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O depoimento sem dano sob a ótica do princípio do melhor interesse da criança e sua importância para o processo penal

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6. O DEPOIMENTO SEM DANO X GARANTIA DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA

A criança e o adolescente se referem a sujeito de direitos, assim, possuem o direito de serem inquiridos judicialmente nos processos judiciais em que figuram como vítimas ou testemunhas, direito este que lhes são assegurados pelo artigo 12 da Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) e artigo 16 inciso II e artigo 28, §1º. Do Estatuto da Criança e Adolescente (BRASIL, 1990), não obstante, o referido direito deve ser sempre garantido sob a ótica do Princípio do Melhor Interesse da Criança, devendo as inquirições se dar sempre com zelo e observância ao seu peculiar estado de desenvolvimento físico e psíquico.

Com a classificação de criança e adolescente como sujeito de direito surgiram diversas teorias acerca do estado da criança e suas necessidades diferenciadas, especialmente no contexto interdisciplinar. Assim, no intuito de reparar a omissão existente até então no que se referia a este sujeito de direitos, a Declaração Universal dos Direitos da Criança aprovada em 10 de dezembro de 1948, a qual tem o Brasil como signatário, estabeleceu prioridade absoluta à proteção dos interesses da criança e do adolescente, nascendo assim à expressão e hoje princípio do “Melhor Interesse da Criança”.

Pois bem, o princípio do melhor interesse da criança estabelece de forma sucinta de que toda e qualquer atuação ou intervenção estatal deve atender prioritariamente aos interesses e direitos das crianças e adolescentes sempre que houver pluralidade de interesses no caso concreto.

O professor Eugênio Facchini Neto (2003, p. 23) a respeito do referido princípio assinala que: Os juízes e operadores do direito devem levar a cabo a proteção da criança e do adolescente como prioridade absoluta, ao argumento de que o legislador constituinte previu de forma expressa, de que fossem evitadas ações, omissões ou qualquer outra ordem de prioridade.

Partindo da premissa de que incumbe aos operadores do direito a preservação dos princípios e valores constitucionais, tal como, o “princípio do melhor interesse da criança”, pode-se afirmar de forma veemente de que o método do depoimento sem dano garante a observância do referido princípio constitucional por ocasião das inquirições judiciais de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de crimes contra a dignidade sexual, eis que, utilizando-se deste método, a intervenção judicial estará preservando o caráter da mente em desenvolvimento da criança, além de viabilizar uma intervenção técnica que possibilite o infante a enfrentar com tranquilidade a situação difícil por ele vivenciada, visando, acima de tudo inibir a revitimização ou subvenção de direitos fundamentais.

Assim, se tendo em vista o modus operandi do agente quando da pratica de crimes contra a liberdade sexual, bem como, aliada as circunstancias em que o crime ocorre especialmente quando a vítima se refere a crianças e adolescentes, o órgão acusador na maioria das vezes conta único a exclusivamente com o depoimento da vítima para poder aclarar os fatos e penalizar o acusado, sendo, portanto, imprescindível que as vítimas prestem depoimento no processo judicial, não obstante, com a observância ao melhor interesse da criança, sendo, portanto, o método do depoimento sem dano instrumento hábil para esclarecer os fatos, sem, contudo, deixar de observar as condições peculiares de pessoa em desenvolvimento e a vulnerabilidade da criança e adolescente.


7. A OBSERVÂNCIA DAS GARANTIAS PROCESSUAIS NO DEPOIMENTO SEM DANO

Conforme é cediço para que haja a responsabilização do agressor na esfera criminal necessário se faz a caracterização da prova, o que muitas vezes se torna difícil em razão de que a prova testemunhal e o depoimento pessoal da vítima são os únicos elementos capazes de formar o convencimento do magistrado. Em que pese à eficácia da utilização do método do depoimento sem dano, bem como, que sua aplicação se dá ainda sob a ótica do princípio do melhor interesse da criança, não se pode perder de vista de que ele também se dê em observância aos direitos e garantias constitucionais da legalidade, do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa.

Um dos primordiais princípios do processo penal vem preconizado no artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal (BRASIL, 1988), o qual estabelece que “ ninguém será provado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, desta forma, é necessário que todo processo judicial tramite de forma regular, coesa, correta e com observância a todas as garantias fundamentais e princípios constitucionais, dentre eles os princípios do contraditório e ampla defesa.

A respeito da importância destes princípios, leciona o Ilustre Professor Eugênio Pacelli de Oliveira (2010, p. 45):

“O contraditório, portanto, junto com o princípio da ampla defesa, institui-se como a pedra fundamental de todo o processo e, particularmente, do processo penal. E assim, é porque, como cláusula de garantia instituída para a proteção do cidadão diante do aparato persecutório penal, encontra-se solidamente encastelado no interesse público da realização de um processo justo e equitativo, único caminho para imposição da sanção de natureza penal.”

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Tendo-se em vista que a técnica do depoimento sem dano se refere a um método relativamente novo de inquirição, bem assim, por ainda não possuir previsão legal e tão somente normas institucionais, muitas vezes é criticado por parte da defesa dos acusados sob a argumentação de que fere os princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório, afrontando consequentemente o princípio do devido processo legal.

