AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. MORTE DE DETENTO NAS DEPENDÊNCIAS DA DELEGACIA DE POLÍCIAL. SUICÍDIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO. RESSARCIMENTO DEVIDO.
1. O suicídio de detento dentro da cela na Delegacia de Polícia não é suficiente para afastar a responsabilidade objetiva da Administração, pois o Estado tem o dever de respeitar e zelar à integridade física e moral dos presos (art. 5o, XLIX, CF/88), de forma que a violação a esta garantia, traduz-se na própria violação da legalidade, decorrendo em contingência o dever de ressarcir os parentes da vítima. (grifo nosso)
2. Recurso voluntário e Remessa Necessária conhecidos e não providos.
(Acórdão n.589842, 20040110787910APO, Relator: GETULIO DE MORAES OLIVEIRA, Revisor: MARIO-ZAM BELMIRO, 3ª Turma Civel, Publicado no DJE: 11/06/2012. Pág.: 131)
Na adoção da responsabilidade subjetiva, colham-se, ainda, precedentes dos Tribunais de Justiça de MG e RS:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - PRISÃO - LEGALIDADE - SUICÍDIO OCORRIDO EM DELEGACIA - ATO VOLUNTÁRIO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - CULPA IN VIGILANDO - INOCORRÊNCIA - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. - Tratando-se de indenização por danos morais e materiais sofridos por companheira de pessoa encontrada morta em delegacia, em decorrência de enforcamento voluntário, a responsabilidade é subjetiva, devendo ser afastada, no entanto, no caso, a culpa do Estado, por ter cumprido todas as exigências legais. - Recurso negado. (TJMG, Apelação Cível 1.0702.08.523969-8/001, Rel. Des.(a) Sandra Fonseca, 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/11/2010, publicação da súmula em 10/12/2010) (grifo nosso)
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SUICÍDIO DE PRESIDIÁRIO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. Hipótese em que restou comprovado nos autos a regularidade do serviço prestado pelo Estado, do qual não se pode exigir a vigilância individual de todos os presos em período integral. Dever de indenizar que não se reconhece, em face da incidência da excludente de culpa exclusiva da vítima. Juízo de improcedência prolatado. (grifo nosso)
Redimensionamento da sucumbência. APELAÇÃO DO RÉU PROVIDA. APELO DOS AUTORES E REEXAME NECESSÁRIO PREJUDICADOS. (TJRS, Apelação Cível Nº 70027558873, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 28/05/2009)
Em que pese a orientação dos tribunais superiores, ousamos divergir para adotar a teoria da culpa administrativa para reger hipóteses de suicídio nos presídios, por entender que há rompimento do nexo causal, devendo o interessado provar, no caso concreto, a falha do poder público[14]. Por outro lado, se a moldura fática é dano provocado por outro detento, a responsabilidade é do tipo objetiva, porquanto o encarceramento é risco estatal e por ele deve ser garantido; diversamente, frise-se, sucede quanto ao suicídio, em que não há conexão lógica entre o próprio ato de extermínio e o risco advindo da segregação ali instalada.
1.3 Danos materiais
Os danos materiais, ou patrimoniais, são aqueles que atingem os bens integrantes do patrimônio da vítima, entendendo-se como tal o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis economicamente. Podem referir-se tanto a bens corpóreos quanto a incorpóreos[15].
Outra classificação que se atribui aos danos materiais é quanto ao momento da consumação do dano. Nesse caso, ele pode ser taxado de dano emergente (efetiva e imediata diminuição do patrimônio da vítima em razão do ato ilícito) ou de lucro cessante (efeitos mediatos ou futuros, reduzindo ganhos, impedindo lucros).
No âmbito de incidência deste trabalho, mostra-se mais corriqueira a incidência do dano material na modalidade de lucro cessante. Quando um detento morre, estando em plena condição de trabalho, embora não esteja a exercê-la, há quebra de expectativa econômica da família, que planeja o retorno do detento ao mercado de trabalho para contribuir com a renda familiar.
Embora a grande massa da população carcerária seja desprovida de emprego, não há dúvida de que isso não implica empecilho à indenização.
De mesma sorte, é a situação do menor infrator. Conquanto não desempenhe qualquer atividade lucrativa, a sua morte implica não só indenização por danos morais, como também materiais, conforme se verá adiante, porquanto se considera o futuro auxílio a ser prestado à família – aqui, restrita à de baixa renda, consoante iterativa jurisprudência do STJ.
Nos tópicos a seguir, procuraremos demonstrar o posicionamento da doutrina e da jurisprudência na fixação de danos materiais por morte de detento.
1.3.1 Legitimados para ação de indenização
Ao contrário do rol de legitimados para a propositura de ação de indenização por danos morais – considerado muito mais amplo, por prescindir da dependência econômica-, a relação das pessoas com legitimidade ativa para demandar o Estado por danos materiais é aquele previsto no art. 948, II[16], do Código Civil. Em outras palavras, somente consideram-se legitimados os que demonstrarem inequivocadamente a dependência econômica do falecido.
Obviamente, o dispositivo em epígrafe aplica-se apenas ao caso de morte, porquanto, se o dano não comportar o óbito da vítima, ela própria constituirá a única pessoa com legitimidade para postular em juízo a reparação do dano, observado este no grau das lesões (extensão do dano – art. 944 do Código Civil).
A questão da legitimidade para ação de indenização por dano material, como se percebe, advém da própria lei e não comporta maiores dissensões. Passemos aos critérios norteadores da fixação da indenização.
1.3.2 Parâmetros de fixação
Para facilitar o estudo acerca do quantum indenizatório devido por dano provocado pelo Poder Público aos que estão custodiados em estabelecimento prisional, vamos nos ater ao evento morte, visto que a mera lesão não revolve maior debate.
Hipóteses de lesão são facilmente solvidas pelo Judiciário, porquanto basta a prova pericial para verificar a extensão do dano infligido ao apenado – se houve incapacidade total ou parcial ao trabalho-, ou, até mesmo, mero dano estético capaz de ensejar indenização. Verificado o dano, a indenização é devida, segundo os ditames gerais da responsabilidade civil.
Situação distinta, por outro lado, é a morte no presídio. Do evento, surgem basicamente duas opções processuais aos sucessores: ou ingressam com ação indenizatória com pensionamento vitalício, acaso seja o cônjuge o interessado ou dependente inválido, ou ação indenizatória com pedido de pensão indenizatória, nos demais casos.
A questão processual é simplória. A dificuldade está na apreciação do direito material. Vejamos os casos, sob a ótica da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Se a hipótese for de morte de menor, em cumprimento de regime de internação, pela prática de ato infracional, a responsabilidade do Estado por danos materiais consiste, se a família for de baixa renda, no pagamento de pensão indenizatória aos pais no patamar de um salário mínimo, na fração de 2/3 (um terço) até a data em que ele completaria 25 (vinte e cinco) anos de idade, a partir da qual será minorada a 1/3 (um terço) (redução de 50%) até a data em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos de idade, patamar etário considerado, por presunção, como o fim da vida útil de um indivíduo.
É preciso frisar, no caso vertente, como mencionado, que a pensão apenas é devida à família de baixa renda. A respeito dessa restrição, leciona Sérgio Cavalieri Filho sobre a posição eclética do Superior Tribunal de Justiça:
[...] (1º) sendo os pais de classe média ou alta, a reparação não traz consequência material eventual ou presumida, à medida que a presunção é a de que os pais apoiem os filhos até mesmo após o casamento, sendo justo, assim, que recebam, tão somente, a reparação pelo dano moral; nesses casos, em tese, não há dano material algum, nem expectativa de que tal venha a ocorrer, diante da realidade de hoje; (2º) sendo os pais da classe trabalhadora, com baixa renda, a presunção opera no sentido contrário, ou seja, além do dano moral há também dano material pela só razão de contar os pais com a renda do filho, presente ou futura, pouco importando, desse modo, que exerça a vítima no momento da morte atividade remunerada[17].
Trata-se de importante evolução jurisprudencial na concessão dessa espécie de indenização, haja vista que, não muito tempo atrás, cogitava-se a inexistência de prejuízo a ser “ser reivindicado pelos pais, porquanto a indenização por dano material, em forma de pensão, visa restabelecer a situação financeira anterior ao ato ilícito, recompondo a renda que não mais será auferida em razão da morte de quem a recebia. Sem a caracterização de um prejuízo econômico, não se indenizam os danos materiais[18]”.
A guinada de entendimento incutiu maior responsabilidade social na conduta de todos os integrantes da sociedade, em especial do próprio Estado, que se viu obrigado a dedicar maior atenção, em especial, aos Centros de Atendimentos Juvenis, onde se cumpre o regime de internação previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Pende, no entanto, no âmbito da competência do Superior Tribunal de Justiça, divergência quanto ao termo inicial da pensão, no caso de morte de filho menor. Ser-se-ia aos 14 (catorze) anos, ou as 16 (dezesseis). Os que advogam pela menor idade sustentam que a partir dessa fase há possibilidade de o menor trabalhar como aprendiz, percebendo contraprestação pecuniária. Por outro lado, os que militam pela faixa etária dos dezesseis anos aduzem que é a partir dessa idade que o jovem efetivamente tem condições de ingressar no mercado de trabalho.
