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A infiltração de agentes como meio extraordinário de obtenção de provas

A infiltração de agentes como meio extraordinário de obtenção de provas

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Na infiltração presencial, o policial tem o direito de se recusar a participar da operação. Sendo voluntário, presume-se envolvido alto grau de profissionalismo e comprometimento com o interesse público.

RESUMO :Com o intuito de estudar sobre a investigação criminal no Brasil, o presente trabalho abordou a técnica especial de investigação chamada infiltração de agentes, considerada um meio extraordinário de obtenção de provas. Foram levantadas as leis penais especiais brasileiras que tratam da infiltração presencial e virtual, sendo duas delas, consideradas pela doutrina, base procedimental para as duas espécies de infiltração. Foi verificado que há crimes que admitem a infiltração presencial e crimes que admitem a infiltração virtual. Verificou-se que somente agentes de polícia judiciária, ou seja, policiais civis e federais, podem atuar como agente infiltrado, tendo em vista que essas duas polícias têm previsão constitucional para apuração de crimes. Foram apresentadas algumas operações policiais que foram deflagradas no país, oriundas de investigações onde foi empregada a infiltração de agentes, onde pode verificar sua eficácia. Por fim, abordou-se como se procede a infiltração policial, a responsabilidade criminal do policial infiltrado, os riscos para ele durante a operação e seus direitos. 

Palavras chave: Infiltração. Agentes. Policial. Polícia Judiciária. Investigação Criminal. Provas. 

SUMÁRIO :1. Introdução; 2. Amparo no ordenamento jurídico brasileiro; 2.1. Conceito de infiltração de agentes; 3. Legitimidade para ser agente infiltrado; 3.1. Principais crimes que se admitem a infiltração na forma presencial; 3.2. Crimes que se admitem a infiltração na forma virtual; 4. Análise operacional da infiltração policial; 4.1. Análise procedimental da infiltração policial; 5. A responsabilidade criminal do agente infiltrado; 6. A utilização da infiltração de agentes pela polícia brasileira; 6.1. Agente de inteligência confundido com agente infiltrado; 6.2. Operação Pesos e Medidas; 6.3. Operação Darknet; 6.4. Operação Glasnost; 7. Os riscos para o agente de polícia e seus direitos. 8. Conclusão. Referências. 


1 INTRODUÇÃO 

A proposta inicial do presente estudo é promover uma discussão da temática da investigação criminal, no âmbito acadêmico, especialmente na graduação, haja vista que a universidade jurídica brasileira tem dado enfoque maior na 2ª fase da persecução penal, em especial na defesa do réu. Com o objetivo de chamar a atenção para tal temática, foi contemplado o instituto, considerado uma técnica especial de investigação criminal, visto pela sociedade em geral e, até por parte da comunidade jurídica brasileira, apenas em produções cinematográficas como, por exemplo, nos filmes Donnie Brasco, estrelado em 1997 por Al Pacino e Johnny Depp e Os Infiltrados, estrelado em 2006 por Leonardo Di Caprio, Matt Damon e Jack Nicholson. 

Nos últimos anos, tem-se verificado que a criminalidade tem se desenvolvido, do ponto de vista intelectual, tecnológico e financeiro, deixando de atuar de forma individual e atuando de forma organizada, com hierarquia e divisão de tarefas. Tal desenvolvimento se deu com intuito de se eximir da responsabilidade criminal, ocultando provas e dificultando o trabalho policial e, consequentemente, do poder judiciário. Daí surge a necessidade de técnicas inteligentes e inovadoras de investigação criminal, como, por exemplo, interceptação das comunicações telefônicas e telemáticas, captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, colaboração premiada, ação controlada, infiltração policial presencial e virtual, sendo esta última o objeto de estudo do presente artigo. 

Para se promover tal discussão sobre a infiltração de agentes como um meio extraordinário de obtenção de provas, tem-se a proposta de analisar seus fundamentos jurídicos, sua admissibilidade, aplicabilidade e procedibilidade nas leis nº 11.343/06 (Lei de drogas), nº 12.850/13 (Lei de crime organizado), nº 13.260/16 (Lei de terrorismo), nº 13.344/16 (Lei de tráfico de seres humanos), nº 13.441/17 (Lei de infiltração virtual), nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), no Código Penal (CP) e no Código de Processo Penal Brasileiro (CPP). 

A metodologia aplicada no presente artigo será a pesquisa bibliográfica, através de livros que tratam do processo penal, da legislação especial criminal e livros mais específicos sobre o tema, demonstrando a opinião de ilustres doutrinadores, bem como a de profissionais e autoridades de polícia judiciária brasileira sobre o tema. Serão abordados, ainda, casos concretos, levantados por meio de fontes abertas, em alguns tribunais e na mídia, com intuito de verificar a utilização da infiltração policial, bem como seus resultados apresentados à sociedade até o momento. 


2 AMPARO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 

Analisando o ordenamento jurídico pátrio, do ponto de vista cronológico, nota-se que no Brasil, a primeira vez que surge legislação sobre a infiltração de agentes é em 2001, quando a Lei nº 10.217, de 11 de abril de 2001 alterou a Lei nº 9.034, de 03 de maio de 1995, que dispunha sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. A Lei nº 9.034/95 previa, em seu projeto, no Art. 2º, I, a infiltração de agentes de polícia, porém tal inciso foi vetado por contrariar o interesse público, pois permitia infiltração sem autorização judicial. 

Após a modificação de 2001, a lei passou a prever, em seu Art. 2º, inciso V, a possibilidade de infiltrar agentes de polícia ou de inteligência, em qualquer fase da persecução criminal, mediante autorização judicial sigilosa, para investigar crimes decorrentes de ações de quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo. Contudo, não definiu ou explanou de forma detalhada sobre tal meio de investigação. 

No ano de 2000, na cidade de Nova York, houve a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo. Tal Convenção foi promulgada no Brasil, com a edição do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, e já previa, de forma não detalhada, em seu Art. 20, item 1 as operações de infiltração, como uma das técnicas especiais de investigação. 

Em 23 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei nº 11.343, conhecida como Lei de Drogas, que trouxe em seu Art. 53, I, a infiltração de agentes de polícia, em tarefas de investigação, em qualquer fase da persecução criminal, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, como um dos procedimentos investigatórios relativos aos crimes previstos em seu Título III, Capítulo III. Porém não trouxe detalhes sobre o tema. 

Em 02 de agosto de 2013, foi sancionada a Lei nº 12.850, conhecida como Lei de Crime Organizado. Essa trouxe em seu Art. 3º, VII, a infiltração, por policiais, em atividade de investigação, em qualquer fase da persecução penal, como meio de obtenção de provas dos crimes previstos nela. A presente Lei não se limitou apenas em autorizar o emprego, mas também disciplinou, pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro, a técnica de investigação, trazendo uma seção somente para o tema, com mais detalhes como, por exemplo, legitimidade (Art. 10 caput), admissibilidade (Art. 10, §2º), prazo (Art. 10, §3º), dentre outros, sendo vista pela doutrina como uma regulamentação da técnica de infiltração. 

Em 2016, foram sancionadas duas Leis nas quais se admitem a infiltração como técnica de investigação para obter provas: a Lei nº 13.260, de 16 de março e a Lei nº 13.344, de 06 de outubro. Ambas admitem a infiltração policial na forma da Lei nº 12.850/13, que virou base procedimental para o instituto. 

A Lei nº 13.260/16, que versa sobre o terrorismo, foi aprovada oportunamente antes de iniciar os Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro. Isso porque o evento atraiu cidadãos de diversas partes do mundo e já foi alvo de atentados terroristas em outras ocasiões. Em seu Art. 16, a lei admitiu a aplicação da infiltração policial para fins de investigação, processo e julgamento dos crimes nela previsto, uma vez que faz remissão à Lei nº 12.850/13. 

Já a Lei nº 13.344/16 trata da prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas. Ela é consequência do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, promulgado por meio do Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2014. Em seu Art. 9º, admitiu a aplicação subsidiaria da lei base procedimental da infiltração de agentes, lei de crime organizado. 

Por fim, em 08 de maio de 2017, foi sancionada a Lei nº 13.441, que prevê uma nova modalidade de infiltração de agentes, realizada pela internet. Ela prevê a infiltração para investigar crimes contra a dignidade sexual de criança e adolescente, trazendo detalhes como, por exemplo, um rol de crimes que admitem a infiltração (Art. 190-A da Lei nº 8.069/90, ECA), prazo da infiltração (Art. 190-A, III da Lei nº 8.069/90, ECA), dentre outros. Tal lei, juntamente com a Lei nº 12.850/13, passou a formar a atual base procedimental para infiltração policial, sendo a Lei nº 13.441/17 na modalidade virtual e a Lei nº 12.850/13 na modalidade presencial. 

2.1 CONCEITO DE INFILTRAÇÃO DE AGENTES 

Como visto anteriormente, temos duas espécies de infiltração: a presencial e a virtual. Porém, o conceito é basicamente o mesmo, tendo como principal diferença o ambiente em que ocorrerá a operação. 

Com isso, expõe o conceito doutrinário que a infiltração de agentes consiste em um meio especial de obtenção da prova, por meio do qual, um ou mais agentes de polícia, com autorização judicial, ingressa em determinada organização criminosa, forjando a condição de integrante, com o objetivo de alcançar informações a respeito de seu funcionamento e de seus membros. 

Para conceituar melhor o instituto, é preciso definir meios de obtenção de prova. De acordo com Renato Brasileiro, são procedimentos, geralmente extraprocessuais, regulados por lei, que se desenrolam, em regra, sob autorização e fiscalização judiciais, com o objetivo de identificar fontes de provas. 

A doutrina divide os meios de obtenção de prova em ordinários e extraordinários. Os ordinários servem para investigar delitos graves ou de menor gravidade, enquanto que os extraordinários servem para apuração de crimes mais graves ou complexos, que exijam meios investigativos não tradicionais, tendo como elementos principais o sigilo e a dissimulação. 

Com isso, pode-se dizer, ainda, que a infiltração de agentes consiste em um meio não só especial, mas também extraordinário de obtenção de provas. Outro fato que colabora para tratá-la como meio extraordinário é que o §2º do Art. 10 da Lei nº 12.850/13 diz que ela será admitida se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis, ou seja, é um meio subsidiário, ultima ratio.

Logo, conclui-se que infiltração de agentes consiste numa técnica especial de investigação, sendo um meio extraordinário de obtenção de provas, onde um ou mais agentes de polícia, ingressa numa organização criminosa, com autorização judicial, de forma sigilosa e dissimulada, com o objetivo de colher fontes de provas. 


3 LEGITIMADO PARA SER AGENTE INFILTRADO

Com relação à legitimidade, a revogada Lei nº 9.034/95, em seu Art. 2º, V, falava de duas categorias de profissionais, o agente de polícia e o agente de inteligência. Contudo, o profissional de inteligência não era bem aceito pela maioria da doutrina, tendo em vista sua atividade não ser voltada para a investigação criminal. O que se pode verificar no Art. 1º, §2º da Lei nº 9.883, de 07 de dezembro de 1999, que instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência. 

Segundo a doutrina majoritária, a autorização para infiltração de agentes de inteligência era de duvidosa constitucionalidade, pois atividades investigatórias devem ser exercidas por policiais, caso contrário estaria violando o Art. 144, § 1°, IV, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88), a Lei nº 9.883/99, e os Arts. 4° e 157 e parágrafos do Código de Processo Penal (CPP). 

Ademais, os Tribunais Superiores vêm considerando que a execução de atos típicos de polícia judiciária por agentes de órgão de inteligência, acarreta ilicitude das provas obtidas, como por exemplo, no caso da Operação Satiagraha. Neste caso, o Superior Tribunal de Justiça considerou irregular a participação de Agentes da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e de ex-servidor do Serviço Nacional de Informação (SNI) em investigação conduzida pela Polícia Federal, declarando a ilicitude de provas por eles produzidas. 

Há doutrinadores que entendem que a Lei nº 9.034/95, ao citar agente de inteligência, se referiu a agentes de polícia que exerciam atividade de inteligência, pois nos quadros de todas as polícias existem setores especializados em inteligência e policiais treinados para exercer a referida atividade. 

Ocorre que, com a entrada em vigor da Lei nº 12.850/13, passou-se a falar apenas de um tipo de profissional, o agente de polícia, corrigindo a previsão da revogada Lei nº 9.034/95. A doutrina entende por agente de polícia, os agentes de polícia judiciária, isto é, Polícia Civil e Polícia Federal. Isso porque a Lei em seu Art. 3º, VII e Art. 10, caput, fala da infiltração “em atividade de investigação” ou “em tarefas de investigação”, depois diz que será “representada por delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público após manifestação técnica do delegado de polícia”, ou seja, ela ocorre sempre no âmbito da polícia judiciária, que é a polícia responsável pela apuração ou investigação de crimes, conforme o Art. 144, §1º e incisos e §4º da CRFB/88. 

A infiltração de militares, das Forças Armadas ou Forças Auxiliares, somente será admitida quando o militar estiver exercendo função de Polícia Judiciária Militar, nos termos dos Arts. 7º e 8º do Código de Processo Penal Militar, pois nesses casos, os militares estão atuando em apuração ou investigação de crimes militares, de competência das Justiças Militares Estaduais ou da União. Este é o entendimento dos doutrinadores Renato Brasileiro e de Luiz Flávio Gomes. Porém, o doutrinador Francisco Sannini Neto tem entendimento contrário, ou seja, que jamais poderá ocorrer infiltração de militares, mesmo na condição de polícia judiciária militar e ainda que a operação seja conduzida por delegado de polícia, pois a infiltração é uma técnica especial de investigação admitida somente nos casos de organização criminosa e tráfico de drogas, de competência da justiça comum. 

Vale destacar, por fim, que no Brasil não se admite a infiltração de particulares, por ausência de previsão legal, pois, como já vimos, as leis de drogas e de crime organizado falam expressamente da infiltração de agentes de polícia, respectivamente, nos Artigos 53, I e 10, caput. O que pode ocorrer é ter um membro da organização que passe a ser colaborador, nos termos do Art. 4º da Lei nº 12.850/13, desde que tenha autorização judicial para que ele continue participando das atividades criminosas. Nesse caso, ele é chamado de informante colaborador e não agente infiltrado. 

Sendo assim, conclui que não se admite a infiltração de policiais militares, de servidores da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e outros órgãos de inteligência, servidores do Ministério Público, dentre outros servidores, que não sejam de polícia judiciária (Polícia Civil e Polícia Federal). 

3.1 PRINCIPAIS CRIMES QUE SE ADMITEM A INFILTRAÇÃO NA FORMA PRESENCIAL

Conforme foi destacado anteriormente, quando se tratou do amparo no ordenamento jurídico brasileiro, a Lei nº 12.850/13, Lei de Crime Organizado, passou a ser base procedimental para infiltração policial presencial. 

Com isso, verifica-se que um dos principais crimes que se admitem a infiltração presencial, é o de Organização Criminosa (Art. 1º, §1), pois o Art. 10, §2º da Lei nº 12.850/13 diz que a infiltração será admitida se houver indícios Organização Criminosa. 

Pode se verificar que na Lei nº 11.343/06, admite-se, por exemplo, a infiltração de agentes para investigação dos seguintes crimes: tráfico de drogas e seus delitos equiparados (Art. 33 caput e seu §1º); aparelhagem para a produção de substância entorpecente (Art. 34); associação para o tráfico (Art. 35); financiamento e custeio do tráfico (Art. 36); dentre outros. 

Na Lei nº 12.850/13, conforme já visto no Art. 10, §2º, admite-se a infiltração no crime Organização Criminosa. Com a entrada em vigor da Lei, a figura da organização criminosa deixa de ser considerada uma forma de se praticar crimes para se tornar um tipo penal incriminador autônomo - "Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa" (Art. 2º, Lei nº 12.850/13). 

Na Lei de Terrorismo, Lei nº 13.260/16, em seu Art. 16 diz que se aplicam as disposições da Lei de Crime organizado, dentre elas a infiltração, para fins de investigação, processo e julgamento. E a própria Lei de Crime Organizado diz em seu Art. 1º, §2º, II que ela se aplica às organizações terroristas. Sendo assim, admite-se, por exemplo, a infiltração de agentes para investigação dos seguintes crimes: Atos de terrorismo (Art. 2º, §1º); Promoção, constituição, integração ou prestação de auxílio à organização terrorista (Art. 3º); Atos preparatórios de terrorismo (Art. 5º caput); Auxílio e treinamento de atos terroristas (Art. 5º, §1º, incisos I e II); e o financiamento do terrorismo (Art. 6º). 

Com relação à Lei nº 13.344/16, Lei de Tráfico de Pessoas, ela incluiu o Art. 149-A no Código Penal Brasileiro, tipificando o crime de tráfico de pessoas. Com base no Art. 9º da Lei, admite-se infiltração para investigar o novo crime tipificado. 

Com isso, observa-se que os crimes citados como exemplo são considerados hediondos ou equiparados (Lei nº 8.072/90), todos com pena máxima superior a quatro anos e não sendo crimes de menor potencial ofensivo, da Lei nº 9.099/95. Tais fatos reforçam que a infiltração é um meio extraordinário, pois serve para apuração de crimes mais graves ou complexos. 

3.2 CRIMES QUE SE ADMITEM A INFILTRAÇÃO NA FORMA VIRTUAL 

A Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), após modificação feita pela Lei n° 13.441/17, apresenta, expressamente, em seu Art. 190-A, a possibilidade de infiltrar agentes de polícia na internet para investigar três categorias de crimes, são eles: Crimes de pedofilia (Artigos 240, 241,241-A, 241-B, 241-C e 241-D do ECA); Crimes sexuais contra vulnerável (Estupro de vulnerável, Art. 217-A; Corrupção de menores, Art. 218; Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, Art. 218-A; e Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável, Art. 218-B, todos do Código Penal Brasileiro); e Invasão de dispositivo informático (Art. 154-A do Código Penal Brasileiro). 

Ocorre que a lei não deixou claro se tal rol de crimes é taxativo ou exemplificativo, cabendo à doutrina debater a questão. Apesar de a referida Lei ser bem recente, alguns doutrinadores começaram a debater o tema. 

Há quem possa defender ser um rol taxativo, pois a infiltração tem caráter excepcional. Porém, tem predominado o entendimento de que se trata de um rol exemplificativo. 

O primeiro argumento é que vigora no ordenamento pátrio a livre iniciativa de provas, ou seja, se não houver vedação expressa, a prova será permitida e na Lei em questão não foi vedada a infiltração em outros tipos de crimes. 

O segundo argumento diz que a infiltração virtual é apenas uma espécie do gênero infiltração de agentes, considerando-se possível a utilização da espécie nos crimes que admitem o gênero. Por ser a infiltração de agentes, no caso da Lei nº 12.850/13, muito mais invasiva com relação ao investigado e mais arriscada para a integridade física do agente de polícia infiltrado, pode se admitir a infiltração virtual, para investigar os crimes que admitem a espécie de infiltração presencial. Isso porque se faz uma interpretação extensiva da Lei nº 13.441/17, levando em conta ainda que in eo quod plus est semper inest et minus, ou seja, quem pode mais pode menos. 

Com isso, verifica-se que há muito que se debater, na doutrina e jurisprudência, com relação aos crimes que admitem a infiltração virtual, enquanto que se aplica aos crimes expressos na Lei. 


4 ANÁLISE OPERACIONAL DA INFILTRAÇÃO POLICIAL 

Inicialmente, ao fazer uma análise, do ponto de vista operacional, isto é, de como se procede a infiltração de agentes, verifica-se que ela deve ser faseada. Conforme o doutrinador Flávio Cardoso Pereira a infiltração se apresenta em oitos fases. 

A primeira chama-se recrutamento, que se divide em duas subfases: captação e seleção. Na captação são analisados quais sujeitos se enquadram nas características necessárias a satisfazer os objetivos institucionais. Já na seleção, a polícia difunde, de maneira restrita, a informação acerca de suas necessidades, com o intuito de capacitar o infiltrado, escolhendo-o dentro de um rol de agentes pré-selecionados e que apresentem características pessoais e profissionais adequadas à investigação. 

Num segundo momento deve ser feita a formação, ou seja, uma capacitação básica para o policial desenvolver as qualidades fundamentais de agente infiltrado e que correspondem ao perfil traçado ao agente a ser formado para a infiltração. 

A terceira fase se chama imersão. Esta serve para formar uma identidade psicológica falsa em um infiltrado previamente designado, já com uma missão concreta, com os objetivos a serem atingidos. 

A quarta fase é especialização da infiltração. Nesta ocorre o aprimoramento da dimensão operativa de inteligência, com o objetivo de garantir que o agente assuma identidade psicológica falsa de forma a representá-la com o máximo de eficácia.  

Após isso, inicia-se a infiltração propriamente dita. Nessa fase, o agente terá os primeiros contatos com os integrantes da organização criminosa, por meios táticos já analisados no contexto da atividade de inteligência policial, pois houve previamente um estudo do ambiente e das pessoas com quem o agente se envolveria. 

A sexta fase é o seguimento. Nele desenvolve-se uma cobertura técnica com a finalidade de preservar a integridade física e psicológica do agente dentro do ambiente criminoso, tendo em vista que já iniciou a identificação de fontes de prova e coleta de elementos de informação sobre a organização criminosa. 

A sétima fase é a pós-infiltração. É um procedimento tático em que se buscam as melhores alternativas para a saída do agente infiltrado do ambiente criminoso. O ideal é que esta fase esteja associada a um programa de proteção a vítimas e testemunhas, conforme prevê a Lei nº 9.807/99. 

Por fim, a oitava fase é a reinserção. Ela tem o objetivo reinserir o agente à vida que tinha antes da operação, ajudando-o a recuperar sua verdadeira identidade junto de sua família e no trabalho. Nesse momento, deve haver um acompanhamento médico e psicológico, tendo em vista que o agente permaneceu inserido no seio da organização criminosa por bastante tempo. 

Vale destacar que no caso de uma infiltração virtual algumas das fases citadas podem ser suprimidas ou podem ocorrer de forma mais rápida, tendo em vista que o policial não terá contato direto com os investigados e, normalmente, não terá sua imagem revelada. Há de se considerar que a infiltração virtual oferece um risco bem menor ao policial. Destaca-se, ainda, que neste caso é fundamental que o policial tenha conhecimento de como se obter provas no ambiente virtual. É necessário que o agente tenha conhecimento de temas como navegação na Deep Web, na Dark Web, dentre outros. 

Passando por essas fases, vale destacar que a Lei não trata da parte operacional da infiltração. Ocorre que, com um planejamento detalhado de toda a operação facilita a preparação de uma solicitação à autoridade judiciária, de forma que ela tome a decisão bem fundamentada, prevendo as prováveis situações e determinando os limites da operação de infiltração. Desta forma, haverá mais segurança e direcionamento ao policial que irá se infiltrar. A esse planejamento, a doutrina chama de plano operacional da infiltração. O doutrinador Denilson Feitoza Pacheco assevera que esse plano deverá conter: 

Situação (elementos fáticos disponíveis, alvo e ambiente operacional), missão (objetivo da infiltração, provas a serem obtidas), especificação dos recursos materiais, humanos e financeiros disponíveis, treinamentos necessários, medidas de segurança da infiltração a serem observadas, coordenação e controle precisamente definidos com a pessoa de ligação, prazos a serem cumpridos, formas segura de comunicação, restrições etc. O plano de infiltração, no processo penal, deverá conter as espécies de condutas típico-penais que eventualmente o agente infiltrado poderá praticar, dependendo das circunstâncias concretas [...]

Ressalta-se que a passagem por todas essas fases é ideal para o desempenho de uma excelente operação de infiltração. Infelizmente, isso não ocorre na maioria dos casos, tendo em vista que o cumprimento das fases elencadas demanda investimento público de recurso financeiro, o que não se vê em grande parte das polícias do Brasil. 

4.1 ANÁLISE PROCEDIMENTAL DA INFILTRAÇÃO POLICIAL 

Após a análise operacional, será abordada a infiltração do ponto de vista procedimental. Para isso, serão examinadas tanto a Lei nº 12.850/13, para tratar da espécie presencial, quanto a Lei nº 13.441/17, para tratar da espécie virtual. 

Primeiramente, destaca-se que para solicitar uma infiltração policial deve haver indícios da infração penal prevista no Art. 1º da Lei nº 12.850/13 (1ª parte do §2º do Art. 10), dos crimes da Lei de Drogas (Art. 53, caput), e dos crimes previstos no Art. 190-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (Art. 190-A, I). 

O doutrinador Renato Brasileiro afirma sobre a necessidade do fumus comissi delicti, uma vez que a Lei exige apenas indícios do delito, não se referindo a indícios de autoria. Isso é verificado quando o Art. 11 da Lei de Crime Organizado diz que a indicação de nomes ou apelidos deve ser informado quando possível. O segundo argumento apresentado pelo doutrinador é o periculum in mora. Nele deve ser levado em conta o risco ou prejuízo que a não realização imediata da infiltração poderá representar para a aplicação da lei penal, para a investigação ou para evitar a prática de novos crimes, como ocorre com as medidas cautelares do Código de Processo Penal (Art. 282, I). 

No caput do Art. 10 da Lei de crime organizado verifica-se, como já visto, a necessidade do infiltrado ser agente de polícia, entendido pela doutrina como agente de polícia judiciária. Além disso, a infiltração deve ser feita em tarefa de investigação, devendo ser previamente solicitada à autoridade judiciária competente. A solicitação se dará por meio de representação do Delegado de Polícia ou requerimento do Ministério Público, neste último caso, após manifestação técnica do Delegado de Polícia, quando requerida no curso do inquérito. Estes requisitos também são necessários para a infiltração virtual, conforme determina o Art. 190-A, II do Estatuto da Criança e do Adolescente. 

Ocorre que antes de fazer a solicitação ao Juiz competente, deve ser verificada a voluntariedade do agente de polícia cogitado para infiltrar, tendo em vista o elevado perigo da atividade. A Lei nº 12.850/13, em seu artigo 14, inciso I, trouxe o direito de recusa do policial. Contudo, para a infiltração virtual não há essa previsão legal. 

Ainda com relação à solicitação, no caso de representação da autoridade policial, o Delegado somente pode representar durante o inquérito policial, apesar de a infiltração ser admitida em qualquer fase da persecução penal, conforme prevê o Art. 3º, VII da Lei nº 12.850/13. Vale ressaltar, que o Delegado é o responsável pela condução da investigação criminal, conforme preceitua o Art. 2º, §1º da Lei nº 12.830/1328 e Art. 4º c/c Art. 6º do Código de Processo Penal. Neste caso, o Ministério Público será ouvido acerca da representação (Art. 10, §1º da Lei nº 12.850/13), tendo em vista que é o titular da ação penal pública (Art.129, I da CRFB/88) e exerce o controle externa da atividade policial (Art.129, VII da CRFB/88). 

Já com relação ao Ministério Público, este pode requerer a infiltração na fase de inquérito e na fase processual, porém, na segunda fase, a doutrina diverge com relação à utilização da infiltração. Alguns doutrinadores, destacando-se Guilherme de Souza Nucci, entendem quanto à possibilidade da infiltração durante a instrução criminal, uma vez que levam em conta a interpretação literal do Art. 53, I da Lei de Drogas, quando diz “Em qualquer fase da persecução criminal...”. 

Dessa forma, nada impede que a infiltração possa ocorrer também durante a instrução criminal. Há que entenda que não é possível, pois não “faz qualquer sentido que se realize a infiltração uma vez já iniciada a ação penal”. O que se pode verificar na leitura do Art.12, §2º da Lei nº 12.850/13 que diz que “os autos contendo as informações da operação de infiltração acompanharão a denúncia do Ministério Público”. O doutrinador Cleber Masson entende que se os autos contendo informações da infiltração acompanharão a denúncia é porque a operação deve ocorrer na primeira fase da persecução penal. 

O requerimento do Ministério Público deve, ainda, ser precedido da manifestação técnica do Delegado de Polícia. Este irá analisar se tem policial em condições de se infiltrar, se é o momento mais adequado para a infiltração, analisando do ponto de vista operacional, com base nas oito fases da infiltração já citadas no presente artigo. 

Ainda com relação à representação ou requerimento para a infiltração, verifica-se que devem conter algumas informações, tais como “...demonstração da necessidade da medida, o alcance das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e o local da infiltração.” (Art. 11 da Lei nº 12.850/13 e Art. 190-A, I da Lei nº 13.441/17). 

A demonstração da necessidade se deve por conta da infiltração ser admitida somente quando as provas não puderem ser obtidas por outros meios (ultima ratio), ou seja, é um meio subsidiário, é o que diz a parte final do §2º do Art. 10 da Lei de Crime Organizado, bem como o §3º do Art. 190-A do Estatuto da Criança e do Adolescente. Isso ocorre por conta dela ser considerada pela doutrina a mais invasiva e mais demorada técnica de investigação criminal.

Com relação ao alcance da operação, segundo o doutrinador Marcelo Mendroni, o mandado judicial de infiltração pode conter autorização extensiva expressa para que o agente, em condições favoráveis e sem risco pessoal, apreenda documentos, de papéis a arquivos magnéticos. Durante a operação é bem provável que o agente infiltrado tenha que se utilizar de outros meios investigativos, como escutas e filmagens ambientais, captação de áudio e vídeo, dentre outros. O doutrinador Flávio Maltez Coca descreve outras situações que possam surgir e que devem constar no alcance da operação, tais como tirar fotos de pessoas e veículos, ter acesso a agendas, instalar equipamentos de geolocalização, etc. 

