Artigo Destaque dos editores

O ITCD, a quebra do sigilo fiscal pela Fazenda do DF, o direito fundamental à privacidade e o direito tributário internacional

Exibindo página 2 de 2
11/08/2014 às 11:45
Leia nesta página:

3 Conclusão

Como demonstrado, a relação entre transparência tributária, fiscalização, interesse público, direito à privacidade e sigilo fiscal é naturalmente tênue em qualquer parte do globo[28], por isso, precisa estar bem delineada, de modo a impedir abusos por parte da Administração e, ao mesmo tempo, evasões fiscais e lavagens de dinheiro, por parte dos contribuintes.

Uma peça fundamental para a resolução do quebra-cabeça é punir severamente as arbitrariedades praticadas, evitando-se ao máximo que a intimidade do contribuinte seja devassada, sem o menor indício, ao bel prazer dos agentes públicos, e, nesse sentido, visando à proteção do núcleo essencial e intransponível dos direitos fundamentais, conforme o mandamento constitucional.

Em segundo lugar, a possibilidade legal de troca de informações entre os fiscos sem um controle efetivo, a divulgação direta de lista de devedores nos diários oficiais, a publicização escancarada de informações privilegiadas via internet – a um click de distância de qualquer cidadão –, considerando posicionamentos do STF e da doutrina quanto ao assunto, só nos leva a crer que não poucas vezes há uma nítida intenção de expor e constranger o contribuinte; elementos que, evidentemente, não se coadunam com o lançamento do crédito tributário. Sendo certo que a grande quantidade de pessoas “intimadas” no caso em análise, por exemplo, muitas delas conhecidas do público em geral, comprovam, sem dúvida alguma, a violação ao sigilo fiscal. Uma violação que têm vários outros efeitos indiretos e permanentes, mas que o contribuinte, por intermédio do judiciário, infelizmente, não consegue atenuá-los de modo significativo, mesmo nas poucas vezes em que sai vencedor. Portanto, é de se colocar em pauta a melhoria dos mecanismos de responsabilização da Fazenda Pública, sempre que o ato administrativo não for utilizado para o fim a que se destina, ou como reflexo de algum abuso de direito.

Ao aumentarem-se as incógnitas que compõem a equação tributária, no intuito de aumentar a arrecadação, em verdade, no mais das vezes, diminuem-se as chances de evitar planejamentos tributários agressivos, sonegações e evasões fiscais internacionais – essa última, em particular, sina aparentemente inafastável de sociedades modernas, quiçá das subdesenvolvidas; um fator que não pode ser relevado. As diretrizes doutrinárias e jurisprudenciais já fixadas devem passar a ser respeitadas, na tentativa de atrofiar a habilidade do Estado de constranger e coagir o contribuinte ao pagamento de tributos. A paridade de armas talvez seja a chave para o equilíbrio.

Para concluir a crítica:

Tal como o NEF vem insistindo, o estudo de experiências de outros países deve ser utilizado como fonte de inspiração (e não como modelo a ser copiado) para que possamos encontrar soluções originais brasileiras. As altíssimas multas (que chegam a até 150%), a falta de transparência dos critérios de interpretação das normas tributárias pelo Fisco e a carência de mecanismos eficientes de troca de informações são evidências de que, no Brasil, ainda prepondera o enfoque punitivo. A experiência holandesa mostra a importância de começarmos a discutir formas de equacionar punições e procedimentos de comunicação para a construção de uma administração fiscal mais eficiente e democrática.[29]


Notas

[2] Súmula 473/STF: A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

[3]GLOBO. G1 Distrito Federal. Brasília, 2013. Disponível em: http://m.g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2013/04/apos-publicar-divida-de-governador-do-df-subsecretario-e-exonerado.html. Acesso em: 07 de março de 2014.

[4]MIGALHAS. Sigilo Fiscal. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI175863,41046-DF+quebra+sigilo+de+quem+fez+e+recebeu+doacoes+nas+declaracoes+de+IR>. Acesso em: 07 de março de 2014.

[5] BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Re. 389808, Relator: Min. Marco Aurélio, 2010.

[6] Idem.

[7] Idem.

[8] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 1061.

[9]  BRANCO, Paulo Gonet. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 326-329.

[10] Ibidem, p. 327-328.

[11] LENZA, op. cit., p. 1167.

[12] Distrito Federal, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Recurso Inominado 733997, Relator: Des. Flávio Augusto Martins Leite, 2013.

[13] Distrito Federal, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Recurso Inominado 738638, Relator: Des. Luís Gustavo B. de Oliveira, 2013.

[14] Idem.

[15] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, AgRg no AREsp 42218/MS, Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 2013.

[16] FILHO, Oswaldo Othon de Pontes Saraiva. O acesso direto aos dados bancários por parte do fisco: a transferência do sigilo Bancário para o Sigilo Fiscal. Pizolio, Reinaldo & Gavaldão Jr., Jayr Viégas (coord.) – Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 193.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

[17]  Idem.

[18] TORRES, Ricardo Lobo. Normas gerais antielisivas, In Temas de Interpretação do Direito. (Org.) Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro – São Paulo: Renovar, 2003, p. 278-290 APUD JOBIM, Eduardo, A troca de informações no direito tributário internacional, p. 252.

[19] CONJUR. Transparência Previne Planejamento Tributário Agressivo. São Paulo, 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jul-11/mariana-pacheco-transparencia-previne-planejamento-tributario-agressivo>. Acesso em: 02 de abril de 2014.

[20] GIANNETII, Francesco. Sigilo Fiscal e Bancário. Pizolio, Reinaldo & Gavaldão Jr., Jayr Viégas (coord.) – Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Quartier Latin, 2005, pag. 437-438.

[21] JOBIM, Eduardo. A troca de informações no direito tributário internacional e seus influxos nos direitos fundamentais dos contribuintes. Revista Tributária e de finanças públicas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. Ano 15, n. 72, jan-fev./2007, pag. 230

[22] Idem.

[23] FERNANDES, Milton. A proteção da intimidade, São Paulo: Saraiva, 1977, p. 83, APUD JOBIM, Eduardo. Ibidem. p. 248.

[24] SACCHETTO, Claudio. A noção de abuso fiscal à luz da jurisprudência do Direito Comunitário. Tradução Ricardo Fernandes. Revista Direito Tributário Atual, Vol. 21, São Paulo: Dialética, 2007, Pág. 139.

[25] US Supreme Court, 293 US 465, HELVERING, Gregory v., 1935, APUD SACCHETTO, Claudio. Ibidem, p. 140.

[26] SACCHETTO, Claudio, op. cit., p. 141-150.

[27] CONJUR, op. cit..

[28] CONJUR, ibidem.

[29] CONJUR, ibidem.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Carlos Alencastro

Advogado. Pós-graduado em Direito Tributário e Finanças Públicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALENCASTRO, Carlos. O ITCD, a quebra do sigilo fiscal pela Fazenda do DF, o direito fundamental à privacidade e o direito tributário internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4058, 11 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29202. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

Estudo realizado para atuação como advogado no caso em voga.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos