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Linhas gerais sobre a administração do patrimônio público imobiliário

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12/06/2012 às 10:23

Resumo:


  • O trabalho aborda a administração do patrimônio imobiliário público, com destaque para doação e uso privativo por particulares.

  • Discute-se a preferência da concessão de direito real de uso em relação à doação, além das vedações em ano eleitoral e as penalidades por improbidade.

  • São apresentadas as modalidades de uso privativo de imóvel público: autorização de uso, permissão de uso, concessão de uso, concessão de direito real de uso e concessão de uso especial para fins de moradia.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Abordam-se os temas doação de bens públicos, uso privativo de imóvel público e suas modalidades (autorização, permissão, concessão, concessão de direito real de uso, concessão de uso especial para fins de moradia, comodato e locação), vedações em ano eleitoral e improbidade administrativa.

Resumo

O trabalho tem como escopo central traçar linhas gerais acerca da administração do patrimônio imobiliário público, dando um foco especial para o estudo da doação e dos modos de uso privativo do imóvel público por particulares. Dentro da abordagem, o trabalho levantará a questão da preferência da concessão de direito real de uso à doação. O trabalho abordará ainda questões versando sobre as vedações do ano eleitoral e da necessidade de seguir os requisitos legais para não serem impostas as penas de improbidade.

Palavras-chave: imóvel público, doação, uso privativo de imóvel público.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DA DOAÇÃO DE BENS PÚBLICOS. 3. DO USO PRIVATIVO DE IMÓVEL PÚBLICO E SUAS MODALIDADES. 3.1. AUTORIZAÇÃO DE USO. 3.2. PERMISSÃO DE USO. 3.3. CONCESSÃO DE USO. 3.4. CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO. 3.5. CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA. 3.6. FORMAS DE DIREITO PRIVADO: COMODATO E LOCAÇÃO. 4. DA PREFERÊNCIA DA CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO O USO À DOAÇÃO. 5. VEDAÇÕES EM ANO ELEITORAL. 6. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 7. CONCLUSÃO. 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1. INTRODUÇÃO

O escopo fundamental deste trabalho é traçar linhas gerais acerca da administração do patrimônio imobiliário público com foco em doações e utilização exclusiva por particulares dos bens públicos.

A administração de bens públicos exige do gestor público um cuidado especial, como ocorre com toda administração de coisa alheia. A Administração, como bem tratou Celso Antônio Bandeira de Mello, não possui a titularidade dos bens e interesses públicos, a titularidade pertence ao Estado[1], competindo ao administrador o dever de curá-los segundo a finalidade a que estão adstritos.

Essa administração deve, portanto, ser pautada no princípio da indisponibilidade dos bens públicos e seus corolários da inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade.

Nas linhas que se seguem, apresentar-se-á um estudo sobre a doação de bens públicos e os modos de uso privativo do imóvel público por particulares, trazendo uma reflexão acerca da preferência da concessão de direito real de uso à doação.

Dentro da abordagem, ainda com o intuito de orientação, levantar-se-á a questão das práticas vedadas no ano eleitoral, no que concerne ao patrimônio imobiliário público.

Dessa forma, espera-se contribuir para o aperfeiçoamento deste importante tema com novas reflexões e coletas de informações doutrinárias e jurisprudenciais sobre a matéria, para que sirva a presente pesquisa como fonte de consulta para estudantes, operadores do direito e gestores públicos.


2. DA DOAÇÃO DE BENS PÚBLICOS

É cediço que a doação de imóveis públicos aos particulares pelos Estados e Municípios já se encontra permitida pelo Supremo Tribunal Federal que, em decisão preferida na ADI 927-3, determinou em medida cautelar a suspensão da alínea “b”, inciso I do art. 17 da Lei 8.666/93[2] que vedava originariamente a doação de imóveis públicos a particulares.

Com inteligência, a Suprema Corte suspendeu o dispositivo por afrontar a autonomia dos entes federativos estaduais e municipais, dado que cabe a União legislar somente sobre normas gerais de licitação. A Lei 8.666/93 é, portanto, adstrita a “normas gerais de licitação e contratação”, nos termos do artigo 22, inciso XXVII da Magna Carta.

Assim, por não se tratar de norma geral, não cabe a vedação estabelecida originalmente pela Lei 8.666/93, que proibia a doação de bens imóveis públicos a particulares, vez que a entidade local pode ter relevantíssimo interesse público a justificar a doação seus bens.

Nesse sentido, já decidiu o Plenário do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, na Consulta nº 835.894 de relatoria do Conselheiro Sebastião Helvecio[3]:

De fato, a autonomia constitucional dos Municípios, mais a dicção dos arts. 99, 100 e 101 do Código Civil de 2002 são o fundamento deste entendimento, sendo certo que a regra de inalienabilidade de bens públicos imóveis por doação a particulares, constante do art. 17, I, b, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, mostra-se inconstitucional com relação aos Estados e aos Municípios, inclusive com medida cautelar nesse sentido já proferida pelo excelso Supremo Tribunal Federal, ADI n. 927, sendo aplicável, assim, somente à União.

Sendo assim, cabe analisar os requisitos gerais definidos pela Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, para a doação de bens públicos, in litteris:

Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos: (...)

Em síntese, os requisitos para a doação de bem imóvel público são: a) interesse público justificado; b) autorização legislativa; c) avaliação prévia e d) licitação.

O interesse público, vale frisar, deve ser irrefutável, pois a doação é tida como excepcional. Configura, a violação de qualquer requisito, conduta ilegal, dilapidatória do patrimônio público[4].

A autorização legislativa consiste na aprovação pela Câmara Municipal ou Assembleia Legislativa do projeto de lei encaminhado pelo Poder Executivo, que inevitavelmente deve conter: a) perfeita identificação do imóvel a ser doado (localização e descrição exata); b) dados do donatário (beneficiado com a doação); c) fixação da utilidade a ser dada ao bem; d) rol enumerado dos deveres do donatário; e) nomeação do órgão público responsável pela fiscalização da implementação das obrigações; f) enumeração das hipóteses de reversão do imóvel ao patrimônio público.

Ressalte-se que as doações com ou sem encargo dependem de lei autorizadora que estabeleça condições para sua efetivação.

Além disso, é necessária avaliação feita por perito habilitado ou órgão competente do ente público, que promoverá a identificação do bem e estabelecerá seu valor com base em pesquisas de mercado.

A licitação deve ser, em regra, na modalidade concorrência e deve observar os requisitos estabelecidos na Lei 8.666/93. É possível inclusive a dispensa nos casos estabelecidos no art. 17 do referido diploma legislativo, com o interesse público devidamente justificado e que legitime a escolha dessa forma de alienação[5], podendo ser inexigível se não houver mais de um interessado no imóvel, como pode ocorrer em zonas industriais em fase de implantação[6].

Sobre o tema colaciona-se jurisprudência dos tribunais pátrios:

PROCESSUAL CIVIL - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - PROVA EXCLUSIVAMENTE DOCUMENTAL - CERCEAMENTO DE DEFESA- INOCORRÊNCIA O Magistrado pode e deve exercer juízo crítico e aceitar como suficientes as provas documentais apresentadas, dispensando as outras, quando a tendência é que a lide seja julgada antecipadamente, conforme o previsto pelo Código de Processo Civil, art. 330, inc. I. ADMINISTRATIVO - ALIENAÇÃO DE BEM PÚBLICO IMÓVEL - LEI N. 8.666/93, ART. 17, INC. I - NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE INTERESSE PÚBLICO, AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA, AVALIAÇÃO PRÉVIA E PROCEDIMENTO LICITATÓRIO - AUSÊNCIA DE PROVAS DO CUMPRIMENTO DAS FORMALIDADES LEGAIS - NULIDADE DO CONTRATO ADMINISTRATIVO A alienação de bem público imóvel, a rigor, está condicionada ao preenchimento das seguintes formalidades administrativas: (a) demonstração de interesse público, (b) autorização legislativa, (c) avaliação prévia e (d) procedimento licitatório na modalidade de concorrência. Nessa perspectiva, é nula a venda de imóvel promovida pela Administração se desprovida de autorização legislativa e licitação prévia. (TJ/SC AC 585 SC 2011.000058-5, Rel. Luiz César Medeiros, 3ª Câmara de Direito Público, julgamento 16/06/2011).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA. DOAÇÃO DE IMÓVEL PÚBLICO À PARTICULAR. OUTORGA DE ESCRITURA PÚBLICA. ENCARGOS CUMPRIDOS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA AO ARGUMENTO DE NÃO TER SIDO OBSERVADO PROCESSO LICITATÓRIO. DOAÇÃO FUNDADA EM INTERESSE PÚBLICO JUSTIFICADO. POSSIBILIDADE DE DISPENSA DA LICITAÇÃO. OUTORGA DE ESCRITURA PÚBLICA DEVIDA. RECURSO PROVIDO. A doação de bem público, através de lei específica, à empresa privada para atrair sua instalação, refletindo no incremento da economia e na melhoria das condições sociais, atende ao interesse público. (TJSC, AC 385157 SC 2006.038515-7, Rel. Ricardo Roesler, 2ª Cãmara de direito Público, J. 20/02/2009).

