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O sistema especial de inclusão dos trabalhadores de baixa renda na previdência social.

Análise sob o enfoque dos princípios constitucionais relativos à seguridade social e à previdência social

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Agenda 18/07/2012 às 15:08

13. Da equidade na forma de participação no custeio.

Dentro do estudo sistemático do novo regime de inclusão previdenciária estabelecido pela Lei nº 12.470/11, assume especial relevo o princípio na equidade na forma de participação no custeio da Seguridade Social.

Sobre o princípio, José A. Savaris escreve que

“esta equidade, bem de ver-se, mais do que igualdade e, para além de apenas reafirmar o princípio fiscal da capacidade contributiva, carrega a idéia de que no domínio do financiamento da Seguridade social, o conteúdo da obrigação de recolhimento das contribuições leva em consideração a capacidade de prestar solidariedade (superioridade ou inferioridade econômica) e, também, a probabilidade de a atividade produzida gerar riscos de subsistência”[25].

Este princípio norteia a instituição das contribuições sociais, relacionando-as à capacidade de determinada categoria ou contribuinte prestar solidariedade, bem como ao risco social referente a cada contribuinte. Nesta perspectiva, este princípio é considerado um reflexo da isonomia tributária no Sistema de Seguridade Social.

Quanto ao princípio da isonomia Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que

“A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes”[26].

Por meio deste princípio, o que a ordem jurídica pretende firmar é a impossibilidade de desequiparações fortuitas ou injustificadas. Visa propiciar garantia individual e tolher favoritismos[27].

Alexandre de Moraes faz considerações importantes quanto ao tema:

“A Constituição Federal de 1988 adotou o Princípio da Igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito”[28].

No Sistema de Seguridade Social a equidade impõe, além da consideração da capacidade contributiva do contribuinte, considerações acerca do risco social provocado pelo sujeito passivo[29].

Segundo Wagner Balera,

“o legislador deverá, sempre e necessariamente, em nosso entender, encontrar técnicas de tributação que não apenas revelem as riquezas existentes, mas, além disso, identifiquem nelas parcelas que, excedendo o necessário, devem ser repartidas com a comunidade na qual se insere o contribuinte”[30].

Não restam dúvidas, portanto, que as regras previstas no §12 e §13, primeira parte, do artigo 201 da CF, regulamentadas pela Lei nº 12.470/11, identificam-se plenamente com o princípio da equidade na forma de participação no custeio do sistema, na medida em que desonera os trabalhadores de acordo com os seus rendimentos ou situação econômica familiar.


14.Da solidariedade.

A solidariedade, princípio informador da Seguridade Social como um todo, se expressa preponderantemente no campo do custeio através do seu financiamento por toda a sociedade, conforme preceitua o artigo 195 da Constituição Federal.

Nas palavras de Leandro Paulsen,

“podem as pessoas físicas e jurídicas ser chamadas ao custeio em razão da relevância social da seguridade, independentemente de terem ou não relação direta com os segurados ou de serem ou não destinatárias de benefícios. A Seguridade social, pois, tal como organizada no Brasil, é inspirada no princípio da solidariedade”[31].

O princípio da solidariedade caracteriza-se pela cotização coletiva em prol daqueles que, participando do sistema, se encontram em necessidade social, justificando um sistema de desoneração dos segurados de baixa renda, que possuem uma reduzida capacidade contributiva.


15.Do princípio da contrapartida.

O princípio da contrapartida, constitucionalmente previsto no artigo 195 §5º, estabelece a impossibilidade de criação, majoração ou ampliação de benefícios ou serviços no âmbito da seguridade social sem a correspondente fonte de custeio prévia. Trata-se de princípio direcionado ao legislador infraconstitucional e demanda, quando da criação, majoração ou ampliação de qualquer benefício ou serviço, a identificação da correspondente fonte de custeio, sob pena de desequilíbrio financeiro do sistema de seguridade social (e evidente inconstitucionalidade da norma instituidora ou ampliadora da benesse).

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Especificamente no que tange à lei 12.470/2011, duas questões devem ser levantadas. A primeira diz respeito à subsunção do sistema de inclusão previdenciária ao disposto no artigo 195 § 5º da CF. A segunda se refere à existência de previsão legal quanto às fontes de custeio deste novo sistema.

A dificuldade na elaboração de uma resposta no que diz respeito ao cumprimento do princípio da contrapartida se deve ao fato de não se visualizar na lei nº 12.470/11, de plano, uma das situações estabelecidas no artigo 195 §5º da CF. Com efeito, a redução de alíquota da contribuição social não corresponde, ao menos diretamente, à criação, majoração ou extensão de benefício ou serviço.

