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Técnicas de aceleração processual e gestão de processos previdenciários

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PODER JUDICIÁRIO

As demandas previdenciárias, outrora restritas aos mais esclarecidos ou aos que possuíam condições de arcar com as despesas de advogados e custos processuais, tornou-se consideravelmente mais acessível com o advento dos Juizados Especiais Federais. O ajuizamento desburocratizado, a simplificação dos ritos e a desnecessidade de acompanhamento por advogado ensejou uma inegável (r)evolução na área previdenciária.

A facilidade de acesso à Justiça representou uma conquista social especialmente àqueles que em outros tempos teriam, por razões econômicas ou sociais, na decisão administrativa a única resposta estatal aos seus pleitos, sem uma cuidadosa reapreciação judicial.

À medida que a demanda crescia, maior era a complexidade de conciliação entre a celeridade processual e a qualidade da instrução e dos julgamentos. Os ritos processuais, fortes no princípio da informalidade e na criatividade individual de cada Vara de Juizado Especial Federal, passaram a ser cada vez mais simplificados, ao preço, ocasionalmente, da insegurança e incerteza das decisões, sobretudo nas quizilas cujas controvérsias são eminentemente fáticas.

O tempo consolidou procedimentos exitosos, outros nem tantos, a realidade atual, todavia, demonstra que está cada vez mais difícil atingir satisfatoriamente os valores que se equilibravam na balança, ou seja, percebe-se, diante de uma crescente demanda, uma maior demora na prestação jurisdicional em detrimento de uma instrução processual cada vez mais pobre. Mais uma vez recorremos ao diagnóstico de falhas gerenciais para tentar tomar lições dos equívocos cometidos.

Especificamente em relação aos segurados especiais – responsáveis pela maior parte das demandas judiciais – nada é mais comum que verificar em processos judiciais documentos falsos, declarações inverídicas e contradições entre depoimentos e testemunhas.

O Poder Judiciário mostra-se incrivelmente tolerante com práticas desleais de requerentes e advogados, o que torna o processo previdenciário extremamente atrativo aos oportunistas, um processo sem riscos, onde o êxito da fraude pode levar à indevida concessão de um benefício e a mentira, quando descoberta, não resultará em prejuízo algum.

Quando não bem observadas, estas fraudes podem gerar a concessão de benefício indevido, e quando observadas, o que geram? Nada, a inexistência de punição é uma triste realidade nos processos previdenciários. É muito mais comum a cominação de multas e ameaças de prisão a servidores do INSS e a Procuradores Federais por eventuais atrasos no cumprimento de decisões do que a imposição de alguma medida punitiva contra quem, descaradamente, tenta fraudar o processo.

Some-se a isso um gerenciamento incipiente da Justiça Federal e dos Juízos com competência delegada que lidam com a matéria previdenciária. O Poder Judiciário não criou ferramentas eficientes de monitoramente e controle de gestão, o pior, por vezes estimula Varas judiciárias que apresentam um mau desempenho, exemplo clássico disto são os famigerados mutirões previdenciários, tão comuns no âmbito da 1ª Região.

 No Tribunal Regional Federal da 1ª Região criou-se a cultura dos mutirões previdenciários, como medida excepcional e paliativa de desafogar processos represados. Seguindo uma tendência pátria, o que era para ser excepcional virou regra em várias Varas Federais, muitas das quais realizam – com grande divulgação social – mutirões anuais.

Ora, se determinada Vara Federal anualmente deixa acumular milhares de processos, não seria o caso de uma gestão mais próxima na referida unidade, para identificar as razões deste acúmulo rotineiro? Parece que não, a opção é “premiar” os que não conseguem manter em dia seu acervo processual com a realização de mutirões.

Os gastos excepcionais ao Estado, com diárias, deslocamentos, entre outras necessidades estruturais já seriam suficientes à crítica destes mutirões, o pior, entretanto, é o efeito reflexo, o estímulo ao ajuizamento de demandas previdenciárias.

