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A proposta de Emenda Constitucional de iniciativa popular no direito brasileiro

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21/03/2013 às 15:10
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A Constituição Federal admite a Iniciativa Popular para Propostas de Emenda Constitucional de Iniciativa Popular, conclusão a que se chega a partir de uma interpretação racional e sistemática da CRFB/88.

Duas coisas enchem a alma de uma admiração e de uma veneração sempre renovadas e crescentes, quanto com mais frequência e aplicação delas se ocupa a reflexão: O céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim.

Immanuel Kant

Resumo: A presente monografia procura debater controvérsia existente no ordenamento jurídico brasileiro entre a vedação implícita à proposta de emenda constitucional por iniciativa popular e a sustentação, por alguns doutrinadores, de que uma interpretação sistemática da Constituição permite afirmar que ela acolhe a Iniciativa Popular como instrumento apto à iniciativa de Propostas de Emenda Constitucional. Parte-se de uma compreensão racional pós-positivista do direito para a análise, em seguida, da democracia, do Estado e do poder constituinte, nos moldes do método dedutivo. O levantamento teórico indicou que o atual conceito de democracia impede a sua concretização como um bem jurídico já que ela dever ser entendida como um processo e não como um destino. Pela aplicação dos critérios hermenêuticos e a interpretação sistemática ao caso pôde-se concluir que há um conflito aparente de normas na Constituição que reclama, para sua solução, a ponderação de valores constitucionalmente tutelados e imperativos da razão prática que não encontram óbice na Constituição, o que permite afirmar que a Constituição, em seu sentido completo, admite a Proposta de Emenda Constitucional de Iniciativa Popular.

Palavras-chave: Princípio democrático. Poder constituinte. Iniciativa popular. Interpretação sistemática. Pós-positivismo

Sumário: INTRODUÇÃO. 1 O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. 1.1 A Evolução Do Pensamento Democrático. 1.2 A Democracia na Atualidade. 1.3 A Evolução Democrática no Brasil. 1.4 O Estado Democrático de Direito no Brasil. 2 O PODER CONSTITUINTE. 2.1 O Estado e a Teoria do Poder Constituinte. 2.2 O Poder Constituinte Originário. 2.3 O Poder Constituinte Derivado. 3 A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL DE INICIATIVA POPULAR. 3.1 A Iniciativa Popular no Brasil. 3.2 A Proposta de Emenda Constitucional de Iniciativa Popular. 3.2.1 A Hermenêutica Constitucional. 3.2.2 A Interpretação Sistemática sobre a Proposta de Emenda Constitucional de Iniciativa Popular. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. 


INTRODUÇÃO

Inicialmente, cumpre destacar que a presente monografia, embora estude, em parte, teoria geral da política e do Estado, não ingressa nestes ramos da ciência com a profundidade que estas permitem, limita-se, assim, a seguir as lições de Norberto Bobbio, principalmente na obra “Teoria Geral da Política”, organizada por Michelangelo Bovero, nos seus estudos sobre o caráter político do Estado, a fundamentação racional da democracia e as análises sobre a relação Estado e razão.

Outro ponto de esclarecimento importante diz respeito à compreensão pós-positivista do direito, concepção esta que, embora tenha sido tomada como a ferramenta mais atual e eficiente para a compreensão dos limites da atuação interpretativa no âmbito jurídico, não tem posição de análise material quanto à sua validade e fundamentos de justificação. Dessa forma, o pós-positivismo foi eleito entre as teses dispostas atualmente na ciência jurídica como à que mais se adequava ao presente trabalho, principalmente pela sua forte influência sobre Jürgen Habermas, um dos referenciais teóricos do presente trabalho.

O referencial teórico baseou-se em obras que permitiram uma análise do amplo espaço teórico formado pela Teoria do Estado, da democracia e da soberania popular, passando por obras mais específicas sobre poder constituinte, eficácia das normas constitucionais, interpretação da Constituição, até as análises diversas dos estudiosos sobre o tema central do trabalho.

A atualidade do tema se revela pelos atuais movimentos sociais. Após mais de vinte anos de vigência da Constituição Cidadã de 1988, a experiência democrática do Brasil vem ingressando numa nova etapa onde são buscadas formas de aperfeiçoamento da democracia já edificada. A iniciativa popular, neste âmbito, possui papel de destaque, como já indicam os movimentos sociais em torno do tema.

No dia 10 de fevereiro de 2011 um terço dos membros do Senado Federal apresentou a proposta de emenda constitucional nº 3 de 2011, que pretende acrescentar o inciso IV ao caput do art. 60 e o § 3º ao art. 61 da Constituição, e alterar a redação do § 2º do art. 61 para viabilizar a apresentação de Propostas de Emenda à Constituição (PEC) de iniciativa popular. No dia 19 de maio de 2011, outro grupo de senadores apresentou proposta semelhante, mas que, além das alterações da primeira propunham a redução pela metade do número de assinaturas necessárias para a proposta de lei de iniciativa popular e determinar uma celeridade mais alta na sua tramitação no Congresso Nacional. As propostas encontram-se atualmente (23/09/2012) sob a apreciação da Comissão de Constituição Justiça e Cidadania.

A Constituição não prevê expressamente a iniciativa popular como legitimada à Proposta de Emenda à Constituição, mas apenas para a proposta de leis, apesar disso já estão sendo captadas assinaturas para algumas Propostas de Emendas à Constituição de iniciativa popular. Pode-se citar, como PEC de iniciativa popular em etapa de colheita de assinaturas, a PEC para reforma política, para aumento de poderes do Conselho Nacional de Justiça, entre outras.

Observa-se, portanto, um problema jurídico que requer solução: a Constituição Federal de 1988 não contempla expressamente a hipótese de Proposta de Emenda Constitucional de Iniciativa Popular, todavia o princípio democrático, a soberania popular e a fundamentação do Estado Democrático de Direito sobre estes princípios parecem indicar que tal liberdade é inerente a esta forma de constituição do Estado.

Nesta senda, na etapa de elaboração do projeto foi possível levantar algumas hipóteses como:

1. O Parágrafo único do art. 1º da Constituição da República limita as formas de exercício do poder estatal àquelas previstas expressamente na Constituição quando deixa a observação do final do dispositivo: “nos termos desta Constituição”, o que acaba por impedir a realização da Iniciativa Popular em matéria constitucional;

2.  A Constituição admite implicitamente tal direito ao cidadão, mas não há como efetivar deste direito sem que haja disciplinamento legal para o mesmo;

3. A Constituição admite implicitamente tal direito ao cidadão, permitindo que se aplique analogicamente o disciplinamento do projeto de lei de iniciativa popular, mas com um maior número de assinaturas, observada a maior dificuldade para a alteração constitucional,  já que a Constituição é rígida;

4. A Constituição admite implicitamente tal direito ao cidadão, permitindo que se aplique analogicamente o disciplinamento do projeto de lei de iniciativa popular, inclusive com o mesmo número de assinaturas necessárias.

Por estes motivos a presente monografia mostra-se atual e relevante para a compreensão da aplicabilidade da Proposta de Emenda Constitucional de Iniciativa Popular no ordenamento jurídico brasileiro. A par disso serão analisadas as soluções possíveis apontadas pela doutrina constitucional e será estabelecida a configuração geral da discussão sobre o princípio democrático e a soberania popular.

Para a concretização destes objetivos a monografia será dividida em três capítulos. O primeiro analisará o princípio democrático pelo estudo histórico da democracia nos Estados e o que é produzido de mais moderno sobre o tema a fim de se tomar uma base sólida nas conclusões. O segundo capítulo analisará a relação entre Estado, soberania popular e poder constituinte, as construções doutrinárias sobre o tema, terminando por analisar as formas de exercício do poder constituinte originário e derivado. O terceiro capítulo terá como tema a Proposta de Emenda Constitucional de Iniciativa Popular, iniciando a conceituação geral de iniciativa popular até a sua penetração em assuntos constitucionais, também analisará os instrumentos e os limites da hermenêutica constitucional, tal que possibilite uma compreensão ampla e precisa do problema e das hipóteses apontadas de solução.

Todo o trabalho se pautará pela preservação da moderna concepção pós-positivista do direito, tal que seja fiel aos postulados da segurança jurídica e da racionalidade prática, evitando-se a violação das normas constitucionais sob o argumento de realização de valores subjetivos ou metafísicos.

O método utilizado será o método dedutivo, o que se realizará pela análise do panorama geral de conceitos e sistemas jurídicos envolvidos que fornecerão as chaves para a solução do problema.


1 O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO

1.1 A Evolução Do Pensamento Democrático

A democracia foi conceituada por Norberto Bobbio (2000a, p. 30-31) como um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem uma autorização, a um número muito elevado de membros do grupo, para tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos.

Para melhor compreensão de qualquer instituto ou mesmo qualquer objeto posto à frente do cientista, é de grande valia a análise da sua origem e desenvolvimento até estabelecer-se no estado em que se apresenta atualmente. Assim, analisar-se-á o surgimento da democracia no mundo e o seu desenvolvimento até chegar ao estado em que se apresenta hoje no Brasil.

A democracia, palavra de origem grega formada por demos (povo) + kratos (poder), surge a partir do momento em que pessoas passam a criar mecanismos de tomada de decisões sobre determinado grupo a que pertençam tendo como iguais os membros deste grupo. Dado o instinto gregário da espécie humana, a democracia deve ter surgido nos tempos mais longínquos da antiguidade, sempre em pequenos grupos onde houvessem mecanismos de tomada de decisões coletivas por meio da participação de muitos membros, todavia, é apenas na Grécia do século VI ao IV A.C. que será possível observar com maior propriedade, o funcionamento de um Estado assim baseado, ou, pelo menos, uma cidade-estado, como lá se dava.