A argumentação se norteia no fato de que a oitiva se dá em local diferente de onde se encontra as partes, o Ministério Público, advogado de defesa e juiz, bem assim, no fato de que as perguntas são transmitidas ao infante através do técnico facilitador o qual ameniza os questionamentos, repassando as crianças e adolescentes de forma mais amena.

Entretanto, em que pese os argumentos despendidos pelos críticos a utilização da técnica, a doutrina, bem como, o entendimento jurisprudencial pátrio se posicionam no sentido de que inexiste qualquer afronta aos princípios constitucionais, já que, conforme amplamente exposto no capitulo onde se explica a dinâmica desta técnica, quando de sua utilização é dado a oportunidade a ambas as partes e magistrado em intervir a qualquer momento da inquirição, sendo ainda garantida a comunicação áudio visual com o ambiente onde o técnico facilitador estará realizando o depoimento do infante.

Importante ainda fazer menção de que o artigo 217 do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) estabelece a possibilidade de inquirições por videoconferência ou ainda, com a ausência do réu nos casos que seja verificado que sua presença possa causar temor, humilhação ou sério constrangimento ao depoente, desta forma, não há porque prevalecer o argumento de que a técnica infringe o princípio do devido processo legal em razão de que a inquirição se dá em sala diversa, especialmente em razoa de que a utilização do método visa sobretudo o não contato da vítima com o agressor para o fim de que sua versão acerca dos fatos seja realizado sem nenhum abalo emocional o que por sua vez teria o condão de prejudicar não só a ela, mas também a busca pela verdade real dos fatos.

Por fim, em que pese desprovido de norma que o regulamente o depoimento sem dano possui total respaldo doutrinário e jurisprudencial eis que não ofende ao princípio do devido processo legal e ainda garante princípios de extrema importância como o princípio da dignidade da pessoa humana e princípio da proteção integral.


8. CONCLUSÃO

O depoimento sem dano – DSD – eclodiu-se da busca em se encontrar métodos diferenciados para proceder à inquirição de Crianças e Adolescentes e, portanto, se refere a um método inovador de oitiva de Crianças e Adolescentes, vítimas ou testemunhas de crimes contra a dignidade sexual, que diverge da forma tradicional prevista na legislação processual vigente, sem, contudo, violar qualquer princípio constitucional.

No Brasil, foi desenvolvido em razão das dificuldades encontradas pelos operadores do direito em procederem a inquirição dos infantes vitimizados, sem que os submetessem a situações de constrangimento e humilhação e, possui como principal objetivo resguardar os direitos inerentes à classe infanto-juvenil, observando para tanto os princípios do melhor interesse da criança e o da proteção integral.

A técnica do DSD tem como principal escopo reduzir os danos causados aos infantes, quando intimados para serem ouvidos em juízo na fase de produção de prova no processo criminal, os afastando do ambiente frio e formal das salas de audiência convencional e os colocando em um ambiente propicio e agradável ao universo infanto-juvenil.

Para a realização da inquirição o poder judiciário conta com o auxílio de profissionais dotados de conhecimento técnico para procederem a oitiva dos vitimizados propiciando, portanto, melhor desenvoltura do infante por ocasião de seu depoimento e evitando o processo de revitimização. Nesta espécie de depoimento, fica ao encargo do profissional designado e técnico facilitador a responsabilidade de alcançar os indicativos necessários e relevantes para formação do livre convencimento do juiz que a posteriormente acarretará a absolvição ou condenação do suposto agressor

De pesquisas desenvolvidas, conclui-se que, infelizmente, embora seja eficaz, o depoimento sem dano não exime por completo o dano causado à vítima, uma vez que, o dano restou ocasionado no momento em que o infante teve sua dignidade sexual violada. Entretanto, como já dito, a técnica almeja tornar o processo judicial menos traumático, doloroso e humilhante para o infante, se tendo em vista que tais sentimentos poderiam gerar a sua revitimização.

Ademais, a técnica auxilia na efetivação das garantias processuais, vez que, através de sua utilização, o depoimento do infante o conjunto probatório se torna mais preciso, seguro e rico, já que além de conseguir a colheita do depoimento do infante de forma especial se valendo valer os princípios apregoados na Constituição Federal, Estatuto da Criança e Adolescente e também na Convenção Internacional sobre Direito das Crianças e dos Adolescentes, sem, contudo, deixar de observar as garantias processuais do ordenamento jurídico vigente, tais como o princípio do devido processo legal e os dele decorrentes, os princípios da ampla defesa e do contraditório.

Assim, conclui-se que a técnica tem por objetivo amenizar o sofrimento da criança e adolescente vítima de violência sexual, eis que possibilita aos infantes a serem inquiridos de forma adequada e condizendo com sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, além de possuir extrema relevância para o processo penal possibilitando assim o esgotamento de todos os meios existentes para se buscar o princípio da verdade real dos fatos, sem contudo, ferir os princípios constitucionais previstos em na Lex Maior.


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Sobre os autores
Élie Peixoto Homem

Acadêmica do curso de Direito da Universidade Paranaense - UNIPAR - Umuarama - Campus - Sede.<br><br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HOMEM, Élie Peixoto; LUCENA, Mário Augusto Drago. O depoimento sem dano sob a ótica do princípio do melhor interesse da criança e sua importância para o processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4640, 15 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46814. Acesso em: 22 dez. 2024.

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