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A eficácia das cotas para negros no campus XIX da Universidade do Estado da Bahia a partir de uma análise do bem-estar dos estudantes

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5 A EFICÁCIA DAS POLÍTICAS DE ASSISTÊNCIA E PERMANÊNCIA ESTUDANTIL DESTINADAS AOS DISCENTES COTISTAS DA UNEB – DCHT – CAMPUS XIX

No ano de 2011 foi realizada a 1ª Conferência Universitária de Ações Afirmativas da UNEB: A Construção de um Programa Permanente[8], que ocorreu nos dias 29, 30 e 31 de agosto de 2011 pelo Centro de Estudos dos Povos Afro-Índio-Americanos (CEPAIA) com o apoio do Grupo de Pesquisa FIRMINA Pós-Colonialidade: educação, história, cultura e Ações Afirmativas, do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Africanos e Afro-Brasileiros (AFROUNEB), do Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local e do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade, que teve como principal objetivo o desenvolvimento de ações institucionais para debater e acompanhar o sistema de cotas na UNEB e a implantação de um programa de permanência para os cotistas.

Na Conferência de Ações Afirmativas toda a comunidade universitária pôde ser participante com direito à voz e voto, desde que credenciados no período e na forma estabelecida no Regimento da Conferência. De cada Departamento, necessariamente, participaram três representantes (um professor, um estudante e um servidor) com a função precípua de estimular as discussões acerca do tema durante a realização da Conferência, que foi dividida em nove Grupos Temáticos (GT) com função de enviar à Coordenação um mínimo de seis e máximo de dez propostas, que seriam aprovadas, primeiramente, pelo GT e depois em plenária geral. É importante ressaltar que desta Conferência foi recomendada a implantação da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas (PROAF), que se concretizou no ano de 2014.

Desde a implantação da PROAF no ano de 2014 outras ações foram desenvolvidas a fim de consolidar uma política inclusiva, oportunizando aos estudantes, de um modo geral, igualdade de oportunidades e direitos. Foi neste sentido que a PROAF apresentou a proposta de realização da 1ª Conferência de Cotistas da UNEB idealizando a construção democrática de um Programa de Permanência para Estudantes Cotistas.

A Conferência ocorreu entre os dias 02 e 03 de agosto de 2016, em Salvador, e foi um projeto realizado pela PROAF e pelo CEPAIA, que teve como finalidade a convocação dos estudantes cotistas negros e indígenas, em especial, para a confecção de um Programa de Permanência em um documento oficial, de modo a possibilitar a criação de subsídios para avaliação e aperfeiçoamento do atual sistema de cotas na UNEB. A organização da Conferência dos Cotistas se assemelha com a Conferência de Ações Afirmativas, explicitada acima, em que também serão discutidos, através dos GTs, alguns textos temáticos para a elaboração de no mínimo cinco e no máximo dez propostas a serem apresentadas para a Mesa Diretora da Conferência.

Os delegados da Conferência de Cotas foram votados em assembleia departamental e tiveram direito a voz e voto. Vale salientar que os delegados retirados em cada departamento da UNEB deveriam, obrigatoriamente, ser estudante cotista. O art. 4º, parágrafo primeiro do Regimento da Conferência diz que:

Somente terão direito à voz e voto os estudantes cotistas eleitos como delegados nas Plenárias Departamentais e delegados representantes indicados pelos seus órgãos de representação, a saber: 2 (dois) representantes da ECGU; 2 (dois) representantes do DCE, 2 (dois) representantes do SINTEST, 2 (dois) representantes da ADUNEB, 2 (dois) do Fórum de Diretores.

No Campus XIX, foi realizada uma plenária no dia 25 de julho do ano de 2016, com o propósito de votar os delegados que iriam representar os cotistas na Conferência. Neste ato foram escolhidos um total de seis delegados estudantes cotistas dos dois cursos, Direito e Ciências Contábeis, para representar os demais estudantes cotistas na Conferência. Os delegados foram: Joice Lima Ferreira de Jesus, Marlon Tolentino de Souza Santos, Akhenaton Argolo Gomes e Ana Karoliny Sampaio Batista, do curso de Direito, e Deise Pereira Gonçalves Santos e Hilma Silva dos Santos, do curso de Ciências Contábeis.

A Conferência de Cotas também foi subdividida em Grupos Temáticos, um total de seis, conforme art. 12 do Regimento. Por fim, é importante ressaltar que a Comissão organizadora teve um prazo de 30 dias, a contar do encerramento da Conferência, para reunir as propostas em um documento final e encaminhar à Reitoria da UNEB com solicitação de encaminhamento ao CONSU para aprovação, isso de acordo como art. 10 do Regimento. Sendo assim, até meados de setembro as propostas finais elaboradas pela Conferência estariam em fase de encaminhamento para aprovação.

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Além da Conferência dos Cotistas e da Conferência de Ações afirmativas a UNEB desenvolveu, através da PROAF, o programa AFIRMATIVA[9], aprovado pela resolução nº 1.214/2014 do CONSU, que instituiu o Programa de Bolsas de Pesquisa e Extensão para Estudantes Cotistas no âmbito da UNEB. Esse programa visa contemplar um quantitativo de 20 (vinte) bolsas no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais) para os estudantes cotistas. O edital referente ao programa é o de nº 072/2016 da UNEB, que abre inscrições para apresentação de propostas para obtenção de bolsas de pesquisa e extensão nos Campi da UNEB, exclusivamente para estudantes cotistas. O principal objetivo do programa é fomentar o desenvolvimento satisfatório da trajetória acadêmica do estudante cotista, com vistas a fortalecer o processo de formação.

A Universidade também se preocupa em atender às demandas de acesso e permanência estudantil com a implantação de Residências Universitárias – RU. As vagas destinadas à RU são para estudantes de primeira graduação que esteja regularmente matriculado nos Departamentos em que esteja situada a residência estudantil. O residente da UNEB faz jus a uma bolsa auxílio residência, paga em oito vezes, no valor histórico de R$ 200,00 (duzentos reais). É importante salientar que, dentre outros critérios, o barema de avaliação dos ingressantes atribui 04 (quatro) pontos para estudantes que se autodeclaram negro e 06 (seis) pontos para o candidato cotista.

A fim de averiguar a eficácia dessas políticas assistenciais, foi realizado um mapeamento no Campus XIX com aplicação de questionário objetivo a cinquenta graduandos cotistas do curso de Direito. O resultado pode ser observado a partir da análise do gráfico abaixo:

GRÁFICO 01: Ações Afirmativas na UNEB sob a perspectiva do cotista.

 FONTE: dados da pesquisa, 2016.

Observa-se pela análise do gráfico retro, que embora existam diversas ações assistenciais das quais os cotistas são os maiores beneficiários, os mesmos não participam ou conhecem as políticas implantadas. Quando questionado, subjetivamente, a razão para essa ínfima participação notou-se que os graduandos responderam que a maior dificuldade enfrentada é a falta de ampla divulgação desses programas. Ademais, alguns consideram o número de vagas insuficientes para atender a maioria dos cotistas, bem como ressaltam a indisponibilidade de tempo, em razão de muitos necessitarem trabalhar para manter-se na universidade.

Outro ponto elencado pelos cotistas entrevistados é o método utilizado nos processos seletivos, bem como a burocracia encontrada nestes. Contudo, houve ressalvas de que ainda assim há necessidade de fiscalização mais eficaz para verificar se os beneficiários são realmente cotistas e dependem financeiramente daqueles recursos. Alguns, por sua vez, declaram que a escassez de recursos financeiros é óbice à participação do cotista e que, muitas vezes, ainda que haja gratuidade nas inscrições, a UNEB não lhes oferece suportes para a participação.

Também por meio de questionário objetivo, foi possível constatar que 52% dos cotistas entrevistados acreditam que os editais, seleções e programas assistenciais diversos lançados pela UNEB, Campus XIX, facilitam a participação dos estudantes cotistas. Em que pese tal porcentagem, 80% desses entrevistados não participaram de quaisquer programas de estágio, ensino, pesquisa ou extensão com direito à bolsa ou políticas assistenciais citadas acima. Por fim, 74% afirmaram que a UNEB não oferece aparato suficiente para que os cotistas consigam participar em igualdade de condições com os não cotistas na vida acadêmica.

Com o fito de analisar o desempenho acadêmico dos estudantes, o contingente de cinquenta não cotistas e de cinquenta cotistas responderem ao questionário quantitativo aplicado, comprovando-se que, a partir dos dados da pesquisa aplicada, 54% dos cotistas enfrentam dificuldades no aprendizado da grade curricular do curso por déficit do ensino fundamental e/ou médio. Isto é, mais da metade dos cotistas justificam essas dificuldades na má formação oferecida na educação pública, o que fortalece ainda mais a necessidade da implantação desse sistema de cotas. Com a finalidade de constatar esses dados, segue abaixo o gráfico comparativo entre o desempenho acadêmico entre cotistas e não cotistas:

GRÁFICO 02: Média Global dos Entrevistados

FONTE: dados da pesquisa, 2016.

É importante salientar que a escolha pela análise das médias globais dos graduandos se deu, por ser esse o método escolhido pela Universidade para avaliar o desempenho dos estudantes. Conquanto, outras variáveis podem influenciar no rendimento dos entrevistados. Assim, ao observar as informações contidas nas barras, nota-se que o desempenho dos não cotistas em relação ao desempenho dos cotistas é levemente superior, uma vez que justamente nas barras em que a média é mais elevada se tem o maior número de não cotistas.

Outro ponto de grande relevância foi a constatação de que 72% dos graduandos não cotistas entrevistados se autodeclaram negros, sendo 24% pardos e 48% pretos. Apenas 26% dos não cotistas de autodeclaram brancos. Neste liame, fazendo referência às lições pontuadas anteriormente, pode-se observar que esse percentual de não cotistas negros possivelmente seriam cotistas, caso o sistema de cotas da UNEB caracterizasse por cotas unicamente para negros, tal como é o sistema da UnB. Deve-se ser levado em consideração que pelo sistema de cotas da UnB autodeclaração é ratificada pela comissão de avaliação, que tem o fito de avaliar se os vestibulandos que se autodeclaram negros possuem, de fato, traços fenotípicos.

Nesse liame, é possivel observar que o sistema de cotas da UNEB não visa, apenas, a reparação histórica, devido aos séculos de mão-de-obra escrava negra no Brasil, mas é notório que a autodeclaração é um critério que só será válido se consubstanciado aos demais critérios elencados no art. 4º da Resolução nº 468/2007. O resultado disso é que 82% dos entrevistados não cotistas não conseguem reconhecer visualmente os graduandos que ingressaram na universidade através do sistema de cotas. Isso se dá porque a Universidade não possui um sistema de cotas apenas racial e um percentual elevado de não cotistas se autodeclaram negros. Conclui-se, assim, que o sistema de cotas da UNEB carece de algumas reformas pontuais, haja vista que nem todos os negros são contemplados no sistema atual adotado.


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o intuito de responder as várias questões suscitadas no presente artigo, observou-se que as ações afirmativas, como instrumento de propagação da igualdade material não está sendo integralmente observado pelas políticas adotadas pela UNEB, uma vez que embora existam programas assistenciais voltados à permanência e assistência aos cotistas, a eficácia dessas políticas está limitada aos vários fatores apresentados pelos próprios cotistas, o que acaba por restringir o bem estar desses estudantes no mundo acadêmico.

A partir dos dados dos questionários, restaram demonstradas inquietações quanto à necessidade de aumento da quantidade e do valor de bolsas assistenciais, bem como a regularidade do pagamento das mesmas, a fim de possibilitar o atendimento às necessidades pessoais e educacionais do público cotista. Além disso, foram apresentadas ideias quanto à quota para xérox e criação de creche para os filhos de estudantes cotistas. Compreendem também que deve ser ampliado o número de vagas da Residência Universitária e que é importante a disponibilização de auxílio-transporte e/ou transporte universitário gratuito para os turnos matutino e vespertino, assim como auxílio-alimentação e/ou criação de restaurante universitário.

Outrossim, foi apresentada a importância de criação de oficinas, cursos e monitorias que deem suporte acadêmico para atender às dificuldades dos alunos no que tange à aprendizagem, em razão do déficit do ensino fundamental e/ou médio. Além disso, alguns dos entrevistados corroboraram a necessidade de fornecimento de atendimento psicossocial para os cotistas. Sendo assim, é necessário que a UNEB esteja implantando medidas que venham tornar eficazes as suas políticas já implantadas e criar outras ações, como sinalizadas acima, visando o bem estar do cotista no espaço acadêmico. As cotas não devem ser vistas apenas como forma de adesão dos estudantes a universidade, mas como forma de democratização do ensino e do ambiente acadêmico.

Com base nas informações já mencionadas, observa-se que a UNEB não é caracterizada por instituir um sistema de cotas unicamente para negros. Isso pode ser observado a partir da Resolução de Cotas da Universidade, em que o critério racial é apenas um requisito que deve ser cumulado com a verificação da renda familiar e o critério da escola pública. Assim, é possível afirmar que, diante de uma sociedade marcada pela escravidão e pelo preconceito racial, alguns dos graduandos não cotistas e que se autodeclaram negros podem sofrer discriminação devido aos seus traços fenotípicos.

Diante disso, seria necessária a criação de Comissão de Avaliação na UNEB para análise dos traços fenotípicos daqueles que se autodeclaram negros, tudo isso com o fito de garantir que as vagas destinadas aos negros sejam, efetivamente, ocupadas por eles. Essa comissão também é necessária para verificar se a autodeclaração é condizente com os aspectos fenotípicos dos negros, uma vez que os três critérios para que o vestibulando possa ingressar pelo sistema de cotas na UNEB devem ser avaliados concomitantemente. Isso significa que ainda que o candidato seja oruindo de escola pública e possua renda familiar dentro dos critérios estabelecidos pela Resolução 468/2007 e não seja negro, não poderá ingressar pelo sistema de cotas. Assim, é necessário que a avaliação desse último critério seja realizada através de uma comissão instituída internamente pela Universidade. Por fim, cumpre salientar que todos os cotistas entrevistados se autodeclaram pretos ou pardos.

Como indicação de pesquisa, sugere-se que seja investigado o índice de desistência dos graduandos cotistas da UNEB, e quais as principais razões para tais desistências, uma vez que isso interfere diretamente nas políticas que a Universidade pode adotar, a fim de evitar evasões. Sugere-se também que outras pesquisas possam se desenvolver no âmbito dos fatores que podem influenciar na obtenção da média global dos estudantes cotistas. Isso porque a Universidade poderá criar outras políticas direcionadas à assistência dogmática dos cotistas.

Por derradeiro, a pesquisa evidenciou que ainda há um longo caminho para percorrer, isso com a finalidade de alcançar o bem estar do cotista e a reparação histórica ao povo negro. É preciso, para que haja a democratização do espaço acadêmico, não só a instituição de políticas de cotas, mas também é imprescindível a criação e/ou aprimoramento das políticas de assistência e permanência visando a inserção desse aluno na Universidade.

Sobre as autoras
Isadora Oliveira Santos Ferreira

Graduanda em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), DCHT - Campus XIX.

Samara Santos Campelo

Graduanda em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), DCHT - Campus XIX.

Thaís Lima Andrade Menezes

Graduanda em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), DCHT - Campus XIX.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Raina Silva Carigé; FERREIRA, Isadora Oliveira Santos et al. A eficácia das cotas para negros no campus XIX da Universidade do Estado da Bahia a partir de uma análise do bem-estar dos estudantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5252, 17 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58893. Acesso em: 22 dez. 2024.

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