Consequência do trespasse seguida de falência do alienante do estabelecimento empresarial

11/08/2014 às 15:00
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O presente trabalho visa de forma não exaustiva abordar os pontos relevantes inerentes ao processo de trespasse. Que consiste na transferência do estabelecimento comercial.

Veremos adiante as principais conseqüências oriundas da inobservância das exigências legais para o contrato de trespasse e os efeitos que este podem causar dentro ou fora da relação contratual.

O legislador atentou se tanto no novo código civil quanto em leis especiais a preocupação de não ofender os princípios constitucionais como, por exemplo, o principio da livre iniciativa e principio da função social da empresa e da preservação da atividade, em vista a necessidade de torna-se mais seguro, o processo de alienação do estabelecimento comercial, pois muitas eram as lacunas existentes em leis utilizadas a fim de causar prejuízo a terceiro e regulamentar atos fraudulentos.

Cabe observar que o atual código civil em seu artigo 1.146 destaca as responsabilidades gerais das partes no contrato de trespasse, algo que no código de 1916 era inexistivel exceto as responsabilidades previstas em leis especiais como por exemplo as relações trabalhistas e tributarias atualmente previstos no artigo 10 e 448 da CLT (Consolidação das Leis do trabalho) e do artigo 133 do CTN  (Código Tributário Nacional), contudo, em 2005 com a criação da lei 11.101 (Lei de recuperação judicial e falências) trouxe a regulamentação dos atos relacionados ao processo falimentar e o contrato de trespasse conforme veremos a seguir.

Do estabelecimento comercial

O novo Código Civil de 2002 Lei nº 10.406 inovou ao trata-se do estabelecimento comercial, pois em virtude da necessidade da regulamentação especifica do assunto criou se um titulo próprio dentro do referido diploma legal para regulamentar o instituto do estabelecimento comercial (titulo III). O artigo 1.142 do referido diploma conceitua o instituto do estabelecimento comercial:

Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.

Neste sentido Fabio Ulhoa Coelho conceitua que:

“ ...o estabelecimento comercial é a reunião dos bens necessários para o desenvolvimento da atividade econômica. Quando o comerciante reuni bens de variada natureza, como as mercadorias, máquinas, instalações, tecnologia, prédio e etc., em função do exercício de uma  atividade, ele agrega esse conjunto de bens uma organização racional que importará em aumento do seu valor enquanto continuarem reunidos. Alguns autores usam a expressão “aviamento” para se referir a esse valor acrescido.  O estabelecimento comercial é composto por bens corpóreos ( como as mercadorias, instalações, equipamentos, utensílios, veículos e etc) e por bens incorpóreos (assim as marcas, patentes, direitos e etc.)” Coelho, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. Ed. Saraiva. 15º edição. Página 57 à 59.

Outrossim, cabe observar que a legislação anterior não contemplava o instituto do estabelecimento comercial assim como não existia a sua disciplina sistemática nas leis diversas. Na posição de Modesto Carvalhosa o conceito de estabelecimento comercial, in verbis:

           “...Organização de bens e esses bens podem ser de natureza corpóreos ou incorpóreos. Os primeiros compreendem em matéria prima, maquinas, mobiliários, mercadorias estocadas, veículos, e demais bens corpóreos utilizados pelo empresário na exploração da sua atividade econômica. Já os bens incorpóreos consistem nos elementos de identificação da empresa,  quais sejam o titulo do estabelecimento do nome empresarial e as marcas, e etc. Mas como é sábio a empresa depende não só desse conjunto de bens corpóreos ou incorpóreos para existir e gerar lucros para o empresário. É necessário a combinação de outro fator econômico, que, juntamente com esses bens, permitirá o pleno desenvolvimento da atividade empresarial. Esse fator é atividade laboral necessária a operalização desses bens. Essa atividade, empresas individuais e de menor porte em geral pode ser desempenhada pelo próprio empresário. Carvalhosa, Modesto. Comentários ao Código Civil parte especial do direito de empresa. 2º edição. Editora Saraiva. Página 618...”

