Sumário: Introdução. 1. Administração pública e Direito Administrativo brasileiro. 1.1 Histórico da Administração Pública e Direito Administrativo brasileiro .1.2 Reforma do Estado e a Crise do Serviço público. 2. Contrato de gestão e parcerias público-privadas. 2.1 Contrato de Gestão e os Princípios da Legalidade e da Licitação no Direito Brasileiro (art. 37, XXI e § 8º da CF/88). 2.2 As “Garantias” do Poder Público ao Parceiro Privado e Suas (in) Constitucionalidades. 2.2.1 Vinculação de Receitas e Art. 167, IV, CF/88 e Instituição de “Fundos Especiais”. 2.2.2 Fundo Garantidor de Parcerias (FGP) e o art. 100, CF/88: Burla ao Regime constitucional de Pagamento da Dívida Pública Mediante Precatórios? 2.3 A Arbitragem nos Contratos de PPP e as Prerrogativas do Poder Público: o Princípio da Indisponibilidade do “Interesse Público”. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O Estado moderno passa por uma enorme transformação social e econômica, resultado de rápidas e constantes mudanças causadas num espaço de tempo limitado e que acabam afetando diretamente as estruturas einstituições modernas, gerando inúmeras incertezas quanto à eficácia destas.
O panorama sócio-econômico altera-se constantemente, repercutindo diretamente na política e no direito. As instituições não conseguem acompanhar o ritmo frenético da sociedade atual, sendo, para tanto, imperioso uma imediata redefinição do papel do Estado e da Administração Pública.
Nesse espectro, a Administração Pública assume especial relevo, pois cabe à ela concretizar o interesse público diante dos casos concretos, possibilitando a realização de uma verdadeira e transparente democracia.
Assim, é dever do Estado e mais especificamente da Administração Pública brasileira adaptar-se às novas circunstâncias do mundo moderno, mesmo que, para tanto, tenha que rever muitos de seus conceitos tradicionais, implementando novas formas de administrar a “res pública” através de uma maior aproximação com entidades privadas.
A administração da coisa pública deve valer-se de novas alternativas para lidar com as crescentes exigênciasque surgem, expurgando antigos apegos a determinados dogmas tidos antes como quase absolutos.
A tradicional separação entre público e privado, entre regime jurídico-administrativo e o regime privado devem continuar existindo. Contudo, não mais dicotomizada como anteriormente. Hoje, existem inúmeros pontos de convergência entre tais regimes.
Assim, o presente trabalho propõe algumas reflexões sobre o contrato de gestão e as Parcerias Público-Privadas no contexto do Direito Administrativo/ Constitucional brasileiro.
Princípios como o da supremacia ou indisponibilidade do interesse público devem ser encarados sob novo enfoque, mais próximo do Novo Direito Administrativo. A própria noção de interesse público deve ser revista, sob pena do autoritarismo imperar disfarçadamente sob os auspícios do bem comum.
Dessa forma, a pesquisa ora elaborada utilizará o método de abordagem indutivo, pois, a partir do estudo de casos particulares (contrato de gestão e Parcerias Público-Privadas), busca-se chegar a conclusões gerais acerca desses novos institutos no ordenamento jurídico e na Administração Pública brasileira.
Desse modo, poderá se ter uma breve noção de todo contexto que circunda os institutos acima referidos, fazendo-se uso do método de procedimento sistemático. Através do método de abordagem comparativo,objetiva-se tecer algumas comparações entre diversos ordenamentos (francês e common law), diversas normas (Lei de Licitações, Lei de Responsabilidade Fiscal) em face do sistema brasileiro de contrato de gestão e PPP, como forma de propiciar conclusões acerca de seu atendimento aos anseios da sociedade. Por fim, será utilizado o método monográfico donde poderão ser estabelecidas diversas avaliações acerca de normas e princípios aplicáveis ao tema.
Para tanto, o estudo pretende versar sobre diversas polêmicas acerca da introdução do contrato de gestão e Parcerias Público-Privadas no contexto brasileiro, sob um enfoque eminentemente constitucional e de acordo com a dimensão do impacto no aparelhamento estatal. Nessa senda, será delineado no primeiro capítulo (item 1.1) um histórico acerca da evolução da Administração Pública e do Direito Administrativo no Brasil. O item 1.2 do mesmo capítulo tratará da Reforma do Estado e a crise do Serviço Público em face do aparato estatal brasileiro.
No segundo capítulo, será tratado especificamente do Contrato de gestão e Parcerias Público-Privadas, sendo o item 2.1 focado no contrato de gestão, organizações sociais e os princípios da legalidade e da licitação no direito brasileiro. Ponto de extrema relevância e enorme controvérsia se estudará no item 2.2, onde discorreu-se sobre as “garantias” nos contratos de PPP e suas (in) constitucionalidades: 2.2.1) vinculação de receitas, instituição de fundos especiais e o art. 167, IV, CF/88; 2.2.2) Fundo Garantidor de Parcerias (FGP) e o art. 100, CF/88.
Por fim, no item 2.3 será desenvolvido pesquisa acerca da aplicabilidade da “arbitragem” nos contratos de PPP e as prerrogativas do Poder Público sob enfoque do princípio da supremacia e da indisponibilidade do interesse público.
1. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIROS
1.1 Evolução histórica da Administração Pública e Direito Administrativo no Brasil
Quando o Brasil fora descoberto por Portugal, estavam em vigor as Ordenações Afonsinas (1446-1511). Posteriormente, foram substituídas pelas Ordenações Manuelinas. Ambas não tiveram aplicação na nova colônia (Brasil).
Entretanto, as Ordenações Filipinas ou do Reino, possuíram grande aplicação no Brasil, sendo somente substituídas pelos grandes diplomas normativos do século XIX e início do século XX, tais como, Código Criminal do Império (datado de 1830), Código de Processo Criminal (datado de 1832), Código Comercial (editado em 1850) e o Código Civil de 1916 (Clóvis Beviláqua).
Dessa forma, criaram-se as raízes da Administração Pública brasileira e do ordenamento jurídico pátrio. Como bem salienta Assis apud Di Pietro (2002, p. 04):
“a formação de um aparelhamento administrativo no Brasil pela coroa portuguesa tem início com o estabelecimento das Donatárias em 1532, momento em que a política lusa norteava-se no sentido de transformar a terra conquistada em colônia de exploração sob o esteio jurídico do Tratado de Tordesilhas e de várias bulas pontifícias”. (sem grifos no original)
Juntamente com a coroa portuguesa, a igreja contribuiu significativamente para a formação da estrutura estatal brasileira. Tanto que a Virgínia Maria Almoêdo de Assis assevera a desnaturação do papel exercido pelo clero no Brasil colônia, onde não havia uma organização eclesiástica da igreja, donde deveria haver uma comunidade de cristãos existia na verdade uma estrutura administrativa, juridicamente traçada a serviço do Estado. Assim, a carreira eclesiástica transformara-se em carreira do funcionalismo público (2002).
Quanto ao sistema legislativo, havia uma coexistência de normas (alvarás, cartas régias, bandas, ofícios) expedidas pelo rei de Portugal e normas locais (ordens e outros).
As capitanias hereditárias foram a primeira forma de sistema político adotado no Brasil, ainda sob influência do feudalismo. Nesse sistema, havia governadores das capitanias (territórios) dotados de poderes administrativosexercidos sobre a coisa pública. Os donatários ou capitães recebiam mediante carta de doação (juntamente com cartas de forais, especificando direitos, foros, tributos) parte desses territórios, sob cláusula de inalienabilidade, porém transmissíveis ao herdeiro varão. Esses capitães também exerciam, de modo restrito, poderes administrativos e jurisdicionais em suas parcelas de terra.
As capitanias podiam ser, ainda, divididas em sesmarias (regime agrário que dera origem aos grandes latifúndios), sendo a provável origem do embate agrário existente até hoje no Brasil.
Através das cartas dos forais houve a instituição de oficiais responsáveis pela a arrecadação dos tributos reais. Essas cartas, segundo Di Pietro (2002, p. 6): “...outorgavam poderes de jurisdição cível e criminal aos donatários, competência para escolher os oficiais encarregados de administrar a justiça e os homens que procederiam à eleição de vereadores nas vilas...”
Os donatários podiam nomear seu ouvidor, que exercia função administrativa e judiciária.
Posteriormente, a organização administrativa brasileira passou a um regime de unidade administrativa, sendo todo poder transferido para a pessoa do Rei, com a conseqüente derrogação das cartas de doação e forais.
Em decorrência, passasse os poderes administrativos e jurisdicionais ao Governador Geral, restando alguns poucos poderes aos donatários ou capitães.
Por isso, para alguns doutrinadores como Clóvis Beviláqua, o regime de capitanias hereditárias exercera papel relevante na formação do futuro regime federativo brasileiro, pois apesar de ter-se implantado um governo geral centralizado, as capitanias foram o início do que posteriormente fora denominado províncias, mais tarde os Estados da república federativa do Brasil.
Mais tarde criara-se o Conselho de Estado, nos moldes do direito francês, com atribuição de consultoria acerca de dos negócios graves e medidas gerais da pública administração (2002). Contudo, ao contrário da França, tal órgão não possuía poder jurisdicional, somente administrativa. Havia, portanto, a implantação do sistema de dualidade de jurisdição (administrativa e contenciosa) similar à francesa.
Durante o período imperial e sob o plasmo da Constituição de 1824 o Brasil fora dividido nas anteriormente mencionadas províncias. Estas assumem relativa autonomia em face do governo central, apesar da estrutura unitária.
Desse modo, a Administração Pública brasileira fora sendo organizada e adquirindo forma através de extenso corpo de leis. O Direito Administrativo também, nessa época, passa a ter autonomia perante o Direito Civil.
Cabe salientar que os atos dos agentes administrativos não eram passíveis de análise do Poder Judiciário. Nesse sentido, as autoridades administrativas possuíam alto grau de poder político ou discricionariedade elevada. Mister asseverar de que ainda existia nesse momento o Poder Moderador (criado por Dom Pedro I) que exercia grande influência no Poder Executivo.
Após, já no período republicano (1889), há a extinção do malfadado Poder Moderador (império do arbítrio) e do Conselho de Estado. Mediante decreto extingue-se o modelo de dualidade de jurisdição. A Administração Pública passa a ser controlada pelo Poder Judiciário. Assim, o país passava a adotar o sistema de jurisdição una, semelhante ao dos EUA.
Havia, nesse aspecto e através dos institutos do mandado de segurança e do princípio do due process of law (depois desmembrado em outro princípio, qual seja, o da razoabilidade), sob clara influência do common law(direito anglo-saxão) no direito brasileiro.
Entretanto, inúmeras teorias, tais como: sobre contratos administrativos, “exceptio non adimpleti contractus” (exceção de contrato não cumprido), servidões administrativas, teoria da imprevisão, teoria do risco (responsabilidade objetiva do Estado), das concessões e permissões de serviço público delegadas ao particular, fato do príncipe, fato da Administração e teoria dos atos administrativos dentre outras, foram adaptadas ao direito administrativo brasileiro oriundas da jurisprudência administrativa francesa.
Posteriormente à primeira Constituição da República, datada de 1891, de cunho liberal (Estado Liberal), adveio a Constituição de 1934 (Era Vargas) de cunho nitidamente social. O Estado Social era implementado com forte ação estatal na promoção de direitos básicos como saúde, educação e emprego. O funcionalismo público consegue novas garantias (exigência de concurso público, estabilidade, aposentadoria).
Fato de extrema relevância fora à instituição na carta de 1934 do mandado de segurança e da ação popular, pois dessa forma aumentara o controle judicial e participação popular no que concerne aos atos praticados pela Administração Pública.
Muitas leis que disciplinam a Administração Pública foram editadas a partir daí, aumentando significativamente a abrangência dos serviços públicos. Conseqüentemente cresce o Poder de Polícia exercido pela Administração Pública.
O tamanho desta assume grande relevo, sendo a provedora e realizadora do Estado Social.
O Direito Administrativo brasileiro, por sua vez, também se personifica, tornando-se independente e autônomo. De acordo com Di Pietro (2002, p. 17):
“Na realidade, já estava definido, nessa época, o direito administrativo como ramo autônomo do direito público, com institutos, princípios e regime jurídico próprio, tendo por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a atividade não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública.”
Convém ressaltar ainda, de que outros importantes institutos do Direito Administrativo como a autarquia, entidade paraestatal, noção de interesse público e de mérito administrativo, fora resultado da influência marcante do direito italiano.
Já do direito alemão houve contribuição a despeito da discricionariedade administrativa e os conceitos jurídicos indeterminados.
Em que pese a importante revolução histórica que teve a Administração Pública brasileira e o Direito Administrativo pátrio, somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 eles adquiriram sua plenitude. Com o advento do Estado Democrático de Direito passam a ter preponderância em suas relações os princípios e valores fundamentais do homem (mesmo que implicitamente contidos na Constituição) e não mais a lei formal. Princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade, publicidade e mais tarde o da eficiência (introduzido pela Emenda Constitucional 19/98) passaram a ter status constitucional (art. 37 e ss. CF/88).
Nesse sentir, imperioso destacar a definição de Direito Administrativo, exposta por Justen Filho (2005, p. 01):
“O direito administrativo é o conjunto das normas jurídicas de direito público que disciplinam as atividades administrativas necessárias à realização dos direitos fundamentais e a organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu desempenho.”
Por fim, necessário destacar mais uma vez o importante fator introduzido pela Magna Carta de 1988, qual seja, a maior participação do cidadão no controle e gestão da Administração Pública, com inúmeros dispositivos que autorizam essa imediata participação popular frente aos órgãos estatais.
1.2 Reforma do Estado e a Crise do Serviço Público: o Modelo Gerencial
A reforma do Estado fora colocada inicialmente ainda no século XIX (Estado Liberal). Portanto, apesar de sua atualidade, não se trata de movimento novo. Ainda no limiar do século XX começara uma reestruturação da Administração Pública em âmbito mundial.
Exemplo disso, no Brasil, fora à criação de autarquias (instituto do açúcar e do álcool, instituto do café) e empresas estatais (RFFSA – Rede Ferroviária Federal S/A, bancos, indústrias, etc.).
Paralelamente, entretanto, permanecia o modelo burocrático de Administração Pública. Tal modelo permanece até os dias atuais, sendo objeto de muita discussão entre especialistas acerca de sua reforma.
O Estado Social provedor de políticas públicas, fomentador da economia, assistencialista, universal, carece de reformulação imediata. As obrigações assumidas foram tantas que hoje não mais consegue prestar nem mesmo os serviços públicos mais básicos de forma eficiente.
Com o advento da chamada “globalização” essa situação agravou-se. O Estado burocrático (principalmente o concebido durante o século XX) não tem mais espaço diante da pós-modernidade.
Em que pese à maneira como fora formulado esse modelo burocrático de Administração Estatal (formalista ao extremo, com normas rígidas e procedimentos complexos) atualmente apresenta-se superado. Na época de sua formulação havia sim um fundado receio de arbítrio por parte dos governantes e a influência destes na atividade administrativa.
Havia, nesse sentido, grande controle dos abusos porventura praticados por agentes públicos e políticos.
Ocorre, que a Constituição Federal de 1988 abarcou essa velha concepção de modelo de Estado (burocrático). Em decorrência, repleta de formalismos (muitas vezes desnecessários) e procedimentos complexos. Assim, lhe é imputada a ineficiência como característica fundamental. O Direito Administrativo brasileiro denota bem essa concepção (rescisão unilateral dos contratos administrativos, as cláusulas exorbitantes e outras tantas).
Outra característica marcante desse modelo é o autoritarismo excessivo do Poder Estatal em face dos administrados. Obviamente, há justificativas para tanto: o Brasil apresenta elevadíssimos índices de corrupção, assim, o formalismo e autoritarismo existentes no Estado representariam garantias à malversação da coisa pública.
Mas uma clara constatação pode ser realizada: se com a Constituição Federal de 1988 o Brasil tornara-se efetivamente um Estado Democrático de Direito não seria contraditório o velho modelo burocrático na Administração Pública?
Nesse diapasão, cabe salientar a explanação de Justen Filho (2005, p. 18 e 19)
“No Brasil, em especial, é imperioso destacar a necessidade de revisão do direito administrativo, que ainda está entranhado de concepções não democráticas, provenientes do passado. A Constituição Federal de 1988 coroou um lento processo de aperfeiçoamento democrático da nação brasileira. Consagrou o Estado Democrático de Direito (...) Apesar disso, a atividade administrativa estatal continua a refletir concepções personalistas de poder, em que o governante pretende imprimir sua vontade pessoal como critério de validade dos atos administrativos e invocar projetos individuais como fundamento de legitimação exercitada”[1].
A administração burocrática implementada no século XIX fora de grande valia, pois rompeu com a administração patrimonialista[2] donde prevalecia o império do arbítrio, típico de regimes como do absolutismo e feudalismo. Assim, nesse contexto histórico a administração burocrática fora necessária e desempenhara importante papel na limitação do poder do soberano sobre os “súditos” e mais tarde administrados.
Com o modelo burocrático a lei passara a imperar, delimitando todos os “passos” dos agentes públicos ao contrário da discricionariedade estatal exacerbada existente no modelo patrimonialista, onde, não raro, havia apropriação da “res pública” por uma minoria de “servidores” amigos do governante.