Mário Curtis Giordani (1967) identifica na geografia Grega um dos motivos pelos quais emergiu esta influente sociedade durante a antiguidade. Segundo o autor, o clima, os recursos naturais, o relevo e a pluralidade de ilhas induziram os gregos a uma vida ao ar livre, contemplativa e organizada em pequenas comunidades. Especificamente em Atenas, imperava a igualdade política e a liberdade sobre vasta faixa da população, mas não era nada como a forma atual da democracia no mundo.

Os direitos políticos nascem em Atenas proporcionalmente à riqueza, com as reformas de Sólon por volta dos anos 590 A.C.. A este respeito, são relevantes as observações de Croiset:

A constituição de Sólon repousa, com efeito, essencialmente, na ideia de que os direitos políticos são proporcionados á riqueza. Há nisso um princípio que pode, à primeira vista, parecer pouco democrático; cumpre, porém, não esquecer que a primeira condição do progresso da democracia era a destruição do inalienável privilégio do nascimento, porquanto a riqueza é apenas um fato e não se acha aliada de uma maneira invariável aos indivíduos ou às famílias. O privilégio concedido à riqueza é uma fase universal e necessária entre o privilégio de nascimento e a igualdade absoluta. É preciso, pelo espontâneo desenvolvimento do comércio e dos negócios, e por algumas das leis do próprio Sólon, mais facilmente acessíveis a numerosos cidadãos, de maneira que a substituição de um princípio por outro correspondia, na realidade, a um progresso no sentido da igualdade. (CROISET apud GIORDANI, 1967, p. 168)

Assim, a democracia ateniense desenvolveu-se a partir de uma cidadania baseada na riqueza para, depois das reformas do aristocrata Clístenes, considerado o pai da democracia ateniense, alcançar todo aquele que se inscrevesse, inclusive muitos estrangeiros residentes em Atenas e escravos libertos. A partir deste momento eram cidadãos todos aqueles filhos de um cidadão (GIORDANI, 1967). Aos poucos os privilégios decorrentes da renda foram desaparecendo até não terem mais efeitos.

Em seus tempos áureos, funcionavam na democracia Ateniense duas assembleias responsáveis pela tomada das decisões da cidade-estado, o Conselho dos Quinhentos e a Assembleia do Povo (GIORDANI, 1967).

O Conselho dos Quinhentos, ou Bulé, reunia poderes que mesclavam a função executiva, legislativa e até mesmo a judiciária e era formado por quinhentos cidadãos sorteados e submetidos a rigoroso exame sobre sua idoneidade, é considerado por Giordani como o Senado Ateniense (GIORDANI, 1967).

A Assembleia do Povo, ou Eclésia, era formada por todos os cidadãos e possuía função executiva e legislativa, só excepcionalmente a função judiciária. Nas reuniões todos possuíam “ampla liberdade de palavra, podendo emitir suas opiniões, apresentar projetos, debater proposições, etc.” (GIORDANI, 1967). É importante observar que, mesmo neste período de ampliação da cidadania e dos legitimados à participação na vida política da cidade-estado, apenas uma pequena parcela destes efetivamente comparecia às reuniões e tomava parte nas deliberações da Assembleia.

Com o passar do tempo e das lutas no plano interno e externo entre diversas facções, a democracia recuou no sentido da oligarquia e da demagogia até que a cidade-estado grega perdeu toda a sua soberania pelo domínio macedônio em 338 A.C. (GIORDANI, 1967).

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Alguns tiranos tentaram implantar regimes próximos à democracia na Sicília, também pela influência grega, mas a instabilidade gerada pelas diversas disputas nestas regiões impediam o florescimento do sistema, mesmo assim, a Sicília ainda produziu mestres da retórica e muitos sofistas (GIORDANI, 1967).

Posteriormente, com as guerras macedônias e a ascensão do Império Romano, a humanidade entra em estado de letargia em seu desenvolvimento, envolta em guerras e regimes despótico-feudais. O absolutismo impera depois da idade média e começa uma revolução intelectual denominada iluminismo que será a fonte de várias transformações que constituirão o mundo moderno como a criação e consolidação dos Estados nacionais, o liberalismo, a revolução científica, a expansão dos direitos civis, a revolução francesa e a queda das monarquias a partir de 1789.

Um assomo de luz vai brilhar no ano de 1689 com o Bill of Rights, lei inglesa influenciada pelo iluminista John Locke, e que marca um período em que o monarca soberano passa a submeter-se a determinadas leis inaugurando o Estado de Direito e o início do fim do absolutismo. Esta experiência influencia decisivamente a produção intelectual sobre a melhor forma de organização do Estado, sendo que alguns estudiosos, no que destaca-se o barão de Montesquieu com sua obra “O Espírito das Leis” de 1748, criticaram com ênfase a monarquia decadente e defenderam a separação do poder estatal em funções diferenciadas: o executivo, o legislativo e o judiciário, com limitações mútuas.

Neste ponto, é importante notar que estes primeiros teóricos dos Estados modernos e que inspiraram muitas constituições não viam, pelo menos em sua maioria, a democracia como o melhor governo, embora trouxessem à discussão os fundamentos do Estado Democrático. Tais pensamentos eram fruto, principalmente, da opinião defendida por Platão que tinham a mesma opinião, sempre se referindo a esta forma de governo como pejorativa vez que a massa do povo não consegue tomar decisões qualificadas, sempre flutuando sob a influência de demagogos e líderes dos mais diversos (PLATÃO, 1997). Hans Kelsen (2005, p. 407), por exemplo, diz que “A ideia de liberdade tem originalmente uma significação puramente negativa. Ela significa a ausência de qualquer compromisso, de qualquer autoridade obrigatória”.

A Revolução Americana, que teve como destaque a luta contra os regimes absolutistas, trouxe na Declaração de Independência de 1776, de autoria de Thomas Jefferson, as principais ideias democráticas e republicanas (MARTINEZ, 2004), além de consolidar alguns direitos considerados fundamentais no regime democrático, como pode ser observado na seguinte passagem:

Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade. (MONTEIRO, 2010, texto digital).

Neste contexto, a Constituição Americana, de 1787, primeira constituição escrita da história moderna, consolidou a República e a Democracia naquele Estado e foi pioneira no movimento que futuramente determinou a substituição do absolutismo pelo Estado de Direito, exaltando a Constituição como o instrumento legítimo de organização, separação e limitação do poder do Estado.

A Revolução Francesa, deflagrada em 1789, sob a bandeira da “liberdade, igualdade e fraternidade”, fortemente influenciada por Rousseau, trouxe os pilares do que seria a democracia como se a tem atualmente (MARTINEZ, 2004), todavia, até mesmo Rousseau salientava que o governo democrático é o mais sujeito a guerras e agitações, sendo instável na sua manutenção, mas destacava: “Se houvesse um povo de deuses, ele se governaria democraticamente. Tão perfeito governo não convém aos homens.” (ROUSSEAU, 2002, p. 33-34). Por este fragmento percebe-se que a visão do autor era a de que a democracia consistia num dever-ser, num foco a ser perseguido, mas não numa realidade a ser implantada de pronto. Tal fato fica ainda mais claro quando o autor rechaça a ideia de representação num Estado Democrático, conforme se vê na passagem:

A idéia dos representantes é moderna; vem do governo feudal, desse iníquo e absurdo governo, no qual a espécie humana é degradada e o nome de homem constitui uma desonra. Nas antigas repúblicas, e inclusive nas monarquias, jamais o povo teve representantes: não se conhecia sequer esse nome. É bastante singular o fato de, em Roma, onde os tribunos eram tão sagrados, sequer se haver imaginado pudessem eles usurpar as funções do povo, e, em meio de uma tão grande multidão, nunca terem tentado passar um só decreto oriundo de sua própria cabeça. Julgue-se, entretanto, pelo que acontecia no tempo dos Gracos, o embaraço causado por vezes pela turba, quando uma parte dos cidadãos dava o voto de cima dos telhados. Onde o direito e a liberdade tudo representam, os inconvenientes nada são. No seio desse povo sábio, tudo estava posto em sua justa medida; ele permitia aos lictores fazerem o que os tribunos não teriam ousado, pois não receava daqueles a veleidade de o representar. (ROUSSEAU, 2002, p. 46).

Embora a opinião contrária de Rousseau, ante a impossibilidade de compatibilização de uma democracia com Estados de grande extensão territorial, os ideais democráticos marcaram o período e frutificaram em iniciativas democráticas que tornaram os séculos XIX e XX o momento da ascensão dos partidos políticos e da democracia representativa, ou seja, aquela exercida através de representantes do povo.

A partir da proliferação da democracia no ocidente, durante o século XX foram surgindo iniciativas de aperfeiçoamento da mesma, sempre buscando sanear a arguição de Rousseau e construindo uma ponte entre a democracia representativa e a democracia direta, ponte esta que ainda é o palco de grandes discussões e críticas do sistema democrático atual.

Com as drásticas modificações sociais do século XX, outros fatores como a educação, com o aumento do ensino público, gratuito e de qualidade, o crescimento da população urbana, a facilitação do acesso à informação, o encurtamento das distâncias e da comunicação pelo surgimento e facilitação do acesso aos novos meios de comunicação, a democracia encontrou meio propício ao seu desenvolvimento.

O início do século XXI, por fim, vem consolidando o que foi sendo desenvolvido durante o século XX, com ênfase para o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular, o sufrágio universal, o veto popular, o recall e a ação popular, instrumentos estes tipicamente da democracia direta, vem trazendo iniciativas de construção de pequenas assembleias populares de deliberação e decisão administrativas através, principalmente, dos orçamentos participativos, e vem apontando previsões de inovações tecnológicas no cenário político democrático com o desenvolvimento de novos instrumentos de captação de opiniões.

1.2 A Democracia na Atualidade

A democracia, na atualidade, assume uma conotação diferente da que tradicionalmente teve. Em vez de significar algo estático, como uma organização objetivamente determinada ou determinável, a democracia passa a ser compreendida como um “processo de convivência social em que o poder emana do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do povo.” (SILVA, 2011, p. 126). Nota-se, pois, que o conceito de democracia para José Afonso da Silva acima referido é preponderantemente político, o que, até certo ponto, explicaria a ampla utilização do termo em discursos eleitorais como uma espécie de bandeira a ser defendida, sendo que a realidade do termo perde com a sua utilização emocional (cf. BOBBIO, 2000a, p. 55).

Mas embora a democracia seja amplamente utilizada em discussões políticas como um termo vago e impreciso, Norberto Bobbio (2000a), em sua obra intitulada “O futuro da democracia”, vem fazer uma distinção importante quando se trata de democracia: a democracia direta não é propriamente um fim a ser buscado dentro da democracia representativa, mas ambas são faces de um mesmo objeto dinâmico. Nas palavras do autor:

[...] entre a democracia representativa pura e a democracia direta pura não existe, como crêem os defensores da democracia direta, um salto qualitativo, como se entre uma e outra existisse um divisor de águas e como se a paisagem mudasse completamente tão logo passássemos de uma margem à outra. Não: os significados históricos de democracia representativa e de democracia direta são tantos e de tal ordem que não se pode pôr os problemas em termos de ou-ou, de escolha forçada entre duas alternativas excludentes, como se existisse apenas uma única democracia direta possível; o problema da passagem de uma a outra somente pode ser posto através de um continuum no qual é difícil dizer onde termina a primeira e onde começa a segunda. [...] Isto implica que, de fato, democracia representativa e democracia direta não são dois sistemas alternativos (no sentido de que onde existe uma não pode existir a outra), mas são dois sistemas que se podem integrar reciprocamente. (BOBBIO, 2000a, p. 64, grifo do autor).

São estas as palavras utilizadas pelo autor na formulação daquilo que nomeou como democracia integral, termo utilizado para designar precisamente a compreensão dinâmica e una (democracia representativa mais democracia direta) da democracia.

Outros dois pontos importantes que marcam a compreensão atual de democracia é a necessidade do dissenso dentro das deliberações, ou seja, necessidade de deliberação real, e a publicidade máxima.

Norberto Bobbio, analisando a questão do consenso dentro da democracia e a fala de muitos indicando a democracia como o simples consenso da maioria, enxerga no consentimento da maioria para a tomada de decisões uma essencial presença de uma minoria que dissente. Neste sentido, volta o olhar para o totalitarismo onde existe uma maioria que impera e que cala a minoria, tornando o consenso fictício e, às vezes, até falso, para, ao final, concluir que “apenas onde o consenso é livre para se manifestar o consenso real, e que apenas onde o consenso é real o sistema pode proclamar-se com justeza democrático.” (BOBBIO, 2000a, p. 75). Assim, a democracia só é possível onde há pluralidade de grupos livres para manifestarem o dissenso, havendo, consequentemente, o consenso real e a pulverização do poder resultante das diferentes combinações desta sociedade plural que conduzem a uma plenificação da democracia (BOBBIO, 2000a).

A publicidade também toma grande espaço na democracia tendo em vista a sua função essencial de expurgar as ações que não satisfazem à razão e à moral por parte dos agentes envolvidos na direção do Estado. Com efeito, nenhum agente público poderia manifestar publicamente a sua intenção de utilizar a máquina pública para beneficiar a si próprio ou utilizar-se de cargo para gerar ganhos meramente pessoais. É impossível tais condutas ao agente público que detém certo poder de decisão em nome do povo e com a finalidade de beneficiar o povo, sem que isso o coloque em flagrante contradição e reprovação lógica por parte do povo, até mesmo os de sua facção vez que a própria razão condena tal prática (BOBBIO, 2000a).

Assim, como observa Habermas (2003), são estes dois fatores, deliberação e publicidade, que legitimam a formação democrática do poder através da produção normativa. Nas palavras do autor:

O fluxo comunicacional que serpeia entre formação pública da vontade, decisões institucionalizadas e deliberações legislativas, garante a transformação do poder produzido comunicativamente, e da influência adquirida através da publicidade, em poder aplicável administrativamente [...]. (HABERMAS, 2003, v. 2, p. 22)

Ademais, vale lembrar os pontos definidos por Bobbio como o conteúdo mínimo do Estado democrático:

 [...] garantia dos principais direitos de liberdade, existência de vários partidos em concorrência entre si, eleições periódicas a sufrágio universal, decisões coletivas ou concordadas (nas democracias consociativas ou no sistema neocorporativo) ou tomadas com base no princípio da maioria, e de qualquer modo sempre após um livre debate entre as partes ou entre os aliados de uma coalizão de governo. (BOBBIO, 2000a, p. 50).

