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Direito de livre expressão vs. direito à honra, vida privada e intimidade

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Agenda 05/06/2014 às 15:29

4. COTEJO JURISPRUDENCIAL E ANÁLISE DE CASOS

4.1 Uso não autorizado de imagem - Sensacionalismo

No julgamento a seguir, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais pautou-se pelo critério de ética e proporcionalidade entre o dever de informar e o direito do indivíduo. Entendeu o relator que, em que pese ser verídica a reportagem, a exposição de adolescente e de sua família, sensibilizada com o falecimento recente deste, não justifica o interesse público e foge do objetivo precípuo da imprensa, qual seja o noticioso, para enveredar pela via do sensacionalismo.

INDENIZAÇÃO - DANO MORAL - IMPRENSA - DIREITO À IMAGEM - PRESERVAÇÃO DA INTIMIDADE - DIVULGAÇÃO ABUSIVA - EXTRAPOLAÇÃO DO ANIMUS NARRANDI - IDENTIFICAÇÃO DE ADOLESCENTE A QUE SE ATRIBUI A PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL - VEDAÇÃO - INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 143 E 247 DO ECA - QUANTUM INDENIZATÓRIO - CRITÉRIOS. O animus narrandi exclui a culpa e ocorre, quando a realização da reportagem tem conteúdo meramente informativo, procurando noticiar os fatos ou esclarecer o público a respeito de práticas nocivas, sem, contudo, enveredar na intimidade da vida privada do cidadão ou expor sua imagem, de forma sensacionalista. Assim, quem pratica pela imprensa abuso no seu exercício, violando o direito de outrem, responde pelos prejuízos a que deu causa, impondo-se sejam reparados os danos, inexistindo, sob esse ponto, ofensa ao texto constitucional que assegura a liberdade de imprensa. Fere os mais elementares princípios da responsabilidade ética, a reportagem que não respeita o direito de um pai padecer a sua dor e, ainda mais, que tenha tirado proveito econômico da utilização de sua imagem, sem o seu consentimento e sob os seus protestos, ao lado corpo do filho menor, assassinado em frente de sua residência, incorrendo, portanto, na mácula de locupletamento ilícito à custa do sofrimento alheio, ou de enriquecimento injusto, já que tais noticiários com suas ilustrações fotográficas atraem cada vez mais leitores, por despertar a curiosidade mórbida do público. O parágrafo único do art. 143, da Lei 8069/90, veda, ao se veicular notícias que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua a autoria de ato infracional, além de sua identificação, a divulgação de fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome, respondendo o responsável pelas penalidades do art. 247 do diploma estatutista, bem como pelos danos morais daí advindos, segundo as regras do direito comum. Encontra-se de há muito sedimentado em nossos pretórios o entendimento de que, após a vigência da Constituição de 1988, em se tratando de ação de indenização por dano moral provocado pela imprensa, com espeque em direito comum, não está a verba indenizatória sujeita aos parâmetros traçados pelas disposições da Lei de Imprensa, devendo o juiz arbitrá-lo ao seu prudencial critério, em adstrição aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.49

4.2 Imprudência / negligência na apuração da informação divulgada

No caso a seguir, o veículo jornalístico reputou como criminoso cidadão que não se enquadrava em tal categoria legal. A falta de zelo em apurar corretamente os fatos e se acercar dos cuidados mínimos para a reprodução fidedigna da verdade, causando constrangimento a terceiro sem que o mesmo houvesse concorrido para tanto, insere-se na órbita do dano moral indenizável, de acordo com o desembargador Unias Silva, do TJ-MG.

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS DECORRENTES DE PUBLICAÇÃO EM JORNAL - NOTÍCIA CRIME - OFENSAS IMPUTADAS AO ACUSADO - PREJULGAMENTO -BANCO- INDENIZAÇÃO DEVIDA - FIXAÇÃO DO QUANTUM. Deve ser indenizado o indivíduo, que tem o seu nome publicado em reportagem de jornal, como sendo criminoso, isto, após ter sido oferecida notícia-crime, e o pior, pelo conteúdo da referida reportagem, já o têm como condenado. Constitui verdadeiro abuso, o Banco publicar reportagem em jornal, denegrindo a imagem de cliente, e sob o rótulo de coibir a inadimplência, amedrontar seus clientes devedores.50

De outra sorte a ação indenizatória promovida por cidadão desgostoso contra publicação que informou a respeito de sua participação na qualidade de indiciado em inquérito que apurava prática de estelionato. Como se tratava de informação pública e prestada corretamente,, entendeu o desembargador Stanley da Silva Braga, que o veículo noticioso pautou-se pela razoabilidade e apenas exerceu um direito regular seu, qual seja o de informar.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DA COMUNICAÇÃO DE CRIME À AUTORIDADE POLICIAL. SUPOSTO ESTELIONATO. COMPRA FRAUDULENTA DE PNEUS. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL PARA APURAÇÃO DOS FATOS NOTICIADOS PELA EMPRESA REQUERIDA. AUSÊNCIA DE IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA ESPECIFICAMENTE AO AUTOR. POSTERIOR CONCLUSÃO ATINGIDA PELA AUTORIDADE POLICIAL E MINISTÉRIO PÚBLICO, QUE OFERECEU DENÚNCIA. CONDUTA DA DEMANDADA QUE SE LIMITOU À COMUNICAR A OCORRÊNCIA DE CRIME. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. ILICITUDE NÃO CONFIGURADA. POSTERIOR DIVULGAÇÃO EM JORNAL LOCAL DO NOME DO AUTOR E DE SUA IMAGEM COMO PARTÍCIPE DE CRIME DE ESTELIONATO. INEXISTÊNCIA DE LIGAÇÃO DA EMPRESA REQUERIDA (VÍTIMA DO SUPOSTO ESTELIONATO) COM A VEICULAÇÃO DA MATÉRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO CONFIGURADA. DEVER DE INDENIZAR AFASTADO. REDUÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPOSSIBILIDADE - OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - INTELIGÊNCIA DO ART. 20, §§ 3º e 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. A provocação da autoridade policial a fim de que seja apurada suposta prática de furto é um direito não apenas do lesado, como de toda e qualquer pessoa do povo (art. 5º, II e § 3º, do CPP). Diante disto, a jurisprudência tem entendido quase que unanimemente como descabida a indenização ao indiciado por danos decorrentes de inquérito policial posteriormente arquivado, a menos que aquele que deu causa à instauração tenha, comprovadamente, agido dolosamente ou de má-fé.51

4.3 Apuração de fato desfavorável a funcionário público no exercício de cargo

Na jurisprudência colacionada abaixo, os ministros do STJ não reconheceram o pleito indenizatório de promotor público investigado por superiores no exercício de sua função. Em vista da acuidade da informação e do interesse público, o entendimento foi o de que o veículo jornalístico atuou no limite de seu papel, exercendo seu direito constitucional de emitir opiniões (positivas ou negativas) sobre fato público, atuando, inclusive, no papel de fiscal do povo.

PROCESSO CIVIL. INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. 1) AÇÃO DEINDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MATÉRIA JORNALÍSTICA CONSIDERADALESIVA À HONRA DO AUTOR, MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 2) RECURSOESPECIAL. VALORAÇÃO DA PROVA INQUESTIONADA, CONSTITUÍDA DE ESCRITOS.ADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE OBSTÁCULO NA SUMULA 7 DO STJ; 3) NARRATIVA PURA DE FATOS OCORRIDOS, NÃO PROTEGIDOS POR SIGILO LEGAL.MEROS TRANSTORNOS E ABORRECIMENTOS DECORRENTES DE EXPOSIÇÃO PÚBLICA.1.- A publicação, desacompanhada de opinações e comentários depreciativos do jornal, de série de reportagens relativas ao fato de investigação dos órgãos superiores do Ministério Público a respeito de alegada divulgação de questões do Concurso de Ingresso na carreira pelo autor, então integrante da Comissão Examinadora,não configura dano moral ao autor, cuja honorabilidade restou intacta, proclamada, inclusive, por testemunhos pessoais de julgadores no Acórdão recorrido.2.- Inexistência de violação ao direito à intimidade e a sigilo do ocorrido.3.- Atos que se inseriram na estrita liberdade de imprensa,constitucionalmente assegurada. 4.- Violação aos arts 175 e 1.547/CC 1916 reconhecida. 5.- Recurso Especial provido. Improcedência da ação indenizatória.52

Outro destino teve ação movida em São Paulo por magistrada contra a apresentadora Ana Maria Braga, que, em seu programa televisivo diário, teria imputado à reputação profissional da juíza atributos desabonadores pelo fato da magistrada ter cumprido o que dispõe a lei penal, quando esta decretou a liberdade provisória de réus. Neste caso, o colegiado bandeirante verificou um ânimo voltado contra a figura da magistrada, quer por ignorância da lei, quer por má fé, no intuito de prejudicar a sua imagem profissional, condenando a apresentadora e a rede Globo ao pagamento da indenização compensatória.

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - LEGITIMIDADE DA CORRÉ/ APRESENTADORA PRESENTE - APLICAÇÃO DA SÚMULA 221 DO STJ - RÉ, QUE EM PROGRAMA DE TV, CRITICA DECISÃO JUDICIAL, CITANDO O NOME DA JUÍZA/AUTORA, ARGUMENTANDO QUE ESTA LIBEROU CRIMINOSO POR BOM COMPORTAMENTO O QUE VEIO ACARRETAR A MORTE DA VÍTIMA – FATOS RELATADOS PELA CORRÉ APRESENTADORA INFUNDADOS - DECISÃO JUDICIAL QUE SE EMBASOU EM DEPOIMENTO DA PRÓPRIA VITIMA, QUE AFIRMOU A AUSÊNCIA DE PERICULOSIDADE DO CONDENADO - NOTÍCIA TENDENCIOSA E SENSACIONALISTA QUE TENTOU FAZER COM QUE OS TELESPECTADORES INSURGISSEM-SE CONTRA A AUTORA - DANOS MORAIS EVIDENTES – VALOR ARBITRADO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO CONDIZENTE COM A POSIÇÃO SOCIAL DA AUTORA E A MAGNITUDE DAS CORRÉS, TENDO CARÁTER PUNITIVO E COIBITIVO – REITERAÇÃO DOS TERMOS DA SENTENÇA PELO RELATOR - ADMISSIBILIDADE - SENTENÇA MANTIDA - ADEQUADA FUNDAMENTAÇÃO - PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL - INTELIGÊNCIA DO ART. 252 DO REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. RECURSO IMPROVIDO.53

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4.4 Animus narrandi como excludente da responsabilidade civil

No julgado a seguir, o TJ-SP eximiu o programa “Fantástico” da rede Globo da responsabilização civil por matéria que alertou para a aplicação de terapia determinada por profissionais não habilitados na área da saúde. A intenção, segundo o desembargador relator, foi o de informar, não se configurando o dolo nem a má-fé e, ao contrário, possuindo relevante contribuição para o interesse público.

RESPONSABILIDADE CIVIL. Pedido (rejeitado) de indenização por danos morais decorrentes dos efeitos de reportagem jornalística levada ao ar em programa televisivo de elevada audiência (Fantástico) Jornalista que agiu no exercício da obrigação de informar sobre terapia ortomolecular aplicada por profissionais não médicos Animus narrandi de assunto de interesse público e que não gera dano moral para a administradora de empresas flagrada nessa atividade - Não provimento.54

4.5 Ofensas irrogadas em programa que veicula debate entre rivais

No caso ventilado abaixo, um político sentiu-se ofendido por imputação feita por rival em programa de rádio cujo objetivo era o de promover o debate entre ambos. O desembargador Neves Amorim concluiu que não se afigura o dever do órgão de imprensa de indenizar, tendo em vista que integra o cotidiano do homem público a suscetibilidade a críticas, sobretudo realizada em debate por antagonista político.

RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS REQUERENTE QUE PLEITEIA INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE OFENSAS NOTICIADAS EM PROGRAMA RADIOFÔNICO - INOCORRÊNCIA - PARTES QUE SÃO RIVAIS POLÍTICOS - RÉU, QUE DIANTE DAS CRÍTICAS EMITIDAS PELO AUTOR EM JORNAL DE SUA PROPRIEDADE, USOU DE PROGRAMA DE RÁDIO PARA EXERCER SEU DIREITO DE RESPOSTA - AUSÊNCIA DE EXCESSO E OFENSA AO PATRIMÔNIO MORAL DO AUTOR - suscetibilidade às críticas, por parte do agente público, que não corresponde àquela do homem médio - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.RECURSO IMPROVIDO.55/p>

Em contrapartida, a ministra Nancy Andrighi já relatou acórdão no sentido de que há um limite de proteção à vida privada que ainda sim as figuras públicas gozam:

Civil. Recurso Especial. Compensação por danos morais. Ofensa à honra. Político de grande destaque nacional que, durante CPI relacionada a atos praticados durante sua administração, é acusado de manter relação extraconjugal com adolescente, da qual teria resultado uma gravidez. Posterior procedência de ação declaratória de inexistência de relação de parentesco, quando demonstrado, por exame de DNA, a falsidade da imputação. Acórdão que afasta a pretensão, sob entendimento de que pessoas públicas têm diminuída a sua esfera de proteção à honra. Inaplicabilidade de tal tese ao caso, pois comprovada a inverdade da acusação.

- A imputação de um relacionamento extraconjugal com uma adolescente, que teria culminado na geração de uma criança – fato posteriormente desmentido pelo exame de DNA – foi realizada em ambiente público e no contexto de uma investigação relacionada à atividade política do autor.

- A redução do âmbito de proteção aos direitos de personalidade, no caso dos políticos, pode, em tese ser aceitável quando a informação, ainda que de conteúdo familiar, diga algo sobre o caráter do homem público, pois existe interesse relevante na divulgação de dados que permitam a formação de juízo crítico, por parte dos eleitores, sobre os atributos morais daquele se candidata a cargo eletivo.

- Porém, nesta hipótese, não se está a discutir eventuais danos morais decorrentes da suposta invasão de privacidade do político a partir da publicação de reportagens sobre aspectos íntimos verdadeiros de sua vida, quando, então, teria integral pertinência a discussão relativa ao suposto abrandamento do campo de proteção à intimidade daquele. O objeto da ação é, ao contrário, a pretensão de condenação por danos morais em vista de uma alegação comprovadamente falsa, ou seja, de uma mentira perpetrada pelo réu, consubstanciada na atribuição errônea de paternidade – erro esse comprovado em ação declaratória já transitada em julgado.

- Nesse contexto, não é possível aceitar-se a aplicação da tese segundo a qual as figuras públicas devem suportar, com ônus de seu próprio sucesso, a divulgação de dados íntimos, já que o ponto central da controvérsia reside na falsidade das acusações e não na relação destas com o direito à intimidade do autor. Precedente. Recurso Especial conhecido e provido.56

4.6 Injúria, Calúnia ou Difamação Deliberadas (“Actual Malice”)

Eis a ementa da 11ª. Câmara do TJ carioca, consagrando a intenção deliberada de ofender como um dos distintivos para configurar a responsabilidade civil derivada da atividade jornalística. O mesmo Tribunal já havia condenado o polêmico jornalista em questão por menções injuriosas imputadas contra o banqueiro Daniel Dantas, no importe de R$ 200 mil:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. NOTAS VEICULADAS EM BLOG DENOMINADO “CONVERSA AFIADA”. NOTA REFERENTE A SUPOSTO ACONTECIMENTO ENVOLVENDO O AUTOR E UM MEMBRO DA FAMÍLIA DE CASTOR DE ANDRADE E IMPUTAÇÃO AO AUTOR DE CONDUTA DELITUOSA DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA.

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO, NOTADAMENTE QUANDO EXERCIDA PELOS PROFISSIONAIS DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO, COMO QUALQUER OUTRO DIREITO FUNDAMENTAL, NÃO É ABSOLUTA. ALÉM DO LIMITE CONSUBSTANCIADO NA VERACIDADE DA INFORMAÇÃO, DEVE COMPATILIZAR-SE COM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CIDADÃOS AFETADOS PELAS INFORMAÇÕES.

DA FORMA EM QUE FOI PUBLICADA, A NOTÍCIA DE QUE O AUTOR TERIA SE ENCONTRADO COM ASSESSORES DO ENTÃO PRESIDENTE DO STF, DIAS ANTES DA CONCESSÃO POR ESTE DE HABEAS CORPUS AO SEU CLIENTE, EM TESE, TEM O CONDÃO DE INDICAR A PARTICIPAÇÃO DO AUTOR EM CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA.

É CONDENÁVEL A FORMA AÇODADA DE VEICULAÇÃO DE NOTÍCIA QUE DIZ RESPEITO À PRÁTICA DE CRIME, SEM A NECESSÁRIA INVESTIGAÇÃO JORNALÍSTICA E SEM A CONSIDERAÇÃO DOS EFEITOS DAS AFIRMAÇÕES POSTAS EM UM VEÍCULO DE COMUNICAÇÃO TÃO PODEROSO COMO A INTERNET, CAPAZ DE ATINGIR UM SEM NÚMERO DE PESSOAS, ALÉM DO OFENDIDO E DE SEUS FAMILIARES.

DEVE-SE TER O CUIDADO NA PUBLICAÇÃO DE NOTÍCIA, DE MODO A SE EVITAR A FORMAÇÃO DE OPINIÃO PÚBLICA PREMATURA E SEM BASE ACERCA DA HONRA DE DETERMINADA PESSOA, PARA QUE NÃO SE CONFIRA À MERA ESPECULAÇÃO A FORÇA DE FATO CONSUMADO.

DANO MORAL CARACTERIZADO E ARBITRADO, EM SEDE RECURSAL, EM R$ 100.000,00 (CEM MIL REAIS). CONDENAÇÃO DO RÉU A PROMOVER A PUBLICAÇÃO DO INTEIRO TEOR DESTE ACÓRDÃO EM SEU BLOG.57

4.7 O Emblemático Caso da Escola Base

Em meados dos anos 1990, um caso narrado abertamente na mídia nacional tornou-se emblema dos danos que o exercício da liberdade de expressão e imprensa desenfreado pode atingir.

Em 1994, o casal Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada conduziam uma escola infantil de pequeno porte, junto com alguns funcionários do ramo da educação. Foram acusados, à época, de drogar e cometer abusos sexuais contra crianças.

Após análise um pouco mais acurada, as investigações desmontaram as versões do “crime” e a autoridade policial concluiu que todos os fatos imputados aos donos da escola e seus funcionários não passavam de inverdades postuladas pela imaginação fértil de menores impúberes58.

A essa altura, jornais de grande circulação do Estado já haviam se antecipado às investigações e divulgado notícias prejulgando os empresários como estupradores de incapazes, alegação que desencadeou manifestações de ódio profuso da população contra os acusados, capaz de reduzir a pó as suas vidas – do ponto de vista financeiro, psicológico e social.

Ainda que os danos extrapatrimoniais jamais tenham como ser reparados, a despeito das indenizações milionárias a que veículos de comunicação foram condenados, a gravidade do episódio tornou-se um dos maiores precedentes na análise de casos envolvendo responsabilidade civil dos veículos noticiosos ante a danos promovidos a terceiros pelo fato de imprensa.

4.8 A Polêmica das Biografias não autorizadas chega ao Supremo Tribunal Federal (STF)

No ano de 2013, a Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo de suprir a necessidade de autorização dos biografados para a publicação de biografias59. O pedido, feito na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815, questiona os artigos 20 e 21 do Código Civil, propondo que se dê a esses dispositivos interpretação conforme a Constituição Federal para afastar a necessidade de consentimento do biografado ou demais retratados para a publicação de obras literárias ou audiovisuais. A redação atual dos dois artigos de lei comentados encerram a inviolabilidade, bem como a indisponibilidade dos direitos de imagem e vida privada, condicionando seu uso mediante expressa autorização do retratado, ex vi legis:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.60

Sustenta a Anel que a amplitude e abrangência dos dispositivos legais tal como existem acabam por atingir as liberdades de expressão e informação. O resultado é que biografias vêm sendo proibidas em nome da proteção da vida privada, como ocorreu no caso da biografia do cantor Roberto Carlos, e em função da ausência do consentimento das personalidades retratadas. A associação argumenta que as pessoas cuja trajetória pessoal, profissional, artística, esportiva ou política, haja tomado dimensão pública, gozam de uma esfera de privacidade e intimidade naturalmente mais estreita.

A ação alega que a lei criou uma disputa mercantil em torno dos direitos de publicação da biografia de personagens históricos. Outro resultado é condenar o leitor a “ditadura da biografia única” – aquela autorizada pelo biografado. O ordenamento jurídico deveria assegurar a publicação e a veiculação tanto das obras autorizadas pelos biografados como das elaboradas à sua revelia, ou mesmo contra a sua vontade, cabendo aos leitores formar suas opiniões. A dispensa do consentimento prévio do biografado, de acordo com a ANEL, não isenta o biógrafo da culpa em casos de abuso de direito, como o uso de informação sabidamente falsa e ofensiva à honra do biografado - nesses casos será eventualmente cabível a responsabilidade penal ou civil do autor, esclarece a associação.

Liminarmente, a ANEL pede a suspensão da eficácia da interpretação dos artigos 20 e 21 do Código Civil segundo a qual é necessário o consentimento do biografado e das pessoas retratadas como coadjuvantes para a publicação ou veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais elaboradas a respeito de pessoas públicas ou envolvidas em acontecimentos de interesse coletivo.

No mérito, pede para que seja declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos artigos 20 e 21, afastando do ordenamento jurídico a necessidade do consentimento da pessoa biografada ou das retratadas como coadjuvantes para a publicação de obras literárias ou audiovisuais. Alternativamente, a ação pede que a declaração se restrinja às obras relativas a pessoas públicas ou envolvidas em acontecimentos de interesse coletivo.

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a realização de uma audiência pública nos dias 21 e 22 de novembro com o fim de discutir a necessidade de autorização para a publicação de biografias. O tema é abordado na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815, ajuizada em 2012 pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel), para questionar o alcance da interpretação dos artigos 20 e 21 do Código Civil.

No âmbito legislativo, tramita também uma proposta para inclusão de novo parágrafo ao artigo 20 do Código Civil de 2002 com o fim de liberar a divulgação de biografias de artistas, políticos e celebridades sem a passagem do necessário crivo pessoal dos mesmos. Pelo projeto de lei PL 393/2011, da lavra do deputado Newton Lima, inclui-se ao artigo 20 a seguinte redação61:

Art. 20 (...)

§ 2° A mera ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade.

4.9 A Fórmula do STJ para Harmonizar o Exercício dos Direitos Colidentes

O Recurso Especial de número 1.297.567 é emblemático no tocante à busca por soluções entre conflito de direitos da personalidade (honra, vida privada e intimidade) com aqueles derivados da livre expressão. Tal julgado versava sobre suposto envolvimento de magistrado com o então empresário e deputado Sérgio Naya, apontado como um dos responsáveis pelo desabamento do edifício “Palace II”, no Rio de Janeiro.

O primeiro critério capaz de afastar a configuração de responsabilidade civil, segundo a ministra Nancy Andrighi, é a veracidade da informação. Assim, a liberdade de informação deve estar atenta ao compromisso com a verdade, pois do contrário, desataria inarredavelmente em manipular a opinião pública em vez de informá-la

O segundo critério é a relevância do interesse público, já que a imprensa exerce função informativa essencial, mas nem toda informação verdadeira pode se reputar como relevante para o convívio em sociedade.

A ementa do recurso especial é a que segue:

RECURSO ESPECIAL. AÇAO DE COMPENSAÇAO POR DANOS MORAIS.VEICULAÇAO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. CONTEÚDO OFENSIVO.RESPONSABILIDADE CIVIL. LIBERDADE DE IMPRENSA EXERCIDA DE MODO REGULAR, SEM ABUSOS OU EXCESSOS.

1. Discussão acerca da potencialidade ofensiva de matéria publicada em jornal de grande circulação, que aponta possível envolvimento ilícito de magistrado com ex-deputado ligado ao desabamento do edifício Palace II, no Rio de Janeiro.

2. É extemporâneo o recurso especial interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, salvo se houver reiteração posterior, porquanto o prazo para recorrer só começa a fluir após a publicação do acórdão integrativo.

3. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos.

4. A liberdade de informação deve estar atenta ao dever de veracidade, pois a falsidade dos dados divulgados manipula em vez de formar a opinião pública, bem como ao interesse público, pois nem toda informação verdadeira é relevante para o convívio em sociedade.

5. A honra e imagem dos cidadãos não são violados quando se divulgam informações verdadeiras e fidedignas a seu respeito e que, além disso, são do interesse público.

6. O veículo de comunicação exime-se de culpa quando busca fontes fidedignas,quando exerce atividade investigativa, ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulgará.

7. Ainda que posteriormente o magistrado tenha sido absolvido das acusações, o fato é que, conforme apontado na sentença de primeiro grau, quando a reportagem foi veiculada, as investigações mencionadas estavam em andamento.

8. A diligência que se deve exigir da imprensa, de verificar a informação antes de divulgá-la, não pode chegar ao ponto de que notícias não possam ser veiculadas até que haja certeza plena e absoluta da sua veracidade. O processo de divulgação de informações satisfaz verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial, no qual se exige cognição plena e exauriente acerca dos fatos analisados.

9. Não houve, por conseguinte, ilicitude na conduta da recorrente, tendo o acórdão recorrido violado os arts. 186 e 927 do CC/02 quando a condenou ao pagamento de compensação por danos morais ao magistrado62.

A veracidade pode ser verificada pela checagem das fontes usadas, cabendo ao imputado da prática de ilícito civil demonstrar que se valeu de forma idônea da apuração da informação. Tal idoneidade, ainda segundo a ministra, não possui valor absoluto, na medida em que a atividade jornalística não prescinde da celeridade de apuração dos fatos. Portanto, infere-se que a idoneidade está afeita à prudência do investigador / divulgador em acercar-se de confirmação básica daquilo de noticia antes da divulgação.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma do STJ, igualmente, a veracidade, em se tratando de obra jornalística, não repousa na verdade absoluta, mas no compromisso ético de se buscar a verdade diante das evidências e ferramentas disponíveis no momento:

RESPONSABILIDADE CIVIL. NOTÍCIA JORNALÍSTICA QUE IRROGA A MOTORISTA DE CÂMARA MUNICIPAL O PREDICADO DE "BÊBADO". INFORMAÇÃO DE INTERESSE PÚBLICO QUE, ADEMAIS, NÃO SE DISTANCIA DA REALIDADE DOS FATOS. NÃO-COMPROVAÇÃO, EM SINDICÂNCIA ADMINISTRATIVA, DO ESTADO DE EMBRIAGUEZ. IRRELEVÂNCIA. LIBERDADE DE IMPRENSA. AUSÊNCIA DE ABUSO DE DIREITO. 1. É fato incontroverso que o autor, motorista de Câmara Municipal, ingeriu bebida alcoólica em festa na qual se encontravam membros do Poder Legislativo local e que, em seguida, conduziu o veículo oficial para sua residência. Segundo noticiado, dormiu no interior do automóvel e acordou com o abalroamento no muro ou no portão de sua casa. Constam da notícia relatos da vizinhança, no sentido de que o motorista da Câmara ostentava nítido estado de embriaguez. 2. Se, por um lado, não se permite a leviandade por parte da imprensa e a publicação de informações absolutamente inverídicas que possam atingir a honra da pessoa, não é menos certo, por outro lado, que da atividade jornalística não são exigidas verdades absolutas, provadas previamente em sede de investigações no âmbito administrativo, policial ou judicial. 3. O dever de veracidade ao qual estão vinculados os órgãos de imprensa não deve consubstanciar-se dogma absoluto, ou condição peremptoriamente necessária à liberdade de imprensa, mas um compromisso ético com a informação verossímil, o que pode, eventualmente, abarcar informações não totalmente precisas. 4. Não se exige a prova inequívoca da má-fé da publicação ("actual malice"), para ensejar a indenização. 5. Contudo, dos fatos incontroversos, conclui-se que, ao irrogar ao autor o predicado de "bêbado", o jornal agiu segundo essa margem tolerável de inexatidão, orientado, ademais, por legítimo juízo de aparência acerca dos fatos e por interesse público extreme de dúvidas, respeitando, por outro lado, o dever de diligência mínima que lhe é imposto. 6. A pedra de toque para aferir-se legitimidade na crítica jornalística é o interesse público, observada a razoabilidade dos meios e formas de divulgação da notícia. 7. A não-comprovação do estado de embriaguez, no âmbito de processo disciplinar, apenas socorre o autor na esfera administrativa, não condiciona a atividade da imprensa, tampouco suaviza o desvalor da conduta do agente público, a qual, quando evidentemente desviante da moralidade administrativa, pode e deve estar sob as vistas dos órgãos de controle social, notadamente, os órgãos de imprensa. 8. Com efeito, na reportagem objeto do dissenso entre as partes, vislumbra-se simples e regular exercício de direito, consubstanciado em crítica jornalística própria de estados democráticos, razão pela qual o autor deve, como preço módico a ser pago pelas benesses da democracia, conformar-se com os dissabores eventualmente experimentados. 9. Recurso especial provido.63

Assim, a indução dos julgados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça leva-nos à proposição do seguinte fluxograma no tocante à análise da responsabilidade civil por fato de imprensa:

Figura 3: Fluxograma para Aferição de Responsabilidade Civil por Fato de Imprensa

Sobre o autor
Guilherme Gouvêa Pícolo

Advogado. Editor. Analista de Sistemas em São Paulo (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PÍCOLO, Guilherme Gouvêa. Direito de livre expressão vs. direito à honra, vida privada e intimidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3991, 5 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28436. Acesso em: 23 dez. 2024.

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