Descreve-se ainda que possa haver necessidade de acessar dados de celulares dos investigados, verificando a agenda, últimas ligações, com intuito de colher números para que seja solicitada interceptação telefônica, bem como ver mensagens de rede sociais como Telegram, WhatsApp, Facebook, etc. Todas as possibilidade previamente levantadas nas fases iniciais da infiltração devem constar na solicitação à autoridade judiciária competente, para que determine os limites de atuação do agente e se pronuncie desde o início com relação a outros procedimentos investigatórios. 

Outras informações que podem constar na solicitação são nomes e apelidos dos investigados, bem como o local da operação. Porém a Lei nº 12.850/13 não diz que tais informações sejam obrigatórias. Em seu Art. 11 afirma que “quando possível”, ou seja, o legislador não considerou tais dados essenciais, pois nem sempre a polícia terá esses dados na hora de solicitar, devendo ser levantados com o decorrer da operação. Ocorre que, na infiltração virtual, a Lei nº 13.441/17 considerou nomes e apelidos essenciais, talvez para que não ocorra a chamada infiltração por prospecção - visando verificar se o suspeito está ou não delinquindo - ou aleatória - sem um alvo específico. Porém, há quem entenda de forma diversa, como por exemplo, o doutrinador Henrique Hoffmann, que defende que: 

Apesar da literalidade da lei, nem mesmo os nomes ou apelidos dos investigados são indispensáveis. Obviamente é inadmissível a infiltração policial virtual sem suspeito, (...), mas não se pode exigir de imediato o nome ou apelido do investigado, pois muitas vezes o criminoso se identifica na internet apenas por uma foto, símbolo ou código. Ora, qualificar o suspeito é uma das finalidades da infiltração policial, e não seu requisito. (Grifo nosso) 

Outras informações que a Lei nº 13.441/17 diz para constar na solicitação da infiltração virtual são os dados de conexão ou cadastrais que permitam a identificação das pessoas, mas o próprio inciso II, do Art. 190-A não considera como obrigatórios. 

Seguindo a solicitação para o Juízo competente, de forma sigilosa, para que não indique a operação nem identifique o agente que irá se infiltrar, conforme preceitua o Art. 12 da Lei nº 12.850/13, seja por representação ou por requisição, estando devidamente instruída, o juiz decidirá num prazo de vinte e quatro horas (Art. 12, §1º da Lei nº 12.850/13). A decisão judicial deverá ser circunstanciada, de forma que possa abranger o máximo de peculiaridades do caso concreto e estabelecer os limites necessários para a atuação policial. Além disso, ela deverá ser motivada, pois todas as decisões devem ser fundamentadas (Art. 93, IX da CRFB/88), e sigilosa, da mesma forma que a distribuição, para que se proteja a vida do agente de polícia, bem como a eficácia da operação (Art. 10 da Lei nº 12.850/13). O juiz tem o dever legal de zelar pelo sigilo da operação (Art. 190-B da Lei nº 13.441/17). 

Outro ponto fundamental a se tratar é o prazo ou duração da operação. Com relação à infiltração presencial, o prazo é de até seis meses, podendo ter um prazo menor ou ser renovada, desde que haja comprovada necessidade (Art. 10, §3º da Lei nº 12.850/13). Nota-se que a Lei não traz um limite de renovações. Terminado esse prazo será apresentado o relatório circunstanciado ao juiz, que de imediato dará ciência ao Ministério Público (Art. 10, §4°). 

Por outro lado, na infiltração virtual o prazo é de até noventa dias, podendo ser renovado por até setecentos e vinte dias (Art. 190-A, III do Estatuto da Criança e do Adolescente). Percebe-se que, diferentemente da presencial, a infiltração virtual tem um limite legal máximo de duração. Após o término da operação, todos os atos eletrônicos praticados serão registrados, gravados e armazenados para serem encaminhados ao Ministério Público e ao Juiz. Esse encaminhamento se dará em autos apartados e apensados ao inquérito, de forma a preservar a identidade do agente infiltrado, bem como a intimidade da criança ou adolescente envolvido, juntamente com o relatório circunstanciado (Art. 190-E). 

Com relação ao relatório circunstanciado, existe divergência na doutrina acerca do momento de sua apresentação, havendo duas correntes. A primeira defende que deve ser apresentado um relatório para cada término de período. Já a segunda corrente defende que o relatório deve ser apresentado somente ao final de toda a operação ou a qualquer tempo, mediante determinação do Delegado de Polícia ou do Ministério Público (Art. 10, §§2º e 3º da Lei nº 12.850/13). 

Na infiltração virtual, o Juiz e o Órgão Ministerial poderão requisitar relatórios parciais da infiltração antes de terminar o prazo legal (Art. 190-A, §1º do Estatuto da Criança e do Adolescente). Mesmo não estando expresso na Lei, entende-se que o Delegado de Polícia pode requerer relatórios parciais no curso da operação, por conta do poder hierárquico e do comando da investigação. É esse o entendimento do professor Henrique Hoffmann. 


5 A RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO AGENTE INFILTRADO 

Há quem considere possível que um policial se infiltre numa organização criminosa sem cometer nenhum tipo de crime, porém isso é pouco provável. É bem possível que membros da organização criminosa exijam que o infiltrado contribua ou pratique alguns delitos, o que, dependendo do caso, a recusa poderia colocar sob suspeita sua identidade e colocaria em risco a investigação e até sua integridade física. 

A revogada Lei nº 9.034/95 não tratou dessa situação, coube à doutrina e à autoridade judiciária lidar com essa questão. A lei de drogas também não trouxe nada com relação a essa possibilidade. Somente na Lei nº 12.850/13 que o legislador começou a se preocupar com essa questão. 

No caput do Art. 13 da Lei nº 12.850/13 diz que “O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.” No mesmo sentido, no âmbito da infiltração virtual, o parágrafo único do Art. 190-C do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que “O agente policial infiltrado que deixar de observar a estrita finalidade da investigação responderá pelos excessos praticados.” 

Pode-se verificar que a lei não define ou delimita o que seriam os excessos. Com isso cabe à doutrina esclarecer isso. Sendo a infiltração de agentes um meio extraordinário de obtenção de provas, ela deverá respeitar alguns princípios constitucionais, tais como o princípio da legalidade; especialidade; subsidiariedade; controle da autoridade judiciária, ministerial e da autoridade de polícia judiciária; e proporcionalidade.

Desta forma, verifica-se, com base na lei, a importância do nexo entre o princípio da proporcionalidade e a finalidade da investigação. Logo, para que não haja esse excesso por parte do agente de polícia infiltrado é fundamental que ele obedeça fielmente os limites descritos na autorização judicial para a operação, que será circunstanciada e motivada, e se baseará nas informações do plano operacional da infiltração. 

Para ilustrar a questão da ligação entre proporcionalidade e a finalidade da investigação, podem-se destacar alguns exemplos trazidos pela doutrina: 

O agente se infiltra em organização criminosa voltada a delitos financeiros; não há cabimento em matar alguém somente para provar lealdade a um líder. Por outro lado, é perfeitamente admissível que o agente promova uma falsificação documental para auxiliar o grupo a incrementar um delito financeiro. No primeiro caso, o agente responderá por homicídio e não poderá valer-se da excludente, visto a desproporcionalidade existente entre a sua conduta e a finalidade da investigação. No segundo, poderá invocar a inexigibilidade de conduta diversa, pois era a única atitude viável diante das circunstâncias. (Grifo nosso)

Assim, o policial que se aproveitar da diligência para armazenar fotografia ou vídeo de cunho pornográfico envolvendo criança ou adolescente para satisfazer sua própria lascívia, responderá pelo crime previsto no artigo 241-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Haverá, outrossim, desvio de finalidade nos casos em que o agente se aproveita da identidade virtual fictícia para efetivar transações pessoais de seu interesse pela Internet. Se, por outro lado, ele armazenar em seu computador de trabalho, por exemplo, fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de registro que contenha material pornográfico infantil, com a finalidade de eventualmente transmiti-lo para uma pessoa investigada, tudo com o objetivo de ganhar a sua confiança e, assim, reforçar os indícios de autoria e materialidade criminosa (técnica de engenharia social), não há que se cogitar a prática dos crimes previstos nos artigos 241-A e 241-B, do ECA.44 (Grifo nosso) 

Entende também a doutrina que o agente infiltrado não poderá ser responsabilizado por quaisquer das infrações penais de que trata o Art. 2º da Lei nº 12.850/13 (integrar organização criminosa), nem tampouco associações criminosas do Art. 35 da Lei nº 11.343/06 ou Art. 288 do Código Penal. Na mesma linha, com relação à espécie virtual, o caput do Art. 190-C, da Lei 13.441/17, estabelece que “não comete crime o policial que oculta sua identidade para, por meio da Internet, colher indícios de autoria e materialidade dos crimes previstos...” no caput do Art. 190-A.

Nos dois casos, a doutrina entende que o fato de haver prévia autorização judicial para a utilização dessa técnica especial de investigação, permitindo sua infiltração no seio da organização criminosa, exclui-se a ilicitude da conduta do agente infiltrado, com base no estrito cumprimento do dever legal (Art. 23, III do Código Penal). Entende se tratar de uma “situação de justificação” nesses casos, pois a infiltração serve justamente para apurar estes delitos. 

Por outro lado, o parágrafo único do Art. 13 da Lei nº 12.850/13 diz que “Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa.” 

Ora, o legislador apresentou a exclusão de dois elementos distintos, ou seja, ele apresenta a punibilidade, quando diz que não é punível, e, ao final, apresenta a (in)exigibilidade de conduta diversa, que é um elemento da culpabilidade. Porém a doutrina entendeu que houve um engano por parte do legislador, na verdade, o referido parágrafo, trata-se de exclusão da culpabilidade e não de causa extintiva da punibilidade. Com isso, o legislador quis presumir a inexigibilidade de conduta diversa quando o infiltrado se ver diante de situações em que a prática de crimes é inevitável, devendo ainda, sempre que possível observar o nexo entre a proporcionalidade e a finalidade da investigação, como visto anteriormente. 

O doutrinador Cezar Roberto Bitencourt, apresenta algumas situações em que o agente de polícia venha a cometer delitos que não tenham relação com a investigação, como, por exemplo, nos casos em que ele necessite demonstrar lealdade aos membros da organização criminosa. 

Na primeira situação, o agente infiltrado atua como cúmplice de um crime, contribuindo materialmente. O doutrinador entende, em princípio, que o policial deva ser isentado de responsabilidade na forma do parágrafo único do Art. 13 da Lei nº 12.850/13, sendo excluída sua culpabilidade. 

Na segunda situação, o agente é coautor de crimes. O entendimento é que deva ser analisado o caso concreto, observando a proporcionalidade e necessidade com relação à imputação. Defende não ser possível, nesse caso, definir uma regra para saber até que ponto estará o infiltrado autorizado a contribuir em uma repartição de tarefas de um crime. 

Em uma terceira situação, o infiltrado pratica o crime em autoria direta ou mediata. O entendimento é de que esses casos parecem estar fora da norma de cobertura, devendo o agente responder completamente pelo crime. Entende-se que não deva interpretar a lei como fomento à prática de crimes. 

A última situação trata dos crimes cometidos pela organização criminosa que foram provocados ou instigados pelo agente de polícia. Nestes casos, entende-se que o policial está atuando como agente provocador, ou seja, ele induz o autor a praticar um crime, o que é considerado flagrante preparado (Súmula 145 do STF) e os crimes praticados pelos membros da organização criminosa podem ser considerados crimes impossíveis (Art. 17 do Código Penal). Tal fato não tem relação com o objetivo da operação, o que não isenta o agente de polícia da responsabilidade criminal, não sendo aplicável o parágrafo único do Art. 13 da Lei nº 12.850/13. 

Com isso, com relação à responsabilidade criminal do agente de polícia durante uma operação de infiltração, temos três principais institutos a serem observados. O primeiro ponto é que o policial deve observar, dentro da dinâmica do caso concreto, se sua conduta é proporcional à finalidade da investigação desencadeada. O segundo ponto é que os delitos praticados pelo agente que são objetos da investigação sejam considerados estrito cumprimento do dever legal, pois se entende que para ingressar naquela organização criminosa há a necessidade de se praticar tal delito. E por último, no caso de outros delitos, aplica-se a inexigibilidade de conduta diversa, excluindo a culpabilidade, quando o agente se ver diante de uma situação que não seja possível praticar outra conduta. 

É fundamental que todas as possibilidades sejam levantadas e constadas na representação ou requerimento, para que a autoridade judiciária fundamente sua decisão detalhadamente e o agente de polícia tenha uma delimitação de suas ações. Isso dá segurança jurídica para a operação e evita excessos. 


6 UTILIZAÇÃO DA INFILTRAÇÃO DE AGENTES PELA POLÍCIA BRASILEIRA

Nesse momento, serão levantadas algumas operações de infiltração realizadas pela polícia brasileira, dentro da possibilidade de acesso às informações, levando em consideração que a infiltração é uma técnica classificada como sigilosa. 

6.1 AGENTE DE INTELIGÊNCIA CONFUNDIDO COM AGENTE INFILTRADO 

O que confundi bastante quem não conhece a técnica de infiltração adotada no ordenamento jurídico brasileiro, inclusive pessoas da área jurídica, é a atuação de agente de inteligência. Foi verificado no Habeas Corpus nº 0066120-35.2014.8.19.0000, julgado na 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, um caso desses. 

Nesse caso, um policial militar que pertencia à Força Nacional atuava como agente de inteligência, acompanhando as manifestações para coletar dados para atuação da Força Nacional no Rio de Janeiro por ocasião da Copa do Mundo de 2014. Ele foi confundido pela defesa como sendo um agente infiltrado. Em função disso, a defesa pretendia anular a prova decorrente da declaração dado pelo policial em sede de investigação, sob alegação de que a suposta infiltração não tinha autorização judicial. Ocorre que a autoridade coatora do presente caso, diferenciou agente de inteligência de agente infiltrado: 

(...) No que pertine à alegação de ilicitude da prova testemunhal do policial Maurício Alves da Silva por ter sido supostamente originária de infiltração policial sem autorização judicial (vide fls. 3.245/3.251, 3.802/3.825 e 3.471/3.477), a mesma não pode prosperar, pois não houve ´infiltração policial´, uma vez que inexistiu o ingresso do agente no meio organizacional composto pelos réus, assim como não ocorreu simulação de que o policial fosse membro de facção voltada à prática de delitos, já que o que houve foi a coleta de informações, por parte do retro mencionado policial, em lugares abertos ao público, vale dizer, durante atos em que a presença de qualquer pessoa era permitida, não tendo havido necessidade de o aludido policial se fazer passar por membro de qualquer um dos grupos criminosos investigados. (...). (Grifo do autor) 

O relator, no acórdão, utiliza do entendimento do doutrinador Cezar Roberto Bitencourt para esclarecer melhor a diferença entre os dois tipos de agente: 

A deliberada exclusão da lei da hipótese de agente da inteligência determina a necessidade de delimitar a situação de infiltração em face da situação de investigação da inteligência. O espião ou agente de inteligência tem deveres determinados de captura de informações que não se vinculam precisamente a nenhuma investigação criminal, menos ainda de crime organizado. A atividade própria dos agentes de inteligência é a defesa do Estado, tanto no aspecto político de soberania e preservação do Estado democrático de direito como também da eficiência da prestação de serviços da Administração Pública. Ao contrário, a atividade de investigação policial, que é própria do agente infiltrado cuida necessariamente de uma investigação criminal que envolve a existência de uma organização criminosa. Portanto, as figuras são absolutamente distintas. (Grifo do autor) 

6.2 OPERAÇÃO PESOS E MEDIDAS 

Essa operação foi desencadeada pela Polícia Federal no dia 17 de outubro de 2017. Ela teve início no dia 14 de julho de 2017, quando um Delegado de Polícia, utilizando o nome de Michel, foi infiltrado na sede da Superintendência do Inmetro, em Goiânia. O Núcleo de Inteligência da Polícia Federal em Goiás, dois juízes federais e duas unidades da Procuradoria da República no estado atuaram no caso. 

Através de uma decisão judicial, foi retificada a nota obtida pelo Delegado em um concurso para o órgão realizado em 2015. O fato chamou a atenção de outros servidores e, para ocultar a situação, o policial disse que possuía indicação política de um membro do 23 Partido Republicano Brasileiro. A infiltração durou 71 dias e o caso foi encaminhado ao Poder Judiciário.

6.3 OPERAÇÃO DARKNET 

Essa operação foi a primeira investigação realizada na deep web, no Brasil, com o objetivo de identificar usuários da rede TOR (The Onion Router) que a utilizavam para compartilhar pornografia infantil. Houve autorização judicial, onde foi utilizada infiltração virtual pela Polícia Federal do Rio Grande do Sul, que identificou usuários que compartilhavam vídeos e fotos com pornografia de menores. 

Os trabalhos foram iniciados no final de 2013 e a Operação foi deflagrada em duas fases: 15 de outubro de 2014 e 22 de novembro de 2016. A investigação foi complexa pelo seu caráter inovador, sendo necessárias análises da aplicação e adequação da legislação nacional, que era defasada na área de obtenção de provas digitais. 

O Juízo da 11ª Vara Federal de Porto Alegre-RS autorizou a infiltração de agentes federais na deep web, por meio da criação de uma página semelhante a um fórum, denominado 'FORPEDO Brasil', direcionado à pedofilia, permitindo a integração dos usuários com os policiais (HABEAS CORPUS Nº 5040719-28.2016.4.04.0000/PR).

Vale destacar que essa operação foi utilizada a infiltração virtual antes da aprovação da Lei nº 13.441/17, que regulamentou tal técnica especial de investigação, a autorização judicial foi fundamentada na Lei n° 12.850/13. Nota-se, pelo bem jurídico tutelado no caso e pelos resultados da operação, quão foi o avanço da legislação brasileira a aprovação da referida lei. 

6.4 OPERAÇÃO GLASNOST 

Essa operação iniciou a partir da prisão de um abusador da Cidade de Curitiba/PR, no ano de 2009. Ao ser interrogado, o indivíduo referiu-se a um site que seria ponto de encontro de pedófilos, no qual era possível encontrar material de pornografia infantil, bem como estabelecer contato com outras pessoas para troca de imagens. 

A partir dessas informações, iniciou-se o procedimento denominado Operação Glasnost, com o objetivo de identificar usuários brasileiros no referido site, que está hospedado na Rússia. No inquérito policial (IP nº 953/2010-SR/DPF/PR), foi autorizado pelo juiz uma infiltração virtual, para coleta de dados sobre brasileiros que utilizavam o site para troca de materiais com pornografia infantil. 

A 1ª fase da operação foi deflagrada em novembro de 2013, onde foram cumpridos 80 mandados de busca e prisão e realizadas 30 prisões em flagrante por posse de pornografia infantil. Foram também identificados e presos diversos abusadores sexuais, bem como resgatadas algumas vítimas, menores de idade. 

No dia 25 de julho de 2017 foi deflagrada, em vários estados, a 2º fase da operação, onde foram cumpridos 72 mandados de busca e apreensão, 03 mandados de prisão preventiva e 02 mandados de condução coercitiva, em vários estados, tais como Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo (Processo nº 0014423-70.2013.4.03.6181, da 7º Vara Criminal da Seção Judiciária de São Paulo – TRF/3), Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Ceará, Pernambuco, Bahia, Maranhão, Piauí, Pará e Sergipe. 

Com isso, foram verificadas algumas operações de infiltração realizadas pela polícia brasileira. Nota-se que a polícia judiciária brasileira tem utilizado a infiltração policial como técnica investigativa, o que tem sido um meio bastante eficaz, desde que utilizado dentro dos trâmites legais. 


7 OS RISCOS PARA O AGENTE DE POLÍCIA E SEUS DIREITOS

Profissões da área de segurança pública brasileira são perigosas. O policial, na maioria dos estados, não pode se identificar como policial, sob pena de ser morto por isso. Além dos riscos com relação aos membros da organização criminosa, ainda tem os riscos psicológicos, sociais etc. Exemplo disso foi o caso da Operação Julie na Grã-Bretanha, entre 1976 a 1977, onde um detetive chamado Stephen Bentley assumiu o disfarce de Steve Jackson, um hippie que usava muita bebida alcoólica e drogas. O tempo que ele passou infiltrado em operações de produção e distribuição de LSD ajudou a desmantelar dois grupos criminosos no Reino Unido, mas a um custo muito alto para ele. 

Ao final da operação, o detetive foi promovido, mas continuou alcoólatra, viciado em maconha e se divorciou pela segunda vez, tudo como consequência da operação. Ele disse: "Eu amava o trabalho mas me demiti quando estava com depressão profunda. Meu hábito de consumir drogas jamais ocorreria se não tivesse sido exposto na Operação Julie". 

A partir do momento que a polícia judiciária infiltra um profissional no submundo do crime, os riscos à sua integridade aumentam substancialmente. Por isso é necessário que haja alguns direitos e garantias ao agente de polícia. 

Com relação aos direitos, mais uma vez a maioria das leis deixou a desejar. Somente com a edição da Lei nº 12.850/13 que houve uma maior preocupação com os direitos do policial. Eles estão listados no Art. 14. 

Podem-se destacar, inicialmente, pelo menos quatro direitos previstos na lei. O primeiro trata da recusa de se infiltrar, ou seja, deixa claro o caráter voluntário de policial de participar da operação. Trata também do direito de fazer cessar a operação caso verifique que sua vida corra risco (inciso I do Art. 14). 

Dentro dessa linha de raciocínio, vale destacar que o delegado de polícia e o Ministério Público também pode fazer cessar a operação, caso verifique indícios seguros de risco iminente à vida do infiltrado, conforme descreve o Art. 12, §3º da Lei 12.850/13. A autoridade policial terá um contato mais aproximado com o agente infiltrado e deve zelar sua segurança, com isso sendo necessária a sustação da operação deve declarar os motivos quando cientificar o Ministério Público e o Juiz. 

