Artigo Destaque dos editores

(In)eficácia das medidas protetivas de urgência da Lei nº 11.340/2006

Exibindo página 2 de 4
Leia nesta página:

3 PROCEDIMENTOS

3.1 Do atendimento pela autoridade policial

O dever da autoridade policial no atendimento as vitima de violência doméstica e familiar, como observa a lei, deve ser exercido de forma zelosa e mais participativa, sob pena de responsabilidade por omissão (BASTOS, 2011).

Ademais, como frisa o artigo 10[17] da Lei Maria da Penha, a autoridade policial ao tomar conhecimento da situação de violência deve tomar as providencias legais cabíveis de imediato, cabendo à polícia judiciária proceder as diligencias elencadas nos artigos 11 e 12, além de quaisquer outras necessárias à segurança da mulher vítima.

Desta forma, passemos a analisar os artigos e seus incisos:

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:I - garantirproteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.

A autoridade policial ao ser procurada pela vítima de violência doméstica deve proceder às medidas pertinentes a cada caso e a depender da situação comunicar o Judiciário de forma imediata, entretanto a aplicação prática muitas vezes foge da teoria.

Tatiana Barreira Bastos (2011) explica o inciso I, do artigo 11 da lei:

O inciso traz uma grande inovação, porém com pouca aplicação prática, diante da inexistência de serviços policiais especificamente voltados à proteção da vítima em tempo integral. Para suprir tal carência, a polícia judiciária precisa garantir a proteção e a segurança da vítima em situação de risco de outras maneiras, adotando as demais medidas previstas em lei.

Desta forma, percebe-se que às vezes a polícia judiciária acaba procedendo e se utilizando de outros meios não formais para proceder à segurança das vítimas em situação de risco.

O inciso II[18], do artigo 11 da lei, dispõe que as mulheres vítimas de lesões corporais ou de outros delitos que lhe causem danos à saúde corporal, ao procurarem a autoridade policial devem ser encaminhadas às unidades de saúde ou ainda ao Instituto Médico Legal para realização de exames e eventualmente produção de provas materiais contra seus agressores[19].

Não há muita novidade nesta previsão, visto que o acompanhamento da vítima à exames periciais, nos crimes que deixem vestígios, já encontra previsão no artigo 6º, VII[20], e 158[21] do CPP (BASTOS, 2011).               

Conforme consta no inciso I, a mulher vítima de violência doméstica que esteja em situação de risco, não tendo onde se refugiar e necessitando de segurança, deve ser encaminhada de imediato às casas de abrigamento, sendo que o transporte até referido local deve ser feito pela autoridade policial.

É importante o que dispõe o inciso III[22], do artigo 11 da lei, pois garante a vítima de violência o transporte para abrigo ou local seguro.

Este dispositivo se mostra extremamente necessário, vez que a vítima e eventualmente seus dependentes quando em situação de risco geralmente não dispõe de condições físicas e psicológicas para se dirigir até um local seguro (BASTOS, 2011).

É válido mencionar que o serviço de abrigamento deve ser acionado somente em situações excepcionais, haja vista que a prioridade é alterar o mínimo possível a rotina da vítima e não onerá-la ainda mais com o afastamento provisório de seu lar (BASTOS, 2011).

É devido ainda pela autoridade policial o acompanhamento à ofendida para a retirada de seus pertences pessoais, conforme dispõe o artigo 11, IV[23] da lei.

Este dispositivo é muito importante, haja vista que na maioria das situações a vítima tem que sair de casa de forma imediata com o fim de evitar maiores danos a sua integridade física e psicológica. Ao se evadir a vítima sofre alguns prejuízos por não poder portar todos seus pertences pessoais e em casos mais extremos “sair somente com a roupa do corpo”. Em situações como estas é que a polícia judiciária deve agir, acompanhando a vítima até sua residência para a retirada de seus pertences.

Vale mencionar que é necessário verificar se a vítima ainda mora na residência e tem poderes para franquear a entrada dos policiais independente da anuência do agressor, sob pena de abuso de autoridade.

É mais um dos deveres da polícia judiciária informar a vítima de violência doméstica todos os serviços disponíveis como, Centros de Referência da Mulher, a Defensoria Pública ou outro tipo de Assistência Jurídica e direitos a ela conferidos, para possibilitar à vítima maiores esclarecimentos, conforme regula o artigo 11, V[24] da lei (BASTOS, 2011).

Neste sentido conclui Tatiana Barreira Bastos (2011):

A dinâmica do atendimento policial deve atender todas as necessidades do caso concreto, não só no sentido de apurar a autoria e materialidade, mas principalmente no de garantir a máxima segurança e proteção à vítima.

Percebemos assim que a autoridade policial deve se valer de todos os meios legais e ainda os que sejam necessários, a fim de preservar a integridade física, psicológica, sexual, moral e patrimonial das vítimas de violência doméstica.

3.2 Do procedimento extrajudicial

Mais uma das atribuições da polícia judiciária é dar início aos procedimentos de responsabilização criminal em desfavor do agressor de forma imediata conforme regulam os incisos do artigo 12 da Lei nº 11.340/2006:

(...)I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias; III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência; IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários; V - ouvir o agressor e as testemunhas; VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele; VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público. § 1º  O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter: I - qualificação da ofendida e do agressor; II - nome e idade dos dependentes; III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida. § 2º  A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1º o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida. § 3º  Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.

O instrumento processual, por meio do qual será eventualmente responsabilizado o agressor é o Inquérito Policial, onde haverá a coleta de provas para a comprovação de materialidade delitiva e autoria.

Referida peça extrajudicial em situações de violência doméstica pode ser instaurada tanto por portaria, através da noticia de crime, por requisição do Ministério Público ou do Juiz, conforme regula o artigo 5º[25] do Código de ProcessoPenal, quanto por auto de prisão em flagrante, que pode ser lavrado no momento da agressão ou logo após esta, vide artigo 302[26] do referido Codex .

O inquérito policial, nada mais é que um caderno investigativo, tendo como característica principal a oficiosidade[27]. Ou seja, o delegado de policia pode agir “ex oficio”[28], no entanto existem exceções a esta oficiosidade quais sejam, quando o delito é de ação penal publica condicionada a representação da ofendida e nos delitos de ação privada.

A grande novidade foi a decisão[29] do Supremo Tribunal Federal em tornar dois delitos os quais eram considerados de ação penal publica condicionada em delitos de ação penal pública incondicionada. São eles a lesão corporal, prevista no artigo 129§ 9º[30] do Código Penal e vias de fato prevista no artigo 21[31] da Lei de Contravenções Penais. Tal decisão enseja o entendimento quanto a possibilidade de qualquer pessoa noticiar a ocorrência do crime sob a égide a Lei Maria da Penha.

A novidade causou certa estranheza, pelo fato de que a relação conjugal (convivência, casamento) são relações privadas e o Estado, ao intervir nestas relações, acabou trazendo resultados tanto positivos quanto negativos.

Os pontos positivos estão nos casos em que as vítimas certa forma coagidas a renunciar a seus direitos de representação, atualmente estão amparadas pela lei, independente de qualquer ameaça ou coação. Já o ponto negativo, encontra-se no arrependimento da mulher vítima, o que é muito recorrente em delegacias.

Além disso, os crimes de ação pública incondicionada podem ser noticiados por qualquer cidadão que tenha conhecimento da situação de violência, e isso nos delitos de violência doméstica, onde existe qualquer tipo de agressão, ainda que sem lesões aparentes, vem causando certo transtorno, vez que as vítimas acabam por omitir a verdade perante a autoridade policial, responsabilizando quem noticiou o fato.

Ainda na fase extrajudicial, a vítima de violência doméstica pode requerer medidas protetivas de urgência, as quais tem natureza cautelar, visto que tem seu processamento independente do inquérito policial.

As medidas protetivas de urgência visam amparar as vítimas de violência doméstica e proteger sua integridade física, psicológica, moral e material. Desta forma, para a formalização do requerimento, a vítima deve estar em situação de risco ou ainda necessitando de proteção.

Para que o requerimento tenha validade, a vítima deve manifestar o desejo de representação[32]. Ou seja, não basta que a vítima queira proteção, é necessário que esta ainda formalize o desejo quanto a referida proteção, em desfavor do agressor, em inquérito policial.

No entanto nos crimes que independem de representação criminal, a medida protetiva deve ser requerida pela vítima, haja vista que esta depende da manifestação de vontade da mesma em requerê-la. Sendo assim, em situações em que a mulher foi vítima de algum delito de ação pública incondicionada e ainda esteja em situação de risco e a autoridade policial procedeu a instauração do inquérito policial, esta não pode requerer medidas protetivas em favor da vítima sem o consentimento desta.

Presentes todos os requisitos necessários para o requerimento das medidas protetivas a autoridade policial deve encaminhá-las dentro do prazo de 48 (quarenta e oito) horas para a apreciação do órgão judiciário, conforme dispõe o artigo 12, III[33] da Lei 11.340/2006.

O legislador ao criar as medidas protetivas de urgência visou dar total amparo às vítimas de violência doméstica, no entanto este amparo esta longe de ser eficaz consoante os entendimentos que abaixo serão listados.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Ainda na fase extrajudicial, o inquérito policial, segundo o artigo 10[34] do Código de Processo Penal, deve ser concluído pela autoridade policial no prazo de 30 (trinta) dias quando o investigado estiver solto e no prazo de 10 (dez) dias, quando o investigado estiver preso, com exceção dos delitos previstos na Lei nº 11.343/2006[35].

3.3 Do procedimento judicial

A fase judicial se inicia com a conclusão do procedimento extrajudicial e encaminhamento deste ao judiciário. O inquérito policial, somente se tornará “processo” quando de tornar ação penal.

O seu processamento se da de forma simples, a autoridade encaminha o feito ao órgão distribuidor, o qual designará uma Vara Criminal (para lugares onde não tem varas especializadas para violência doméstica) ou encaminhará para o Juizado de Violência Doméstica, os quais analisarão o procedimento e em casos de ação pública incondicionada encaminharão ao Ministério Publico para denúncia e em casos de ação privada, aguardarão manifestação da ofendida dentro do prazo legal de 06 (seis) meses.

A grande novidade como já citado é que os delitos de lesão corporal e vias de fato foram declarados pelo Supremo Tribunal Federal como de ação penal pública incondicionada, nestes casos o procedimento é encaminhado ao Ministério Publico, que é titular da ação penal e deve proceder a denuncia se presentes todos os requisitos para a formalização desta.

No entanto, em se tratando de crimes de ação penal pública condicionada à representação da ofendida o juiz designará audiência de representação, onde a vítima além de manifestar na fase extrajudicial seu desejo deve reafirmá-la na fase judicial. À regulamentar o exposto o artigo 16 da lei dispõe:

Art. 16.  Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

O Supremo Tribunal de Justiça entendeu ser constrangedor a vítima de violência doméstica ter de reafirmar sua vontade de responsabilizar criminalmente seu agressor, aduzindo ser suficiente a representação perante a autoridade policial.[36]

A lei prevê a criação de juizados de violência doméstica[37], mas a sua instalação não foi obrigatória, sequer foi imposto prazo para os tribunais estruturarem tais varas especializadas. Esta omissão certamente traz sérios percalços a efetividade da Lei, por não tornada obrigatória a implantação da mais importante arma contra a violência doméstica (DIAS, 2010).

Vedada a aplicação da Lei dos Juizados Especiais Criminais[38], os procedimentos extrajudiciais não podem ser encaminhados aos Juizados Especiais Criminais, sendo assim, a regra transitória é de que tramitem por varas criminais comuns, as quais devem acumular competência criminal e cível para conhecer e julgar causas que envolvam violência doméstica familiar, conforme dispõe o artigo 33[39] da lei 11.340/2006. Às claras que os juízes, promotores, defensores afeitos à matéria criminal terão dificuldades em apreciar questões cíveis e de direito das famílias, que são objeto da maioria das medidas protetivas de urgência. (DIAS, 2010).

É válido lembrar que em 2009 o STF declarou constitucional o artigo 41 da lei[40] que proíbe a aplicação da lei nº 9.099/1995 e situações de violência doméstica. Entretanto o STJ em 2011 mudou de posição e admitiu a aplicação da Lei supracitada em casos de violência doméstica[41].

A corroborar com a ideia observou a Delegada de Polícia[42] da Delegacia da Mulher de Cascavel que existe na prática uma deficiência muito grande com relação a apreciação nos juízos locais. Entre elas estão os despachos de medidas protetivas de urgência, nas quais os juízes criminais informam não ter competência para julgar medidas protetivas de matéria cível e de direito de família.

Além disso, observou a delegada que com a criação no dia 09/08/2012 do 1º Juizado de Violência Doméstica em Cascavel[43], muito provavelmente haverá mais celeridade no deferimento das medidas protetivas de urgência e na apreciação dos processos de violência doméstica.

Cumpre asseverar, que a observação da delegada é muito importante, vez que a maioria das vítimas de violência doméstica não dispõe de tempo hábil a constituir um advogado e pleitear medidas protetivas de urgência junto a Varas cíveis e de família. O que torna indene de dúvidas que era muito necessária a atual criação.

É valido mencionar que a possibilidade da retratação ao direito de representação, nos delitos de ação pública condicionada, somente ser possível em juízo também traz controvérsias, pois é recorrente na fase extrajudicial vítimas de violência doméstica se dirigirem às delegacias especializadas para “retirar a queixa”, o que inviabiliza o trabalho da polícia judiciária, a qual deve proceder a instauração do inquérito policial e proceder todas as diligencias necessárias a conclusão deste.

Além disso, inviabiliza o trabalho do judiciário, pois o processo que já nasce morto, terá distribuição, designação de audiência entre outros expedientes para que a vítima chegue a audiência e se retrate quanto a sua representação, sendo todos os atos praticados tanto pela polícia judiciária quanto pelo próprio judiciário em vão.

O ponto positivo, esta em situações em que as vítimas são coagidas e ameaçadas pelos agressores a se retratarem da sua representação e pelo fato de poderem somente renunciar em juízo terão mais tempo para se desvencilharem das agressões ou ainda fazer melhor juízo da situação.

No que diz respeito a condenação do agressor o Supremo Tribunal Federal decidiu que os crimes contra a mulher são considerados de maior potencial ofensivo, sendo assim não pode ser aplicado a estes delitos  o benefício da suspensão do processo judicial. No entendimento dos ministros as condenações não podem ser substituídas por medidas alternativas e, mesmo que o agressor não responda a outro processo, as condenações com pena inferior a um ano não podem deixar de ser aplicadas.[44]

Assuntos relacionados
Sobre as autoras
Carla Matiello

Assessora de Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná - PR. Especialista em Direito Civil e Processual Civil.

Rafaela Caroline Uto Tibola

Acadêmico do Curso de Direito da UNIVEL – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATIELLO, Carla ; TIBOLA, Rafaela Caroline Uto. (In)eficácia das medidas protetivas de urgência da Lei nº 11.340/2006 . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3680, 29 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25018. Acesso em: 25 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos