Muitos materiais de conteúdo sexual obtidos ou compartilhados sem autorização, são repassados como material pornográfico, e a principal motivação é o prazer, a excitação dos usuários e o lucro dos canais de compartilhamentos específicos. Sites brasileiros de pornografia como“flagrasamadoras.net”,“novinhasdozap.com”,“pornocarioca.com”e“safadasamadoras.com”, possuem a categoria “Caiu na Net” para que possam ser divulgados conteúdos não consensuais. Um desses domínios, por exemplo, informa que seus vídeos foram obtidos através de celulares perdidos, vídeos de sexo enviados por ex-namorados, namorados traídos “cornos mansos” e “flagras” (DA SILVEIRA; BELELI, 2015, p. 2).

A pornografia aliás, é um espaço onde há manifesta violência contra a mulher. O documentário Hot Girls Wanted, da rede de streaming de materiais audiovisuais, Netflix, mostra de modo claro a objetificação da mulher ao narrar como as atrizes chegam à indústria da ponografia e se submetem a práticas sexuais violentas, como o chamado “Forced Facial”, ou “Facial Abuse”, que é uma categoria de sexo oral forçado, até que o vômito seja provocado.

Desse modo, a violência de gênero assume diversas manifestações, que são reproduzidas através de vários instrumentos, como as instituições e a mídia. A pornografia não consensual, como uma vertente da violência de gênero, não é fato recente, mas sua visibilidade como fenômeno social relacionado com as novas tecnologias de informações e comunicações (NTIC’s), e especificamente vista como espécie da violência psicológica, é algo novo.

3.1. Processo de visibilidade da Pornografia Não Consensual

O fenômeno de divulgar imagens privadas com caráter erótico ou sexual sem consentimento não tinha denominação específica e os primeiros casos que ganharam visibilidade na imprensa, em discussões sociais, em ambientes acadêmicos e na justiça datam de meados dos anos setenta. Foi nessa época que a revista Hustler passou a contar com a seção Beaver Hunt, em que Larry Flynt passou a publicar fotografias não profissionais de mulheres nuas, a partir do envio de leitores, que obtinham o pagamento de cinquenta dólares, no caso de fotografia selecionada (SYDOW; DE CASTRO, 2017, p. 51).

A seção se tornou o primeiro canal de difusão popular, com alta repercussão a favor da prática de pornografia involuntária com a finalidade de lucro, diversão ou vingança. A revista possuía um precário controle de consentimento, e o primeiro alvo foi LaJuan Wood e seu marido Billy Wood. O casal registrou fotos íntimas em um acampamento que fizeram, e após a revelação em estabelecimento profissional, armazenou as fotografias na gaveta do quarto de modo que o acesso fosse somente para o casal. No entanto, as fotografias foram subtraídas pelos vizinhos Steve Simpson e Kelley Rhoades, que enviaram uma das imagens à coluna Beaver Hunt. Houve o preenchimento de formulário de consentimento, inclusive, com informações verdadeiras sobre LaJuan, como identidade, somadas a informações falsas como idade, endereço e a fantasia sexual de ser amarrada e penetrada por dois motociclistas. Além disso, houve a falsificação da assinatura de LaJuan (SYDOW; DE CASTRO, 2017, p 51-52).

O casal tomou conhecimento da publicação através de amigos e após isso recebeu inúmeras ligações obscenas, culminando em um intenso sofrimento psicológico. LaJuan Wood processou a revista por difamação e invasão da privacidade, e a Corte em primeira instância reconheceu a culpa da revista diante do precário sistema para verificação do conteúdo. LaJuan foi indenizada no valor de cento e cinquenta mil dólares, e Bill, no valor de vinte e cinco mil dólares. Contudo, a decisão de Bill foi reformada pelo Quinto Circuito da Corte de Apelação dos Estados Unidos por entender que a sua privacidade não foi pessoalmente invadida. Depois disso, a revista foi alvo de inúmeras ações de indenização devido à seção Beaver Hunt (SYDOW; DE CASTRO, 2017, p 53).

No ano 2000, o músico, escritor e pesquisador italiano Sérgio Messina notou um crescimento entre usuários do Usenet, que representa uma das mais antigas redes de comunicação por computador, uma nova modalidade de pornografia, que chamava a atenção pela autenticidade e realismo, diferentemente dos tradicionais hardcore e softcore. É a chamada “realcore pornography”, que possui tradução livre para pornografia amadora. Essa nova modalidade de pornografia correspondia a fotos e vídeos de ex-namoradas dos usuários do site, que foram compartilhadas entre os membros do canal de comunicação (BUZZI, 2015, p. 30).

O realcore é a junção de dois termos em inglês: Softcore (sexo simulado) e Hardcore (sexo real gravado). Ele instigou usuários, e começaram então a surgir sites e blogs alimentando o estilo de comercialização da pornografia. Em 2008, um dos maiores sites de pornografia, o Xtube, informou em sua página que estava recebendo inúmeras reclamações semanais de mulheres expostas em vídeos compartilhados no site, em que a publicação não teria sido dada de forma consentida, pelo contrário, através de violação da confiança por seus ex-parceiros. Nota-se três tipos de perfis divulgadores: os que divulgam o conteúdo publicamente motivados por vingança, os que divulgam o conteúdo por fetiche, e os que divulgam por lucro (GOMES, 2015, p. 1).

Todavia, apesar da multiplicidade de casos esporádicos pelo mundo todo, a Pornografia Não Consensual atraiu a atenção da mídia internacional somente após a criação do site “IsAnyoneUp” que possui tradução livre para “Tem alguém afim?”. O site foi criado pelo australiano Hunter Moore, que se intitulava “especializado em pornografia de vingança”. Era permitido aos usuários o envio de fotos de pessoas nuas, na maioria dos casos mulheres, e para validar a disponibilização, o site somente exigia a comprovação de que a vítima era maior de idade. Além de disponibilizar imagens e vídeos sem o consentimento da vítima, o site incluía o nome completo, o emprego, endereço, e perfis de redes sociais (BUZZI, 2015, p. 30-31).

O site possuía uma média de 350 mil visualizações diárias, o que gerava um lucro mensal de trinta mil dólares. Moore ficou conhecido como o homem mais odiado da internet. Ao defender-se das acusações de que causava danos às pessoas, Moore afirmava que não as estava ferindo, já que eram elas que feriam umas às outras, e que ele agia legalmente protegido pelo parágrafo 230 do Communications Deceny Act (CDA), que isenta de responsabilidade os proprietários de websites por material publicado por terceiro. Moore continuou agindo através da impunidade, até que se deparou com a ativista Charlotte Laws – mãe de umas das vítimas. Laws recebeu o apoio do Facebook, do grupo Anonymous, do Federal Bureal of Investigation (FBI) e de uma rede de hackers ativistas, que invadiu o sistema de Moore em 2012 fazendo com que o site saísse do ar. Depois disso, em 2014, Moore foi preso sob acusações de crimes federais previstos no Computer Fraud and Abuse Act, que incluíam invasão de contas de email, além da contratação de um hacker para invadir contas e obter material privado. Sua sentença se deu em 2015, e o “homem mais odiado a internet” foi condenado à dois anos e meio (SYDOW; DE CASTRO, 2017, p. 58-61).

Em 2012, outro site com a mesma finalidade movimentou a internet. Kevin Bollaert criou o site UgotPosted (“Você foi postado”, em tradução livre), em que os usuários eram convidados a postar imagens íntimas de homens e mulheres, juntamente com seus dados. No entanto, Kevin foi mais ousado e associou o site ao domínio ChangeMyReputation.com (“Alterar minha reputação”, em tradução livre), que se destinava à extorsão das pessoas que tivessem material íntimo exposto no UgotPosted. O serviço de remoção variava em torno de trezentos dólares, recebendo em cerca de oito meses, mais de dois mil pedidos de remoção, e faturando cerca de trinta mil dólares. Bollaert foi condenado em vinte e sete acusações, que incluem furto de identidade e extorsão, com sentença de dezoito anos de prisão, que posteriormente foi reduzida para oito anos, seguidos de dez em liberdade condicional. Além da prisão, foi multado em quatrocentos e cinquenta mil dólares pelo estado da Califórnia (EUA), e sentenciado a pagar dez mil dólares para cada uma das vítimas (SYDOW; DE CASTRO, 2017, p. 61).

Em 2010, a publicação de conteúdo online motivado por vingança recebe a sua primeira sentença de prisão. Joshua Ahby, de vinte anos, da Nova Zelândia, não aceitou o fim de um relacionamento e acessou a conta de sua ex-namorada. Alby alterou a foto do perfil, por uma foto nua da ex, recebida enquanto ainda namoravam. Apesar de o perfil ter sido excluído após doze horas, o conteúdo já havia viralizado nas redes sociais (MAIL ONLINE, 2010).

Em 2012, o grupo Cyber Civil Rights Initiative (“Iniciativa para os Direitos Virtuais”, em tradução livre) dá inicio a uma campanha online contra a prática da pornografia não consensual. O grupo administra em paralelo o site EndRevengPorn, fundado por Holly Jacobs – vítima da pornografia de vingança. O objetivo do grupo é divulgar abaixo-assinados online a fim de criminalizar tal ato, por considera-lo violação dos direitos civis (CYBER CIVIL RIGHTS, 2017).

Em 2014, em Israel, a divulgação de pornografia não consensual passa a ser tipificada como crime, com prisão de até cinco anos para os condenados, que passam a ser tratados como criminosos sexuais. Trata-se do primeiro país a criminalizar tal conduta, e a motivar outros países à não tolerância da prática nociva (YAAKOV, Yifa, 2014).

No Brasil, em 2015, o Governo Federal promoveu o “#HumanizaRedes – Pacto Nacional de Enfrentamento às Violações de Direitos Humanos na Internet”. É uma iniciativa que visa promover segurança na rede, e ir contra violações de Direitos Humanos que se manifestam online. O programa é composto por três eixos de atuação: denúncia, prevenção e segurança, com o intuito de construir um campo democrático e livre de intolerância (HUMANIZA REDES, 2017).

Após vários acontecimentos alcançados pela mídia e pelos debates de iniciativa de movimentos feministas, houve a exposição de inúmeras falhas reproduzidas por empresas de serviços online e redes de relacionamento virtual. A questão se tornou uma pauta prioritária, e motivou várias empresas a editarem políticas de uso mais severas atinentes ao compartilhamento de material pornográfico.

O Twitter alterou sua política, e proibiu a publicação de fotos íntimas ou vídeos que tenham sido tirados ou distribuídos sem o necessário consentimento das pessoas envolvidas. Aqueles usuários que tiverem material publicado online sem a autorização podem recorrer à empresa e o material será retirado e a conta da pessoa que compartilhou será bloqueada (SUPORTE TWITTER, 2017).

O Instagram, também alterou suas políticas. Atualmente somente é permitido o compartilhamento de fotos e vídeos pelo próprio usuário ou de reprodução permitida e são proibidas imagens de nudez. A rede conta com mais de trezentos milhões de usuários (SUPORTE INSTAGRAM, 2017).

