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A Resolução Normativa nº 279, da Agência Nacional de Saúde Suplementar, seus objetivos e as relações de consumo

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19/09/2012 às 15:39
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A Resolução Normativa impõe aos operadores de saúde a obrigação de suportar os efeitos da conduta do empregador contratante, sem conseguir garantir que os consumidores demitidos ou aposentados consigam se manter no plano.

1. Considerações Gerais

 Os planos empresariais representam importante parcela do segmento de assistência médica suplementar, como indicam os dados do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) – IBGE – do ano de 1998, para o qual 60% dos planos de saúde no País contam com a participação do empregador do titular no seu financiamento[1], ou seja, são planos que decorrem do contrato de trabalho. Nesse sentido, conforme pesquisa feita especificamente no Estado de São Paulo, promovida pela Casa Civil (Fundação Seade, Pesquisa de Condições de Vida – PCV[2]), entre os indivíduos que possuem plano de saúde privado, a maioria teve acesso a ele por meio da empresa empregadora (53,6%).

 Nesse contexto Ligia Bahia[3] argumenta:

 “Este sub-segmento da assistência médica suplementar é movido por uma complexa variedade de processos que entrecruzam os contratos entre empresas empregadoras, empresas de planos de saúde, hospitais e provedores de serviços. De fato, os planos empresariais representam o principal eixo sobre o qual se movem a grande maioria das empresas médicas, as seguradoras, inúmeros estabelecimentos de saúde e profissionais médicos. A lógica que preside os contratos formais ou não dos planos empresariais no Brasil é bastante distinta da que orienta os planos individuais. Os planos empresa são mediados por contratos que pressupõem um risco homogêneo para os integrantes de apólices coletivas. Decorrem daí cálculos de custos de planos per capita (community ratio). Os contratos dos planos individuais são mais detalhados e baseiam-se em uma avaliação personalizada do risco (experience ratio).”

 Na prática, os planos individuais possuem contraprestações mais elevadas do que os coletivos, é que enquanto os índices de reajustes daqueles primeiros são estabelecidos pela ANS, os valores das contraprestações dos planos coletivos empresariais dependem muito mais da negociação entre a operadora e a pessoa jurídica contratante, muito embora, dentre outras variáveis, o ‘índice’ de sinistralidade, no contrato coletivo, tenha reflexos no cálculo do reajuste.

 Ligia Bahia[4] pondera que as transformações no mercado de trabalho - redução das grandes plantas industriais, precarização e informalização do trabalho - afetam o mercado de assistência médica suplementar remetendo à ANS mais um desafio: o de regulação, monitoramento da viabilidade assistencial e econômico-financeira e estímulo aos contratos para trabalhadores de empresas de menor porte e autônomos.

 A Resolução Normativa 279 regulamenta a faculdade de manutenção do plano ou seguro de saúde contratado e oferecido pela empresa após o desfazimento da relação de trabalho, àqueles cuja extinção do liame contratual trabalhista tenha ocorrido sem justa causa e aos aposentados, numa ou noutra hipótese, contemplando apenas o universo dos que tenham suportado, no todo ou em parte, a contraprestação pecuniária decorrente da contratação do produto de saúde.

 Então, a norma adota condições objetivas para que o ex-empregado tenha reconhecido o direito de manutenção do plano ou seguro de saúde, a saber: (a) que a relação de trabalho tenha sido extinta sem justa causa ou por aposentadoria; e (b) que durante a existência do vínculo com a empresa contratante do plano de saúde (compreenda-se, com o empregador) tenha o seu então empregado suportado ao menos uma parte da contraprestação pecuniária do plano ou seguro saúde. A finalidade da norma é, senão o acesso ao plano de saúde daquele que em função de um vínculo de trabalho tenha suportado minimamente a sua contraprestação, mas, seguramente, viabilizar a manutenção, ainda que por curto espaço de tempo, de contrato mais vantajoso ao consumidor (vide expressão consumidor utilizada expressamente no art. 30 da Lei 9.656, regulamentada pela Resolução Normativa 279).

 A Resolução Normativa, ao tempo em que repisa as hipóteses de manutenção dos planos de saúde após a cessação da relação trabalhista entre o usuário do plano e o seu contratante (empregador), também pontua a incidência de alguns princípios que norteiam a norma consumerista.


2. Plano de Saúde Coletivo Empresarial

 Nos termos da Resolução n. 195 da ANS – Agência Nacional de Saúde, plano privado de assistência à saúde pode ser: a) individual ou familiar; b) coletivo por adesão ou c) coletivo empresarial.

 O plano privado de assistência à saúde individual ou familiar é aquele que oferece cobertura da atenção prestada para a livre adesão de beneficiários, pessoas naturais, com ou sem grupo familiar.

 O plano privado de assistência à saúde coletivo por adesão é aquele que oferece cobertura da atenção prestada à população que mantenha vínculo com as seguintes pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial: a) conselhos profissionais e entidades de classe, nos quais seja necessário o registro para o exercício da profissão; b) sindicatos, centrais sindicais e respectivas federações e confederações; c) associações profissionais legalmente constituídas; d) cooperativas que congreguem membros de categorias ou classes de profissões regulamentadas; e) caixas de assistência e fundações de direito privado que se enquadrem nas disposições desta resolução; f) entidades previstas na Lei no 7.395, de 31 de outubro de 1985 (órgãos de representação dos estudantes de nível superior), e na Lei no 7.398, de 4 de novembro de 1985 (organização de entidades representativas dos estudantes de 1º e 2º graus); g) outras pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial não previstas nos itens anteriores, desde que autorizadas pela Diretoria de Normas e Habilitação de operadoras – DIOPE.

 Já o plano privado de assistência à saúde coletivo empresarial, agora em foco, é aquele que oferece cobertura da atenção prestada à população delimitada e vinculada à pessoa jurídica por relação empregatícia ou estatutária.

 Portanto, para estar vinculada ao plano de saúde coletivo empresarial a pessoa deve manter vínculo de emprego (C.L.T.) ou de estatuto (no âmbito federal está regulado pela Lei 8.112 de 1990) com a pessoa jurídica.

 Referido vínculo poderá abranger, desde que previsto em contrato: os sócios da pessoa jurídica contratante; os administradores da pessoa jurídica contratante; os demitidos ou aposentados que tenham sido vinculados anteriormente à pessoa jurídica contratante, na forma do disposto no caput dos artigos 30 e 31 da Lei nº 9.656, de 1998; os trabalhadores temporários; os estagiários e menores aprendizes e o grupo familiar até o terceiro grau de parentesco consanguíneo, até o segundo grau de parentesco por afinidade, cônjuge ou companheiro dos empregados e servidores públicos, bem como dos demais vínculos citados anteriormente.


3. Resolução 279, de 24.11.2011. Extinção do Contrato de Trabalho, o acesso à assistência à Saúde e as Relações Consumeristas

 Em 24 de novembro de 2011 a Agência Nacional de Saúde aprovou a Resolução DC/ANS 279 (D.O.U. 25.11.2011), que regulamenta os artigos 30 e 31 da Lei 9.656, de 1998 e revoga as Resoluções do CONSU n. 20 e 21.

 No texto da Resolução consta que “Diversas sugestões e propostas foram reiteradamente discutidas entre a equipe técnica, com a colaboração dos superiores hierárquicos. Desta feita, consolidou-se a Resolução Normativa objeto da presente exposição de motivos, baseada nas propostas e sugestões do corpo técnico, em que a necessidade de implementação das mesmas foi verificada do ponto de vista operacional, objetivando-se a otimização dos processos de trabalhos e aplicação prática do normativo ao mercado.” Destacou-se, ainda, que a proposta principal da Resolução é garantir a efetividade dos direitos previstos nos artigos 30 e 31 da Lei 9656/98, desempenhando-se, assim, a necessária regulação do setor em relação ao consumidor que contribuir para plano ou seguro de saúde a que se vincule em decorrência de vínculo empregatício.

 De acordo com a Lei e Resolução Normativa, fica assegurada aos demitidos e aposentados a manutenção do plano de saúde empresarial com a mesma cobertura vigente durante o contrato de trabalho. Contudo, para ter acesso àquele direito, o empregado desligado deverá ter contribuído para o pagamento do plano de saúde.

 Conforme o que já dispunha a Lei 9.656 desde 1998, a Resolução dispõe que empregados despedidos sem justa causa e que tenham contribuído para o pagamento da contraprestação poderão permanecer no plano de saúde por um período correspondente a um terço do tempo em que foram beneficiários pelo plano da empresa, respeitado o limite mínimo de seis meses e máximo de dois anos.

 Já para o empregado que se aposenta, as regras objetivas são, além da própria (i) aposentadoria, (ii) para os que tenham suportado (integral ou parcialmente) a contraprestação do plano por mais de dez anos, a possibilidade de mantê-lo pelo tempo que desejarem; (iii) e aos que tenham ‘contribuído’ por período inferior (a 10 anos), o direito de permanecer um ano por cada igual período em que tenha contribuído.

E segundo a norma[5] contribuição é “qualquer valor pago pelo empregado, inclusive com desconto em folha de pagamento, para custear parte ou a integralidade da contraprestação pecuniária de seu plano privado de assistência à saúde oferecido pelo empregador em decorrência de vínculo empregatício, à exceção dos valores relacionados aos dependentes e agregados e à co-participação ou franquia paga única e exclusivamente em procedimentos, como fator de moderação, na utilização dos serviços de assistência médica ou odontológica.”

 De acordo com divulgação feita através de sua homepage, a ANS, na pessoa da diretora adjunta de Norma e Habilitação dos Produtos da ANS, Carla Soares[6] esclareceu que a operadora de saúde poderá manter tanto aposentados quanto demitidos no mesmo plano dos empregados ativos ou fazer uma contratação exclusiva para eles. “Se a empresa preferir colocar todos no mesmo plano, o reajuste será o mesmo para empregados ativos, demitidos e aposentados, caso contrário, poderá ser diferenciado”. A diretora adjunta explica ainda, que no caso de planos específicos em separado para aposentados e demitidos, o cálculo do percentual de reajuste tomará como base todos os planos de ex-empregados na carteira da operadora. “O objetivo é diluir o risco e obter reajustes menores”, ou seja, o objetivo específico da Lei e, por conseguinte, da Resolução Normativa, é permitir que o consumidor que custeou – integralmente ou não – plano de saúde contratado por seu empregador possa manter-se vinculado a tal produto após a cessação do vínculo de emprego, seja durante tempo razoável à sua recolocação no mercado de trabalho, seja até que possa pesquisar novo plano em condições suportáveis, que possa reorganizar-se financeiramente para suportar uma contração individual, ou mesmo ao longo de sua aposentadoria, mas, de qualquer forma, a custos usualmente menores que os praticados nos pactos individuais.

Em parte, essa realidade até encontra âncora na restrição orçamentária das pessoas, “definida pelas combinações-limite de bens que podem ser potencialmente adquiridas pelo indivíduo, dados seus preços e a sua renda[7]” e, por conseguinte, na influência dos princípios da economia sobre o direito.

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Para Bruno Meyerhof Salama[8] a “economia fornece ferramentas úteis para iluminar a relação entre meios jurídicos e fins normativos. Desse modo, a economia permite um tipo de crítica jurídica que já se tornou imprescindível nos dias de hoje.”