Trespasse

O trespasse é a transferência do estabelecimento do patrimônio do empresário alienante que é o trespassante, para o patrimônio do empresário que esta adquirindo que é o trespassário. Tem por objetivo a sua venda todos os bens corpóreos ou incorpóreos. Na alienação do estabelecimento comercial para que tenha os efeitos diante do terceiro é necessário preencher os requisitos previstos no Código Civil.

Trespasse é um contrato bilateral que entre o alienante do estabelecimento (trespassante) e o adquirente (trespassário). Ambos podem ser empresários individuais ou de sociedades empresarias.

Segundo  Fabio Ulhoa Coelho:

“... O estabelecimento empresarial por integrar o patrimônio do empresário, é também, garantia dos seus credores. Por esta razão, a alienação do estabelecimento empresarial está sujeita à observância de cautelas especificas, que a lei criou com vistas à tutela dos interesses dos credores e de seu titular...” (Manual de Direito Comercial, pg. 60 15º Edição).

Com isso, cabe observar que o empresario possui perante o estabelcimento comercial o instituo jurídico da autonomia da vontade, podendo este, alterar, vender e encerrar, conforme sua própria vontade, contudo, a lei  atentou-se a regular a segurança jurídica que a empresa, possuirá com os demais (terceiros: Fornecedores, empregados, consumidores, etc), no qual visa proteger e as relações entre estes com o estabelecimento e determinar as responsabilidades de cada parte nessas relações.

Nesse sentido, Modesto Cavalhosa:

“... Esses diversos negócios jurídicos envolvendo o estabelecimento podem ser classificados da seguinte maneira: (i) negócios de alienação Inter vivos a titulo oneroso (Compra e venda, permuta, conferencia ao capital de sociedade. Dação em pagamento) ou a titulo gratuito (doação); (ii) negócios de alienação mortis causa  (sucessão legitima ou testamentária); e (iii) negócios de gestão para fins de desfrute (arrendamento, usufruto, comodato) ou de garantia (penhor) – Comentários ao código civil Vl. 13 pg. 636”

Contudo, o simples fato de cessão de quotas, transferência ou o direito de uso e gozo da sociedade, não caracteriza o instituto do trespasse sendo que para este consideram-se todos os elementos (Corpóreos e incorpóreos) da empresa e não simplesmente as cotas sociais da referida pessoa jurídica, pois são negócios jurídicos distintos.

Outrossim, grande ponto de discussão será a determinação do valor a ser negociado para regulamentação das transações que envolvam o estabelecimento comercial, em suma grande parte da doutrina, além de considerar os bens corpóreos, atenta-se especialmente para o instituto do aviamento, que quer dizer não somente a empresa, e sim o seu conjunto, o que aquela empresa conceitue como marca, clientela e freguesia entre outros, que gere lucro ao adquirente. Aquele que esta realizando a venda, ou seja, o empresário alienante deve de forma verídica apresentar as informações relacionadas ao aviamento do estabelecimento, sob pena de resolução do contrato e mais indenização.

Por meio da due diligence, pode haver uma analise investigativa em relação a situação econômica do estabelecimento antes que seja adquirida pelo interessado, e assim comprovar a realidade do estabelecimento que esta comprando. Esta analise é composta por base na escrituração do estabelecimento (artigo 1.179 do Código Civil 2002):

Art. 1.179: O empresário e a sociedade empresaria são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.

Sendo assim, as informações omissas na contabilidade podem reduzir o valor do aviamento.

Além do principio da antonímia de vontade, o instituto do trespasse trata implicitamente de outros princípios norteadores, que servirá de base para compreensão das regras jurídicas positivadas pelo legislador.

Do principio da preservação da empresa: O princípio da preservação da empresa encontra-se implícito em várias disposições do Código Civil brasileiro de 2002 (CC), e tem aplicação prática tanto nas empresas individuais quanto na manutenção das atividades das sociedades empresárias. No que diz respeito ao empresário individual, este princípio encontra-se materializado no art. 974 do CC, e determina que se ocorrer a incapacidade superveniente da pessoa física empresária, sua empresa (atividade) pode ser exercida por um representante legal autorizado judicialmente; ou por um ou mais gerentes prepostos nomeados pelo juiz. Com isso, verifica-se que o empreendimento é preservado para atender ao interesse individual da pessoa física empresária (e de seus familiares), já que, em regra, o empresário individual tem como meio de subsistência os ganhos obtidos através da sua atividade.

Ademais, abriga o interesse social, se considerar a importância que toda empresa – mesmo a de pequeno porte - tem na cadeia produtiva, para os que dela dependem economicamente, para o mercado e para a sociedade. Quanto às sociedades empresárias, o princípio em tela encontra-se implícito em diversas disposições do Código Civil brasileiro, sendo que,as primeiras disposições a serem interpretadas, portanto, referem-se ao instituto da resolução da sociedade em relação a um sócio ou dissolução parcial da sociedade, e servem de meio para garantir a preservação da empresa, nas hipóteses previstas no Código Civil, entre as quais se encontram as situações de: a) retirada; b) morte; ou c) exclusão do sócio; e d) falência da sócia-pessoa jurídica. Nessas hipóteses, o princípio da preservação da empresa é reforçado pelo princípio da socialidade, aqui entendido como o princípio pelo qual há predomínio do interesse social sobre o interesse individual, no plano das relações entre os sócios e a sociedade empresária. Para Fazzio Júnior (2003, p. 267), a finalidade da dissolução parcial consiste em resguardar a estabilidade da empresa frente à possível volubilidade dos interesses individuais entre os sócios. Com isso, não ocorre a paralisação da empresa, nem a dissolução da sociedade ou a extinção da pessoa jurídica, permanecendo preservada a atividade empresarial. Opera-se, apenas, o rompimento de vínculos contratuais em relação ao sócio que, por diversas situações fáticas, se desliga da sociedade.

Acresce-se que foi a partir da compreensão do princípio da função social da empresa (a seguir abordado), que surgiu o interesse público na preservação da atividade empresarial, deixando-se em plano secundário as vontades dos sócios, minoritários ou majoritários, que pudessem levá-la à dissolução total, sempre que houvesse sócios interessados em manter o empreendimento (Lucena, 2003, p. 925). Nesse sentido, o princípio da preservação da empresa primeiro se refletiu na interpretação dos teóricos do direito e na jurisprudência para, depois, ser incorporado ainda que de modo implícito à legislação brasileira.

Desta feita a regulamentação do trespasse demonstra  como uma das ferramentas criadas pelo legislador, para aplicação do principio constituicional.

Do principio da Função social da empresa: O Novo Código Civil, como já o fazia a Constituição Federal, instituiu cláusulas gerais, em formulações legais de caráter genérico e abstrato, com natureza de diretriz, cabendo ao Juiz, na análise do caso concreto, seu preenchimento. Tais dispositivos têm a função de dotar o Código de maior mobilidade, mitigando regras mais rígidas. Na CF/88 é patente o caráter social. O art. 5º, em seu inciso XXIII, prescreve o princípio da função social da propriedade, função esta reafirmada no parágrafo primeiro do artigo 1.228. Ainda na Carta Magna, os artigos 182 a 186, tratam, de modo específico a questão da propriedade, destacando a função social desta.

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No tocante especificamente às empresas, o principal dispositivo a expressar a moderna visão do papel das empresas é o artigo 170 da Constituição, que assim dispõe:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V – defesa do consumidor;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

Verifica-se, portanto, que citado artigo estabelece claramente que a ordem econômica deverá se pautar na justiça social e garantir a satisfação de uma vida digna, realizando a busca do pleno emprego, e reduzindo as desigualdades sociais.

Infere-se do art. 170, ainda, que a ordem econômica é baseada na livre iniciativa, valorizando o regime capitalista, desde que cumprida a função social.

 Em outras palavras, depreende-se que a função das empresas é atender, prioritariamente, às necessidades básicas das pessoas, garantida a propriedade privada. Desta feita, a atividade econômica só se legitima e cumpre seu papel quando gera empregos, fomenta a sociedade, e garante uma existência digna às pessoas.  Encontra-se totalmente superada a afirmativa de que a missão precípua das organizações econômicas é gerar lucro aos investidores.

Hoje a empresa é vista como um agente da sociedade criado com a

finalidade de satisfazer necessidades sociais. É valorizada pela sociedade a criação de empresas porque estas são consideradas benéficas à sociedade como um todo, uma vez que têm como missão produzir e distribuir bens e serviços, gerando empregos. Continua prevalecendo o regime da livre iniciativa e a competição econômica. Entretanto, o lucro só será aceito como legítimo e reconhecido pela sociedade como justa recompensa a ser recebida pelos investidores se obtido sem causar prejuízos à aquela. Este entendimento coaduna com a legislação vigente. A função social da empresa estará cumprida se seus bens de produção tiverem uma destinação compatível com os interesses da coletividade, realizando a produção e distribuindo estes bens à comunidade, fazendo circular riquezas e gerando empregos. A missão precípua de uma empresa é propiciar o crescimento de todos, sócios e sociedade, através da criação de empregos, geração de renda, produção e distribuição de bens. A função lucro é um plus que será alcançado como conseqüência, uma vez que o princípio da função social demonstrado no interesse pela coletividade através da possibilidade de vida digna a seus funcionários, respeito ao meio-ambiente, circulação de riquezas, gera uma posição de reconhecimento de toda a sociedade, acarretando maior lucro para a empresa. Assim, a empresa, ao realizar a sua função social, otimiza seus lucros, aumenta sua rentabilidade. Fica fácil visualizar o cumprimento da função social de qualquer instituição através da aplicação da Teoria da Eficiência de Paretto, através da qual reputa-se cumprida a função social se no desenvolvimento da atividade nenhuma das partes ou terceiros incorrer em prejuízo. Nesse diapasão, pode-se afirmar que a empresa cumpre sua função social se gera crescimento, desenvolvimento, sem causar prejuízos a fornecedores, consumidores, ou à sociedade em geral. Não causando prejuízos, a empresa estará protegendo o meio-ambiente, gerando emprego e renda, dando lucro, garantindo, assim, retorno a seus acionistas.

O princípio da função social da empresa garante tão somente que esta não pode ser utilizada para práticas abusivas, que causem prejuízos a quem quer que seja. Não há, portanto, nesse princípio, qualquer ofensa à liberdade na gerência e contratação das empresas, apenas uma garantia que as empresas deverão desenvolver suas atividades sem qualquer prejuízo a outrem, sem, com isso, afastar o cunho econômico ou o objetivo lucro daquelas.

Encontra-se citado princípio em consonância com art. 187 do Código Civil que preceitua que comete ato ilícito aquele que ao exercer seu direito extrapola os “limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Os interesses individuais, de acordo com os ditames constitucionais e do

Novo Código Civil, deverão ser exercidos em conformidade com os interesses sociais. Havendo conflito, a situação deverá ser adequada de forma a atender os interesses sociais. Tal regra tem validade tanto para as empresas quanto para os contratos, aplicando-se em todas as situações, conforme se infere das disposições legais.

A função social da empresa é, para muitos, difícil de identificar e de se

verificar. Entretanto, tal dificuldade não existe. A verificação da função social da empresa se faz de forma simples e direta. Para se averiguar se uma empresa atingiu sua função social, como já mencionado anteriormente, deverá se aplicar a Teoria da Eficiência de Paretto. De acordo com referida teoria, é necessário observar se a empresa atingiu seus objetivos, e promoveu o aumento ou a manutenção de riqueza

em seu entorno, sem prejuízo a quem quer que seja. Não se pode dizer que uma empresa cumpriu a função social quando gerou prejuízo a ela, a terceiros ou à sociedade. O princípio da função social da empresa influi diretamente no princípio da preservação da empresa, que determina a continuidade das atividades de produção de riquezas como um valor a ser protegido, e reconhece os efeitos negativos da extinção de uma atividade empresarial, que acarreta prejuízos não só aos investidores como a toda a sociedade.  A importância social das empresas para a comunidade é tamanha, que o Estado deve envidar todos os esforços para preservar a saúde financeira delas. Incontestavelmente, elas contribuem fundamentalmente para que os cidadãos realizem suas melhores expectativas de vida, seja pela colocação no mercado de bens e serviços que facilitam a vida das pessoas, pela produção de um medicamento, ou pela geração de empregos renda.  O desenvolvimento da sociedade depende do fortalecimento de sua economia, onde a empresa é a principal responsável, uma vez que realiza a produção e circulação de bens e riquezas. Clara, portanto, a função social da empresa.

As empresas objetivam a circulação de riquezas. Entretanto, não se pode permitir o enriquecimento de uns em detrimento de outros ou da sociedade. Quando ocorrer tal situação, não estará a empresa cumprindo sua função social.

Nesse sentido, temos como conclusão que o trespasse tem por finalidade preservar o principio da função social da empresa e da preservação da atividade, que para o não encerramento do estabelecimento comercial é realizado a transferência do estabelecimento, continuando a mesma pessoa jurídica alterando o quadro de sócios, bem como o aviamento do estabelecimento comercial para o adquirente, fazendo assim, a continuação das atividades, em prol ao desenvolvimento desta e de toda sociedade.

Requisitos para o trespasse

Assim como qualquer outro negocio jurídico, deve-se observar no processo de trespasse, os requisitos de validade comum a todos os negócios jurídicos, como por exemplo: Capacidade das partes, Objeto licito, possível, determinado ou determinável, forma prescrita ou não defesa em lei, nos termos do atual código civil.

Outrossim, conforme o artigo 1.144 do novo Código Civil de 2002, no contrato de trespasse é necessário seu arquivamento na Junta Comercial com o registro do empresário mais a publicação na imprensa oficial. No caso de descumprimento dos requisitos legais previstos em lei, impede que negócio do estabelecimento tenha eficácia perante terceiros.

Tem reforço nas formalidades o artigo 1.145 do Código Civil de 2002, in verbis:

                               “Art. 1.145 – Se o alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes de modo expresso ou tácito em trinta dias a  partir de sua notificação.”

 A proteção aos credores, que prevê ao alienante não sobrar bens suficiente para efetuar o pagamento do passivo do estabelecimento vendido, a eficácia do contrato fica sob anuência (consentimento) de todos os credores.

O empresário que tem por interesse alienar seu estabelecimento comercial tem que solicitar o prévio consentimento dos seus credores, com notificação judicial ou pelo oficial de registro de títulos e documentos. Este consentimento pode ser expresso ou tácito.

O trespasse pode ser em sua eventualidade caracterizar a insolvência da garantia comum dos credores. No artigo 94, III alínea “c”  da Lei 11.101/2005:

“ Art. 94: Será decretada a falência do devedor que: III – Pratica qualquer dos seguintes atos: c) Transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo”;

Ou seja,  constitui o ato da falência sem a anuência dos credores não restando ao devedor o patrimônio suficiente para saldar o passivo. Em contrario os bens suficientes ao consentimento dos credores é dispensável. A parte ativo tem a prova da insuficiência para o autor solicitar o pedido de falência.

Além disso, se a formalidade prevista no art. 1.145 não for cumprida, a consequência também será prejudicial ao adquirente. O art. 129, VI, da Lei n° 11.101/2005 prevê:

“Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores: (...)

VI. A venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial de registro de títulos e documentos

Diante do previsto, o trespasse poderá ser considerado ineficaz perante a massa falida e o adquirente deverá entregar o estabelecimento para a massa falida. O parágrafo único, art. 129, Lei n° 11.101/2005 prevê que

“A ineficácia poderá ser declarada de ofício pelo juiz, alegada em defesa ou pleiteada mediante ação própria ou incidentalmente no curso do processo”.

O reconhecimento da ineficácia não exige a má-fé do adquirente do estabelecimento, o simples desatendimento da previsão expressa no inciso VI do art. 129 autoriza a declaração da ineficácia do trespasse, não importando o intuito fraudulento do ato. De acordo com o art. 136 da Lei n° 11.101/2005, reconhecida a ineficácia do ato, as partes retornarão ao estado anterior, e o contratante de boa-fé terá direito à restituição dos bens ou valores entregues ao devedor. O § 2º do referido art. 136 prevê ser garantido ao terceiro de boa-fé, a qualquer tempo, propor ação por perdas e danos contra o devedor ou seus garantes.

Cumpre ressaltar que o art. 1.145 estabelece uma norma genérica sobre a ineficácia do trespasse perante os credores, quando desatendida a previsão legal, não sendo, nesse caso, necessária a declaração da falência do empresário alienante. De acordo com Marcelo Andrade Féres, “o credor, mesmo sem promover a execução concursal, poderá pleitear, em qualquer processo, o reconhecimento da ineficácia do negócio” (FÉRES, 2007, p.129).

Das responsabilidades e consequências no trespasse:

Devemos entender por obrigações e responsabilidades civis e empresariais aquelas oriundas do próprio giro operacional da sociedade empresária, ou seja, cheques vencidos ou a vencer, notas promissórias, duplicatas, letras de câmbio, eventuais dívidas relativas a contratos firmados com fornecedores no período anterior à venda da "empresa" etc.

Sobre a alienação do estabelecimento, ou seja, o assim chamado trespasse ressalte-se que os débitos anteriores, desde que devidamente contabilizados, são de responsabilidade do adquirente, mas o devedor primitivo, aquele que está vendendo a "empresa", continua solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, nos termos do artigo 1.146 do atual código civil:

                Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.

 

Ou seja, quanto aos créditos vencidos antes da venda, este prazo é contado a partir da publicação do novo contrato societário.

Quanto aos outros créditos (vincendos), os prazos são contados a partir das datas de vencimento destes.

Atente-se que o trespasse pode ser motivo de pedido de falência por parte de algum credor, pois, em determinadas circunstâncias, é possível significar a supressão de alguma garantia aos mesmos.

Será motivo para decretação da quebra, realizada sem o assentimento dos credores, caso com o trespasse reste a "empresa" com patrimônio insuficiente para fazer frente a seu passivo. Em situação contrária, isto é, ficando com bens suficientes, o consentimento dos credores é dispensável. A prova da insuficiência do ativo remanescente incumbe ao autor de eventual pedido de quebra.

De acordo com o artigo 1.145 do Código Civil, se ao alienante não sobrar bens capazes de fazer frente a seu passivo, a alienação do estabelecimento será ineficaz, salvo se pagar todos os credores ou estes concordarem, expressa ou tacitamente, com o negócio, no prazo de 30 dias.

Ao alienante restam as opções de preservar o estabelecimento patrimonial, como garantia do pagamento dos seus débitos, ou notificar todos os seus credores em busca de anuência para o trespasse. Em tal conjuntura, a concordância destes, sem exceção, passa a ser condição de eficácia da alienação.

Aliás, os efeitos do contrato de alienação só alcançam terceiros após a devida averbação no registro empresarial e a respectiva publicação oficial.

A operação em comento – trespasse - deve observar todas as sobreditas exigências legais, para que não exista o perigo de um pedido de falência. Ressaltamos, inclusive, como será demonstrado abaixo, que, sob o prisma das responsabilidades tributárias, com o advento da Lei Complementar 118/2005, que modificou o artigo 133 do Código Tributário Nacional, especialmente o seu parágrafo 2º no que se refere à presente ressalva, acabou a situação até certo ponto confortável de quem vendia o seu estabelecimento empresarial sob determinadas condições.

Sabe-se que o Decreto-Lei 7.661/45 regulou o procedimento de falência até a entrada em vigor da Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Este diploma normativo, no art. 52, inciso VIII, estabelecia um regime de severa restrição à alienação do fundo de empresa ao prescrever a ineficácia em relação à massa falida da transferência de propriedade e/ou de estabelecimento empresarial se não houvesse a anuência dos credores ou o adimplemento de todas as obrigações no caso de não restarem bens suficientes ao falido para pagamento dos credores, conforme visto acima.

Não há dúvida, por outro lado, que o legislador, com a edição da Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 – que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária – tinha por objetivo preservar a função social da empresa, a circulação de riqueza, o estímulo da atividade econômica e a geração de emprego e renda com a manutenção dos postos de trabalho. Tal perspectiva fica muito evidente no art. 47 da referida lei, que prescreve:

 “a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

A vista desses objetivos inovou a lei de recuperação judicial, extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária, pois além de prever que a recuperação da empresa que poderá ser judicial ou extrajudicial, ainda previu a possibilidade de alienação do estabelecimento empresarial sem que o adquirente suporte os efeitos nocivos decorrentes desse negócio jurídico em razão das disposições constantes no art. 1.146 do Código Civil – o adquirente não assume a responsabilidade pelos débitos vinculados à universalidade – e sem que haja o risco de uma declaração de ineficácia posterior como por exemplo o processo de trespasse nos termos do art. 129 da lei falimentar.