Trata-se, como exposto, de uma redução constitucionalmente prevista da contribuição devida por específica classe de segurados. Por outro lado, não há dúvida de que se trata de uma hipótese legal de renúncia fiscal por parte do Estado, na medida em que se desonera parcela dos segurados do sistema previdenciário.

Deste ponto de visto, no nosso entendimento, a redução de alíquotas para os segurados de baixa renda deve observar o disposto no artigo 195 §5º da CF, na medida em que gera uma redução de receitas e conseqüente desequilíbrio financeiro, o que demanda a indicação, pelo legislador, de fonte de custeio prévia apta a equilibrar o sistema.

Quanto ao tema, a mensagem nº 93 da Presidência da República, relativa à Medida Provisória nº 529, de 7 de abril de 2011 (que reduziu a alíquota da contribuição social do microempreendedor individual para 5%) afirma que

“com relação ao art. 14 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), cabe informar que a renúncia de receita decorrente do disposto nesta Medida Provisória será de R$ 276 milhões para o ano de 2011 e R$ 414 milhões nos anos de 2012 e 2013. A renúncia será compensada com o aumento de arrecadação de R$ 140 milhões decorrente da edição dos Decretos nº 7.455, de 25 de março de 2011, e nº 7.456, de 25 de março de 2011, remanescente da compensação efetuada com a estimativa de renúncia da Medida Provisória nº 528, de 25 de março de 2011. Já os R$ 136 milhões restantes serão advindos da edição do Decreto nº 7.457, de 6 de abril de 2011.”

Portanto, não resta dúvida quanto a necessidade de observância do princípio da contrapartida nas hipóteses de renúncia fiscal através de redução de alíquotas, na medida em que se visualiza um desequilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, o que, inclusive, foi observado quando da edição da Medida Provisória nº 529/11.

No entanto, quando da conversão de citada Medida Provisória em lei, acolheu-se a Emenda nº 2, de autoria das Senadoras Gleisi Hoffmann, Ângela Portela, Ana Rita, Luci Choinacki e Benedita da Silva, com a conseqüente extensão da alíquota de 5% também para as donas de casa de baixa renda. Quando da apreciação de referida emenda, o relator assim dispôs:

A emenda nº 2 é oportuna e meritória, pois visa suprir lacuna de regulamentação de dispositivo constitucional. Quanto à adequação orçamentária e financeira, entendemos que não haverá redução na receita previdenciária, pois, se de um lado, alguns segurados facultativos passarão a recolher sobre valor inferior, de outro, haverá milhares de novos segurados que não tinham condições de contribuir e, agora, com a alíquota reduzida, terão condições de contribuir para o sistema previdenciário.

Não obstante no entendimento exposto no relatório final que precedeu a conversão da Medida Provisória nº 529/11 na Lei nº 12.470/11, evidente que a redução das alíquotas para os segurados facultativos de baixa renda arrolados no §12 do artigo 201 da CF constitui uma renúncia à contribuição social e gera um desequilíbrio no sistema, na medida em que se reduz o montante dos ingressos e se amplia o número de futuros beneficiários.

Evidencia-se, portanto, uma afronta ao princípio da contrapartida, na medida em que se amplia o rol de segurados (e futuros beneficiários) e, por outro lado, se reduz o valor da contribuição.

Reflexamente, a redução da contribuição implica em um desequilíbrio do sistema previdenciário nacional, matéria que analisaremos a seguir, relativa aos princípios específicos da Previdência Social.


16. Do Caráter Contributivo da Previdência Social.

A contributividade na Previdência Social impõe que os próprios beneficiários e demais atores sociais envolvidos na relação de trabalho sejam chamados a financiar este sistema de proteção social de forma preponderante. Trata-se de uma característica exclusiva da Previdência Social, não sendo aplicada às áreas da Saúde e Assistência Social.

Segundo Paul Durand,

“o pagamento de uma contribuição especial, distinta dos impostos gerais, produz nos beneficiários um claro sentido de que estão participando nos gastos de cobertura dos riscos sociais. A contributividade impede a crença de que as prestações são benefícios gratuitos concedidos pelo Estado, sendo este aspecto psicológico um elemento que não pode ser minimizado”[32].

Assim, o caráter contributivo colabora para o envolvimento direto de toda a sociedade na proteção social e enfatiza o direito à Previdência Social como um direito público subjetivo.

O contributividade não impõe um caráter bilateral, sinalagmático, à previdência social. Esta característica do sistema previdenciário apenas coloca o trabalhador como um dos alicerces do sistema de financiamento da Previdência Social e condiciona a concessão de alguns benefícios à comprovação de um determinado número de contribuições, como forma de manutenção do sistema pelos próprios beneficiários.

Este princípio não impõe ao segurado a obrigatoriedade de arcar com todo o custo da manutenção futura de seu benefício (o que se relaciona com a noção de capitalização). Impõe, tão somente, que o segurado seja também chamado a contribuir para o Regime previdenciário de proteção.

Nesta medida, considerando o universo de atores sociais que são chamados a financiar a seguridade social (artigo 195 da CF), não se afigura uma afronta ao caráter contributivo a redução da alíquota para os microempreendedores individuais e donas de casa de baixa renda.


17. Da Preservação do Equilíbrio Financeiro e Atuarial da Previdência Social.

A introdução do preceito da necessidade de equilíbrio financeiro e atuarial no artigo 201 da CF por meio de Emenda Constitucional nº 20/98 teve como propósito direto estabelecer uma meta de equilíbrio entre as receitas e despesas do sistema previdenciário.

Este preceito vai além do princípio da contrapartida, estabelecido no artigo 195 §5º da CF, tendo em vista que busca equacionar as receitas e despesas do sistema em uma perspectiva dinâmica, ou seja, ao longo do tempo, ao contrário do princípio da contrapartida, focado preponderantemente no momento da criação ou majoração de benefício ou serviço.

O equilíbrio financeiro e atuarial visa essencialmente manter, ao longo do tempo, o equilíbrio entre os valores arrecadados pelo sistema e as respectivas despesas.

Este preceito, no nosso entendimento, é intrínseco aos modelos de proteção social que adotam um regime de repartição, baseado no pacto intergeracional. Isto porque, nestes modelos, o pagamento de benefícios atuais é financiado pelas contribuições vertidas pelos trabalhadores e demais segurados em atividade. O contínuo desequilíbrio tem como consequência inevitável a ruptura do modelo ou sua incapacidade de arcar com as despesas de pagamento dos benefícios.

Desta forma, o preceito insculpido no artigo 201 da Constituição Federal veio tão somente reafirmar a necessidade de manutenção do equilíbrio entre receitas e despesas no âmbito da Previdência Social e, somado ao princípio contido no artigo 195 § 5º da CF, procura preservar o sistema protetivo para as futuras gerações.

Neste ponto reside um dos principais problemas do novo sistema de inclusão previdenciária estabelecido pela Lei nº 12.470/11. Isto porque, como exposto, há por parte do Estado uma renúncia à arrecadação, reduzindo-se a alíquota das contribuições sociais devidas pelo microempreendedor individual e da contribuição facultada às donas de casa de baixa renda.

Não resta dúvida que este mecanismo, num primeiro momento, amplia o número de segurados e, consequentemente, das receitas previdenciárias. No entanto, num médio e longo prazo, este grupo de contribuintes tende naturalmente a se tornar beneficiário do regime, ampliando as despesas sem um correspondente e adequado aporte financeiro ao sistema.

Além disso, este necessário equilíbrio deve existir especificamente dentro do orçamento da seguridade social, indicando-se novas fontes de receitas aptas a cobrirem a renúncia fiscal derivada da Lei nº 12.470/11, o que não se visualiza na análise de referida lei ou da medida provisória precedente[33].

No entanto, em razão da atual organização orçamentária, da inexistência de um orçamento específico da Previdência Social, da existência da chamada desvinculação de Receitas de União, entre outros fatores, o que se observa é a impossibilidade de verificação e controle do equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social. Este fato leva a um crescente discurso de déficit previdenciário e sistemática criação de mecanismos redutores dos benefícios previdenciários com valor superior ao salário mínimo, tendo como fundamento, justamente, a falta de recurso para a manutenção de um sistema protetivo integral que dê segurança econômica a todos os segurados, segundo seu histórico contributivo.

Ainda mais polêmica, a redução da carência para a concessão de benefício aos segurados microempreendedores individuais e às donas de casa de baixa renda (medida ainda não implantada pelo legislador infraconstitucional). Isto porque, esta medida inegavelmente ampliará as possibilidades de concessão de benefícios no âmbito do Regime Geral de Previdência Social e, consequentemente, terá como reflexo a majoração das despesas do regime, devendo, portanto, ser respaldada por mecanismos compensatórios (artigo 195 §5º da CF). Quanto à redução da carência no sistema de inclusão previdenciária, trataremos melhor do tema no item seguinte.

Sobre o autor
José Francisco Furlan Rocha

Procurador Federal, bacharel em direito pela UNESP, mestrando em Direito Previdenciário pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, José Francisco Furlan. O sistema especial de inclusão dos trabalhadores de baixa renda na previdência social. : Análise sob o enfoque dos princípios constitucionais relativos à seguridade social e à previdência social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3304, 18 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22238. Acesso em: 22 nov. 2024.

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