Por oportuno, colacionamos os seguintes arestos daquele colendo Tribunal:
“Cabível a indenização por danos materiais quando se trate de menor de tenra idade, integrando família de baixa renda, a partir da idade em que poderia ingressar no mercado de trabalho até a data em que completaria 70 anos, reduzida pela metade a partir da data em que completaria 25 anos”. (REsp 646.482/DF, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2005, DJ 08/05/2006, p. 200)
“É devido o pagamento de indenização por dano material em decorrência de morte de filho impúbere – ainda que o menor não exercesse atividade laborativa à época do evento danoso –, desde que pertencente à família de baixa renda. Precedentes”. (EREsp 147.412/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/02/2006, DJ 27/03/2006, p. 134)
ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO - AMBULÂNCIA MUNICIPAL - MOTORISTA ESTADUAL - SOLIDARIEDADE - DANOS MATERIAIS - FAMÍLIA POBRE - PRESUNÇÃO DE QUE A VÍTIMA MENOR CONTRIBUÍA PARA O SUSTENTO DO LAR – SÚMULA 07/STJ - SÚMULA 491/STF - PENSIONAMENTO AOS PAIS DA VÍTIMA ATÉ A IDADE EM QUE ESTA COMPLETARIA 65 ANOS - DESCONTO DO VALOR DO SEGURO OBRIGATÓRIO - SÚMULA 246/STJ – DIVERGÊNCIA NÃO-CONFIGURADA - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
1. [...]
2. O STJ proclama que em acidentes que envolvam vítimas menores, de famílias de baixa renda, são devidos danos materiais. Presume-se que contribuam para o sustento do lar. É a realidade brasileira.
3 a 5. [...]
6. Em acidente automobilístico, com falecimento de menor de família pobre, a jurisprudência do STJ confere aos pais pensionamento de 2/3 do salário mínimo a partir dos 14 anos (idade inicial mínima admitida pelo Direito do Trabalho) até a época em que a vítima completaria 25 anos (idade onde, normalmente, há a constituição duma nova família e diminui o auxílio aos pais). Daí até os eventuais 65 anos (idade média de vida do brasileiro) a pensão reduz-se a 1/3 do salário mínimo. 7. Recursos parcialmente providos". (REsp 335058/PR, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ 15.12.2003)
“Nesse contexto, forçosa a atribuição de efeitos modificativos aos embargos de declaração para se suprimir o entendimento manifestado nos itens 5 e 6 da ementa do acórdão ora embargado e, fazendo valer a jurisprudência do STJ, reconhecer que os autores têm direito à pensão de 2/3 do salário mínimo, no período em que o menor falecido teria entre 16 e 25 anos, e, após esse período, no valor de 1/3 do salário mínimo até o momento em que o falecido completaria 65 anos de idade”. (EDcl no REsp 1094525/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 03/08/2010)
“A pensão mensal devida aos pais, pela morte de filho menor, deve ser fixada em valores equivalentes a 2/3 do salário mínimo, dos 14 até 25 anos de idade da vítima, reduzido, então, para 1/3 até a data em que o de cujus completaria 65 anos. Precedentes”. (AgRg no REsp 686.398/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 18/06/2010) (grifos nossos)
“A morte de menor em acidente, mesmo que à data do óbito ainda não exercesse atividade laboral remunerada ou não contribuísse com a composição da renda familiar, autoriza os pais, quando de baixa renda, a pedir ao responsável pelo sinistro a reparação por danos materiais, aqueles resultantes do auxílio que, futuramente, o filho poderia prestar-lhes. (REsp 1044527/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 01/03/2012).
Se a morte é do pai de família ou da mãe, aqui não há distinção, em face da presunção de que ambos provêm o sustento da casa, cabe indenização, em ambos os casos, em favor dos filhos menores e/ou do cônjuge supérstite. No caso dos filhos menores, o termo final para percepção da pensão é a idade de 25 (vinte e cinco) anos, a partir da qual se presume que o filho alçou sua independência financeira, não mais dependendo do sustento de seus genitores. Por outro lado, quanto ao cônjuge supérstite, a pensão é vitalícia e, acaso dividida com filhos comuns ou apenas do de cujus, tem o direito de acrescer ao expirar a pensão do descendente.
Importante salientar, ainda, que é desimportante o fato de o preso ser segurado pela Previdência Social, porquanto a pensão por morte eventualmente percebida é acumulável[19] com a pensão fixada a título de indenização, haja vista possuírem origens jurídicas distintas.
Confiram-se as ementas dos seguintes precedentes, para melhor clareamento do quadro posto:
[...] é possível a cumulação da pensão previdenciária pós-morte com outra de natureza indenizatória. (AgRg no REsp 1333073/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/10/2012, DJe 11/10/2012) (grifo nosso)
(REsp 1320214/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/08/2012, DJe 29/08/2012)