Artigo Destaque dos editores

A proposta de Emenda Constitucional de iniciativa popular no direito brasileiro

Exibindo página 4 de 4
21/03/2013 às 15:10
Leia nesta página:

CONCLUSÃO

A democracia na atualidade assume significado novo, diferente do que foi utilizado na antiguidade, quando limitava-se à democracia direta, e diferente das primeiras construções feitas nos séculos XVIII e XIX, quando emergiu a democracia representativa como a melhor forma, ou pelo menos a melhor forma executável, de organização do jovem Estado de Direito. Atualmente a democracia é entendida como processo, e, assim, não indica uma realização concreta do Estado para sua criação ou concretização, mas indica mecanismos a serem aperfeiçoados e ampliados a fim de aumentar o grau de legitimidade da produção legislativa e executiva consistentes nas manifestações de vontade estatal. A democracia também não deve ser entendida como um instrumento a ser aperfeiçoado seguindo o caminho da democracia representativa para a democracia direta, abandonando a primeira e acolhendo a segunda, como se fossem escolhas excludentes, mas deve ser entendida como um sistema uno, incluindo mecanismos da democracia direta e da democracia representativa que, juntos, pela forma como vão permitir a fidelidade entre manifestação estatal e soberania do povo, ao mesmo tempo em que permitem uma eficiência em tal processo, vão indicar a qualidade da democracia.

O conceito de democracia como processo impede que o poder judiciário tome posição ativa no sentido de concretizar a democracia em algum sentido, mas não anula o princípio democrático, que deve ser tomado como uma perseguição estatal constante, tendo como limites aqueles traçados na própria constituição.

A democracia, além de ser uma opção adotada em todo o planeta, é um regime político que possui fundamento moral na razão prática e no indivíduo racional como o melhor árbitro de seu interesse, conforme já assinalado no pensamento de Kant e Bobbio referidos no capítulo 2.

Num Estado Democrático a soberania é a soberania do povo, de tal forma que é possível identificar poder soberano e poder constituinte como sinônimos. O poder constituinte pode ser definido como um poder ilimitado, incondicionado, político (extrajurídico) e permanente e é dele que provém a Constituição e a ordem jurídico-Estatal. O poder constituinte, pela dificuldade de sua manifestação encarrega alguns órgãos do Estado para o exercício de seu poder em determinadas matérias, trata-se do poder constituinte derivado.

No Brasil o poder constituinte derivado é exercido pelo Congresso Nacional, sendo que a Constituição expressamente determina três legitimados para a iniciativa de emendas à Constituição: o Presidente da República, um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, ou mais da metade das Assembleias Legislativas das Unidades da Federação por maioria relativa em cada uma delas.

A Iniciativa Popular não é expressamente prevista como um dos meios de se provocar a iniciativa de emenda constitucional, todavia é identificada pela Constituição como um dos modos de exercício da soberania popular, ou seja, é uma forma com que o poder soberano do povo pode ser exercido. Tal fato gera um conflito aparente de normas constitucionais vez que há uma limitação aparente da Iniciativa Popular por ser vedada a sua penetração em assuntos Constitucionais.

A solução de tal controvérsia, num prisma pós-positivista do direito, não pode ser visto como um campo aberto à intervenção do intérprete da Constituição que utilizará valores, ainda que constitucionalmente tutelados, para justificar quaisquer decisões sobre a controvérsia. Antes, há que haver uma interpretação lastreada na racionalidade do sistema jurídico onde o ponto de partida e os limites da interpretação sejam dados pelo ordenamento jurídico positivado. Neste sentido, o princípio democrático não é suficiente para inferir que o ordenamento jurídico admite a PEC por iniciativa popular vez que o atual conceito de democracia liga-se a um processo e não a um bem jurídico passível de realização.

No caso em questão, a proibição da Constituição para a Iniciativa Popular em matéria constitucional não é expressa, embora haja um silêncio eloquente neste sentido. De outro lado a Constituição só pode ser interpretada sistematicamente, ou seja, de uma forma em que o conjunto de suas normas forme um todo harmônico e racional, nos moldes dos princípios interpretativos da unicidade, da máxima efetividade e da concordância prática. Assim, devem ser levados em conta, neste ponto da interpretação os valores constitucionalmente tutelados e as construções da razão prática até o limite da não violação do texto da Constituição.

Dessa forma, percebe-se que a Constituição admite a Iniciativa Popular para Propostas de Emenda Constitucional de Iniciativa Popular, conclusão à que se chega a partir de uma interpretação racional e sistemática da CRFB/88.

Sobre a hipótese de que há inviabilidade de realização deste permissivo constitucional pela não existência de lei que regulamente tal medida, opõe-se a hierarquia das normas, o que exige um paralelo entre Constituição e lei de tal forma que, conforme indica o princípio da interpretação conforme, sejam adotados os sentidos da lei tais que se adéquem à Constituição.