 Mas, para nós, a maior razão da Lei e da própria RN ao tentar garantir acesso e permanência dos desligados, ainda que temporariamente, nos planos vinculados a seus ex-empregadores está vinculada ao fato de que o Estado não consegue tornar eficiente e abrangente o sistema público de saúde, i.e., não proporciona aos cidadãos, nem como resultado do emaranhado de normas e extremamente oneroso sistema de custeio, o acesso à saúde tal como previsto na Constituição Federal. Daí a verdadeira necessidade do artifício, mesmo quando de modo temporário; até que o ex-empregado consiga uma recolocação no mercado de trabalho e, por conseguinte, acesso a outro plano de saúde coletivo empresarial.

 E se por um lado o Estado não consegue proporcionar aos cidadãos toda a magnitude prevista na Carta Magna, doutro, também não fomenta efetivas políticas de incentivo ou desoneração dos serviços e garantias ofertados pela iniciativa privada no âmbito da saúde suplementar, o que deságua em custos mais das vezes não suportáveis por enorme fatia da população, ao menos sob as formas das contratações individuais abordadas pela professora Lígia Bahia.

 Muito pela incapacidade ou desinteresse de solucionar as situações que advém desse cenário, o Estado transfere às pessoas jurídicas contratantes de plano de saúde em prol de seus empregados, aos operadores de planos de saúde e até às próprias pessoas físicas obrigações cuja finalidade é tão somente viabilizar acesso, ao menos a um determinado grupo de pessoas, aos cuidados e assistência à saúde, já que as hipóteses da Resolução Normativa desembocam na possibilidade de se adquirir proteção financeira (seguros) ou serviços de assistência (planos) a preços mais vantajosos do que os decorrentes da contratação individual. E assim, gota em gota, grupo em grupo, o Estado segue transferindo à responsabilidade de outrem os seus (do Estado) deveres.

Assim é que, sob esse ângulo, a Lei 9.656 e, então, a Resolução Normativa 279, capeiam lacuna decorrente da inação e baixíssima eficiência na atuação da Federação, seus Estados e Municípios ante as garantias constitucionalmente estabelecidas, aí sim, algo que merece a melhor atenção dos estudiosos de economia e direito.

 Mas, sob outro ponto de vista, olhando para o cenário real, concreto e não o para o ideal, a Resolução Normativa nº 279, em parte, repercute positivamente no universo do Direito do Consumidor, senão quando reafirma obrigações em grande parte já assimiladas pelos operadores de saúde ante a seus contratantes e usuários, mas ao estabelecer algumas outras, em especial fundadas no princípio da informação, da transparência assim como na boa-fé.

Para José Maldonado de Carvalho[9], a “informação, como um dos princípios norteadores das relações de consumo, tem como principal fundamento a educação e a harmonia de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do marcado de consumo (art. 4º, IV, CDC)”.

 O direito à informação do consumidor estabelece um consequente dever ao fornecedor e é bem mais do que mero elemento formal na relação de consumo que se estabelece – melhor ainda, que se aprofunda – entre o operador do plano de saúde e ex-empregado. De fato, esse princípio afetará o núcleo da relação entre o consumidor, in casu, o empregado desligado, e o fornecedor, ou seja, na hipótese de o operador de saúde não observarem as suas obrigações de informação, contidas nos dispositivos da RN 279, restará, de início, fragilizada a harmonia na relação de consumo, em especial porque o ex-empregado, nesta situação, dificilmente terá, por exemplo, condições de prever ou compreender as regras quanto ao custo por faixa etária (art. 15), até porque é também a informação o elemento a propiciar a condição de igualdade entre consumidor e fornecedor.

Faz sentido afirmar, numa relação em que o empregador e o operador de saúde conhecem mais as condições negociais do contrato que o empregado, seja para além de significativa, nas hipóteses em que o obreiro desligado tenha direito de manter-se vinculado ao ‘produto’, a obrigação de se prestar uma gama de informações a esse último, no afã de proporcionar-lhe bem conhecer os termos do negócio, sobretudo nos pontos em que constituem ônus justamente àquele que é mais fraco na relação e, em especial, porque, como frisa a Resolução Normativa, é o ex-empregador quem oferece ou propicia o liame do ex-empregado com o operador de saúde, seja através da sua manutenção no mesmo plano em que estava enquanto existia o vínculo de emprego, seja contratando outro, específico para os desligados (vide arts. 13, I e II; e art. 17).