A doutrina entende que, da mesma forma que o início da infiltração é lento, pelo fato do agente ter que angariar a confiança dos integrantes da organização criminosa, a cessação da operação, sempre que possível, também deve ser realizada de forma lenta para não chamar a atenção dos investigados. Porém, se for necessário, a operação será encerrada de forma rápida e será feita a extração do agente. Isso pode ocorrer caso o policial tenha sua verdadeira identidade descoberta.

Destaca-se que tanto o direito a recusa quanto o direito de fazer cessar a infiltração não existem nos casos de infiltração virtual, pois não houve previsão na Lei nº 13.441/17. 

Outro direito é o de ter sua identidade alterada, aplicando-se, no que couber, o que prescreve o Art.9º da Lei nº 9.807/9962, bem como utilizar as medidas de proteção a testemunhas (Art. 14, II da Lei nº 12.850/13). 

No caso da infiltração virtual, não há razões para se preservar a identidade do agente em relação à defesa após a conclusão do procedimento. Além disso, o fato da infiltração se desenvolve pela Internet, de maneira que oculte a identidade física do agente, não há necessidade de preservar o seu nome, sua qualificação, sua voz e demais informações pessoais durante o processo, pois tais revelações não o impossibilitariam de participar de infiltrações futuras. O Art. 190-E, da Lei nº 13.441/17, prevê a proteção da identidade do agente infiltrado, mas não se aplica à defesa no processo.

Tem ainda o direito de ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial em contrário (Art. 14, III da Lei nº 12.850/13). 

Com relação ao Art. 14, III, a doutrina diverge com relação a possibilidade ou não da oitiva do agente infiltrado como testemunha anônima, que o réu não tem conhecimento dos dados qualificativos (nome, endereço etc). 

Existem três correntes. A primeira defende que sim, porém acredita que o defensor do réu tem o direito de participar da audiência. A segunda corrente defende ser possível a oitiva do infiltrado em audiência como testemunha anônima, vedando até a participação do defensor do réu. Doutrina que defende tal corrente diz que, para que se proteja a integridade física do agente de polícia, seus dados serão mantidos sob sigilo até do advogado de defesa. A linha de raciocínio dessa corrente, além de proteger a integridade física do policial, possibilita que ele seja infiltrado em outras operações. Por último, a terceira corrente defende não ser possível a oitiva como testemunha anônima, pois é direto do réu e seu defensor a participação na audiência, sob alegação de que não se pode admitir uma testemunha sem rosto.

Ocorre que tal sigilo é direito do agente de polícia, sendo a lei clara que seus dados pessoais devem ser preservados durante a investigação e o processo criminal (Art. 14, III). Entende-se ainda que, sendo necessária a oitiva do agente infiltrado como testemunha anônima, é razoável que essa audiência seja realizada antecipadamente, utilizando uma interpretação analógica do Art. 19-A da Lei nº 9.807/99. 

Há ainda o direito ao agente de não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito. Esse direito visa proteger seus dados pessoais e sua imagem da imprensa em geral. Com isso, observou-se alguns direitos trazidos pela lei que darão maior segurança à vida do policial. 


8 CONCLUSÃO 

O presente trabalho visou analisar a técnica especial de investigação criminal que envolve a infiltração de agentes no ordenamento jurídico brasileiro, do ponto de vista legal, doutrinário e jurisprudencial. 

Para isso foi levantado seu amparo no ordenamento jurídico brasileiro nas diversas leis que adotam a infiltração como meio extraordinário de obtenção de provas, bem como apresentado um conceito de infiltração de agentes. Foi apresentado quem pode atuar como agente infiltrado e os principais crimes que se admitem a infiltração na espécie presencial e virtual. Foi analisada a parte operacional e procedimental da infiltração; discorreu-se sobre a responsabilidade criminal do agente infiltrado, mostrando a importância do nexo entre a proporcionalidade e a finalidade da investigação, abordando sobre o estrito cumprimento do dever legal como excludente da ilicitude e sobre a inexigibilidade de conduta diversa como excludente da culpabilidade; e, por último, foram apontados alguns casos concretos recentes em que foi utilizada a infiltração presencial e virtual, bem como os riscos para o policial e seus direitos. 

Ficou constatada, principalmente ao abordar algumas operações originadas de infiltrações policiais, a importância do tema para o êxito da investigação criminal, haja vista que tem sido cada vez mais difícil o acesso às fontes de provas, sendo necessárias técnicas modernas e especiais de investigação criminal. Destaca-se que o êxito da investigação contribui para a efetividade do trabalho da polícia judiciária e, consequentemente, do Poder Judiciário, gerando mais segurança e justiça à sociedade. 

Verificou-se como é fundamental para o êxito da investigação e, principalmente, para a segurança do agente de polícia o sigilo da operação e a segurança das informações pessoais do agente. Por isso, a importância do respeito aos direitos do agente infiltrado. Vale destacar que, na infiltração presencial, o policial tem o direito de se recusar a participar da operação, logo, sendo ele voluntário demonstra seu alto grau de profissionalismo e comprometimento com o interesse público em detrimento de seus interesses pessoais. 

Com isso, pode-se concluir que a técnica de infiltração de agentes é um meio eficaz, que deve ser utilizado, sempre que possível, tendo em vista ser um meio subsidiário. Conclui-se ainda que muito há de se aprofundar no presente tema, não sendo possível tratá-lo de forma detalhada apenas neste trabalho. Deve ser analisado não só seu aspecto puramente jurídico, mas também no âmbito da psicologia e sociologia jurídica, pois tal trabalho lida com a vida de cidadãos, seja o policial ou as pessoas investigadas. 


REFERÊNCIAS 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: Acesso em: 06/11/2017. 

BRASIL. Decreto-Lei n° 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 06/11/2017. 

BRASIL. Decreto-Lei n° 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Aceso em: 06/11/2017. 

BRASIL. Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Disponível em:  Acesso em: 06/11/2017. 

BRASIL. Lei nº 13.441, de 08 de maio de 2017. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para prever a infiltração de agentes de polícia na internet com o fim de investigar crimes contra a dignidade sexual de criança e de adolescente. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2017/lei/L13441.htm>. Acesso em: 06/11/2017. 

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Deep web: Trata-se de internet profunda. “Nada mais é do que a parte da rede cujo conteúdo não está disponível ou indexado nos principais mecanismos de pesquisa (Google, Bing, Yahoo). Ela é formada por milhões de páginas, com dimensão inimaginável...” SHIMABUKURO, op. cit., p. 255. 53 

TOR (The Onion Router): “O projeto TOR é uma ferramenta gratuita e de fácil acesso para navegação anônima e tem como principais usuários utilizadores domésticos, ativistas, estudantes e departamentos policiais. (...) A rede TOR tem três aspectos positivos que garantem a privacidade: remetente e destinatário da comunicação não conhecem os servidores que serão utilizados para a transmissão da mensagem; o número de nós utilizados é flutuante, o que dificulta a espionagem; e os usuários podem se tornar nós de si próprios, o que dificulta o monitoramento de todos os nós e aumenta a eficiência da estrutura.” SHIMABUKURO, Adriana. SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. (Org.); SHIMABUKURO, op. cit., p. 258. 



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MACEDO, Rômulo. A infiltração de agentes como meio extraordinário de obtenção de provas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5695, 3 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68030. Acesso em: 25 abr. 2024.