O Facebook já permite denunciar imagens que foram compartilhadas sem a autorização da pessoa exposta, marcando as mesmas como “uma imagem nua minha”. Depois disso, há a atuação de uma equipe especializada da ferramenta social, que revisa a denúncia e a imagem, podendo remover a imagem e até mesmo retirar do ar a conta que compartilhou. Há depois disso, a utilização de uma nova tecnologia que compara fotos para impedir de modo automático que a imagem seja compartilhada novamente no Facebook e em outros sites de relacionamento que são de mesma propriedade (SHERMAN. Carter, 2017).

O Google também moveu esforços para alterar a política de compartilhamento de pornografia não consentida. A empresa resolveu mudar a política do seu buscador, removendo os resultados relacionados à pornografias não consensuais. A própria pessoa pode solicitar que buscas relacionadas com o conteúdo, sejam excluídas da rede (SUPORTE GOOGLE, 2017). Anteriormente, o Google somente aceitava essa solicitação através de ordem judicial. Não é a primeira vez que o Google permite a retirada de informações relacionadas aos seus usuários. Em 2014, uma decisão da alta corte da União Europeia definiu que toda pessoa tem o “direito de ser esquecida na rede”, ordenando a exclusão de dados indesejados, a pedido de usuários (SETTI, Rennan, 2014).

3.2. Direito ao esquecimento

O direito ao esquecimento corresponde ao direito que determinado indivíduo possui de não permitir que um fato ocorrido em determinado ponto de sua vida, se torne objeto de acesso do público geral, gerando-lhe inúmeros transtornos pessoais, que levam ao sofrimento (FONTENELE, 2014, p.1). Esse direito começou a ser discutido antes mesmo de a internet se tornar esse vasto canal de comunicação popular. Casos como o da Chacina da Candelária serviram de impulso para estabelecer os parâmetros do direito ao esquecimento no país (AMARAL; CHAVES, 2016, p. 83).

Em 2006, o programa Linha Direta – Justiça exibiu um episódio apontando um indivíduo já inocentado, como co-autor da Chacina da Candelária. O fato reacendeu uma repercussão muito negativa na vida do cidadão, que resolveu ingressar com uma ação de indenização, pelos danos sofridos com relação à imagem e à privacidade (AMARAL; CHAVES, 2016, p. 83).

Com a popularização da internet, o direito ao esquecimento se tornou novamente discutido, e assim surgiu na Europa o “right to be forgotten” (direito a ser esquecido), em razão da sua real importância, visto que o cyberespaço torna as notícias e informações “eternizáveis” com muita facilidade. Diante de casos relacionados com a pornografia de vingança, o assunto prospera ainda mais, uma vez que o fenômeno de exposição não consentida se mostra cada vez mais recorrente e preocupante (AMARAL; CHAVES, 2016, . 81).

Não há uma regulamentação específica sobre o direito de esquecimento. Ele emana implicitamente da proteção à imagem, à vida privada e à intimidade do ser humano – relaciona-se com a dignidade da pessoa humana e com a proteção à identidade pessoal. Durante a VI Jornada de Direito Civil através do Conselho da Justiça Federal em 2013, aprovou-se o enunciado 531 que estabelece: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento” (AMARAL; CHAVES, 2016, p. 85). A justificativa do enunciado é a seguinte:

Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados (BRASIL, 2013).

Diante da elaboração do enunciado, entendeu-se que a justificativa se referiria a dados pretéritos nos meios de comunicação, especialmente na internet. Contudo, deve ser aplicado também a dados atuais do indivíduo, principalmente nos casos de pornografia não consensual, em que há a reiterada prática de exibição e compartilhamento de conteúdos privados. Isso porque o cyberespaço tem se tornado uma espécie de júri instantâneo, que ameaça importantes direitos de personalidade. Trata-se, assim, de um dos maiores desafios da proteção à privacidade, não necessitando de se estabelecer um lapso temporal entre o fato exposto e a exposição (AMARAL; CHAVES, 2016, p. 85-86).

Ademais, quando há a colisão de princípios, como o direito à privacidade e o da informação, por exemplo, na pretensão de se aplicar o direito ao esquecimento, não se deve usar critérios técnicos de solução de conflito de normas, bem como o hierárquico, o temporal e o da especialidade. O julgador deverá se utilizar da técnica da ponderação no caso concreto, de normas, valores ou interesses. Nessa senda, as decisões têm sido no sentido de se fazer prevalecer o direito de privacidade e intimidade, em detrimento do direito de informação, uma vez que o cyberespaço tem alargado o fluxo informacional (BARROSO, 2004, p. 9).

3.3. As estatísticas da pornografia não consensual

A pornografia não consensual não é fenômeno recente, mas somente nos últimos anos alcançou alguma visibilidade a ponto de se tornar necessário estabelecer-se um campo qualificador de violência de gênero, dado ao fato que de que as mulheres representam uma percentagem discrepante das vítimas. Os dados levantados pela organização “EndRevengePorn” , em 2014, apontam que um total de 90% das pessoas que alegaram terem sido vítimas de pornografia não consensual eram mulheres. Destas, 57% afirmaram que foram violadas pelos seus ex-companheiros (END REVENGE PORN, 2013).

O Brasil também possui um canal de acolhimento voltado para vítimas de crimes que ocorrem no ambiente virtual. A Safernet Brasil não possui fins lucrativos, e é integrada por profissionais de várias áreas do conhecimento, com o objetivo de combater a pornografia infantil na internet e outros crimes violam os direitos humanos. A organização possui parceria com a Polícia Federal, com o Ministério Público e com entidades privadas. O acolhimento acontece através do serviço Helpline Brasil, que constitui um canal de esclarecimento sigiloso e sem custos, cujo objetivo é orientar vítimas de violência online, através de uma equipe multidisciplinar (SAFERNET BRASIL, 2017).

Segundo dados da organização, em 2014, 81% das pessoas que pediram ajuda à ONG eram mulheres com faixa etária de 13 a 25 anos. E apesar do aumento da denúncia, ela representa menos de 20% dos episódios. Em 80% dos casos, as pessoas têm vergonha do acontecimento. Nesse mesmo ano, dos 1.225 pedidos de ajuda atendidos pelo canal de acolhimento, 224 eram de sexting, figurando como o principal tópico. As mulheres representaram 67 dos 78 atendimentos realizados pelo chat. Os dados mais que dobraram com relação aos dois anos anteriores, representando um aumento de 120% (COMPROMISSO E ATITUDE, 2015).

Ainda de acordo com dados da mesma organização, o número de vítimas do vazamento de conteúdo íntimo, como imagens de nudez ou sexo, caiu ao longo do ano de 2016. Neste ano, foram registrados 301 casos, representando 6,5% a menos do que os 322 registrados em 2015. As justificativas pra tal redução, segundo a organização, podem estar relacionadas com a tomada de conhecimento da legislação já existente, como por exemplo, o Marco Civil e Lei Carolina Dieckmann. Outra possibilidade é a ameaça de responsabilização veiculadas por sites de relacionamento, que recentemente tiveram que tomar iniciativas no sentido de coibir essas práticas. Os casos de Cyberbullying, por outro lado, cresceram, pois chegaram a 312, representando 17% a mais do que os 265 registrados em 2015. O Cyberbulling também se manifesta através da tecnologia digital, para a perpetração de amedrontamento e violência em suas diversas formas, geralmente contra minorias (COMPROMISSO E ATITUDE, 2017).

No ano de 2012 foi realizado um estudo intitulado: “Sexting no Brasil – Uma ameaça desconhecida”. Foram entrevistados cerca de 2 mil brasileiros, entre homens e mulheres, acima de 18 anos, revelando que 32% dos homens entrevistados já mandaram fotos de outras pessoas nuas ou seminuas. Com relação às mulheres, somente 10%. E dentre os que alegaram terem tido problemas com o envio desses conteúdos, 60% dos homens afirmaram que continuaram enviando conteúdos sexuais próprios. Enquanto somente 15% das entrevistadas compartilham da mesma opinião (ECGLOBAL SOLUTIONS, et al, 2013).

Os dados desse estudo oferecem espaço para reflexões. Os homens produzem mais material próprio em razão da liberdade de sexual que lhes é conferida. A vivência da sexualidade masculina é, de fato, incentivada. Daí não lhes escapa a segurança de agir sob um comportamento normal, esperado, sem julgamento moral. A sexualidade feminina por outro lado, se faz presa aos controles sociais, que obstam o seu exercício autônomo.


4. CASOS EMBLEMÁTICOS NO BRASIL

Rose Leonel, Franciele dos Santos, Thamiris Sato, Julia Rebeca dos Santos e Giana Laura Fabi são os nomes escolhidos para representar milhares de casos em que as mulheres foram violadas em sua intimidade, todas vítimas de um fenômeno que obedece à condição imposta de inferioridade feminina. São casos que demonstram como uma exposição não consentida pode interferir de maneira desastrosa na vida pessoal, pois lida com um processo de estigmatização, independente se a exposição deriva de um ato de vingança de um ex-parceiro, ou não.

4.1. Rose Leonel:

A primeira história é de Rose Leonel. Ela era uma jornalista na cidade de Maringá (PR) quando tudo aconteceu. Rose terminou um relacionamento de quatro anos, em outubro de 2005, com Eduardo Gonçalves Dias, e em janeiro de 2006, ele enviou através de email, a mais de 15 mil pessoas, dentre eles colegas de trabalho de Rose, familiares e conhecidos da cidade, fotos da ex-parceira nua, juntamente com dados pessoais dela e dos filhos, adolescentes na época. As legendas das fotos tinham o objetivo de se fazer entender que o material pertencia a uma garota de programa. Posteriormente, essas fotos foram divulgadas em vários sites de pornografia (BUZZI, 2015, p. 44).

Ao falar sobre o crime, Rose diz que sofreu um assassinato moral e psicológico, que a levou a perder tudo. Seus filhos, inclusive, foram afetados. A cada dez dias o ex-companheiro disparava uma leva de fotos para quinze mil emails da região, além de ter impresso centenas de panfletos e feito cópias de CDs para distribuir no comércio, com o objetivo de consumar uma campanha contra ela (BUZZI, 2015, p. 45).

O ex-namorado agiu de forma premeditada, e foram três anos de violência virtual contra Rose, em que cada episódio de ataque os arquivos eram nomeados como “Capítulo 2, 3,4...” . Rose passou a receber dezenas de ligações de desconhecidos, por busca de programas sexuais. Uma das vezes ao acessar sua conta de email, havia um recado do chefe que dizia: “Não importa o que você faça entre quatro paredes, não traga isso para o trabalho”. Depois disso, Rose perdeu o emprego, desenvolveu um quadro de depressão e seus filhos foram atingidos de forma direta na escola e no convívio social (BUZZI, 2015, p. 45).

Rose ajuizou ação judicial contra Eduardo e ganhou o processo, sendo indenizada pelo ex-companheiro no valor de três mil reais. Contudo, as agressões não cessaram e se transformaram em perseguições e ameaças. Ao todo foram quatro processos. Em um deles, o ex chegou a ser condenado a cumprir pena de um ano, 11 meses e 20 dias de detenção, e a pagar R$ 1,3 mil mensais à Rose. E outro processo, o ex-companheiro foi condenado a pagar trinta mil reais de indenização por danos morais. Rose recorreu, pois ao todo ela já tinha gasto vinte e oito mil reais com despesas relacionadas aos processos (BUZZI, 2015, p.45).

Depois disso, Rose começou a ministrar palestras sobre o tema e criou a ONG sem fins lucrativos “Marias da Internet”, que age com a finalidade de disponibilizar profissionais especializados em crimes virtuais, como advogados, peritos digitais e psicólogos, para orientar as vítimas de pornografia não consentida. Rose tornou-se um símbolo de combate à pornografia não consensual. Ela foi uma das primeiras brasileiras a obter algum êxito judicial contra um ex-parceiro, nesse tipo de litígio. Para ela, trata-se de uma violência baseada no gênero, pois quando são vazados materiais íntimos de homens na internet, o efeito não é o mesmo, pois eles passam a ser mais valorizados em seus ciclos de convivência pela “virilidade” exposta (BUZZI, 2015, p. 46).

4.2. Francyelle dos Santos Pires

Francyelle dos Santos Pires, ou Fran, como ficou conhecida no país depois da exposição em 2013, foi o caso que mais repercutiu no Brasil. Ela teve vídeos íntimos compartilhados pelo ex-namorado, depois do término da relação. O material viralizou através do aplicativo Whatsapp, e rapidamente a identidade de de Franciyelle foi descoberta, o que fez com que sua vida pessoal virasse de cabeça para baixo. Até mesmo a sua filha foi exposta, uma vez que havia fotos da criança nas redes sociais (BUZZI, 2015, p. 47).

Francyelle registrou um boletim de ocorrência contra o ex-parceiro na Delegacia Especializada Atendimento à Mulher, em Goiânia (GO), e mesmo assim, a repercussão não parava de aumentar. Francyelle virou piada na internet através de um gesto que fizera no vídeo, sendo reproduzido inclusive por celebridades, em forma de diversão – ignorando-se a seriedade do acontecimento. Depois do episódio, Francyelle não conseguia mais emprego e também teve que parar de estudar (BUZZI, 2015, p. 47).

Sua rotina foi completamente alterada, sendo preciso inclusive, mudar sua aparência para não ser facilmente reconhecida. Francyelle era constantemente invadida no celular, nas redes sociais, e outros meios de comunicação, por estranhos em busca de programa. Apesar da repercussão negativa, Fran obteve apoio dos familiares e diversas páginas foram criadas como forma de solidarização a ela. Uma dessas páginas foi a “Apoio Fran”, em que há mensagens de amparo, atualizações sobre o caso e relatos de histórias semelhantes, com um número de 38 mil pessoas na época (BUZZI, 2015, p. 48 - 49).

Francyelle moveu ação criminal contra o ex-parceiro, buscando por condenação por injúria e difamação. Em outubro de 2014, aceitou acordo proposto pelo Ministério Público de prestação de serviços à comunidade por cinco meses. Ela afirma sentir grande sensação de impunidade com o acordo, pois o ex-parceiro saiu da situação, com a vida normal. Além disso, Francyelle buscou reparação cível por danos morais e defende a criação de uma lei para proteger outras mulheres em situação semelhante (BUZZI, 2015, p. 49 - 50).

4.3. Thamiris Mayumi Sato

Em vias de terminar o namoro em 2013, Thamiris Mayumi Sato começou a receber ameaças do namorado. Caso ela terminasse, ele divulgaria fotos íntimas dela. Terminada a relação, o ex-namorado passou a ameaçar Thamiris de morte e ela registrou boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher em São Paulo. Depois desse fato, as ameaças continuaram e ele então espalhou fotos íntimas da ex-namorada em sites pornográficos, juntamente com seu perfil do Facebook (BUZZI, 2015, p. 50).

Ela descobriu que as fotos estavam circulando na rede, quando recebeu em pouco tempo, mais de 40 solicitações de amizade de desconhecidos no Facebook. E embora tenha se afastado dessa rede social, suas fotos agora estavam em vários sites pornográficos disponíveis para download e circulavam também no whatsapp. Ao procurar os pais do ex-namorado, não houve nenhum tipo de apoio, foi tida como ingrata, e recebeu o pedido para que retirasse a queixa contra o filho (BUZZI, 2015, p. 52).

Thamiris então usou a mesma rede social para publicar um desabafo como vítima. Em menos de vinte e quatro horas, sua história havia sido compartilhada mais de mil e seiscentas vezes. Thamiris posteriormente conseguiu ordem de restrição contra o ex-namorado, com fundamento na Lei Maria da Penha. Ao desabafar mais uma vez sobre o ocorrido, Thamiris afirma que a lei é necessária, mas não é suficiente. Para ela, a lei possibilita que o caso seja encaminhado à Justiça e, a partir disso, surja algum debate. Contudo, há uma deficiência na formação da sociedade e das instituições, que são estruturadas por machismo, racismo, homofobia e outras opressões (BUZZI, 2015, p. 53).

4.4. Júlia Rebeca dos Santos

Júlia Rebeca dos Santos, de 17 anos, representa um daqueles casos em que o desfecho se dá de forma trágica: a perda da própria vida. Em novembro de 2013, a adolescente de Parnaíba (PI) foi encontrada morta em seu quarto, com o fio da prancha alisadora de cabelo enrolado em seu pescoço. Horas antes de cometer o ato, Júlia deu indícios de que cometeria suicídio, nas redes sociais, pois suas publicações continham incontestável teor de melancolia, culpa e descrença (BUZZI, 2015, p. 53 - 54).

O que motivou Júlia a acabar com a própria vida, foi a repercussão da divulgação não autorizada de gravações em que aparecia fazendo sexo com seu namorado e uma amiga do casal. Inicialmente o vídeo teria sido filmado e pela própria adolescente e posteriormente compartilhado pela mesma com algumas pessoas que confiava. A polícia investigou ainda a participação de uma quarta pessoa envolvida (BUZZI, 2015, p. 54).

Depois do ocorrido, Júlia se tornou retraída e reprimida, inclusive demonstrando isso nas redes sociais. A outra menina que aparecia no vídeo tentou suicídio cinco dias após a morte de Júlia através de envenenamento. No entanto, mesmo com todos esses acontecimentos, a repercussão do caso não parava e Júlia era culpabilizada nas redes sociais (BUZZI, 2015, p. 54).

Uma semana após o suicídio de Júlia, um site intitulado “SP News” anuncia a venda online do vídeo íntimo que deu causa à culpabilização da adolescente, e consequentemente sua morte. O site cobrava R$ 4,90 pela disponibilização do material e previa ainda que a compra era segura, ao afirmar que o link da gravação era enviado diretamente para o email do comprador, sem o nome da fatura do cartão. Em contato com esse acontecimento, a família de Júlia ingressou com pedido de responsabilização criminal e civil do administrador (BUZZI, 2015, p. 55).

A polícia ainda investiga as circunstâncias da morte da adolescente, pois a distribuição de material pornográfico nessas circunstâncias é penalizada pelo art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente. De acordo com esse dispositivo, está sujeito à pena de reclusão de quatro a oito anos e multa, os atos de “vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente”. A polícia Federal também iniciou investigações de sites hospedados em provedores internacionais que permitiram a divulgação do vídeo. Apesar disso, não houve nenhuma responsabilização dos envolvidos (BUZZI, 2015, p. 56).

4.5. Giana Laura Fabi

Ocorreu, ainda, outro caso que reúne as mesmas características e as mesmas consequências da história de Júlia Rebeca Santos. Giana Laura Fabi, à época com dezesseis anos, foi encontrada morta, em sua casa em Veranópolis (RS), enforcada com um cordão de seda. Laura se suicidou porque também teve sua intimidade exposta nas redes sociais, depois de ser fotografada quando conversava com um amigo pelo skype e a pedidos dele, mostrou os seios para a webcam (BUZZI, 2015, p. 56).

A imagem de Giana ficou guardada por ele por muito tempo e a exposição aconteceu por motivo de vingança depois que Giana começou a namorar outro rapaz. A imagem viralizou rapidamente na internet e ela tomou conhecimento do fato através de sua prima, que relata a reação espantada de Giana, e a forma estranha como se despediu dela na última vez que conversaram. Giana tinha dito que ia fazer uma besteira, porque não queria causar vergonha à família. Depois disso, Giana publicou um desabafo no Facebook dizendo “que não ia mais um estorvo para ninguém, e iria dar um jeito naquilo” (BUZZI, 2015, p. 56).

Quando a prima desconfiou, e buscou entrar em contato com Giana, já era tarde. Ela não havia comentado nada com a família, e o seu maior medo era que sentissem vergonha de sua atitude, pois Veranópolis é uma cidade pequena e, tipicamente por ser assim, tudo se espalha com muito facilidade, conforme relatou o irmão de Giana, Jonas Fabi. Após o suicídio, desconhecidos a condenaram no Facebook, com a afirmação de que “seu fim seria merecido”. A adolescente sofreu slut-shaming, muito comum nesses casos, principalmente quando a vítima ainda não é adulta, e as incertezas e ansiedades típicas da idade, se convergem em culpa (BUZZI, 2015, p. 57).

O suicídio é geralmente associado a características de fraqueza, covardia, e egoísmo pela sociedade. Ele também é visto como imoral, e individual. Todavia, é um fato condicionado, não raro, a fatores externos ao indivíduo, como a força exercida pela coletividade, através do estigma, que corrompe a autonomia. Pode se dizer, que o suicídio é uma espécie de coerção indireta exercida pelo outro. Os dois casos relatados de pornografia não consensual em que o desfecho foi tirar a própria vida, obedecem a fatores externos comuns instigados pela sociedade, como o medo, a culpa e a vergonha. Por isso o suicídio não deve ser tomado como uma ação puramente intrínseca ao indivíduo. As mortes de Giana e Júlia seriam nesse sentido, uma tentativa clemente de se auto-punir, em busca de uma remissão inexistente por parte da sociedade.

4.6. Casos análogos:

As histórias anteriormente apresentadas possuem todas dois pontos de convergência: além obedecer a uma condição imposta de inferioridade da mulher, a violação da intimidade é motivada pela vingança. São casos que representam milhares de vítimas, mas, do mesmo modo inúmeros casos com as mesmas repercussões derivam de outros motivos, como o simples prazer e a auto-afirmação pela necessidade de estar incluído em determinado grupo. Categorizar essa questão é afirmar que a excitação masculina e a humilhação feminina obedecem a uma regra de proporção, posto que, ser aceito em um grupo, e se auto-afirmar em virilidade, requer a obediência a um sistema predominante: a autoridade versus submissão.