 O art. 15 também é expressão do adequado dever de informar, determinando que, no ato da contratação do plano privado de assistência à saúde, a operadora apresente aos beneficiários o valor correspondente ao custo do plano ou seguro por faixa etária, mesmo que seja adotado preço único ou haja financiamento do empregador, dispondo mais que no contrato se registre o critério para a determinação do preço e até da participação do empregador, se for o caso, indicando-se a sua relação com o custo por faixa etária, certo que as tabelas de preço, com as devidas atualizações, deverão permanecer disponíveis, a qualquer tempo, para consulta dos beneficiários do plano ou seguro e a única exceção à apresentação da tabela do custo por faixa etária se dará na hipótese de o plano dos empregados ativos possuir formação de preço pós-estabelecida.

O dever de informar, aliás, encontra alicerce no próprio princípio da boa-fé objetiva, que deve pautar quaisquer relações jurídicas. Nesse sentido, ensina Cláudia Lima Marques[10]:

 “A informação é, pois, uma conduta de boa-fé do fornecedor e como direito do consumidor (art. 6º, III) conduz a um dever (anexo de boa-fé) de informar do fornecedor de produtos e serviços. Daí que o dever de informar é um dever de conduta ou de comportamento positivo, onde o silencio é violação do dever ou enganosidade.”

 Então, essa preocupação do órgão regulador no que diz respeito à prestação de informações é legítima e indispensável a que o consumidor possa fazer uma escolha consciente, compreendendo bem os seus desdobramentos e consequências.

 O princípio da transparência, na mesma esteira, integra a Resolução Normativa. E José Carlos Maldonado de Carvalho[11], citando Jorge de Miranda Magalhães, esclarece:

 “... a transparência significa, objetivamente, a correção e clareza da informação quanto ao produto ou serviço a ser vendido ou prestado, como também sobre o contrato a ser firmado, sobretudo na fase pré-contratual, ou fase negocial, dos contratos de consumo, onde deve aparecer a lealdade, a boa-fé, o não engodo ao consumidor.”

 De outro lado, o artigo 12 da Resolução Normativa, ao estabelecer que a exclusão do empregado (do plano ou seguro saúde) somente deve ser aceita pelo operador de saúde após a comprovação pelo empregador, ou seja, pelo próprio contratante do plano ou seguro de saúde coletivo, de que o trabalhador desligado fora comunicado da opção de manter-se no plano ou seguro, transporta ao rol de deveres do segurador ou operador as consequências de ato que o contratante do plano coletivo (o empregador) não realizou, em especial porque a ANS não determina deveres de conduta e não impõe penalidades às pessoas jurídicas contratantes do plano. E aqui, nesse dever imposto ao operador de saúde, a ANS, ao nosso sentir, desequilibra a relação de consumo.

 É que a Resolução Normativa, no art. 12, obriga os operadores a suportar os efeitos e consequências da falta de observação de deveres dos contratantes diretos dos planos de saúde coletivos empresariais, injetando no universo de obrigações daqueles primeiros a responsabilidade pela conduta do empregador (também consumidor do plano coletivo) quando deixar de comunicar ao empregado acerca da possibilidade de optar pela manutenção do plano ou seguro de que gozava durante a vigência do contrato de trabalho, hipótese em que a norma, cujo alcance em relação ao empregador (contratante do plano) é praticamente nulo, determina que o operador (contratado) não exclua o empregado do plano ou seguro, contrapondo-o à vontade do empregador, consumidor em relação à operadora de saúde. E esse é ponto delicado na RN 279, até mesmo sob o argumento da proteção à pessoa física consumidora, porque, na prática, os riscos, ao menos ante a ANS e órgãos de defesa do consumidor, são bastante maiores para o operador do que para o empregador contratante do produto ou serviço, justamente em razão da curtíssima influência ou possibilidade de punição nula da ANS ante a pessoa jurídica contratante do plano ou seguro de saúde coletivo, i.e., sobre o empregador. 

 Então, na prática, aquele dispositivo unicamente contrapõe o operador de saúde à vontade da pessoa jurídica contratante do plano ou seguro de saúde coletivo, atribuindo àquele primeiro o dever de exigir do seu cliente determinada obrigação de fazer, expondo demasiadamente o operador ante os consumidores, quer a pessoa jurídica contratante do plano, quer a pessoa física que, cessado o vínculo de emprego, em determinadas circunstâncias, tem o direito de optar por manter-se no plano coletivo empresarial cujo liame, de qualquer modo, terá a presença do ex-empregador.

Quanto ao vínculo, vale registrar que, ao empregador, uma vez feita a opção de permanência, atribui-se o poder/dever de decidir se a manutenção do ex-empregado se dará através do mesmo plano ou seguro em que se encontrava quando do seu desligamento, ou seja, através do plano de empregados ativos, ou se no plano para os empregados desligados.

 Na primeira hipótese, ou seja, quando o empregador decide por manter o empregado desligado no mesmo plano de saúde em que estão os seus empregados ativos, devem ser observadas as mesmas condições de reajuste, preço, faixa etária e fator moderador, se houver, aplicados durante a vigência do contrato de trabalho, certo que  o valor da contraprestação pecuniária que o ex-empregado suportará deverá corresponder ao importe integral estabelecido na tabela de custos por faixa etária de que trata o caput do artigo 15 desta Resolução, com as devidas atualizações.

 Mas, já se o empregador decidir pela transferência do empregado a seguro saúde ou plano privado de assistência exclusivo para desligados, deverá oferecê-lo mediante celebração de contrato coletivo empresarial firmado junto à mesma operadora escolhida para prestar assistência médica ou odontológica aos seus empregados ativos (exceto na hipótese de ser a operadora classificada na modalidade de autogestão) e aquele plano deverá abrigar tanto os demitidos ou exonerados sem justa causa quanto os aposentados, mas, nesta hipótese (apólice ou plano distinto daquele em que estão empregados ativos), a manutenção do liame entre operador e ex-empregado pode ocorrer com condições de reajuste, preço e faixa etária diferentes daquelas praticadas no plano contratado para os empregados ativos, podendo, conforme a norma, haver manutenção da mesma segmentação e cobertura, rede assistencial, padrão de acomodação em internação, área geográfica de abrangência e fator moderador, se houver, do plano privado de assistência à saúde contratado para os empregados ativos ou pode o empregador contratar plano de saúde na mesma segmentação com rede assistencial, padrão de acomodação e área geográfica de abrangência diferenciadas (das mencionadas no art. 18) como opção mais acessível, i.e., mais barata.

A opção de manter o desligado no plano de empregados ativos ou de contratar plano de inativos, assim como, nesta última hipótese, de contratar e oferecer a opção mais acessível é, pois, exclusiva do empregador e as decisões deste afetam a sorte e o bolso dos ex-empregados. Então, medidas destes para questionar os efeitos daquelas decisões, não devem atingir os operadores, a menos quando se pretenda questionar a conduta dos próprios operadores.

Com o propósito de beneficiar os consumidores (ex-empregados) que tenham feito a opção de manter-se nos planos vinculados a seus ex-empregadores, especificamente com o objetivo de tornar o custo mais acessível, a Resolução Normativa determina que a carteira dos planos privados de assistência à saúde de ex-empregados de uma operadora seja tratada de forma unificada para fins de apuração de reajuste, dispondo que a operadora deverá divulgar em seu Portal Corporativo na Internet o percentual aplicado à carteira dos planos privados de assistência à saúde de ex-empregados em até 30 (trinta) dias após a sua aplicação e, nesse sentido, vê-se nitidamente a influência de princípios de economia sobre a sua corporificação, em que pese a Lei 9.656, regulamentada através da RN 279, nada diga quanto à ‘leitura unificada’ da carteira de desligados dentro de uma mesma operadora de saúde, tornando, portanto, questionável a validade do artigo 21 da Resolução Normativa 279, cujo texto foi além do previsto na Lei 9.656/98.

 A norma trata ainda das hipóteses de extinção do direito previsto nos artigos 30 e 31 da Lei 9.656/98, dispondo[12]:

Art. 26.  O direito assegurado nos artigos 30 e 31 da Lei nº 9.656, de 1998, se extingue na ocorrência de qualquer das hipóteses abaixo:

I – pelo decurso dos prazos previstos nos parágrafos únicos dos artigos 4º e 5º desta Resolução;

II – pela admissão do beneficiário demitido ou exonerado sem justa causa ou aposentado em novo emprego; ou

 III – pelo cancelamento do plano privado de assistência à saúde pelo empregador que concede este benefício a seus empregados ativos e ex-empregados.

§ 1º Considera-se novo emprego para fins do disposto no inciso II deste artigo o novo vínculo profissional que possibilite o ingresso do ex-empregado em um plano de assistência a saúde coletivo empresarial, coletivo por adesão ou de autogestão.

§ 2º Na hipótese de cancelamento do plano privado de assistência à saúde pelo empregador que concede este benefício a seus empregados ativos e ex-empregados, descrita no inciso III, a Operadora que comercializa planos individuais deverá ofertá-los a esse universo de beneficiários, na forma da Resolução CONSU nº 19, de 25 de março de 1999.

 E ao explicar que para fins da própria RN emprego é qualquer vínculo profissional que possibilite o ingresso do ex-empregado em um plano, a norma, tanto modifica conceito alheio ao alcance normativo da própria ANS, quanto expõe o consumidor à situações que podem impossibilitar a escolha do que lhe for mais benéfico e ainda dá, à Lei 9.656/98, interpretação diversa da redação do parágrafo 5º, do art. 30.

Algo muito semelhante ocorre na previsão de extinção do direito pelas mãos do ex-empregador, quando este cancelar o plano de assistência concedido aos empregados atuais e aos desligados, tanto porque a Lei 9.656/98, norma regulamentada, não prevê esta hipótese (assim como não obriga à operadora que comercialize planos individuais a ofertar novo plano em substituição ao coletivo), quanto porque, na prática, o direito do consumidor de fazer a opção por manter-se em plano mais acessível pode ficar sem efeito. Basta imaginar a hipótese dos desligamentos em massa, por exemplo, no encerramento das atividades de uma fábrica – e aqui faz sentido o cancelamento do benefício pelo empregador –, quando todos os que tiverem contribuído para o plano, não importa a escolha que façam, não conseguirão ter acesso aos direitos previstos na Lei 9.656, a menos que, noutra hipótese absurda da Resolução Normativa, o operador de saúde comercialize planos individuais em alguma localidade e, por isso, seja obrigado a ofertá-lo aos ex-empregados daquela fábrica.

 No entanto, se o mesmo operador não comercializar planos individuais, a RN obstaculiza mesmo o acesso do consumidor ao direito previsto na Lei 9.656.

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Sobre o autor
Alexandre Albuquerque Almeida

Sócio do Escritório Pimentel Associados Advocacia, Especialista em Direito do Trabalho, Direito Processual Civil e Comércio Exterior pela Universidade de Fortaleza, Especialista em Direito do Seguro e do Resseguro pela FGV-SP e Mestrando em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Alexandre Albuquerque. A Resolução Normativa nº 279, da Agência Nacional de Saúde Suplementar, seus objetivos e as relações de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3367, 19 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22640. Acesso em: 22 dez. 2024.

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