Transcreve-se ainda o entendimento do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso sobre o tema, que destaca a necessidade de lei específica:

Processo nº 18.065-3/2008

Interessada: Prefeitura Municipal de Diamantino

Relator: Conselheiro José Carlos Novelli

O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MATO GROSSO, nos termos do artigo 1º, inciso XVII, da Lei Complementar nº 269/2009 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso) e do artigo 81, inciso IV, da Resolução nº 14/2007 (Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso), resolve, por unanimidade, acompanhando o voto do Conselheiro Relator que acolheu a sugestão do Auditor Substituto de Conselheiro Luiz Henrique Lima e contrariando o Parecer Oral do Ministério Público emitido em Sessão Plenária, com fundamentação nos artigos 48 e 49 da Lei Complementar nº 269/2007, em, preliminarmente, conhecer da presente consulta e, no mérito, responder ao consulente que: – A doação de bem público imóvel exige: a) desafetação, se for o caso; b) autorização em lei específica; c) tratar de interesse público devidamente justificado; d) prévia avaliação do imóvel; e) dispensada a licitação, nas hipóteses previstas em lei, inclusive para as alienações gratuitas no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social (art. 17, inciso I, alíneas “b”, “ f” e “h”, da Lei nº 8.666/93); 2 – Os Estados, Municípios e o Distrito Federal poderão doar bens públicos a pessoa jurídica de direito privado, em razão dos efeitos da liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 927. Todavia, a doação deverá sempre atender ao interesse público, sendo vedada qualquer conduta que implique em violação aos princípios da isonomia ou igualdade, da moralidade e da impessoalidade (arts. 5º, caput, e 37, caput, ambos da Constituição Federal Brasileira); e 3 – É vedada a doação de quaisquer bens públicos, valores ou benefícios no ano eleitoral (1º de janeiro a 31 de dezembro), salvo nos casos de calamidade pública, estado de emergência ou inseridos em programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior (art. 73, parágrafo 10, da Lei nº 9.504/1997). Remeta-se ao consulente fotocópia do Parecer de fls. 5/20-TC, bem como do inteiro teor do relatório e voto do Conselheiro Relator. Após as anotações de praxe arquive-se os autos, nos termos da Instrução Normativa nº 01/2000 deste Tribunal de Contas.

A Lei específica deve, inclusive, conter os deveres do donatário, sob pena de reversão do imóvel ao Município. Sobre o tema colaciona-se o julgamento da 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo:

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DOAÇÃO DE BEM PÚBLICO. Lei autorizadora e documento de alienação prevendo cláusula resolutiva não cumprida. Nulidade que pode ser reconhecida pelo Poder Judiciário, porque matéria de legalidade, e com o tempo não transcorrendo contra ela. Prescrição afastada. Reversão do imóvel ao Município. Recurso não provido. (TJSP, AP 1040844820068260000 SP 0104084-48.2006.8.26.0000, Rel. Francisco Vicente Rossi, 11ª Câmara de Direito Público, julgamento 25/07/2011).

Sobre a prévia autorização legislativa, destaca-se a valiosa lição do Prof. Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, em sua obra Contratação direta sem licitação, 7ª Ed. Belo Horizonte, Fórum 2007, p. 241:

“a exigência de lei para que a Administração possa alienar é condição essencial à prática do ato, e sua ausência acarreta a nulidade de pleno direito, descabendo a ratificação posterior.

Sem Lei para alienação, nada existiu no mundo jurídico, e impõe a declaração de nulidade desde a origem de todos os atos que visavam à alienação dos bens, inclusive a licitação, além de apuração da responsabilidade.”


3. DO USO PRIVATIVO DE IMÓVEL PÚBLICO E SUAS MODALIDADES

Consoante lição do doutrinador Hely Lopes Meirelles, “todos os bens públicos, qualquer que seja a sua natureza, são passíveis de uso especial por particulares desde que a utilização consentida pela Administração não os leve à inutilização ou destruição”[7].