A hipótese de violação da rigidez constitucional pela adoção de quórum semelhante para a proposta de lei e para a proposta de emenda Constitucional há que se levar em conta que a competência do Congresso Nacional ainda se mantém plena para a apreciação da PEC, inclusive com o quórum dificultado de aprovação, o que preserva a rigidez constitucional.


REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 5. ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Trad. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Terra e Paz, 2000a.

______. Teoria geral da política: a filosofia política e a lição dos clássicos. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000b.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. atualizada. São Paulo: Malheiros, 2011.

______. Teoria constitucional da democracia participativa – por um direito constitucional de luta e resistência – por uma nova hermenêutica – por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2003.

BRASIL. Vade mecum acadêmico de direito Rideel. 14. ed. atual. e ampl. Organizado por Anne Joyce Angher. São Paulo: Rideel, 2012.

______. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 2650-DF. Plenário. Relator Ministro Dias Toffoli. Coordenadoria de análise de jurisprudência. DJE nº 218. Publicação em 17/11/2011. Brasília, 24 de agosto de 2011.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.

CARVALHO, Kildare Gonçalves de. Direito constitucional. 11. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

COSTA, Famblo Santos. O poder constituinte de reforma: análise da emenda constitucional nº 16, de 04/06/1997, que garantiu a reeleição para a chefia do Poder Executivo. Dissertação de mestrado. Florianópolis: UFSC, 2001.

ELY, John Hart. Democracy and distrust: a theory of judicial review. Cambridge: Harvard University Press, 1980.

FARIAS, José Fernando de Castro. Crítica à noção tradicional de poder constituinte. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1988.

GIORDANI, Mário Curtis. História da Grécia. Petrópolis: Vozes, 1967.

Habermas, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 2003. 2 v.

HELLER, Hermann. Teoria do Estado. São Paulo: Mestre Jou, 1968.

KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Trad. Rodolfo Schaefer. 3. ed. São Paulo: Martin Claret, 2011.

KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. Tradução de Luís Carlos Borges. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

MAHALHÃES, José Luiz Quadros. Direito constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

MARANHÃO, Ney Stany Morais. O fenômeno pós-positivista. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2246, 25 ago. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13387>. Acesso em: 6 set. 2012.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

MARTINEZ, Vinício C.. Estado Democrático. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 384, 26 jul. 2004 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5497>. Acesso em: 31 mai. 2012.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

MONTEIRO, Juliano Ralo. Pec da felicidade positivará direito no CF. Revista Consultor Jurídico, 29 de maio de 2010.

MÜLLER, Friedrich. Fragmento (sobre) o poder constituinte do povo. Trad. Peter Naumann. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

PLATÃO. A república. Trad. Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural Ltda., 1997.

REIS JÚNIOR, Ari Timóteo dos. Hermenêutica e aplicação do direito. Breves apontamentos sobre a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2794, 24 fev. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/18553>. Acesso em: 23 set. 2012.

REPOLÊS, Maria Fernanda Salcedo. Habermas e a desobediência civil. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Trad. Rolando Roque da Silva. São Paulo: Ed. Ridendo Castigat Mores, 2002.

SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord.). Crise e desafios da constituição: perspectivas críticas da teoria e das práticas constitucionais brasileiras. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

SAMPAIO, José Adércio Leite; CRUZ, Álvaro Ricardo De Souza (Coord.). Hermenêutica e jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.

______. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.

TAVARES, André Ramos. A constituição é um documento valorativo? In: Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC. n. 09 – jan./jun. 2007.

WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. Trad. Leonidas Hegenberg e Octany Silveira da Mota. 14. ed. Berlim: Duncker e Humblot, 2007.


Notas

[1] Sem referência à fonte no original.

[2] Sem referência à fonte no original.


ABSTRACT: The present monograph seeks to debate controversy in the Brazilian juridical system between the implied prohibition to constitutional amendment by popular initiative and the support, by some scholars, that a systematic interpretation of the Constitution allows us to affirm that it welcomes the Popular Initiative as an instrument able to the initiative of proposal of Constitutional Amendment. It starts with a rational postpositivist comprehension of the right for the analysis, then, of the democracy, the State and the constituent power, according to the deductive method. The theoretical research indicated that the current theoretical concept of democracy prevents its implementation as a legal good, saw that it should be understood as a process and not as a destination. By the application of the hermeneutical criteria and systematic interpretation to the case might conclude that there is an apparent conflict of norms in the constitution that calls, for its solution, a balancing of constitutionally protected values ??and imperatives of the practical reason that find no obstacle in the Constitution, what allows us to affirm that the Constitution, in its complete sense, admits the Proposal of Constitutional Amendment of Popular Initiative.

Keywords: Democratic principle. Constituent power. Popular initiative. Systematic interpretation. Postpositivism

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Luan José Silva Oliveira

Advogado. Pós-graduando em História da Filosofia pela Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Luan José Silva. A proposta de Emenda Constitucional de iniciativa popular no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3550, 21 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23991. Acesso em: 26 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos