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A condenação do Brasil no caso da Guerrilha do Araguaia pela Corte Interamericana de Direitos Humanos

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Agenda 15/03/2012 às 17:03

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Vamos em frente pátria, eu te acompanharei. Descerei aos abismos que me indicares. Beberei teus cálices amargos. Ficarei cego para que tenhas olhos. Perderei a voz para que tu cantes. Hei de morrer para que não morras”. (Otto René Castillo – Poeta Guatemalteco).

“...Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos. Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam. Estamos saindo da treva para a luz. Vamos entrando num mundo novo, um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah. A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah. Ergue os olhos” (Charles Chaplin- Discurso final em “O grande ditador”).

Que a partir de Sentenças exemplares como a proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, condenando o Brasil no caso da “Guerrilha do Araguaia”, nosso Supremo Tribunal Federal (STF) possa compreender de uma vez por todas, que crimes de lesa-humanidade não são suscetíveis de serem anistiados, além de serem imprescritíveis.

Esperamos do Estado Brasileiro o efetivo cumprimento das obrigações impostas na respeitável Sentença ora examinada, embora tenhamos uma ausência de fé oceânica quanto a isso. Peço licença para fazer minhas as sempre lúcidas e brilhantes palavras adiante proferidas por Walter Maierovitch[13]: Como todos sabem trata-se de uma Corte de Justiça, com jurisdição internacional. Ou melhor, a Corte Interamericana tem competência para declarar, em matéria de direitos humanos, o direito aplicável no âmbito dos estados membros da Organização dos Estados Americanos que a aceitaram, como é o caso do Brasil o fez em dezembro de 1998.

O Brasil é subscritor da Convenção Americana de Direitos Humanos. Mais ainda, expressamente aceitou a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Uma comparação. Por força da Convenção de Roma de 18 de julho de 1998 foi constituído o Tribunal Penal Internacional. Apenas sete Estados membros da Organização das Nações Unidas, como por exemplo Estados Unidos, China, Israel e Índia, não aceitam a jurisdição do TPI. Como consequência da não aceitação, os sete Estados referidos estão fora da jurisdição do TPI. Portanto, o TPI, por falta de legitimação, não pode instaurar processos contra esses Estados. Ainda que tenham sido consumados crimes de genocídio, de guerra, delitos contra a humanidade e crimes de agressões internacionais: esses crimes estão na competência do TPI.

O Brasil aceita a jurisdição internacional do TPI. Portanto, está sujeito à sua jurisdição. O mesmo acontece com a Corte Interamericana de Direitos Humanos. E a jurisdição internacional, ocorrida a aceitação pelo Estado, prevalece sobre a nacional. É hierarquicamente superior. No caso de conflito entre a decisão nacional e a de Corte internacional competente, prevalecerá a internacional: o STF recentemente entendeu legítima a Lei de Anistia de 1979, que nada mais foi que uma autoanistia preparada e imposta pelo ilegítimo governo militar. A Corte Interamericana, com relação ao Araguaia, entende diversamente. Assim, prevalece a decisão da Corte Interamericana. Sobre essa obviedade, já cansou de explicar o professor Fábio Conder Comparato. Com efeito. A jurisdição internacional, da Corte Interamericana, é vinculante e prevalente. Em outras palavras, vale a decisão da Corte Interamericana relativamente aos desaparecidos do Araguaia.

Vale a decisão da Corte porque nossa própria Constituição, dispõe expressamente sobre o tema dos tratados e Convenções Internacionais, na parte final do artigo 5º, da nossa atual CF/88, in litteris:

“§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”. (grifamos)

Trata-se de um bloco de constitucionalidade que mesmo fora do texto escrito constitucional, tem a sua força normativa. Sobre este bloco, ou seja, cada sistema constitucional em cada Estado, assim disse Germán Bidart Campos[14], o maior constitucionalista argentino:

“...é um conjunto normativo que parte da Constituição, e que acrescenta e contem disposições, princípios e valores que são materialmente constitucionais fora do texto da Constituição escrita. O bloco de constitucionalidade federal argentino, com idêntica hierarquia constitucional e ocupando a cúpula do ordenamento, está integrado pela Constituição e os instrumentos internacionais do inc. 22.º do art. 75. Tais tratados não chegam a formar parte do texto da Constituição federal e ficam fora dele, no bloco de constitucionalidade federal, e compartem com ele a mesma supremacia”.

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Registre-se que o mesmo Professor Bidart Campos[15], ao falar de Direito Constitucional, afirma que a Constituição manda, proíbe, permite, obriga, vincula, ou seja, tem força normativa ou vigor normativo.

Finalizamos lembrando as felizes palavras proferidas pelo eminente Juiz Ad-Hoc, Dr. Roberto de Figueiredo Caldas, que consignou em seu voto na Sentença da CIDH:

“É preciso ultrapassar o positivismo exacerbado, pois só assim se entrará em um novo período de respeito aos direitos da pessoa, contribuindo para acabar com o círculo de impunidade no Brasil. É preciso mostrar que a Justiça age de forma igualitária na punição de quem quer que pratique graves crimes contra a humanidade, de modo que a imperatividade do Direito e da Justiça sirvam sempre para mostrar que práticas tão cruéis e desumanas jamais podem se repetir, jamais serão esquecidas e a qualquer tempo serão punidas”.

Tortura. Lesão. Mortes. Desaparecimento forçado de pessoas. NUNCA MAIS!


Notas

[1] Corte INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. CASO GOMES LUND E OUTROS (“GUERRILHA DO ARAGUAIA”) VS. BRASIL. SENTENÇA DE 24 DE NOVEMBRO DE 2010.

[2] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Estructuras Judiciales. Buenos Aires: Ediar, 1994. Capítulo I, página 12.

[3] Artigo 5º, II, da Constituição Federal, dispondo “que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

[4] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Estructuras Judiciales. Buenos Aires: Ediar, 1994. Capítulo IV, página 11-12

[5] http://direitosfundamentais.net/2011/02/17/guerra-de-gigantes-stf-versus-cidh-lei-de-anistia

[6] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Estructuras Judiciales. Buenos Aires: Ediar, 1994. Capítulo I, página 17-18

[7] Notícias STF - Quinta-feira, 29 de abril de 2010<site.www.stf.gov.br>

[8] http://atemporalizando.blogspot.com/2010/04/decisao-do-stf-sobre-lei-da-anistia-e.html-30.04.2010

[9]http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/STF+nega+rever+Lei+da+Anistia+e+punir+torturadores+da+ditadura.html

[10] FELIPE RECONDO - Agência Estado, em 15 de dezembro de 2010

[11] Jornal o Estado de São Paulo. Publicado em: 17/06/2011

[12] KELSEN, Hans. La garantía jurisdiccional de La Constitución (la justicia constitucional). Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional. Número 10, julio-diciembre de 2008, páginas 26-27

[13] Matéria publicada originalmente na coluna do Wálter Maierovicth no portal Terra- http://www.cartacapital.com.br/politica/corte-interamericana-nao-e-bananeira-como-imagina-jobim-suas-de-cisões-obrigam-o-brasil- 17 de dezembro de 2010

[14] BIDART CAMPOS, Germán José. Manual de la Constitución reformada., Buenos Aires: Ediar, 1996, p. 276.

[15] BIDART CAMPOS, Germán Jose. Compendio de Derecho Constitucional. Buenos Aires. Ediar, 2008, p. 13.

Sobre o autor
Marcos José Pinto

Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Mestrando em Direito Processual e Cidadania pela Unipar. Especialista em Direito Processual Penal pelo Instituto Nacional de Pós-Graduação e em Direito Penal e Processual Penal Militar pela Universidade Cândido Mendes. Professor de Direito Processual Penal I e II, na UFMS, em 2004, e de Direito Penal Militar-Parte Geral, na então Escola de Administração do Exército (EsAEx), em 2006. Membro da Coordenação do Núcleo Estadual (pelo MPM/MS) e do Banco de Docentes da Escola Superior do Ministério Público da União-ESMPU.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Marcos José. A condenação do Brasil no caso da Guerrilha do Araguaia pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3179, 15 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21291. Acesso em: 23 dez. 2024.

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