No entanto, já no fim do século XX (anos 80 e 90), os EUA e Reino Unido lideraram um movimento que objetivava reestruturar a Administração Pública e o Estado Social. Tal ação convencionou-se de neoliberalismo, modelo de forte oposição ao Estado providência, que tinha no Estado subsidiário ou mínimo sua máxima.
Falava-se, mesmo antes, da “crise do Estado” e da “crise do serviço público” como fatores de uma nova reestruturação da Administração Pública. Sua estrutura rígida e demasiadamente controlada pela lei, não mais atingia eficientemente os administrados.
A administração burocrática apresentava-se profundamente desgastada. O formalismo antes necessário para evitar atitudes arbitrárias pelos chefes do Executivo agora “emperrava” a máquina estatal, excessivamente burocrática, por conseguinte, dotada de pouca ou nenhuma eficiência.
Nesse contexto, importante as palavras de Modesto (2005, p. 468 e 469):
“A Administração é cada vez mais dependente do particular, sendo carente não apenas de recursos privados, mas de informação e de colaboração, encontrando-se crescentemente fragilizada em face da multiplicidade e força de interesses em conflito afetados pela própria atividade administrativa e pela dimensão e variedades das demandas que lhe são dirigidas cotidianamente. O aparato público diminui, (...), mas são ampliadas suas responsabilidades, dilatando-se a interferência do Estado tanto na regulação de mercados quanto no plano de fomento das atividades de interesse social. A Administração Pública internacionaliza-se, integrando-se com Administrações de outros Estados soberanos.”
A partir daí, pode-se constatar o surgimento de um novo modelo de Administração Pública, denominado gerencial. Esse novo modelo propôs o Estado como uma grande empresa, em que os clientes seriam todos os cidadãos, sendo a eficiência, avaliação de desempenho e controle de resultados suas características básicas.
Nessa senda, valiosa definição de administração gerencial explica MAFRA FILHO (2006, p. 03)
“A administração gerencial repousa em descentralizações política e administrativa, a instituição de formatos organizacionais com poucos níveis hierárquicos, flexibilidade organizacional, controle de resultados, ao invés de controle, passo a passo, de processos administrativos, adoção de confiança limitada, no lugar de desconfiança total, em relação aos funcionários e dirigentes, e por último, uma administração voltada para o atendimento do cidadão e aberta ao controle social.”
Conforme o mesmo autor, o modelo gerencial de administração da coisa pública significa utilizar parâmetros de eficiência de acordo com o quase-mercado ou concorrência administrada (2006). A administração gerencial caracteriza-se por uma maior participação da iniciativa privada ou entidades não-estatais na prestação deserviços públicos.
Cabe ressaltar que a primeira tentativa de implantação desse modelo fora anterior às idéias neoliberais do final do século XX. Em 1967, sob o regime militar, fora editado o Decreto-Lei nº 200 que previa a “Reforma do Estado”, contendo inúmeras disposições ligadas ao modelo gerencial de gerir a coisa pública. Contudo, o regime de exceção não era adequado ao implemento de tal inovação, sendo provável responsável pelo fracasso desse novo modelo, pois o autoritarismo e falta de transparência são totalmente incompatíveis com o modelo gerencial.
No plano legislativo, dois importantes diplomas foram responsáveis pela alteração do modelo da Administração Pública: o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado[3] em 1995 e a Emenda Constitucional nº 19 de 1998.
Ambos positivaram a intenção de uma nova Administração Pública para o Brasil.
Na administração gerencial o controle é realizado “a posteriori”, diferentemente da administração burocrática em que o controle era exercido “a priori”, através de pesados procedimentos baseados na desconfiança perante os agentes públicos.
Denota-se a escolha do legislador infra-constitucional assim como do poder constituinte derivado de, definitivamente dotar a Administração Pública de novos institutos e atributos, a fim de proporcionar maior participação popular na tomada de decisões, menos autoritarismo estatal, técnicas empresariais, dentre tantas outras inovações trazidas a lume.
Desse modo, surgem as agências reguladoras (estado regulador), agências executivas, organizações da sociedade civil, fundações de apoio, organizações sociais e contrato de gestão, concessões de serviço público na modalidade de parcerias público-privadas dentre outros institutos que auxiliam o poder estatal.
A despeito desses dois últimos institutos, o contrato de gestão e organizações sociais e, parcerias público-privadas serão tratadas proposições e questionamentos na segunda parte desse trabalho.