Acresce o mestre que “Ninguém tem direito natural a uso especial de bem público, mas qualquer indivíduo ou empresa pode obtê-lo mediante contrato ou ato unilateral da Administração, na forma autorizada por lei ou regulamento ou simplesmente consentida pela autoridade competente”[8].

Por conseguinte, é lícito ao Poder Público transferir para terceiros o uso especial de bens públicos. Tal transferência proporciona ao particular o uso privativo do bem, afastando-o da fruição indiscriminada da comunidade e do próprio Poder Público.

Ressalte-se que a Administração tem apenas competência para administrar os bens imóveis municipais, preservados os preceitos da indisponibilidade do interesse público e da supremacia do interesse público sobre o privado.

Assim sendo, a transferência de uso dos bens públicos a terceiros sofre limitações e só é admitida em casos excepcionais, quando presente o interesse público na utilização privativa do mesmo.

Os institutos que servem para legitimar o uso privativo são: a) autorização de uso; b) permissão de uso; c) concessão de uso; d) concessão de direito real de uso; e) concessão de uso especial para fins de moradia.

3.1. AUTORIZAÇÃO DE USO

A autorização de uso é o ato administrativo unilateral pelo qual o Poder Público consente com o uso do bem público de modo privativo, atendendo primordialmente o interesse particular, ainda que exista interesse público como pano de fundo.

O ato que autoriza é unilateral, discricionário e precário, podendo ser revogado posteriormente, sem direito, como regra, a qualquer indenização.[9] É o caso de autorização para fechamento de ruas para festas comunitárias.

3.2.            PERMISSÃO DE USO

A permissão de uso é ato administrativo que permite o uso privativo do bem público, atendendo interesse público e particular, em igual medida.

Trata-se, assim como a autorização, de ato unilateral, discricionário e precário, mas podendo ser condicionado ao cumprimento de certos requisitos e concedido por prazo determinado. É o instituto utilizado para instalação de bancas de jornais em praças, instalação de estandes de vendas em feiras livres, etc.

Discute-se acerca da necessidade de licitação prévia para a permissão de uso. Os que entendem pela desnecessidade de licitação partem da premissa que se trata de ato administrativo unilateral e que a lei 8.666/93[10] só teria previsto licitação para permissão de serviço público, por se tratar de contrato administrativo.

Ocorre que a lei nº 9.074/95 quando estabeleceu normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos expressamente previu licitação para “permissão de serviço público e uso de bem público”, expressis verbis:

Art. 31. Nas licitações para concessão e permissão de serviços públicos ou uso de bem público, os autores ou responsáveis economicamente pelos projetos básico ou executivo podem participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obras ou serviços. (grifou-se)

 Entende, assim, a doutrina majoritária que embora a permissão de uso de bem público seja um mero ato administrativo, ela depende de licitação. [11]

3.3.            CONCESSÃO DE USO

A concessão de uso é ato formalizado por contrato administrativo que firma obrigações para o particular e, por isso, não dispõe de precariedade.

Antes da celebração do contrato é necessária a aferição pelos órgãos administrativos da conveniência e oportunidade na utilização privativa do bem pelo particular. É instituto normalmente utilizado para boxes de um mercado municipal ou a exploração de um hotel situado em prédio público.[12]

A concessão de uso de bens públicos é intuito personae e vincula o concessionário à utilização exclusiva e nos limites da destinação específica que lhe foi dada (conforme estabelecido no contrato).

O bem público pode ser concedido de modo remunerado ou gratuito, mas como bem aponta JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, não se confunde com a locação e com o comodato, uma vez que esses últimos institutos são regulamentados pelo direito privado e as concessões de uso são reguladas pelo direito público, fundamentalmente regido pelos pilares da indisponibilidade do interesse público e supremacia do interesse público, fato que confere à Administração posição de supremacia em relação ao contratado.

Feitas essas considerações gerais, advirta-se como bem afirma HELY LOPES MEIRELLES que “Se não houver interesse para a comunidade, mas tão somente para o particular, o uso especial não deve ser permitido nem concedido, mas simplesmente autorizado em caráter precaríssimo”.[13]

3.4.            CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO

A concessão de direito real de uso, por sua vez, é instituto regulado pelo Decreto- lei nº 271, de 28/2/1967, consistindo em um contrato administrativo pelo qual o Poder Público confere ao particular direito real resolúvel de uso de terreno público ou espaço aéreo que o recobre, segundo as finalidades preestabelecidas[14].

Segundo o decreto-lei nº 271/67, a concessão deve ter como fim específico uma finalidade social, segundo preceitua o art. 7º, em rol exemplificativo:

Art. 7o É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas. (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007) (grifou-se)

Além dos fins específicos de regularização fundiária, urbanização e industrialização a concessão é permitida para “outras modalidades de interesse social de áreas urbanas”.

A concessão consiste, portanto, em um contrato administrativo celebrado entre o ente público e o particular para a transferência da utilização de um domínio público fundiário, a título gratuito ou remunerado.

Por meio da concessão, repita-se, é conferido ao concessionários um direito real e como tal, ainda que seja um direito resolúvel vinculado às finalidades da concessão, o particular poderá defender seu direito oponível erga omnes. [15] O concessionário está, assim, garantido contra a ação de todas as demais pessoas, na defesa do seu direito.

Outra característica do instituto é a possibilidade de sua transmissão por ato inter vivos ou causa mortis. Ou seja, o direito pode ser transferido entre particulares, desde que preserve o fim específico do uso privativo e é transmissível aos herdeiros, em razão do falecimento do titular, mas também observando a finalidade da destinação do bem.

Observe-se que, dentre os institutos que permitem essa utilização privativa, a concessão de direito real de uso é o mais privilegiado[16], uma vez que confere ao particular direito real (ainda que resolúvel), transmissível, inclusive, por causa mortis.

A grande vantagem é que como direito real sua eficácia é erga omnes (contra tudo e todos). O titular tem direito sobre a coisa, não se resolvendo em meras perdas e danos. É um direito absoluto, intocável que deve ser registrado na competente serventia de registro de imóveis, como bem dispõe o artigo 167 da Lei 6.015/73:

Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos. (Renumerado do art. 168 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).

I - o registro:

37) dos termos administrativos ou das sentenças declaratórias da concessão de uso especial para fins de moradia; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.220, de 2001)

(...)

40) do contrato de concessão de direito real de uso de imóvel público.

Por tal motivo, essa utilização privativa não ocorre por mero alvedrio da administração, devendo ter sempre como fundo a inevitável presença de interesse público primário, com a realização de políticas públicas voltadas para o bem estar social.

É, repita-se, indispensável a demonstração veemente de interesse público, em grau que justifique suficientemente a sua utilização privativa, sendo necessário para a celebração do ajuste lei autorizadora e licitação (salvo hipóteses de dispensa e inexigibilidade)[17].

Vale esclarecer que a concessão de uso ou a concessão de direito real de uso, embora com semelhantes nomenclaturas, são institutos que não se confundem, mormente por ser, este último, um direito real e ser concedida em caso de interesse social.

Essas modalidades também não se confundem com a cessão de uso que consiste na transferência gratuita de posse de um bem público entre entidades ou órgãos públicos, consistindo em uma utilização efêmera de bens públicos, como bem leciona HELY LOPES MEIRELLES:

“Também não se confunde com qualquer das modalidades pelas quais se outorga ao particular o uso especial de bem público, vistas anteriormente (autorização de uso, permissão de uso, concessão de uso, concessão de direito real de uso) (...). Realmente, a cessão de uso é uma categoria específica e própria para o transpasse da posse de um bem público para outra entidade ou órgão público da mesma entidade, que dele tenha necessidade e se proponha a empregá-lo nas condições convencionadas com a Administração cedente. Entretanto, a cessão de uso vem sendo desvirtuada para a transferência de bens públicos a entes não-administrativos e até para particulares.

A cessão de uso entre órgãos da mesma entidade-como,por exemplo, entre Secretarias do mesmo Município- não exige autorização legislativa e se faz por simples termo e anotação cadastral, pois é ato ordinário de administração através do qual o Executivo distribui seus bens entre suas repartições para o melhor atendimento do serviço. Quando, porem, a cessão é para outra entidade necessário se torna lei autorizativa da Câmara para legitimar essa transferência de posse (e não domínio) do bem municipal e estabelecer as condições em que o prefeito poderá fazê-la. Em qualquer hipótese, a cessão de uso é ato administrativo interno, que não opera a transferência da propriedade, e por isso mesmo dispensa registros externos. “[18]

3.5.            CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA

A concessão de uso especial para fins de moradia consiste em um instrumento jurídico destinado à regularização fundiária dos terrenos públicos invadidos. O intuito é, dentro de uma política de reserva do possível, dar efetividade ao direito social de moradia, previsto no art. 6º da CF/88, direito este fundamental à concretude do direito de dignidade da pessoa humana.

O instituto privilegia a posse em detrimento da propriedade, na mesma linha da usucapião especial urbana, prevista na CF/88(art. 183 e seguintes) e na Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), sendo um modo de regularizar os terrenos ocupados situados em zona urbanos, “pela necessidade imperiosa de solucionar o imenso passivo de ocupações irregulares gerado em décadas de urbanização desordenada”, nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro.[19]

Nessa linha, visando regulamentar o §1º do art. 183[20] da Magna Carta, a Medida Provisória nº 2.220, de 04 de setembro de 2001, definiu alguns requisitos para possibilitar essa regularização fundiária, com a preocupação de coibir novas invasões de terrenos públicos, in litteris:

Art. 1º Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.

Como se observa, a concessão de uso especial para fins moradia possui como pressupostos: a) posse por cinco anos até 30 de junho de 2001; b) posse ininterrupta e pacífica (sem oposição); c) imóvel urbano público de até 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados); d) uso do terreno para fins de moradia do possuidor ou de sua família; e) não ter o possuidor a propriedade de outro imóvel urbano ou rural; f) não ter o possuidor obtido anteriormente concessão de uso para fins de moradia.

A Medida Provisória nº 2.220/2001 também se aplica aos Estados e Municípios, conforme o artigo 3º abaixo transcrito:

Art. 3º Será garantida a opção de exercer os direitos de que tratam os arts. 1º e 2º também aos ocupantes, regularmente inscritos, de imóveis públicos, com até duzentos e cinqüenta metros quadrados, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que estejam situados em área urbana, na forma do regulamento.

Indaga-se se seria constitucional a lei geral fixar requisitos também aplicáveis para Estados e Municípios, já que existem características e especificidades próprias de cada região, o que demanda uma diversidade na definição dessas condicionantes para obtenção do direito de uso especial para fins de moradia.

O Supremo Tribunal Federal ainda não se manifestou quanto à constitucionalidade ou não dessa definição de requisitos para os demais entes públicos.

No município de Teresina, a Lei nº 3.251/2003, traz em seu artigo 2º requisitos distintos para a denominada “concessão de direito real de uso para fins de moradia”:

Art. 2º. São requisitos para a outorga da concessão de direito real de uso:

I-                  a utilização da área, desde o início da posse do Requerente, para moradia própria ou da família;

II-                ter o imóvel área não superiora 360m² (trezentos e sessenta metros quadrados)

III-             certidões negativas dos 3 (três) Cartórios de Registros de Notas e Imóveis da Comarca de Teresina, comprovando não ser possuidor, proprietário ou foreiro de outro imóvel urbano ou rural;

IV-             prova de regularidade do possuidor junto ao Fisco Municipal, relativamente aos tributos incidentes sobre o imóvel.”

A concessão de uso especial para fins de moradia, assim como a concessão de direito real de uso, consiste em um direito real, nos termos do artigo 1.225 do Código Civil de 2002:

Art. 1.225. São direitos reais:

I - a propriedade;

(...)

XI - a concessão de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)

XII - a concessão de direito real de uso. (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)

Esta concessão especial de uso aproxima-se da concessão de direito real de uso, mas dela se distingue porque a primeira se restringe à finalidade de moradia do possuidor.[21]

Ademais, a concessão de uso para fins de moradia é um direito subjetivo[22] do possuidor que preenche os requisitos, não dependendo de análise de conveniência e oportunidade por parte da Administração Pública, como ocorre com a concessão de direito real de uso.

Trata-se também de um direito real resolúvel, transferível por ato inter vivos ou causa mortis, vinculado a uma finalidade específica, qual seja, a destinação para moradia, podendo o direito se extinguir se o concessionário conferir destinação diversa ou adquirir outro imóvel urbano ou rural, além de outros casos previstos em lei.

A outorga da concessão especial de uso para fins de moradia não depende de lei específica para cada caso, já que não transfere a propriedade, podendo ser outorgada por termo administrativo ou, se o pedido não for atendido administrativamente, por sentença judicial. Também não é necessário licitação, já que a finalidade é prestigiar o ocupante do imóvel.

3.6. FORMAS DE DIREITO PRIVADO: COMODATO E LOCAÇÃO.

Em razão da posição de supremacia do ente público, mormente nos contratos administrativos, abalizada doutrina entende que o Poder Público deve adotar as formas regidas pelo direito público por conferir prerrogativas especiais em seu favor, em detrimento das formas regidas pelo direito privado (v.g. locação/ comodato), como bem leciona HELY LOPES MEIRELLES:

“Comodato ou empréstimo é também instituto típico do direito privado, conceituado nos arts. 579 e CC2002, como a entrega de coisas não-fungíveis para o uso gratuito. No direito administrativo esse instituto encontra seu sucedâneo na concessão de uso não remunerada, regida pelo direito público e com as características próprias dos contratos administrativos. Por isso a Administração Pública não deve utilizar-se do comodato quando dispõe, para o mesmo fim, da concessão gratuita de uso”. (grifou-se)

Outro não poderia ser o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. CONTRATO INTITULADO ‘DE LOCAÇÃO’,FIRMADO PELA ADMINISTRAÇÃO E POR PARTICULAR. NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO DE CONCESSÃO DE USO. REGRAS APLICÁVEIS: DE DIREITO PÚBLICO. RECURSO NÃO CONHECIDO.

I – Ainda que tenha sido intitulado “contrato de locação”, o acordo firmado entre a Administração e o particular para a instalação de lanchonete em rodoviária municipal, configura concessão de uso, dando ensejo à aplicação das regras de Direito Público não da legislação civil.

II – Recurso especial não conhecido. “Manutenção “ das decisões proferidas nas instâncias ordinárias.” ( STJ, RESP 717/SC, Rel. Min. Adhemar Maciel, 2ª T, j. 11.12.1997)

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. BEM PÚBLICO. CONTRATO DE LOCAÇÃO, ARRENDAMENTO OU CESSÃO DE USO. IMÓVEL NO ENTORNO DA ÁREA AEROPORTUÁRIA. INCIDÊNCIA DAS NORMAS DE DIREITO PÚBLICO. NATUREZA E FINALIDADE DO CONTRATO. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. INOVAÇÃO EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, CPC. INOCORRÊNCIA. DIVERGÊNCIA INDEMONSTRADA. APLICAÇÃO. ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, CPC. IMPOSIÇÃO DE MULTA. SÚMULA 98/STJ. RECURSO ESPECIAL. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. COISA JULGADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.

(...)Ad argumentandum tantum, ainda que superado o óbice da ausência de prequestionamento e da demonstração da divergência, nos moldes exigidos pelo RISTJ, melhor sorte não assiste à parte, ora recorrente, em razão da consonância do acórdão recorrido com a hodierna jurisprudência desta Corte (art. 557, Caput, do CPC) no sentido de que "A remuneração pelo uso de bem público não configura aluguel e o disciplinamento do ajuste, firmado entre a empresa pública e a particular, não se submetem às normas ditadas à locação comum, e sim do Direito Público. Forçando, caso admitida a locação, mesmo assim, não escaparia dos preceitos de Direito Público (arts. 1º e 54, Lei 8.666/93)." REsp 206044/ES, PRIMEIRA TURMA, DJ 03/06/2002).(STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1099034/ES, Rel. Min. LUIZ FUX, 1ª T, j. 09.02.2010, Dj 02.03.2010).

“ADMINISTRATIVO – BENS PÚBLICOS – IMÓVEL – CESSÃO DE USO –REGIME JURÍDICO – NORMAS DE DIREITO PRIVADO –INAPLICABILIDADE. O bem público não está sujeito à legislação civil, não se aplicando aos contratos de locação firmados pela Administração Pública federal, estadual e municipal a Lei de Luvas. Recurso improvido. (STJ, REsp 59448/SP, Rel. Min. Garcia Vieira. 1ª Tuma).

 Por tal razão, na administração do patrimônio imobiliário, o administrador deve preferir os institutos tipicamente de direito público, que conferem supremacia ao ente público.

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Sobre a autora
Viviane Pereira Rocha

Procuradora do Município de Teresina, lotada na Procuradoria Patrimonial. Especialista em Direito Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Viviane Pereira. Linhas gerais sobre a administração do patrimônio público imobiliário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3268, 12 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21984. Acesso em: 13 dez. 2024.

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