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Breves notas sobre os advogados públicos aposentados e a (dis)paridade vencimental

Agenda 02/03/2016 às 13:32

Este artigo visa demonstrar a imoralidade, a ilegalidade e a inconstitucionalidade do contido no Projeto de Lei de nº 4254/2015, que retira dos aposentados e pensionistas da Advocacia Pública o direito à percepção de honorários sucumbenciais.

Fora enviado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei de nº 4254/2015, com a seguinte ementa:

 “Altera a remuneração de servidores públicos, estabelece opção por novas regras de incorporação de gratificação de desempenho às aposentadorias e pensões, altera os requisitos de acesso a cargos públicos, reestrutura cargos e carreiras, dispõe sobre honorários advocatícios de sucumbência das causas em que forem parte a União, suas autarquias e fundações, e dá outras providências".

A questão que interessa neste artigo é a atinente aos "honorários sucumbenciais em prol dos Advogados Públicos", como reza o referido projeto:

“Art. 30. Os honorários advocatícios de sucumbência incluem:

I - o total do produto dos honorários de sucumbência recebidos nas ações judiciais em que forem parte a União, as autarquias e as fundações públicas federais;

II - até setenta e cinco por cento do produto do encargo legal acrescido aos débitos inscritos na Dívida Ativa da União, previsto no art. 1o do Decreto-Lei no 1.025, de 21 de outubro de 1969; e

III - o total do produto do encargo legal acrescido aos créditos das autarquias e das fundações públicas federais inscritos na Dívida Ativa da União, nos termos do § 1o do art. 37-A da Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002.

Parágrafo único. O recolhimento dos valores mencionados no caput será realizado por meio dos documentos de arrecadação oficiais”.

Ocorre que, ao arrepio do ordenamento jurídico pátrio, o (mal)dito projeto legislativo em foco aventa:

“Art. 31. O valor dos honorários devidos será calculado segundo o tempo de efetivo exercício no cargo e obtido pelo rateio nas seguintes proporções: (...)

§ 3 o Não entrarão no rateio dos honorários:

I - aposentados;

II – pensionistas...” (ausentes reticências no original).

Principia-se por assercionar que, alusivamente à verba sucumbencial dos causídicos públicos, o citado projeto de lei deve ater-se ao novel e futuro Código de Processo Civil, onde restara registrado que:

“Art. 85.  A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor (...)

§ 19.  Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”.

Observando-se a literalidade da Lei n. 13.105/2015, em seu art. 85, §19, o vocábulo que afirma a percepção dos honorários sucumbenciais crava-se em “advogados públicos”. Jamais fazendo qualquer distinção quanto a estarem eles em atividade ou aposentados. Nem poderia fazê-lo, sob pena de inenarrável discriminação, ofensiva direta ao princípio da isonomia, art. 5º, caput, da Carta Política.

Agora vem o famigerado Projeto Legislativo em testilha proceder um equívoco hermenêutico manifesto, qual seja, distinguindo o que a futura lei adjetiva civil não apôs qualquer dessemelhança, deixando entrever que, se aprovado, ter-se-ia solar antinomia[1].  

Porém, ainda que tal intento fosse viável no plano infraconstitucional, não o é perante a Carta da República, porque:

a) Feriria o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF). Quando o advogado público se aposenta, grosso modo, é o momento que mais necessita de dinheiro para custear sua saúde – direito social fixado no art. 6º da Lei das Leis - e que não pode ser menoscabado, sob pena de se instaurar o retrocesso social [2].

É inolvidável, outrossim, que o advogado público aposentado de hoje, antes disso, fora um bastião em atividade. Assim como, o causídico público de hoje será um aposentado amanhã. Dar cobro a lógica do esquizofrênico projeto legislativo, no tanto que alija os aposentados, é abeirar-se de uma lógica mais perversa do que a de Maquiavel[3].

b) Malgastaria a paridade de vencimentos entre os advogados públicos ativos e aposentados, que obtiveram a jubilação antes do gizado no art. 6º, parágrafo único da Emenda Constitucional 41/2003, ou frente as regras de transição da Emenda Constitucional 47/2005. E prossegue a Emenda Constitucional 41/2003:

Art. 7º Observado o disposto no art. 37, XI, da Constituição Federal, os proventos de aposentadoria dos servidores públicos titulares de cargo efetivo e as pensões dos seus dependentes pagos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, em fruição na data de publicação desta Emenda, bem como os proventos de aposentadoria dos servidores e as pensões dos dependentes abrangidos pelo art. 3º desta Emenda, serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão, na forma da lei”.

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A propósito cumpre trazer à baila este judicioso excerto:

“... Quanto à situação dos servidores que ingressaram no serviço público antes da EC 41/2003, mas que se aposentaram após a sua edição, é preciso observar a incidência das regras de transição estabelecidas pela EC 47/2005. Esta Emenda complementou a reforma previdenciária com efeitos retroativos à data de vigência da EC 41/2003 (art. 6º da EC 47/2005).

Nesses casos, duas situações ensejam o direito à paridade e à integralidade de vencimentos: [i] servidores que ingressaram, de modo geral, antes da EC 41/2003, e [ii] servidores que ingressaram antes da EC 20/1998.

Na primeira hipótese, o art. 2º da EC 47/2005, ao estabelecer que se aplica ‘aos proventos de aposentadorias dos servidores públicos que se aposentarem na forma do caput do art. 6º da EC n. 41, de 2003, o disposto no art. 7º da mesma Emenda’, garantiu a integralidade e a paridade aos servidores que ingressaram no serviço público até a publicação da EC 41/2003, desde que observados, cumulativamente, os seguintes requisitos: [i] sessenta anos de idade, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade, se mulher, [ii] trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher, [iii] vinte anos de efetivo exercício no serviço público, e [iv] dez anos de carreira e cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria.

Assim, bem examinada a questão, entendo que o recurso extraordinário merece parcial provimento, uma vez que o arresto recorrido não observou as regras inseridas pela EC 47/2005. É que aqueles que ingressaram no serviço público antes da publicação das Emendas Constitucionais 20/1998 e 41/2003 e se aposentaram após a EC 41/2003 possuem o direito à paridade e à integralidade remuneratória, observados os requisitos estabelecidos nos arts. 2º e 3º da EC 47/2005 e respeitado o direito de opção pelo regime transitório ou pelo novo regime...” (Voto condutor da Relatora Ministra Carmen Lúcia, in http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:BTsXXG42Ix8J:www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoTexto.asp%3Fid%3D2768818%26tipoApp%3DRTF+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br, acessado em 18/02/2016).

c) Vilipendiaria, então, o cânone do direito adquirido dos advogados públicos aposentados à verba sucumbencial, desde que albergados pela paridade vencimental, dando-se de ombros ao art. 5º, XXXVI da Lei Mater. Isto porque, o malsinado Projeto de Lei em seu artigo 31, §3º, I e II simplesmente risca o direito dos jubilados às cifras sucumbenciais, desimportando-se com as regras constitucionais.

d) Honorários sucumbenciais têm caráter alimentar, como reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça[4], e agasalhado pelo porvindouro Código de Processo Civil, art. 85, o que acarreta as seguintes consequências jurídicas:

d.1) Eles serão devidos pelos contribuintes vencidos frente ao ente estatal e, com isso, não são tidos como verbas públicas, tanto assim o é que será gerido por um “Conselho Curador dos Honorários Advocatícios” (vide art. 33 do Projeto em análise);

d.2) Não sendo de propriedade da Administração Pública, inviabilizada restará qualquer forma de transação por esta quanto ao tema, isto é, não há como o advogado público aposentado ser excluído quanto à percepção de tal verba, sob pena de incidência do famoso brocardo non domino[5];

d.3) Sendo insuscetível de transação, pelo ente administrativo, a matéria afeta aos honorários sucumbenciais dos advogados públicos, quaisquer barreiras opostas, em nível de percentual, detrimentosa aos aposentados carece de amparo legal e constitucional.

Derradeiramente, a única via moral e jurídico-constitucional sustentável, por óbvio, é apresentação de um expediente supressivo quanto aos incisos I e II, §3º, do art. 31, do Projeto de Lei de nº 4254/2015, tollitur quaestio[6].


Notas

[1] A antinomia é a presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade competente, sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso concreto (lacunas de colisão) (Flátivo Tartuce in http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/121820125/o-que-e-antinomia-juridica  acessado em 18/02/2016);

[2] “... A ideia da proibição do retrocesso legal está diretamente ligada ao pensamento do  constitucionalismo dirigente (CANOTILHO) que estabelece as tarefas de ação futura  ao Estado e à sociedade com  a finalidade de dar maior alcance aos direitos sociais e diminuir as desigualdades. Em razão disso tanto a legislação como as decisões judiciais não podem abandonar os avanços que se deram ao longo desses anos de aplicação do direito constitucional com a finalidade de concretizar os direitos fundamentais...” – (Renata Cezar, Direitos Sociais frente ao Princípio da Proibição do Retrocesso Social, in http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6963/Direitos-sociais-frente-ao-Principio-da-Proibicao-do-Retrocesso-Social, acessado em 18/02/2016).

[3] “... Ora, saber "De que modo os príncipes devem manter a fé da palavra dada" ou "Se os príncipes devem ser fiéis aos seus juramentos" parece uma questão inseparável daquela do que é "próprio do homem". E essa dupla questão, que aparenta ser apenas uma, é tratada de uma maneira interessante. Pode-se ver passar aí não somente o lobo, mas também animais um pouco mais complexos...” ( Jacques Derrida, Sob a lógica de Maquiavel, in http://www.diplomatique.org.br/acervo.php?id=2621, acessado na data de 18/03/16);

[4] RE. nº 566.621/SC.; REsp. 1297419 / SP, respectivamente;

[5] Diz-se da transferência de bens móveis ou imóveis, por quem não é seu legítimo dono. (in http://www.dicionariodelatim.com.br/a-non-domino/, acessado na data de 18/02/2016);

[6] Nada mais existe a ser debatido (in http://www.jusbrasil.com.br/topicos/291298/tollitur-quaestio, acessado na data de 18/02/2016);

Sobre o autor
Emerson Odilon Sandim

Procurador Federal aposentado e Doutor em psicanalise

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANDIM, Emerson Odilon. Breves notas sobre os advogados públicos aposentados e a (dis)paridade vencimental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4627, 2 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46659. Acesso em: 22 dez. 2024.

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