7. CONCLUSÃO
O compromisso particular de compra e venda de imóveis é largamente utilizado no País e possui nítido compromisso social. Favorece o aumento de transações imobiliárias mediante a quitação a prazo, adiando a transferência do domínio.
O ordenamento jurídico brasileiro é pródigo em diplomas legislativos sobre o tema. Ao longo do último século foi preocupação constante do legislador robustecer a posição do compromissário comprador frente a abusos praticados pelo alienante. Prova disso é a criação do direito real oponível a terceiros, decorrente da inscrição do contrato no registro público.
Em que pese a segurança jurídica decorrente do registro público, nota-se injustificável preferência pela celebração de compromissos de compra e venda em absoluta clandestinidade, isto é, sem registro ou qualquer outro elemento público (reconhecimento de firma das partes, p. ex.). Referida clandestinidade contribui para o agigantamento de lides objetivando livrar o bem de penhoras em favor de terceiro, credor do promitente vendedor.
Embora o Superior Tribunal de Justiça possua orientação pacífica pelo cabimento de embargos de terceiro quando inexistente registro público do compromisso de compra e venda, nem sempre ao adquirente será reconhecida a primazia sobre o bem.
Não raro notam-se decisões judiciais resolvendo conflitos desta espécie mediante a aplicação rasa da Súmula 375 do STJ. No entanto, antes de se perscrutar a inexistência de registro de penhora, cuida saber se instrumento particular mantido em absoluta clandestinidade constitui prova idônea quanto à data da celebração da compra e venda. Por certo que não. Impugnada essa data por terceiro (credor penhorante), a solução deve ser ministrada pelo artigo 370, IV e V do Código de Processo Civil, que presume datado o documento quando de sua apresentação em juízo, repartição pública ou outro ato ou fato que estabeleça de modo certo a anterioridade da formação do documento, caso do reconhecimento de firma.
Ainda, a atual codificação civil preconiza que o contrato deve atender à sua função social (art. 421). Disso decorre o dever de não lesar terceiros, inclusive.
Portanto, não se pode dispensar valor probatório ao instrumento particular sem a menor nota de publicidade ou outro elemento comprovador de que a compra e venda precedeu à execução na qual penhorado o mesmo bem. Esse comportamento esquivo à publicidade contratual denota temeridade e evidencia propósito fraudulento, agressivo ao crédito de terceiro.
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 14ª edição, São Paulo: Malheiros Editores. 1998.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Comentários ao Código de Processo Civil – Volume IV, Rio de Janeiro: Editora Forense. 2000.
GOMES, Orlando. Direitos Reais, 18ª edição, Rio de Janeiro: Editora Forense. 2002.
LISBOA, Roberto Senise. Comentários ao Código Civil – Artigo por Artigo. 2.ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009.
MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil – Volume 3. 26ª edição, São Paulo: Editora Saraiva. 1999.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2004.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Contratos em Espécie, Vol. 3. 4ª edição, São Paulo: Editora Atlas. 2004.
Notas
[1] Optou-se pela denominação consagrada na Lei 6.766/79 (Lei do Parcelamento do Solo Urbano).
[2] VENOSA, ob. cit., página 539.
[3] GOMES, ob. cit., página 322/323.
[4] RODRIGUES, ob. cit., página 161.
[5] CC 1916, Art. 1.088. Quando o instrumento público for exigido como prova do contrato, qualquer das partes pode arrepender-se, antes de o assinar, ressarcindo à outra as perdas e danos resultantes do arrependimento, sem prejuízo do estatuído nos arts. 1.095 a 1.097.
[6] Art. 5º A averbação atribui ao compromissário direito real oponível a terceiros, quanto à alienação ou oneração posterior, e far-se-á à vista do instrumento de compromisso de venda, em que o oficial lançará a nota indicativa do livro, página e data do assentamento.
[7] Art. 22, Decreto-lei 58/37: “Os contratos, sem cláusula de arrependimento, de compromisso de compra e venda e cessão de direitos de imóveis não loteados, cujo preço tenha sido pago no ato de sua constituição ou deva sê-lo em uma, ou mais prestações, desde que, inscritos a qualquer tempo, atribuem aos compromissos direito real oponível a terceiros, e lhes conferem o direito de adjudicação compulsória nos termos dos artigos 16 desta lei, 640 e 641 do Código de Processo Civil”. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973);
Art. 25, Lei 6.766/79: “São irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram direito real oponível a terceiros;
[8] Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel;
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
[9] CINTRA et alii, página 250.
[10] É o que sinceramente a coletividade espera, isto é, que todo contrato cumpra a sua função social de não lesar terceiros (art. 421, Código Civil). Se de um lado as partes são livres ao contratar (autonomia da vontade), de outro, igualmente, devem guiar-se de modo que o contrato sempre observe a sua função social, o que compreende o respeito à esfera jurídica alheia. Humberto Theodoro Júnior cita a “disposição de bens em fraude de credores” como exemplo de vulneração à função social do contrato, causada pelo abuso da liberdade de contratar (in O contrato e sua função social, página 57).
[11] Ideia apreendida por Gilberto Gil na canção Parabolicamará.
[12] Artigo 107, Código Civil: “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”.
[13] GOMES, ob. cit., página 333.
[14] Excepcionalmente a legislação extravagante empresta ao registro do instrumento particular o efeito translativo da propriedade, como é exemplo, dentre outros, o artigo 26, § 6.º, da Lei 6.766/79: “Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação”. (Incluído pela Lei nº 9.785, de 1999)
[15] No entanto, para fins de registro no cartório de imóveis torna-se necessário o reconhecimento de firma segundo o artigo 221, II, da Lei 6.015/73, in verbis:
“Art. 221 - Somente são admitidos registro: (Renumerado do art. 222 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).
I - escrituras públicas, inclusive as lavradas em consulados brasileiros;
II - escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas, dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação”.
Márcio Silva Fernandes resolveu esta antinomia aparente de normas pela aplicação do princípio da especialidade. A saber, para fins de registro no Cartório de Imóveis exige-se o reconhecimento de firma das partes, ex vi do artigo 221, II, da Lei 6015/73, sendo inaplicável o artigo 221 do Código Civil por se tratar de norma geral; (FERNANDES, Márcio Silva. O reconhecimento de firma em documentos particulares. Em: ?http://www.recantodasletras.com.br/textosjuridicos/2554597?. Acesso em 01 outubro 2013.)
[16] LISBOA, ob. cit., página 463.
[17] Lei 6.015/73: Art. 129. Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros: (Renumerado do art. 130 pela Lei nº 6.216, de 1975).
(...)
9º) os instrumentos de cessão de direitos e de créditos, de sub-rogação e de dação em pagamento.
(...)
Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos. (Renumerado do art. 168 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).
I - o registro: (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1975).
(...)
9) dos contratos de compromisso de compra e venda de cessão deste e de promessa de cessão, com ou sem cláusula de arrependimento, que tenham por objeto imóveis não loteados e cujo preço tenha sido pago no ato de sua celebração, ou deva sê-lo a prazo, de uma só vez ou em prestações.
[18] Conforme REsp 848070/GO, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, Julg.: 03/03/2009, DJe 25/03/2009.
[19] CINTRA, Comentários..., página 105.
[20] MARINONI e MITIDIERO, ob. cit., página 368/369.
[21] Apelação n.º 991.07.019413-0 (Processo 9087596-25.2007.8.26.0000 – Comarca de São Paulo), Relator designado José Marcos Marrone, 23.ª Câmara de Direito Privado, julgado em 15/12/2010, publicado em 23/02/2011:
"Data venia do r. entendimento majoritário, pelo meu voto negava provimento ao recurso.
O instrumento particular de compromisso de compra e venda copiado às fls. 18/20 foi datado de 15 de maio de 1985, trazendo ainda uma autenticação de 07 de agosto de 2 002 no verso.
Tal documento, entretanto, não é hábil ao fim a que se destina, porque não se sabe ao certo em que data o contrato foi celebrado.
A única data que conta com presunção de veracidade é aquela aposta pelo Tabelião de Notas que autenticou o documento em 07 de agosto de 2002, ou seja, após o ajuizamento da ação de execução em 28 de dezembro de 1987, a citação do executado e a lavratura do auto de penhora em 22 de junho de 1993 (fls. 168).
Cumpria aos apelantes comprovarem que sua celebração ocorreu antes do ajuizamento da ação.
Nenhuma violação houve ao art. 370, V, do CPC, pelo contrário, foi com base nele que o MM. Juiz "a quo" considerou como data do documento a data da autenticação da cópia.
Nesse sentido a lição de ANTÔNIO CLÁUDIO DA COSTA MACHADO:
"O ato jurídico normalmente praticado ou utilizado para fazer prova da data do documento particular é o reconhecimento de firma por semelhança" ("CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL INTERPRETADO" - pág. 505 - MANOLE – 2004 - Barueri).
Não há nos autos qualquer outro elemento hábil a corroborar a posse dos apelantes no imóvel antes do ajuizamento da ação de execução em 28 de dezembro de 1.987, da citação do executado, da lavratura do auto de penhora em 22 de junho de 1 993 e do registro da compra e venda em 13 de dezembro de 1999.
As contas de luz apresentadas às fls. 109/112, datadas de junho e julho de 1997, nada provam.
O mesmo se diga acerca dos comprovantes de pagamento do financiamento (fls. 25/103), todos em nome do executado (...).
Não há nos autos qualquer elemento hábil a comprovar a alegada posse. E se esta não foi comprovada, não há que se perquirir se seria ela de boa ou má-fé!
Ressalta-se que o contrato celebrado entre os apelantes e o executado só passou a existir perante terceiros após o registro, que se deu em 13 de dezembro de 1 999.
Antes, já havia sido ajuizada a ação de execução (28 de dezembro de 1987), citado o executado e já tinha sido lavrado o auto de penhora (22 de junho de 1993).
Portanto, tendo sido lavrada a escritura pública de venda e compra aos 13 de dezembro de 1 999 (fls. 13/17), impunha-se ao julgador de primeiro grau a declaração de fraude à execução.
É o que se depreende do art. 593, II, do Código de Processo Civil, que se considera em fraude de execução "quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência".
Conforme se deflui dos autos, quando averbada a venda e compra ainda não havia sido registrada a penhora, o que ocorreu em 04 de novembro de 2 004.
Contudo, irrelevante a data do registro da penhora.
A boa-fé que os embargantes afirmam que tiveram quando da aquisição do imóvel é esboroada pela negligência com que houveram em não proceder às buscas cartorárias de praxe, pois se o fizessem com certeza teriam conhecimento da ação de execução movida pelo embargado contra o executado.
A execução, por si só, é ato público e os adquirentes devem precaver-se indagando da situação financeira do alienante.
Qualquer pessoa medianamente sensata não adquire imóvel sem certidão dos distribuidores da Justiça!
Ante o exposto, pelo meu voto, negava provimento ao recurso, mantendo-se o r. julgamento de primeira instância”.