O divertimento e a auto-afirmação são o fios condutores de dois outros casos: a criação de um grupo no whatsapp chamado “Ousadia e Putaria”, no Rio Grande do Sul, e a lista denominada “Top 10”, em São Paulo. São dois casos que se baseiam na pornografia não consensual como conduta, mas que não possuem como origem motivacional, a vingança, apesar de sempre haver espaço para ela.

O primeiro caso acontece em Encantado – cidade do interior do Rio Grande do Sul. Em 2015, foi criado um grupo de whatsapp com o nome “Ousadia e Putaria”, que contava com cerca de cem participantes, cujo objetivo era compartilhar vídeos de pornografia, fotos e conversas privadas de meninas e mulheres da pequena cidade e da região. Era previsto que as garotas consensualmente enviassem fotos para os membros, devendo essas serem acessadas somente pelos integrantes do grupo. No entanto, diversas gravações não autorizadas pelas protagonistas começaram a surgir, até que perdeu-se o controle dos conteúdos e os materiais passaram a ser divulgados em diversos outros meios (BUZZI, 2015, p. 59).

Muitas mulheres foram à policia registrar boletim de ocorrência, já que nem o conhecimento da existência do grupo elas tinham. Uma delas, inclusive, descobriu que teve suas fotos divulgadas após o encaminhamento do disco rígido do seu computador para manutenção especializada. À medida que as denúncias aumentavam, a culpabilização das vítimas também. Jornais locais, e até mesmo o Ministério Público, corroboraram para a institucionalização da violência (BUZZI, 2015, p.60).

Diante desses acontecimentos, diversas mulheres de Encantado se uniram para a criação de um coletivo feminista, a fim de repudiar a exposição e as declarações das autoridades locais, bem como prestar apoio às vítimas. O caso continuou a repercutir, e chegou ao Legislativo nacional, mobilizando diversos congressistas e chamando a atenção para o enfrentamento dessa forma de violência (BUZZI, 2015, p. 62).

No mesmo sentido, o segundo caso é mais um exemplo claro de violação da intimidade sexual em prol da manutenção de uma postura de submissão da figura feminina manifesta como prazer. As listas, ou rankings, conhecidos como “Top 10” foram uma iniciativa de alunos de escolas do estado de São Paulo em 2015, para a divulgação semanal, de nomes de garotas, classificadas como “as 10 mais vadias”. Junto às essas listas, eram divulgadas fotos íntimas que foram recebidas pelos respectivos namorados, e repassados aos amigos. Se a menina permanecia por mais de uma semana no ranking, ela subia de colocação (BUZZI, 2015, p.63).

As listas atravessaram os muros das escolas, e os bairros vizinhos passaram a tomar conhecimento da intimidade das adolescentes, bem como da imputação negativa a que estavam sendo submetidas. Muros com xingamentos às vítimas foram pixados e várias delas passaram a enfrentar um quadro de depressão, intenções suicidas e, consequentemente, evasão escolar (BUZZI, 2015, p.64).

Após esse episódio, o grupo do Coletivo Mulheres na Luta prestou solidaridade às vítimas e um “grafitaço” foi realizado com o apoio de alguns alunos e moradores da região a fim de amparar as vítimas e promover uma discussão no âmbito da educação, já que essas práticas, cada vez mais reiteradas, demonstravam a evidência do surgimento e da manutenção de um fenômeno social influenciado por diversas questões que precisam ser visibilizadas e debatidas, em um primeiro passo para o seu enfrentamento (BUZZI, 2015, p. 64).


5. A PORNOGRAFIA NÃO CONSENSUAL COMO FENÔMENO SOCIAL:

A pornografia não consensual tida como fenômeno recente no ambiente virtual deve ser constantemente encarada em consonância com a complexa influência social existente. Segundo Sydow e De Castro (2017, p. 38) “a linha divisória entre pornografia e obcenidade não deve tomar por base o elemento, símbolo, imagem ou comportamento em questão, mas, sim, o contexto e os padrões culturais de uma determinada comunidade”.

Assim, a sexualidade obedece a uma determinada política interna, de especial desigualdade e modo de opressão. Bem como outros aspectos do comportamento humano, as formas da sexualidade estão determinadas a um tempo e lugar, como produtos da atividade humana. São impregnadas de conflitos de interesse, se fazendo entender que o sexo é sempre político (RUBIN, 2003 p.1).

Daí, costuma-se relacionar o sexo aos aspectos conservadores e reacionários das religiões. No caso da religião cristã, bulas e encíclicas papais proibindo os anticoncepcionais, condenando o aborto, o adultério, a homossexualidade e a atribuição dos males e doenças ao gosto pelo prazer carnal (CHAUÍ, 1984, p. 83). Para Rubin (2003, p. 28), o único comportamento sexual adulto propenso a menos julgamento é a colocação do pênis na vagina em uma relação estritamente matrimonial.

Em nossa sociedade, a moralização do sexo, depois de receber a purgação ou purificação pela religião é reproduzida pela família, pelo trabalho, pela escola, e pelo Estado (CHAUÍ, 1984, p. 124). Para Rubin (2003, p.15) essa cultura trata o sexo com suspeita, pois constrói e julga quase todas as práticas sexuais:

O sexo é considerado culpado até que provem sua inocência. Virtualmente todos os comportamentos eróticos são considerados maus a menos que uma razão específica para isentá-lo tenha sido estabelecida. As mais aceitas desculpas são o casamento, a reprodução e o amor. Algumas vezes a curiosidade científica, uma experiência estética ou uma relação íntima de longo termo podem servir. Mas o exercício da capacidade erótica, inteligência, curiosidade ou criatividade, todos necessitam pretextos que são desnecessários para outros prazeres, como deleite com a comida, ficção ou astronomia (RUBIN, 2003, p. 15).

Nesse sentido, através do ângulo da moral, as práticas e ideias sexuais que não se comportam de acordo com os padrões vigentes são considerados vícios, pois os seus contrários, os padrões, são assim, virtudes. O vício nesse aspecto compreende a tendência pelo impulso reprovável, que se aproxima de doença, e depravação, que está intimamente associada a gosto, ou prática sexual reprovada pela sociedade (CHAUÍ, 1984, p. 118).

Esses padrões são reproduzidos de forma acentuada quando relacionados com os papéis atribuídos aos sexos. É consolidada a imagem sexual e social da mulher como mãe, em que o sexo é meramente reprodutivo. Assim, a imagem da mulher é construída como um ser frágil, sensível e dependente. Tudo na mulher vem da natureza e por natureza que está destinada a somente ser mãe. Seu espaço é a casa, e o sexo não lhe deve ser fonte de prazer (CHAUÍ, 1984, p. 134). Para Rubin, “a noção de uma sexualidade ideal singular caracteriza a maioria dos sistemas de pensamento sobre o sexo. Para a religião o ideal é o casamento procriativo” (2003, p. 20).

Segundo Rubin (2003, p. 14), esse tratamento diferenciado se assenta na ideia de que a genitália é uma parte intrinsecamente inferior ao corpo, abaixo e menos sagrada do que a mente, a “alma”, o “coração”, ou até mesmo a parte superior do aparelho digestório – evidenciando assim, uma temática envolvida pelos tabus. Para a autora, a manifestação desse sistema sexual tomou lugar no contexto das relações de gênero, e parte da ideologia moderna do sexo tem como parâmetro a virilidade do homem e a pureza da mulher. Em razão disso é que as pornografias e as perversões sejam consideradas como parte do domínio masculino (RUBIN, 2003, p. 48).

Através dessas construções, nascem as repressões sexuais que ameaçam a consciência feminina, e obstam o exercício pleno da própria manifestação biológica. A repressão sexual se comporta como um sistema de normas, regras, leis e valores explícitos que uma sociedade estabelece no tocante a permissões e proibições da prática genital. Essas regras, normas, leis e valores são definidos de forma expressa pela religião, pela moral, pelo direito, e não raro, pela ciência (CHAUÍ, 1984, p. 77).

Segundo Chauí (1984, p. 119) a repressão sexual do ponto de vista da moral terá efeito pedagógico, punitivo, de vigilância e de estigmatização, sendo que os “vícios” ou comportamentos sexuais considerados depravados devem ser apontados, condenados publicamente e sinalizados.

A repressão sexual gera muita dificuldade em se compreender que aquilo que se faz sexualmente será repulsivo para alguém e que alguma coisa que afasta duas pessoas sexualmente é o maior tesouro prazeroso para alguém, em algum lugar. Não é preciso gostar de fazer um ato sexual em particular para que este ato seja reconhecido pelo desejo de outros. Há um certo equívoco sobre as representações sexuais, pois na maioria das vezes são vistas como um sistema universal, submisso à moralidade (RUBIN, 2003, p. 20).

Nesse sentido, é facilmente perceptível que as expectativas sociais em relação à sexualidade ditam os próprios comportamentos. Além disso, ao que se refere o fenômeno da exposição pornográfica não consentida, essas expectativas são acentuadas e díspares com relação ao gênero, uma vez que as consequências do ato são muito mais impactantes de forma negativa para as mulheres, independente da motivação. A maioria discrepante dos episódios que envolvem homens na situação de vítimas de pornografia não consentida, o que resulta é inversamente proporcional ao que ocorre com as mulheres, pois há uma elevada aprovação da sexualidade, comentários elogiosos e a sensação de dever cumprido com o destino de macho (SYDOW; DE CASTRO, 2017, p. 78).

O ambiente cibernético, tido anteriormente como um espaço oportuno de expectativa de libertação das amarras do próprio corpo, da percepção cultural sobre ele, em que o sexo feminino escaparia à chancela da anatomia como destino, e subversão ao status quo, invariavelmente tem se tornado espaço de ameaça à própria personalidade, em razão do efeito estigmatizante para as mulheres expostas sem seu consentimento (SYDOW; DE CASTRO, 2017, p. 79).

Nessa senda, convém explanar sobre esses elementos no contexto da garantia dos direitos que protegem a dignidade e a identidade da pessoa humana.

Stancioli (2010, p. 95) define os direitos da personalidade como direitos subjetivos que se manifestam em vigor, através de normas cogentes, valores constitutivos da pessoa natural e que permitem a vivência de escolhas pessoais (autonomia), de acordo com a orientação do que significa vida plena, para cada pessoa, em um dado contexto histórico – cultural e geográfico. Assim, o exercício desse direito significa estabelecer os fins considerados adequados à própria autorrealização, agenciando os meios necessários para a sua realização, como o Estado, as instituições sociais e o Direito (STANCIOLI, 2010, p. 147).

Para o autor, a individualidade torna o sujeito humano socialmente identificável como único, idêntico a si mesmo e o difere dos demais. A identidade social então, assim processualmente construída, se apresenta como biografia ou autorrealização, como produto dos comprometimentos, das funções e dos papeis, sejam eles públicos ou privados (STANCIOLI, 2010, p. 153). Ao qualificar pessoa, o autor afirma que:

Não apenas a razão e nem tão somente a pertinência a um espécie biológica torna o indivíduo humano pessoa. É através do exercício da racionalidade na efetivação de si mesmo, enquanto um projeto em execução ao longo de toda a vida do indivíduo, que o existente humano se produz como pessoa, na medida em que desenvolve uma relação consciente consigo mesmo, com o mundo, com os outros, sejam eles divino ou humano, real, ou fictício. A pessoa torna-se, assim, uma interseção e uma relação transitória de momentos tanto complementares, quanto opostos entre si, podendo, no entanto, continuar uma unidade e uma identidade do ponto de vista da primeira pessoa (STANCIOLI, 2010, p. 154).

Sendo assim, pode-se dizer, que a noção de pessoa não deve se distanciar da compreensão de autonomia da vontade e de dignidade. Stancioli (2010, p. 154) adentra ainda na análise da utilização do termo “self” (o eu próprio como forma reflexiva enquanto referência de comunicação, autoconsciência e autorreflexão) – enfocando a habilidade de reconhecimento e pertencimento característica da pessoa, que projeta-se na própria constituição da “identidade pessoal”.

Carvalho (2017, p. 20) ensina que identidade pessoal designa-se como um conjunto de fatos ou condições sobre uma pessoa específica, que a torna única e diferente dos outros, que a faz estender-se como ser reconhecível no tempo e o espaço. Desse modo, suas características são modificáveis, permanecendo então, não obstante a mesma pessoa, embora distinta. A pessoa se modifica e sua identidade pode permanecer sem deixar ela de ser una e única. Essas mudanças costumam, por vezes, carregar uma gama de interpretações das outras pessoas a respeito de si, podendo ser múltiplas e contraditórias.

A autora classifica a dinâmica dessa interferência do outro como “identidade em rede”. Além disso, pessoa e identidade para ela são noções que não se confundem. A identidade pessoal se destina a uma pessoa em específico, que pode se destacar como ser individual. Pessoas são corpos que validam sua extensão no espaço e no tempo. Nesse sentido, argumenta:

O que me faz uma e a mesma pessoa em um instante de tempo não é apenas o meu corpo físico, que se estende no espaço-tempo. As minhas características, físicas e mentais, que partem supostamente desse meu corpo, individuam-me, tornam-me única. Como permaneço no tempo, as minhas características mudam, de maneira que a minha individuação (eu em um instante de tempo) é constantemente reformulada: o que eu sou em um momento t1 é diferente do que eu sou em t2, que é diferente do eu que sou em t3 etc., embora todos esses instantes concirnam a mim – sou a mesma pessoa, embora diferente. A minha permanência, por sua vez, dá-se na extensão do que fui, sou e serei. O que sou agora integrará a minha identidade diacrônica, podendo-se perceber as mudanças que tive ao longo do tempo, em um conjunto de informações sobre mim que me fazem única (CARVALHO, 2017, p. 128).

Assim, pode se afirmar que há um movimento recíproco na construção da identidade, em que a atribuição de mudanças a uma pessoa não requer uma quebra de individualidade profunda do “eu”. Essa interferência pode ser vista de forma ainda mais clara quando se observa as interações em rede virtual. O meio cibernético possibilita que o mundo real alargue a noção de tempo e espaço, e o que ocorre é que essas interferências se tornem cada vez mais dinâmicas, obedecendo ao fator velocidade, comunidade e extensão. É um campo em que perpetra a ubiquidade, de modo que a identidade pessoal se faz amplamente disponível a múltiplas interferências.

Desse modo, as interações que, antes eram face a face, agora se inserem em uma conjuntura inexata, dúbia. Isso porque a quantidade e a velocidade de informações a respeito de um indivíduo são tamanhas, que fornecem a impressão de que rapidamente estão fadadas ao esquecimento. Contudo, elas podem ser retomadas a qualquer momento nas plataformas de busca. E depois de recuperadas, essas informações podem não mais corresponder a uma dada realidade atual, e mesmo assim, encaradas como simultâneas ao indivíduo:

Sendo o próprio corpo fonte vigorosa de informações sobre a identidade de alguém, as informações que partem da pessoa x são inúmeras, e acabam sendo registradas de alguma maneira (seja pela memória cognitiva, seja por anotações, fotos, vídeos... que partem da própria pessoa ou com quem essa pessoa interagiu) ao longo da sua vida. Tais informações podem ser retomadas a qualquer instante, em um exercício de interlocução, em que a construção identitária da pessoa x é resguardada e afirmada por uma série de pessoas, a partir de uma série de informações, em um determinado instante, e podem ou não corresponder à maneira como a pessoa se percebe naquele momento ou já se percebeu um dia. Uma vez compartilhadas, as informações concernentes a uma pessoa estão sujeitas às mais diversas interpretações e distorções, inclusive pela própria pessoa x, em um exercício de interação que pode ser gratificante, mas, ao mesmo tempo, apresentar danos irreversíveis (CARVALHO, 2017, p. 205).

Erving Goffman se refere a essas interferências como “representações”, em que “toda a atividade de um indivíduo que se passa num período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo particular de expectadores e que tem sobre esses, alguma influência” (1985, p. 29). Não raro, na nossa sociedade, alguns gestos realizados de forma involuntária são identificados como uma variedade consideravelmente ampla de representações, fornecendo impressões muitas vezes incompatíveis com aquilo que se quer transmitir. E assim, esses acontecimentos inoportunos adquirem uma dimensão e condição simbólica coletiva (GOFFMAN, 1985, p. 55).

Dessa forma, o “ator” deve se portar com expressiva responsabilidade, uma vez que muitas ações insignificantes e inadvertidas podem por vezes transmitir impressões inapropriadas ao dado momento. É o que o autor chama de “gestos involuntários” (GOFFMAN, 1985, p. 191). A vida passada e o curso habitual das atividades de determinado ator contêm alguns fatos que se fossem introduzidos à representação, desacreditariam, ou enfraqueceriam as pretensões relativas à sua personalidade (GOFFMAN, 1985, p. 192).

Um ator pode investir-se de seu próprio papel, ficando convencido de momento que a impressão de realidade que cria é verdadeira e única realidade. Em tais casos o ator torna-se sua própria plateia: ele vem a ser ator e assistente do mesmo espetáculo. Presumivelmente ele interioriza ou incorpora os padrões que procura manter em presença de outros, de tal modo que sua consciência exige que proceda de maneira socialmente adequada. Terá sido necessário que o indivíduo, em seu papel de ator, esconda de si mesmo em seu papel de espectador, os fatos capazes de desacreditá-lo, que teve de aprender com relação à representação (GOFFMAN, 1985, p. 79).

Ao fazer alusão a uma peça de teatro, Gofman conclui que a personagem encenada é considerada como uma espécie de imagem digna de crédito, em que o indivíduo tenta induzir os espectadores. No entanto, esse “eu” não se origina do possuidor, mas da cena inteira de sua ação – produto daquele atributo dos acontecimentos locais que os tornam aptos de serem interpretados pelos observadores (GOFFMAN, 1985, p. 231). Assim também acontece com as representações no espaço virtual, em que “gestos involuntários” são capazes de transformar estereótipos em estigmas.

Estereótipo é a preconcepção generalizada sobre indivíduo ou grupo, adequada a determinada expectativa social, ou a um padrão fixado, e reforçado pelo ignorância. Estigma é a reprovação social e o sinal infame atribuído a uma dada característica física ou social de pessoas, ou grupo, capaz de provocar discriminação (SYDOW; DE CASTRO, 2017, p. 70). A internet como mídia massificadora, poderia representar a oportunidade para que os indivíduos se comportassem como vetor de mudança. Contudo, ela acaba por reforçar essas tendências (SYDOW; CASTRO, 2017, p.70)

Ao explicar essa relação, Goffman (1980, p. 5-6) afirma que a sociedade categoriza as pessoas através de atributos, que ele chama de identidade “social virtual”. Por outro lado, a categoria e os atributos que o indivíduo prova pertencer, são por ele chamados de identidade social real. O autor usa essa afirmação para explicar o estigma:

Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que ele tem um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável – num caso extremo, uma pessoa completamente má, perigosa, ou fraca. Assim, deixamos de considerá-lo criatura comum e total, reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é um estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande – algumas vezes ele também é também considerado um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem – e constitui uma discrepância específica entre a identidade social virtual e a identidade social real (GOFFMAN, 1980, p. 6).

Um estigma, portanto, toma como referência um atributo profundamente depreciativo, um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo, embora haja importantes atributos que em nossa sociedade são capazes de atribuir efeito contrário ao descrédito. Por isso o autor propõe a modificação desses conceitos em partes (GOFFMAN, 1980, p. 7). O autor acrescenta que:

As atitudes que nós, normais, temos com uma pessoa com estigma, e o atos que empreendemos em relação a ela são bem conhecidos na medida e que são as respostas que a ação social benevolente tenta suavizar e melhorar. Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida: construímos uma teoria do estigma; uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras diferenças (GOFFMAN, 1980, p. 7).

Para Goffman (1980, p. 11) a característica central da situação de vida do indivíduo estigmatizado pode ser chamada de “aceitação”. Segundo o autor, aqueles que têm relações com ele, não necessariamente conseguem dar-lhe o respeito e a consideração que os aspectos não contaminados de sua identidade social, seriam merecedores. Esse indivíduo é então, forçado de forma inconsciente a corresponder a uma aceitação de si mesmo.

Nesse sentido, o estigma envolve um conjunto de indivíduos que podem ser divididos em estigmatizados e em “normais”, conforme cada processo social a que estão inseridos. O normal e o estigmatizado não são individualizáveis como pessoas, nesse espectro, mas sim perspectivas geradas em situações sociais (GOFFMAN, 1980, p. 117).

Não é difícil relacionar essas teorizações com o fenômeno da pornografia não consentida. O fenômeno obedece uma fórmula tal qual leva a vítima à crença de que é responsável pela própria rejeição e assim merecedora do estigma a que lhe foi associado. Essa fórmula dá ensejo à minimização da conduta do ofensor – diametralmente oposto à vítima. Dessa forma, afirmar que a pornografia não consentida é um fenômeno social é considerar todas as suas implicações, desde a construção dos gêneros, e associá-las para se chegar a uma variável que represente uma resposta válida para a sua desconstrução.


6. AS ALTERNATIVAS JURÍDICAS NO CENÁRIO BRASILEIRO

No Brasil, a divulgação não consentida de material íntimo com teor sexual mostra-se cercada de diversas interpretações, e, por isso, a depender das circunstâncias de cada caso, pode ser enquadrada em diversos dispositivos normativos e interpretações jurídicas. O ato pode ser interpretado como ilícito criminal, mas também é passível de indenização material e moral na esfera cível. Resta saber se essas respostas legais existentes no país dão conta de oferecer uma solução jurídica satisfatória ao universo de consequências individuais traumáticas que o ato é capaz de produzir.

As providências no âmbito cível são cabíveis por meio de ações de indenização por danos morais e materiais, além de ações de obrigação de fazer, de não fazer, a depender do pedido de retirada de material disseminado na rede, ou ainda, de proibição de divulgação. Mas o que ocorre é uma relativa inércia provocada pelo desinteresse dos operadores do Direito, pela vergonha ou pelo desconhecimento dos instrumentos disponíveis por parte das vítimas, e pelo preconceito sociocultural ao litigar em prol de uma temática sexual, que o imaginário social, por vezes, considera tratar-se de enriquecimento ilícito e abarrotamento do judiciário (SYDOW; DE CASTRO, 2017, p. 113-114).

De modo inicial, é indispensável falar em dano na temática. O dano é categorizado na responsabilidade civil, no artigo 927, em seu parágrafo único, em combinação com os artigos 186 e 187, do mesmo Código. O dano reparável se apresenta de forma genérica ao dispor que há violação do direito a produção de dano, ainda que exclusivamente moral (BRASIL, 2002). Dessa forma, é também possível que haja fixação de dano a título existencial, que corresponde à frustração da liberdade do indivíduo na execução de seu plano de vida, projetado para si mesmo. O dano ao projeto de vida coaduna-se com a ampla reparabilidade do dano moral, com base na autodeterminação – fundamento da pessoa e da dignidade, que afasta do caráter patrimonialista.

No dano ao projeto de vida é justamente a liberdade de agir da pessoa que é tolhida pelo agente que termina por impedir o desenvolvimento da personalidade da vítima de acordo com a vontade desta. Projeto de vida é o rumo ou destino que a pessoa outorga à sua vida, aquilo que a pessoa decide - e pode - fazer da sua vida. O dano ao projeto de vida ocorre quando se interfere no destino da pessoa, frustrando, aviltando ou postergando a sua realização pessoal. (SCHÄFER e MARTINS MACHADO, 2013, p. 188-189).

Não há uma estrutura categorizante que defina na legislação as origens do dano, e suas limitações. O que há é uma extensa interpretação doutrinária e jusrisprudencial. Os danos relativos à imagem à honra, à intimidade, e à privacidade estão previstos no art. 5°, inciso X da Constituição e perfazem direitos personalíssimos. A imagem subdivide-se em imagem retrato, imagem atributo e imagem autoral. Imagem retrato está relacionada com a aparência física, enquanto que a imagem atributo corresponde ao conjunto de características que identificam o indivíduo no meio social. A imagem autoral, prevista no inciso XXVIII, por sua vez, é aquela proveniente da captação por determinada pessoa. Com relação à honra, esta possui vínculo com a autoestima, a consciência da própria dignidade, reputação, e boa fama. A identidade e a privacidade, por sua vez, referem-se a informações próprias aptas à identificação individual; pertença e acesso, respectivamente (BRASIL, 1988). Esses direitos personalíssimos devem ser analisados de forma isolada, pois nem sempre, a depender do caso, a honra é lesada.

A Lei 12.965/14 ficou conhecida como Marco Civil da Internet, e surgiu como uma espécie de “Constituição” do meio cibernético. Ela representou um grande avanço para a investigação de casos de pornografia não consensual, além de prever responsabilização a sites hospedeiros e mecanismos de busca. A lei regula direitos e deveres dos usuários, bem como dos prestadores de serviço e do Estado. Às empresas que atuam de modo online é obrigatório agir com transparência, e com fornecimento de opção de exclusão de dados pelos usuários. Além disso é determinado o sigilo das comunicações, a neutralidade e a liberdade de expressão (BRASIL, 2014).

Com relação à liberdade de expressão, os conteúdos produzidos pelos usuários só poderão ser retirados mediante determinação judicial, exceto nos casos em que ocorrer violação de material íntimo com teor sexual, sem consentimento, em que as vítimas podem exigir a retirada instantânea dos sites e servidores que servirem de suporte para a veiculação do material. Caso exigência não seja cumprida, o provedor se torna assim, responsável de modo subsidiário. Tal disposição está prevista no art. 21 da Lei:

Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo. Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e verificação da legitimidade para apresentação do pedido (BRASIL, 2014).

O artigo 15, por sua vez, recebeu inúmeras críticas, pois em seu caput determina que todos os provedores de internet guardem os registros de acesso dos usuários até o prazo de seis meses, mas podendo ser majorado por determinação da autoridade policial, ou a pedido do Ministério Público. A crítica se dá em razão da retenção que se dá de forma indiscriminada, em vias de provocar um monitoramento generalizado de quem se utiliza da rede. De acordo com Valente et al:

As empresas provedoras de aplicações insistem constantemente na necessidade de se indicar precisamente onde se encontra algo que se deverá remover – o que tem significado a identificação da URL. De um lado, a indicação genérica de conteúdos a remover pode levar a remoções de conteúdos ilícitos ou abusos de direito. O pedido de remoção de todo e qualquer conteúdo envolvendo uma determinada pessoa, por exemplo, pode fazer com que sejam removidos também conteúdos não relacionados ao ilícito (VALENTE, et al; 2016, p. 50).

A lei 12.737/12, conhecida como Lei Carolina Dieckmann é a legislação motivada pela violação que ocorreu com a atriz que tem o mesmo nome da lei. Carolina Dieckmann teve várias fotos íntimas hackeadas de seu computador e publicadas em diversos sites pornográficos. Além disso, foi vítima de extorsão, com a exigência de 10 mil reais para que não fossem divulgadas mais imagens. A referida legislação acrescentou os artigos 154–A e 154–B ao Código penal Brasileiro, além de alterar a redação dos artigos 266 e 298 do mesmo código (BRASIL, 2012).

A criação dessa lei possibilitou que o ato de invasão de dispositivos informático alheio, através de mecanismo de segurança, e com o fim de obter, adulterar, ou destruir dados ou informações sem autorização do titular, se tornasse crime. A pena prevista é de três meses a um ano, com possibilidade de se estender a quem produz, oferece, distribui, vende, ou facilita a invasão. É estabelecido também, um aumento de pena se da invasão resultar prejuízo econômico, divulgação, comercialização, e transmissão. Embora a lei não trate objetivamente de situações que envolvam divulgação de material íntimo, a lei consegue alcançar determinados casos em que há a violação de dados pessoais em dispositivos informáticos, através de hackers. (BRASIL, 2012).

A Lei n° 11.340/06, lei Maria da Penha, como mencionada em capítulo anterior, é reconhecida pela Organização das Nações Unidas como uma das legislações mais avançadas em prol da defesa da mulher. A legislação não visa proteger somente a integridade física da vítima, mas também a integridade psicológica. Configurada a situação de violência entre pessoas que possuíam ou possuem proximidade de afeto, inexiste a possibilidade de se aplicar a lei dos Juizados Especiais – obstando as transações, as composições, a suspensão condicional do processo e as penas alternativas, como solução demasiadamente branda para esses casos.

Além disso, a violência de gênero e intrafamiliar não se restringe somente ao âmbito da convivência doméstica – alargando a tutela da relação íntima de afeto. Não há a previsão de solução específica de violações através de meios eletrônicos, mas é autorizado ao juiz utilizar de outras normativas legislativas para uma melhor adequação ao caso (BRASIL, 2006). Ao discorrer sobre o tema, Luíza Helena Marques de Fazio afirma que:

A Lei Maria da Penha gerou uma ruptura legislativa na centralidade masculina e no tratamento jurídico dispensado às mulheres. Essa norma inaugurou no Direito Brasileiro uma nova ótica de enfrentamento da violência de gênero. Houve uma mudança de paradigma, permitindo que o espaço público passasse a adentrar o espaço privado, tutelando as relações familiares – que também são relações de poder –, o indivíduo em sua especificidade e as violências que ali ocorrem. A questão da violência doméstica e familiar começa a ser entendida como um problema do Estado, que demanda políticas públicas para a sua erradicação (FAZIO, 2015, p. 3-4).

Haveria também a possibilidade de se aplicar aos casos de exposição de pornografia não consentida o artigo 10 da Lei 9.296/96, em que regula a interceptação telefônica, informática ou telemática, sem autorização da Justiça. O dispositivo estabelece crime de ação incondicionada e o bem jurídico protegido não recebe o tratamento ideal (BRASIL, 1996).

Para os casos em que há intenção de obtenção de lucro, poderá ser imputado o crime de extorsão, previsto no artigo 158 do Código Penal. E se a chantagem for motivada com apelo de favor libidinoso, como citado anteriormente, a prática de sextortion, há a possibilidade de se aplicar o art. 146 do Código Penal, em que trata do constrangimento ilegal. A violação mediante fraude, disposta no art. 215; o assédio sexual, previsto no art. 216–A; a concussão, prevista no art. 316, e a corrupção passiva, prevista no art. 317, constantes do Código Penal, também podem se relacionar com a exposição não consentida de conteúdo íntimo sexual (BRASIL, 1940).

Outro tipo aplicável aos casos de exposição pornográfica não consentida é a ameaça, prevista no art 147 do Código Penal. A ameaça se faz muitas vezes presente nessa situação, pois o detentor do material de forma expressa, atemoriza a vítima (BRASIL, 1940). É muito frequente no âmbito de aplicação da Lei Maria da Penha a adequação à violência psicológica. Contudo, como já exposto, não se aplica os beneficios da Lei dos Juizados Especiais, como a transação e a conciliação (BRASIL, 1995).

Há um tipo genérico que se aplica comumente quando há a efetiva divulgação, contudo, sem relação com apelo econômico ou sexual. O art. 65 da Lei de Contravenções Penais, em que a redação molestar, ou perturbar a tranquilidade, consegue ser compatível com os episódios. Seu trato não é de muita relevância nos Juizados Especiais Criminais, pois ganha maior notoriedade quando incide na Lei Maria da Penha (BRASIL, 1941). Ainda no âmbito de aplicação do Juizado Especial Criminal há a violação de direito autoral, disposto no art.184 do Código Penal (BRASIL, 1940).

Nos casos em que a exposição não consensual envolve menores de idade, a responsabilização se dá através dos crimes relacionados com a pornografia infantil, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. A lei 8069/90 contempla de uma forma bem abrangente a tutela ao menor, ao que se refere a temática. O artigo 241-A, tipifica o ato de disseminar conteúdo sexual envolvendo crianças ou adolescentes. Por sua vez, o tipo do art. 241-B, contempla hipóteses de posse desse material; o art. 241-C, protege a dignidade do menor, com a proibição de simulação de conteúdo sexual envolvendo crianças e o art. 241-D, criminaliza o aliciamento para a prática do ato libidinoso através da internet (BRASIL, 1990). Segundo dados do Safernet, garotas de 13 a 15 anos representam a grande maioria das vítimas de pornografia não consensual.

Geralmente quando a vítima de pornografia não consensual procura o judiciário, o mais previsível é que recorram a previsões de crimes contra a honra: injúria e difamação, previstos nos artigos 139 e 140 do Código Penal. A injúria corresponde à ofensa à dignidade ou ao decoro do indivíduo, ou seja, o conceito em sentido amplo, que o agente tem de si mesmo. Ela incide sob a honra subjetiva. A difamação, por outro lado, corresponde à imputação ofensiva à reputação, e diz respeito à ofensa da honra objetiva; ou seja, o conceito que o agente presume que goza perante a sociedade (GRECO, 2015, p. 443-456). As penas são de detenção, de três meses a um ano, e de um a seis meses, respectivamente. A difamação exige para o seu processamento o ajuizamento de queixa-crime, e o período de seis meses (BRASIL, 1940). Contudo, por muitas vezes esse prazo é transcorrido em razão de a vítima estar inserida em um processo traumático de medos e insegurança.

Nesse sentido, a jurisprudência relacionada ao tema revela-se ainda muito incipiente, mas através do que já existe, pode-se concluir que a maioria dos casos tem sido tratados como crimes de injúria e difamação. É o caso do julgado seguir:

PENAL. APELAÇÃO. CRIMES DE INJÚRIA E DE DIFAMAÇÃO. ARTS. 139 E 140 DO CÓDIGO PENAL. AGENTE QUE POSTA E DIVULGA FOTOS ÍNTIMAS DA EX-NAMORADA NA INTERNET. IMAGENS E TEXTOS POSTADOS DE MODO A RETRATÁ-LA COMO PROSTITUTA EXPONDO-SE PARA ANGARIAR CLIENTES E PROGRAMAS. PROVA PERICIAL QUE COMPROVOU A GUARDA NO COMPUTADOR DO AGENTE, DO MATERIAL FOTOGRÁFICO E A ORIGEM DAS POSTAGENS BEM COMO A CRIAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DE BLOG COM NOME DA VÍTIMA. CONDUTA QUE VISAVA A DESTRUIR A REPUTAÇÃO E DENEGRIR A DIGNIDADE DA VÍTIMA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO CONFIRMADA. RECURSO NÃO PROVIDO

(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Criminal n° 756.367-3. Relatora: Desembargadora Lilian Romero 2° Câmara Criminal. Curitiba, PR,07 de julho de 2011. N. 681).

Trata-se Apelação Criminal n° 756-3, julgada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. O julgado corresponde a apelação do réu E.G.S, ex-namorado de R.L, que ingressou com queixa-crime depois que o ex-companheiro passou a lhe encaminhar emails a diversas pessoas com montagens nuas da apelada, a fim de denegrir a imagem de R. L. – conhecida por toda a cidade, por ser jornalista. As imagens foram parar em vários sites de pornografia, e depois da queixa, o ex-namorado passou a ameaça-la. O réu alegou, em sua defesa, ser inocente, afirmando que não havia provas em seu desfavor. Contudo, a desembargadora e relatora do caso considerou que dos fatos se podia depreender elementos suficientes para comprovar a autoria do crime.

Desse modo, E.G.S foi condenado em primeira instância, pelos crimes de difamação e injúria com a pena fixada em um ano, onze meses e vinte dias de detenção, além de multa em regime aberto. A qualificadora se deu pelo emprego de facilitador de propagação (artigos 139 e 140, c/c artigo 141, II) - ambos do Código Penal, de forma continuada, de acordo com o art. 71, do mesmo diploma. Além disso, as penas privativas de liberdade foram substituídas por duas restritivas de direitos, perfazendo prestação alternativa de fornecer mensalmente à vítima o valor de R$ 1.200,00 e prestação de serviços à comunidade.

É importante frisar a partir do julgado, a tentativa errônea e insistente em enquadrar as mulheres no padrão de pureza e recato, como se o contrário deformasse a sua honestidade e moral. Ademais, considerar as mulheres sexualmente livres como prostitutas não deveria servir de apelo pejorativo, uma vez que a liberdade sexual daquelas que usam o sexo como trabalho, é um também um direito, que as torna capazes de buscar a própria subsistência, sem transgredir nenhum direito alheio.

Outro julgado no mesmo sentido é a apelação criminal de número 0032404-70.2012.8.07.0016, julgada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. INJÚRIA. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. PALAVRA DA OFENDIDA RESPALDADA POR OUTRAS PROVAS. RECONHECIMENTO DA RETORSÃO. INJÚRIA INICIAL PROFERIDA PELO QUERELADO. IMPOSSIBILIDADE. CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APLICAÇÃO DO ART. 804 DO CPP, C/C O SEU ART. 3º E INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 20, § 3º, ALÍNEAS A, B e C DO CPC.

1. Versão da lesada no sentido de que o apelante a ofendeu com impropérios, confirmada por outros depoimentos, constitui prova suficiente a embasar a condenação.

2. A retorsão não pode ser aplicada a quem proferiu a injúria retorquida, como no presente caso, em que o apelante tomou a iniciativa da injúria contra a ofendida.

3. O art. 804 do Código de Processo Penal determina a condenação do vencido ao pagamento das custas processuais; os honorários advocatícios também podem ser aplicados ao vencido, consoante o art. 3º do referido codex, aplicando-se analogicamente as regras do art. 20 do Código de Processo Civil.

4. Recurso conhecido e desprovido.

BRASIL, Tribuna de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Apelação Criminal n° 0032404-70.2012.8.07.0016. Relator: Desembargador João Batista Teixeira. 3° Turma Criminal. Brasília, DF, 07 de agosto de 2014. P. 276.

O julgado se refere a apelação criminal interposta pelo acusado N.J.F.C, contra a sentença do Terceiro Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, em Brasília. A sentença resultou na condenação a um mês e cinco dias de detenção em regime aberto, pelo art. 140 do Código Penal, bem como pelo art. 5° da Lei Maria da Penha, contra a ex-namorada.

O ex-parceiro agiu por cinco meses perseguindo a vítima, através de celular e emails, proferindo dizeres pejorativos e humilhantes, ferindo sua integridade psicológica e emocional ao proferir insultos, como “vagabunda”, e insinuar que a vítima seria portadora de infecções sexualmente transmissíves (DSTs). Além disso, o apelante passou a disseminar, dentro do ambiente de trabalho da vítima, fotos íntimas através de emails. O apelante se defendeu alegando que já havia apagado as fotos após o término do relacionamento e que as testemunhas, seriam amantes da ex. O recurso foi reconhecido, porém houve a negativa de provimento, confirmando a pena estabelecida em um mês e cinco dias de detenção em regime aberto pelas injúrias proferidas.

A utilização, pelas vítimas e pela justiça, de dispositivos como a difamação e a injúria não implica considerar que o registro do ato de praticar sexo com o namorado, ou o marido, sejam ofensivos à conduta de um homem médio. Pelo contrário. O ferimento da honra está relacionado com a nova condição de ter que conviver com repercussões tão negativas - estereotipadas e estigmatizantes, voltadas à sua personalidade, em razão do gênero (SYDOW, DE CASTRO, 2017, p.129-130). E a aplicação do aumento de pena prevista no inciso III, do art. 141, se faz indispensável nesses casos, pois essa nova modalidade de violência, se concretiza através de uma forma instantânea e abrangente. Essa causa de aumento de pena é considerada se o crime é cometido na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria. (BRASIL, 1940).

É importante salientar, que a competência do juízo criminal apenas fixa os danos mínimos. Se houver maiores danos decorrentes do ato, como transtornos psicológicos, ou psiquiátricos, esses serão de competência da esfera cível, de acordo com o art. 63, parágrafo único do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941).

No Brasil, há apenas projetos de lei em (lenta) tramitação, o que faz com que a punição legal do criminoso continue incerta, e pese ainda mais sob as consequências punitivas extra-legais que recaem sobre a vítima. Ainda que não haja uma lei que condene a atuação das mulheres, quando vitimadas, a ausência de uma lei que puna o criminoso faz brotar a sensação de que o Estado coaduna com essas práticas de exposição sexual não consentida. Surge então o sentimento de que a vítima é mais criminalizada que o próprio criminoso, uma vez que o estigma que se associa a elas pesa mais do que qualquer outro meio de coerção (BARQUETE, 2015, p. 6).


7. PROJETOS DE LEI NO BRASIL

Existem, atualmente, na Câmara dos Deputados, mais de dez projetos de lei apensados, referentes à exposição pornográfica não consensual. Aqui serão apresentados somente aqueles que constituem objeto interessante de análise, visto que em muitos deles, o conteúdo se repete, e isso levaria a uma redundância desnecessária.

Um dos projetos mais comentados é o projeto de Lei 5.555/13, apelidado de “Maria da Penha virtual”, de autoria do deputado federal João Arruda do PMDB/PR. É um projeto que não cria tipo penal, visa a alterar o texto da Lei Maria da Penha, ao incluir um inciso de hipótese de violação da intimidade como novo tipo de violência doméstica. Além disso, prevê a ordenação do juiz a obrigar provedores de serviço de internet a remover conteúdos nocivos às vítimas dessas práticas (BRASIL, 2013). De acordo com o autor do projeto, a noção de impunidade é que permite que os números de casos similares não parem de crescer.

O projeto de lei 6.630/2013, de autoria do deputado federal Romário, do PSB/RJ, cria um novo tipo e propõe a alteração no Código Penal. Não limita às hipóteses de vingança, e não faz distinção de gênero. Propõe-se, por esse projeto, o art. 216-B, inserido ao Título VI do Código, que trata dos Crimes Contra a Dignidade Sexual. O novo dispositivo seria então denominado “Divulgação indevida de material íntimo”. Incide no mesmo tipo, quem realiza montagens gráficas, prevista causa de aumento de pena quando o motivo advir de vingança ou humilhação, próprios de relações de afeto, bem como contra menores e pessoas com deficiência. Além disso, o projeto prevê a obrigação do agente em indenizar a vítima por todas as despesas que guardarem relação com as consequências, além de impor-lhe restrição de uso aos meios eletrônicos que utilizou para disseminar o ato (BRASIL, 2013). Para o autor do projeto, o principal culpado nesses casos é a pessoa que divulga, que dispõe de claro entendimento de que a conduta irá denegrir e humilhar a imagem da mulher.

O projeto de lei 6.713/2013, de autoria do deputado federal Eliene Lima, do PSD/MT, objetiva punir com um ano de reclusão, mais multa de vinte salários mínimos, quem publicar material íntimo sem consentimento, com exclusivo motivo de vingança. Seu núcleo se resume ao verbo “publicar”. O projeto também não faz distinção entre homem e mulher como destinatário da lei (BRASIL, 2013). É uma lei independente, que não visa alterar nenhuma oura legislação.

O mais abrangente dos projetos de Lei visa a alterar o Código Penal para inserir o artigo 216-B, com a descrição do tipo como “violação da privacidade”. É o projeto 7377/14, proposto pelo deputado federal Fábio Trad, do PMDB/MS. O projeto não se limita a casos motivados exclusivamente motivados por vingança, e nem aquelas violências ocorridas no seio do ambiente doméstico, como previsto na Lei Maria da Penha. Seu núcleos são mistos alternativos, oferecendo assim um amplo alcance a diversas condutas que envolvem o ato de exposição íntima não consentida. Prevê hipóteses de causas de aumento de pena quando o objetivo a ser alcançado é o sofrimento psicológico, a vingança, a humilhação, vaidade, ou ainda, ocorrer no ambiente íntimo, como relações domésticas e amorosas. Interessante é que o projeto dispõe que são ilícitas as condutas listadas, ainda que a vítima tenha autorizado a captura de modo espontâneo, ou até mesmo enviado o material (BRASIL, 2014). Para o autor do projeto, Trad, a proteção deve incidir tão somente sobre a integridade da vítima, e não sobre a honra:

Prosseguir tipificando tais condutas como difamatórias, vale dizer atentatórias à honra, é reforçar o viés machista com que a vida social da mulher é julgada no meio social. É um paradoxo que a mulher tenha de se afirmar “honesta” diante da mera acusação de estar exercendo livremente sua sexualidade. O que a legislação brasileira precisa é proteger a integridade psicológica da vítima, que tem sua intimidade violada e exposta à apreciação pública, diante da divulgação no mundo cibernético, no qual não tem controle da disseminação. Os danos são graves e muitos deles irreparáveis: demissão, reprovação escolar, banimento social e até envolvimento em quadros traumáticos e doenças psíquicas que podem conduzir ao suicídio, especialmente entre jovens. O tipo penal proposto insere-se no capítulo dos crimes contra a liberdade sexual, sendo que o nome violação de privacidade demonstra tratar-se de delito a ofender a liberdade sexual por meio de propagação desautorizada do conteúdo violador, de forma a afastar eventual enquadramento de condutas tipificadas em ambiente público, quando não se cogita privacidade e também excluir a hipótese de reprodução não autorizada de material de conteúdo erótico, eis que ilícito abordado no capítulo dos crimes contra a propriedade intelectual (2014, citado por VALENTE, et al, 2016, p. 135).

Como dito anteriormente, muitos projetos apresentam explícita semelhança. Além disso, percebe-se com relação a todas as propostas, que a minoria dos projetos se mostra apta a perfazer um instrumento útil ao enfrentamento da exposição pornográfica não consentida. Poucos apresentam densidade suficiente para lidar com um fenômeno tão complexo. Há uma produção legiferante intensa, mas não há iniciativa de buscar reforço de profissionais especialistas. Uma dado importante é que em maioria dos projetos submetidos, a pena máxima é superior a três anos. Isso quer dizer que não constitui crime de menor potencial ofensivo e por isso, os tipos não se submetem à Lei 9.099/95, a exemplo dos crimes de injúria e difamação.

A pornografia não consensual, embora não seja um fato social recente, mobiliza uma discussão que permanece no limbo da criminalização dessas condutas. Dessa forma, os debates costumam girar em torno da criação de mecanismos de punição dos responsáveis, ao invés de investigar as causas que levam o indivíduo a expor a sexualidade feminina como forma de degradação da moral, bem como de promover assistência e amparo às mulheres vitimizadas por essa forma de violência.

Assim, o sistema penal se torna protagonista desse cenário de insegurança jurídica e vulnerabilidade de gênero. Indaga-se se esse sistema seria capaz de oferecer um resultado coerente com a natureza desse tipo de violência, uma vez que o sistema penal representa um histórico de inércia e seletividade para com as vítimas. Nesse sentido, tratar juridicamente um crime que possui como base as relações de gênero requer uma série de medidas que visem estabelecer um tratamento mais estruturado.

Não é incomum que as vítimas de violência de gênero, quando em contato com o sistema jurídico, deparam-se com uma segunda violência, pois muitas vezes são hostilizadas e desacreditadas pela própria instituição que as deveria amparar. Há a tendência de oferecer um tratamento instantâneo de estabelecimento do status quo, mas não há um processo de estabelecimento da vítima. Desse modo há reprodução de um sistema de dominação masculina, que ofusca importantes aspectos sociológicos, através de um viés puramente punitivista.


8 . CONSIDERAÇÕES FINAIS

Preferiu-se, ao longo do texto, utilizar a expressão “pornografia não consensual”, ao invés de utilizar a expressão popular “Revenge Porn”, ou “Pornografia de Vingança”. É certo que a utilização da expressão compreende a análise de uma variedade maior de motivações a que são expostas essas práticas. Dessa forma, apesar de ainda não haver um consenso a respeito da definição do termo para se referir ao fenômeno de divulgação da intimidade sexual sem o consentimento no meio informacional, vê-se na expressão pornografia não consensual, uma melhor adequação ao fim que se propôs o presente estudo.

Constatou-se que o fenômeno deve ser analisado sob a perspectiva de gênero, pois, conforme demonstrou no primeiro capítulo, as construções do gênero são marcadas por uma desigualdade manifesta. Dessa forma, o objetivo de interligar o fenômeno à hierarquização entre os gêneros se mostrou satisfeito, uma vez que, com a ajuda das autoras, pode-se perceber que a sociedade delimita os papéis associados ao feminino e ao masculino de maneira intrínseca, com base em determinismos biológicos, e os mantém atuantes através de uma espécie de contrato social, que se mostra vantajoso somente para os homens.

Dessa forma, não há como discutir a pornografia não consensual desligando-se de suas implicações sociais, históricas e políticas. A pornografia não consensual não deve ser encarada com um fato independente e também não deve ser vista como um acontecimento dotado de normalidade, porque precede de uma ação reiterada. A violação da intimidade sexual de alguém consiste em um fato carregado de iterações sistemáticas, que vão além de consequências da era cibernética, pois são representações humanas, falhas, não previstas em nenhum manual digital.

A exposição de dados e levantamentos por diversas instituições serviu para reafirmar essa hipótese de que o fenômeno se dirige à perpetuação das relações de gênero. As estatísticas demonstraram que a mulher é o principal alvo dessas ações, e que o crescimento de números desses casos se deve à banalização com que as relações tem sido guiadas nos contatos líquidos da tecnologia, sobretudo, amparados por uma ordem estrutural de discriminação. Esses dados mostram que o compartilhamento de material pornográfico se dá de maneira intensificada e sistemática, em sua grande maioria, através de indivíduos do sexo masculino. Além disso, essas estatísticas confirmam a pertinência do abandono da expressão “Revenge Porn”, uma vez que os motivos são variáveis, apesar estarem ligados à intimidação e à opressão.

As histórias aqui contadas demonstraram o poder dessas representações, pois as consequências obedecem a um mandamento fatídico de opressão, capaz de levar até mesmo à morte. Duas dessas protagonistas encontraram no suicídio uma forma de lidar com a pressão social da humilhação, e nem mesmo depois disso, obtiveram remissão por parte da sociedade, pois não cessaram os julgamentos e as condenações morais. O meio pelo qual se deu a narrativa: a partir do ponto de vista da vítima – objetivou-se estabelecer uma abordagem diferente da mídia, que ora expõe em demasiado a vítima e ora silencia.

Os autores Brunello Stancioli, Erving Goffman, Marilena Chauí, Nara Pereira Carvalho, viabilizaram o descortinamento de grandes questões a partir análise da construção do fenômeno da pornografia não consentida. Ao comparar as relações humanas na construção da identidade com uma encenação, Goffman oferece a premissa de que as “representações” só podem ser bem sucedidas se houver um cuidado excessivo em expor aquilo que o outro deseja ver, de acordo com determinada sociedade a que pertence. Ou seja, a construção da identidade não se faz de forma individual, de maneira que somos sempre pressionados a “encenar” determinado papel a fim de sermos aceitos e determinado grupo.

O mesmo autor demonstra que essas “más representações” põe em risco a construção de uma identidade considerada “sadia”, pois o estigma é capaz de assim, deteriorar a identidade social, e colocar em risco até mesmo a dignidade e a autonomia do indivíduo. Essa construção só é possível através de uma visão restrita a estereótipos, que mais uma vez, se relaciona com a ideia da inferioridade feminina e da sua submissão como destino. A formação dessa identidade a partir de uma visão externa, Goffman chamou de “identidade social virtual”, pois distancia-se uma realidade subjetiva. Já Nara Pereira Carvalho nomeou essa construção identitária de “identidade em rede”, pois é constituída a partir de um espaço dinâmico, em que a identidade não se faz sozinha, e não se faz estática.

A visão da sexualidade trazida por Gayle Rubin e por Marilena Chauí permitiu observar que o sexo apesar de fundamentalmente dizer respeito a corpos, se faz também social e político, uma vez que não está imune às interferências externas dos outros indivíduos.

Nos capítulos finais, ao se adentrar na análise jurídica do fenômeno, buscou-se reproduzir como o sistema judiciário tem recepcionado o fenômeno da pornografia não consentida e como ele tem se manifestado em casos individuais, bem como o que tem proposto, no âmbito legislativo, como alternativas globais, frente às demandas sociais. A pornografia não consensual, como fenômeno recente com a projeção das novas tecnologias, revela-se como um tipo não descrito na legislação e por isso se submete às interpretações de inúmeros dispositivos esparsos tanto na área civil, quanto penal, a depender de uma ponderação discricionária do poder judiciário.

Há de se reconhecer importantes avanços para a temática, de forma transversal, mas incidente, tanto por parte do Marco Civil, quanto da Lei Maria da Penha. O Marco Civil da Internet representou um passo rumo à celeridade nesses casos, uma vez que agilizou os processos de retirada do material íntimo indesejado dos sites, sem a necessidade de se passar por um processo judicial. Ademais, a Lei Maria da Penha, ao abarcar as situações de violência doméstica psicológica, mesmo que fora do ambiente de coabitação, pôde contemplar os casos de pornografia não consensual, e sem a possibilidade do benefício de transação, ou conciliação em benefício do réu.

Através da jurisprudência colhida pode-se perceber que as repostas que o judiciário tem dado à exposição pornográfica não consentida têm se resumido na condenação por delitos de difamação e injúria, e que essa abordagem se mostra falha e insuficiente, pois na maioria dos casos, a punição é tão branda em comparação com o ato que ensejou pena à condenação, que não transmite caráter repressivo. Os projetos de lei apresentados demonstram um avanço específico, na medida em que levam para a política os anseios sociais. No entanto, essas iniciativas revelam a deficiência do poder legislativo através da alta produção legiferante sem resultado, o que coloca em xeque a qualidade dessas propostas, visto que são repletas de falhas, redundâncias e atecnias.

A criminalização, como visto em muitas outras demandas no Brasil, não se mostra uma solução jurídica completamente garantidora, uma vez que criar um tipo penal especial, apesar de consubstanciar o fato e chamar atenção para ele, não é garantia de que haverá uma repressão adequada, ademais, algum tipo de prevenção. Isso porque o sistema penal se mostra repleto de deficiências, inclusive, carecendo de estruturas mais adequadas com o tratamento de vítimas pertencentes a grupos discriminados, como a mulher. Ao ir de encontro com o seio da justiça, a vítima muitas vezes se depara com a violência institucionalizada ao ser encarada com a reprodução da mesma discriminação, que a levou até ali.

É necessário, antes de criminalizar, que toda a sociedade e suas instituições, como a escola, o Estado, a religião e a família, se comportem como vetores potenciais de mudança, para que determinadas construções sociais, como a desigualdade de gênero, sejam desconstruídas e assim, seja possível a emancipação feminina - requisito para que se possa atingir, efetivamente, a dignidade da pessoa humana. Isso é possível através do estudo, da visibilidade, sobretudo, do diálogo entre essas instituições.


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