Em geral os mutirões são organizados com pautas de 40 a 50 audiências por dia, de instrução precária. A pressa dá lugar à celeridade, e, de fato, tem sido a inimiga da perfeição. O ambiente caótico é perfeito aos oportunistas, que se aproveitando da capenga instrução processual, buscam a obtenção de direitos que não possuem. Doutra banda, a má instrução pode prejudicar verdadeiros detentores do direito, cujos pedidos eventualmente são negados em meio à apressada instrução.

Também se atribui ao Judiciário a responsabilidade pela elevada concentração de processos sem o prévio requerimento administrativo. Sem polemizar quanto ao mérito da tese da necessidade de efetivar o pedido administrativo junto ao INSS antes de ingressar com ação judicial, certo é que qualquer alegação de culpa de terceiros por uma sobrecarga de processos no Tribunal.

Se o Tribunal, a exemplo do TRF 1ª Região, se posiciona no sentido da desnecessidade do prévio requerimento administrativo deixa aos jurisdicionados a mensagem que têm condições de assumir toda a demanda que lhe for apresentada, com a celeridade e presteza exigida pela Constituição, se não o faz, deve assumir suas próprias ineficiências.

 Embora existam no Brasil mecanismos de decisões uniformizadoras, as mesmas não têm logrado atingir os seus objetivos perfeitamente, em especial no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) e na Turma Nacional de Uniformização (TNU).

A crítica que se faz aos julgamentos com repercussão geral do Supremo Tribunal Federal relaciona-se à demora para que tais decisões venham a ser proferidas, demora esta compreendida em razão das amplas possibilidades de se levantar uma questão constitucional a ser decidida pela Corte Maior, não obstante os filtros existentes em relação à admissibilidade recursal.

Enquanto aguardam um posicionamento do STF, os feitos ficam sobrestados nas Cortes inferiores, elastecendo-se, assim, o prazo para resolução do conflito.

 Em relação à TNU à crítica não repousa precisamente na demora para a decisão, mas, especialmente, na dinâmica e organização dos julgamentos, o que prejudica a consolidação jurisprudencial e a respeitabilidade de seus julgados.

Assim como nas Turmas Recursais, os membros da TNU são escalonados por curto prazo em constante rodízio. Em geral, os membros da TNU são Juízes singulares que atuam perante os Juizados Especiais Federais, os quais acumulam atribuições na Turma Nacional e nos Juízos de origem.

É possível à TNU, segundo seu regimento interno, utilizar o denominado Rito Representativo de Controvérsia, o que deve conformar todas as turmas recursais do país ao entendimento proferido pela turma de uniformização. Embora a uniformização seja uma necessidade, o meio com que esta é procedida merece críticas.

Não razoável sobrecarregar juízes com atribuições de órgão colegiado uniformizador e atribuições de Juízo monocrático. Do mesmo modo, a celeridade do processamento deve ser compatível aos efeitos da decisão de uniformização, leia-se, não se pode decidir sem um prévio e exaustivo debate sobre o tema, pois só assim atingir-se-á a pacificação jurisprudencial.

Decisões que não exaurem o tema em sua plenitude dão margem a novas impugnações, o açodamento e as omissões na fundamentação podem, inclusive, gerar, ao contrário dos objetivos da pacificação, o aumento da litigiosidade, como realmente ocorreu, a guisa de exemplo, com a súmula 09 da TNU, cuja imprecisão de argumentos e falhas na técnica redacional elevou consideravelmente as demandas sobre o assunto que se pretendia pacificar.


Advocacia-Geral da União (AGU)

Considerando o foco dado à gestão de processos previdenciários, nos limitaremos a discorrer sobre a Procuradoria-Geral Federal (PGF), órgão da AGU com a atribuição de representar juridicamente as autarquias e fundações públicas federais.

Com pouco mais de uma década de sua criação, a PGF, moldada pela necessidade, apresenta um histórico de maturidade precoce e dinamismo em sua atuação. Hoje se firma como órgão jurídico apto a apresentar soluções criativas e desburocratizadas no exercício de suas funções, para além do mero rompimento do dogma da impossibilidade de proposição de acordo judicial.

Foi nesta esteira que a Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS criou o Programa de Redução de Demandas (PRD), cujo intuito é evitar que as causas ensejadoras de demandas, sempre que possível, sejam corrigidas no âmbito administrativo.

Trata-se de uma mudança de postura contenciosa para a ascensão consultiva da Procuradoria, mais que isso, uma consultoria ativa que interage e dialoga com a Autarquia representada, não apenas quando provocada por consulta processual formalizada.

A inexistência de estrutura adequada e carreira de apoio aos Procuradores Federais é um empecilho real ao perfeito desenvolvimento do PRD, ao que se aliam as naturais dificuldades de mudança de procedimentos e entendimentos administrativos arraigados há anos de atuação.

O programa de redução de demandas foca sua atuação no incremento de uma consultoria ativa, que não se subsume à consultoria tradicional, limitada a responder consultas e emitir pareceres, mas também visita as Agências da Previdência Social, interage com os setores do INSS, realiza cursos de processo administrativo previdenciários, de incentivo ao uso da Justificação Administrativa, da melhoria da instrução administrativa, de combate aos “atravessadores” e ao abuso dos intermediários, dentre outros.

Outro campo de atuação envolve os demais atores dos processos judiciais, tais como: Defensoria Pública da União, Poder Judiciário, Peritos Médicos, Conselho de Recursos da Previdência Social e a própria comunidade.

Derivam do PRD várias parcerias interinstitucionais, em especial com a DPU, potencial adversário em demandas judiciais, porém, com quem comungamos muitos interesses, em especial o de bem garantir os direitos previdenciários a quem mereça recebê-los nos termos da lei. Também é fruto do PRD a normatização que de forma inovadora permitiu que a PGF realizasse conciliação administrativa no âmbito do Conselho de Recursos da Previdência Social.

Tais iniciativas levam à resolução da controvérsia em âmbito administrativo, desfazendo a ideia de que apenas no Poder Judiciário cabe a reapreciação de um direito não reconhecido. Do ponto de vista prático, pela primeira vez ao longo dos últimos dez anos, percebe-se uma queda na curva de crescimento do índice de concessões e reativações judiciais (ICRJ)[6], que atualmente gira em torno de 8%.

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Como se disse, entretanto, a falta de quadro próprio de servidores de apoio e a inexistência de estrutura adequada, além da demanda exagerada submetida à maior parte dos Procuradores Federais, faz com que o PRD não consiga caminhar no ritmo acelerado que se deseja. A quebra de paradigma se faz mais árdua quando depende apenas do empenho e criatividade dos seus membros, ou seja, quando não se percebe a necessária contrapartida do Poder Público para munir a Advocacia-Geral da União com a estrutura necessária para o exercício de suas relevantes missões constitucionais.


CONCLUSÃO

Não existem fórmulas mágicas para solucionar os problemas na prestação jurisdicional das tutelas previdenciárias e assistenciais. Um ponto de partida, talvez, seja reconhecer os erros centrais que contribuem para o aumento da litigiosidade e, para tanto, é preciso reconhecer que todos os atores envolvidos têm responsabilidades e muito a contribuir para diminuição dos conflitos e para celeridade na resposta ao particular.

Ao INSS compete precipuamente aperfeiçoar seu processo administrativo, permitindo aos requerentes e ao próprio judiciário uma clara compreensão das suas razões de decidir. Para tanto, imprescindível uma melhoria na exposição de motivos. Além disse, cumpre a Autarquia resgatar a busca pela verdade real, evitando deixar a cargo dos beneficiários, com exclusividade, a produção de provas.

Enquanto mecanismos de instrução como a Justificação Administrativa e as pesquisas externas não se tornarem uma praxe, as demandas continuarão sendo transpostas ao Poder Judiciário.

É preciso reconhecer ainda que a atual dinâmica dos processos judiciais, em especial nos Juizados Especiais, representa, por si só, um incentivo à litigiosidade. Não há riscos em se demandar, ainda que se trate de ação nitidamente temerária. A busca por benefícios indevidos se tornou um grande negócio para as partes, notadamente àquelas que se fazem representar por atravessadores ou por uma minoria de escritórios advocatícios que desvirtuam tão nobre profissão.

Depoimentos inverídicos e a juntada de documentos falsos ou produzidos por encomenda tornaram-se praxe nas demandas previdenciárias, principalmente nas causas eminentemente fáticas que versam sobre trabalhador rural. A tolerância do Judiciário, que muitas vezes se omite no seu dever de fiscalizar ou punir os que tentam usar o processo judicial como palco para fraudes, garante a tranquilidade para que os autores destas praxes perpetuem às suas atuações.

Ao Judiciário falta ainda precisão na consolidação jurisprudencial. Não obstante medidas de uniformização dos julgamentos pelos Tribunais, nota-se uma demasiada oscilação de entendimentos, seja pela rotatividade dos membros de uma corte – como ocorre com as Turmas Recursais e Turma Nacional de Uniformização – seja pela precipitação quanto aos julgamentos representativos de controvérsia, os quais, por servirem a conformar o entendimento perante outros órgãos colegiados, não podem prescindir de um amplo e exaustivo debate.

Súmulas ou julgamentos de uniformização que não são precedidos de debates exaustivos, por vezes, geram efeito inverso ao pretendido, ou seja, aumento da litigiosidade e das possibilidades recursais, dado não ter resolvido todas as questões atinentes ao tema, este é um desafio ainda não superado, por exemplo, pela TNU.

Por fim, temos que compete também à AGU, mais especificamente à Procuradoria-Geral Federal, órgão daquela com a atribuição de representar as autarquias e fundações públicas federais, concentrar mais esforços a uma atuação consultiva diferenciada, que apresente soluções aos problemas típicos de uma demanda de massa e de órgãos tão grandes e capilarizados quanto o INSS.

A PGF já se consolidou como órgão jurídico reconhecedor de direitos, o que se demonstra pela expressiva quantidade de acordos e transações realizadas, mais que isso inova no campo jurídico pelas iniciativas desbravadoras, como a conciliação administrativa, acordos interinstitucionais, consultoria ativa, combate aos atravessadores, entre outras tantas medidas decorrentes do seu Programa de Redução e Gerenciamento de Litígios.

Tais iniciativas, entretanto, continuam a depender precipuamente do empenho e criatividade dos seus membros, muitos dos quais, pela dura realidade de uma carreira sem servidores de apoio e estrutura adequada, se veem impossibilitados de romper as barreiras burocráticas e estruturais rumo a uma advocacia pública da envergadura de suas funções constitucionais. Neste ponto, o desamparo do Poder Público se mostra uma barreira considerável, um desestímulo ao enfrentamento destes contemporâneos desafios.


Notas

[1]Art. 109, § 3º - CF “Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas na justiça estadual”.

[2] A Procuradoria-Geral Federal é o órgão da Advocacia Geral da União com a atribuição de representar juridicamente todas as Autarquias e fundações públicas federais, inclusive o INSS, a maior dentre todas as Autarquias.

[3]Dados consolidados e divulgados pelo Departamento de Contencioso da PGF www.agu.gov.br/pgf

[4]Revista da Previdência Social, Ano II, set.-dez. 2012.

[5]Os dados estatísticos da Previdência Social estão disponíveis no sítio www.mps.gov.br.

[6] ICRJ – toma por base o quantitativo de concessões judiciais em comparação ao quantitativo de concessões administrativas.

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Sobre o autor
Nilson Rodrigues Barbosa Filho

Pós-graduado (Especialista) em Direito Público e em Direito Previdenciário, Mestrando em Direito Constitucional pelo IDP. Procurador Federal, atualmente exerce a função de Chefe do Serviço Regional de Assuntos Estratégicos da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em Brasília. Professor de Direito Previdenciário da FACIPLAC/DF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA FILHO, Nilson Rodrigues. Técnicas de aceleração processual e gestão de processos previdenciários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3940, 15 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27512. Acesso em: 27 abr. 2024.

Mais informações

O presente artigo foi elaborado por ocasião da palestra proferida no Seminário "Demandas Repetitivas: possíveis soluções processuais e gerenciais", em 28 de fevereiro de 2013.

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