São estes, enfim, os caracteres que marcam o atual pensamento democrático no mundo, deixando a cargo de cada Estado soberano o maior ou o menor avanço no que se refere ao processo contínuo de democratização, como já referido.

1.3 A Evolução Democrática no Brasil

A história da democracia no Brasil é tardia em relação ao resto do mundo, curta e ríspida, oscilando sempre momentos de democracia frágil, sempre sujeita a intensa instabilidade institucional, com ditaduras explicadas pela necessidade de manutenção da ordem, indicando um domínio fático e histórico do poder por corporações militares.

O Brasil iniciou sua história através de um regime monárquico que durou até 1889, posteriormente, com a proclamação da República por militares instaurou-se no país, através da Constituição de 1891, o período conhecido como República Velha. A Constituição previa um regime democrático representativo, divisão dos poderes segundo a doutrina de Montesquieu, executivo, legislativo e judiciário, independentes e harmônicos entre si, e autonomia dos estados (SILVA, 2011).

Na República Velha, entre 1891 e 1930, constituía-se, em realidade, numa oligarquia altamente instável sujeita a modificações abruptas de governantes onde o poder estava nas mãos das elites regionais e militares, os chamados coronéis. Nas palavras de José Afonso da Silva:

O coronelismo fora o poder real e efetivo, a despeito das normas constitucionais traçarem esquemas formais da organização nacional como teoria de divisão de poderes e tudo. A relação de forças dos coronéis elegia os governadores, os deputados e senadores. Os governadores impunham o Presidente da República. [...] Tudo isso forma uma constituição material em desconsonância com o esquema normativo da Constituição então vigente e tão bem estruturada formalmente. (SILVA, 2011, p. 80).

Ou seja, vivia-se o total descompasso entre realidade e ordenamento jurídico, situação que torna a Constituição mera folha de papel, para utilizar o termo de Ferdinand Lassale.

Tal situação só durou até 1930 quando uma revolução encabeçada pelo operariado urbano põe fim ao governo, transferindo o poder a um governo provisório. Para Luís Roberto Barroso (2001, p. 19), “foi a única revolução da República, no sentido de transformação de estruturas e renovação das instituições”. Tal revolução trouxe em 1934 uma nova Constituição que manteve os pontos citados acima da Constituição de 1891, como a democracia representativa, mas também trouxe inovações como a definição de direitos políticos, o sistema eleitoral, admitindo, inclusive o voto feminino, dentre outros . Tal Constituição, todavia, teve vida curta, pois, ao impedir a candidatura do governante provisório, na ocasião Presidente da República, acabou incitando-o, junto com outros fatores, a um golpe militar com a outorga da Constituição de 1937, instaurando a ditadura (SILVA, 2011).

O fim da ditadura é seguido pela promulgação da Constituição de 1946 que vem cumprir o papel de redemocratizar o país seguindo um momento histórico de construção constitucional fecundo em todo o mundo, sendo considerada por alguns como a melhor das Constituições brasileiras (BARROSO, 2001, p. 25-26). Neste período os partidos políticos de âmbito nacional já se encontravam relativamente constituídos, o que permitiu certa sobrevida da Constituição, todavia, malgrado a obrigatoriedade do ensino primário obrigatório o país mantinha-se com os mesmos condicionamentos das anteriores crises de tal forma que a eleição de presidente e vice-presidente de segmentos políticos opostos causou nova crise institucional que mobilizou os militares a novo golpe militar instaurando a ditadura militar em 1964 com outorgação de nova Constituição em 1967 (BARROSO, 2001).

A Constituição de 1967, tipicamente ditatorial, hipertrofiava o poder executivo nas funções do Estado, inclusive subtraindo a iniciativa legislativa do Congresso nas matérias relevantes. O poder executivo podia ainda, suspender direitos políticos, cassar mandatos eletivos, suspender garantias dos magistrados, exclusão da apreciação judicial de algumas matérias e etc. Havia censura à imprensa e perseguição policial violenta, inclusive com uso de tortura contra os adversários políticos. Surgiram movimentos de resistência armada com quadros de guerrilha formados, sobretudo por estudantes universitários, mas que não obtiveram qualquer resultado sendo fortemente reprimidos (BARROSO, 2001).

Neste contexto, em 1969, é promulgada pelos militares a Emenda nº 1 que reforma grande parte do texto constitucional, a tal ponto que é considerada pela maioria da doutrina como, materialmente, uma nova Constituição. A ditadura continua até que em 1979 um militar eleito indiretamente se compromete a restaurar a democracia de forma “gradual e segura”, assim, em novembro de 1985 é eleita indiretamente chapa formada por não-militares e, através de emenda constitucional de novembro de 1985, é convocada uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita em 1986 (BARROSO, 2001).

Desde a eleição de Tancredo Neves até a promulgação da Constituição de 1988, todo o processo foi amplamente acompanhado pela população e debatido pelos diversos setores interessados, inclusive quando dos estudos pela Comissão convocada pelo Presidente da República, sendo que José Afonso da Silva classificou o produto dos estudos da comissão como um “estudo sério e progressista” (SILVA, 2011, p. 89), e que, após a passagem pela Assembleia Nacional Constituinte vai gerar a Constituição Federal de 1988 avaliada por Silva como “um texto moderno, com inovações de relevante importância para o constitucionalismo brasileiro e até mundial. Bem examinada, a Constituição Federal, de 1988, constitui hoje, um documento de grande importância para o constitucionalismo em geral.” (SILVA, 2011, p. 89).

1.4 O Estado Democrático de Direito no Brasil

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), em seu art. 1º, funda um Estado Democrático de Direito, tornando tal conceito um conceito-chave do regime adotado no Brasil (SILVA, 2011), inaugurando um regime realmente democrático no país. O próprio preâmbulo da CRFB/88 deixa claro o intuito precípuo da Assembleia Nacional Constituinte de instituir um Estado Democrático (BRASIL, 2012).

Segundo José Afonso da Silva, o Estado Democrático de Direito não é uma junção simples dos conceitos de Estado democrático e Estado de direito, mas “os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo” (SILVA, 2011, p. 119). Ou seja, segundo o autor, o qualificativo democrático implicaria num movimento revolucionário de democratização de um país marcado por ditaduras e submissão do poder estatal à vontade de minorias, o que coloca a democracia em posição de destaque na atual Constituição.

E mais, o intuito de assegurar determinados direitos, intuito impresso no preâmbulo, somado à imensa gama de direitos e valores a serem implantados (normas programáticas), impressos no texto constitucional, fizeram com que a maioria da doutrina reconhecesse no Estado brasileiro fundado na CRFB/88 um Estado com o objetivo de concretizar ou realizar os direitos e valores constitucionais (SILVA, 2011).

Com efeito, traz o preâmbulo da CRFB/88:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (BRASIL, 2012, p. 21, grifo nosso).

Decerto que o preâmbulo constitucional não possui força normativa, todavia, é amplamente reconhecida a sua função interpretativa sobre o restante do texto constitucional, o que permite utilizá-lo, principalmente para a correta compreensão do caráter e do conteúdo da democracia brasileira.

Essas construções poderiam permitir que o intérprete constitucional, na condição de juiz, pudesse dar uma interpretação no sentido da realização dos valores constitucionais e resolver de uma vez os problemas da sociedade, todavia, o concretismo baseado em valores, conforme indica Habermas (2003), levanta o problema da legitimidade, colocando, inclusive, a jurisprudência constitucional em concorrência com a legislação, o que acaba por tornar o tribunal constitucional uma instância autoritária. A falta de definição e o subjetivismo dos valores impedem que estes possam lastrear o ordenamento jurídico, de forma que não se admite mais no pensamento científico-jurídico a ostentação de valores constitucionais como suficientes a sobrepujar as demais normas constitucionais, “como se fora um texto sagrado” (HABERMAS, 2003, v. 1, p. 319). Nas palavras de Habermas (2003, v. 1, p. 318), “Esses princípios ontológicos objetivam bens e valores, transformando-os em entidades que existem em si mesmas; sob condições do pensamento pós-metafísico, no entanto, eles não são mais defensáveis.”.

E aqui vem à baila a discussão em torno do pensamento metafísico ou do direito natural que teve grande aceitação no passado, principalmente quando da formação do Estado de Direito. Sobre o direito natural Tavares traz a seguinte ponderação:

Sobre o direito natural, por exemplo, Ely observa que, no caso da escravidão, nos Estados Unidos, ‘tal foi, inclusive, utilizada por ambos os lados’, tanto pelos abolicionistas como pelos escravocratas. A razão, por sua vez, que seria o instrumento percuciente para propiciar ao exegeta (ao juiz, principalmente) uma interpretação imparcial dos termos constitucionais, é considerada ou como uma fonte vazia, tendo em vista que não existe apenas uma única forma de raciocínio, ou como ‘tão flagrantemente elitista e não-democrática que deveria ser esquecida, de pronto’. (ELY, 1980, p. 59 apud TAVARES, 2007, p. 341).

De fato, embora o direito natural ou metafísico tenha tido sua importância quando da derrubada do absolutismo e início do Estado de Direito sob a bandeira dos valores naturais, a confusão teórica por falta de crivo para esta teoria demoveu-a de maior consistência científica. Seu sucessor, o positivismo, por sua vez, também não é suficiente para a regulamentação da sociedade sempre dinâmica e veloz. A compreensão mais assentada atualmente reside, pois, na fundamentação do direito com base na racionalidade dos sistemas jurídicos. Nas palavras de Habermas:

[...] a positivação do direito e a consequente diferenciação entre direito e moral são o resultado de um processo de racionalização, o qual, mesmo destruindo as garantias meta-sociais da ordem jurídica, não faz desaparecer o momento de indisponibilidade contido na pretensão de legitimidade do direito. [...] Com a distinção entre normas e princípios de ação, com o conceito de uma produção de normas conduzida por princípios e da estipulação espontânea de regras normativamente obrigatórias, com a noção da força normatizadora de pessoas autônomas privadas, etc., formou-se a representação de normas estabelecidas positivamente, portanto modificáveis e, ao mesmo tempo, criticáveis e carentes de justificação. [...] De fato, a positividade do direito pós-metafísico também significa que as ordens jurídicas só podem ser construídas e desenvolvidas à luz de princípios justificados racionalmente, portanto universalistas. (HABERMAS, 2003, v. 1, p. 100-101).

Essa discussão ganha especial relevância no Estado Democrático de Direito em que a soberania do ordenamento jurídico confunde-se com a soberania do povo. No Estado Democrático de Direito, aqueles que sancionam o ordenamento jurídico se confundem com aqueles a quem se destina o mesmo, sendo o povo ao mesmo tempo sujeito e objeto do ordenamento jurídico.

A CRFB/88, no parágrafo único do seu art. 1º, explicita a soberania popular como fundamento do Estado Democrático de Direito, aduzindo que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” (BRASIL, 2012, p. 21), momento em que também caracteriza a democracia brasileira como uma democracia participativa, ou seja, aquela em que há instrumentos da democracia representativa e da democracia direta.

Em seu artigo 14, a CRFB/88 prevê os instrumentos da soberania popular dando seguimento ao art. 1º, parágrafo único, nos seguintes termos:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I - plebiscito;

II - referendo;

III - iniciativa popular. (BRASIL, 2012, p. 28)

Sobre os instrumentos da democracia participativa destacam-se três: a iniciativa popular, o referendo e o plebiscito. A iniciativa popular, foco deste trabalho e que será analisada mais profundamente no capítulo 3, é nada mais que um procedimento que permite ao povo levar ao poder legislativo proposta de adoção de norma constitucional ou legislativa (CARVALHO, 2005; MAGALHÃES, 2002). O referendo é uma submissão de determinado projeto de lei aprovado à vontade popular que o rejeitará ou aprovará. E o plebiscito é uma submissão à vontade popular de determinada matéria para que esta seja objeto ou não de formulação legislativa. Assim, referendo e plebiscito diferem basicamente em relação ao momento da consulta, o referendo posterior e o plebiscito anterior (SILVA, 2011).

Neste ponto, não é demais voltar à questão da soberania popular, questão que teve sua origem histórica resumida por Habermas nos seguintes termos:

O conceito de soberania do povo resulta da apropriação e da conversão republicana da ideia de soberania, oriunda dos tempos modernos, e que inicialmente era ligada ao governo absolutista. O Estado, que monopoliza os meios da aplicação legítima da força, é tido como uma concentração de poder, capaz de sobrepujar todos os demais poderes deste mundo. Rousseau transpôs essa figura de pensamento, que remonta a Bodin, para a vontade do povo unido, diluiu-a com a idéia do autodomínio de pessoas livres e iguais e a integrou no conceito moderno de autonomia. (HABERMAS, v. 2, p. 23, grifo nosso).

Vê-se, pois, que, segundo a concepção clássica, a soberania do povo parte da concepção da liberdade individual (ideia de autodomínio) tendo como pressupostos a igualdade e a liberdade dos indivíduos que, dispondo da liberdade natural se unem contratualmente renunciando a determinada cota de liberdade para a formação de um ente detentor do resultado desta doação de poder, o Estado.

Na atualidade, todavia, a soberania popular exige uma nova compreensão de seu conteúdo e da sua fundamentação, principalmente a sua fundamentação que não está mais associada ao direito natural. A soberania popular também não pode ignorar a realidade de sua construção visto que não nasceu de uma sociedade ideal que degenerou, mas de movimentos complexos e elitizados que acabaram por aperfeiçoar seus mecanismos e iniciar um processo de realização da soberania popular real.

Para um aprofundamento ainda maior nas formas de manifestação da vontade popular e no conteúdo do poder detido pelo povo originariamente, o próximo capítulo estudará o poder constituinte, o que permitirá uma melhor compreensão e interpretação da democracia participativa e da soberania popular.

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Sobre o autor
Luan José Silva Oliveira

Advogado. Pós-graduando em História da Filosofia pela Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Luan José Silva. A proposta de Emenda Constitucional de iniciativa popular no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3550, 21 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23991. Acesso em: 22 dez. 2024.

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