A possibilidade de alienação do estabelecimento, livre de ônus, no processo de recuperação judicial está prescrito no art. 60, da Lei nº 11.101/2005, que tem a seguinte redação:  (Procedimento de arrecadação de ativos)

“Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.

Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei”;

Do mesmo modo, a alienação do fundo empresarial, também isenta de ônus para o adquirente no caso de falência, encontra amparo no art. 141 da mesma lei. Eis a sua redação:

“Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo: I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei, sub-rogam-se no produto da realização do ativo; II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho”.

Todavia, é importante observar que tanto na recuperação judicial – em razão da aplicação da parte final do parágrafo único do art. 60, da LRF – quanto na falência, a alienação do estabelecimento sem qualquer ônus não será possível se configurada as hipóteses previstas no § 1º, do art. 141, da Lei nº 11.101/2005, que tem a seguinte redação:

“Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo: (...). § 1º O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for: I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido; II – parente, em linha reta ou colateral até o 4º (quarto) grau, consanguíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão”.

Observa-se, portanto, que as disposições da Lei nº 11.101/2005 excepciona, quanto aos procedimentos de recuperação judicial/extrajudicial e falência, as normas de responsabilidade do adquirente do estabelecimento empresarial plasmadas no art. 1.146 do Código Civil, não havendo dúvidas que ao empresário interessado na realização de trespasse do estabelecimento deve de forma cautelosa avaliar a real situação econômica e jurídica do estabelecimento, para que o ato de sua alienação não seja considerado ineficaz, contudo, não podemos confundir o instituto do trespasse com o processo de alienação de ativos arrecadados no processo de falência.

Em suma, assim como regra da estrutura jurídica brasileira, o atual código civil, regulamentou o instituo do trespasse e suas responsabilidades de forma genérica, prevendo que a responsabilidade das partes será regida nos termos do art. 1.146 do atual código civil que prevê a  responsabilidade solidaria entre alienante e adquirente, contudo, a lei 11.101/2005, regulamentou situação específica envolvendo o contrato de trespasse com os institutos da recuperação judicial e falência, atribuindo de forma diferente o que dispunha o atual código civil, no que tange as responsabilidades das partes e eficácia do contrato, neste diapasão, a lei especial procurou assegurar as responsabilidades conforme o disposto nos artigos 60 e 141 da lei 11.101/2015 que demonstra a ineficácia do contrato de trespasse, por outro lado, devemos destacar a diferença existente entre os institutos do trespasse e da Aline ação de ativos dos bens arrecadados no processo falimentar. A lei falimentar preocupou em assegurar o riscos de atos fraudulentos cabíveis com a adoção de tais mecanismos jurídicos, no que dispõem o Parágrafo Primeiro do art. 141 da mencionada Lei que estabelece os critérios para validade desse tipo de alienação e isenção da responsabilidade

Conceituaremos o trespasse previsto no código civil, como uma modalidade, no qual denominamos de trespasse ordinário, diferentemente, da previsão especifica na lei de recuperação judicial e falência, no qual, denominamos de trespasse extraordinário ou ineficaz em vistas as peculiaridades previstas em cada modalidade.

Restando claro a necessidade do real conhecimento da fase jurídica e econômica do estabelecimento que pretende adquirir (trespasse), pois em regra no processo falimentar será de plano considerado ineficaz, contudo, a lei falimentar não procurou ou objetiva retirar das partes a autonomia de vontade no qual o art. 129 da lei, visando efetivar os princípios que regem o processo falimentar trazer a segurança para os credores e terceiros, não proibindo o instituo do trespasse e tão somente colocando condição para que não sejam os credores e terceiros prejudicados com a inobservância da lei.    

Bibliografia:

  • Coelho, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. Ed. Saraiva. 15º edição

 

  •  Carvalhosa, Modesto. Comentários ao Código Civil parte especial do direito de empresa. 2º edição. Editora Saraiva.

 

  • Almeida, Marcos Elidius micheli de . Nova Lei de Falencias e Recuperação de empresas confrontada. Ed. Quartier

 

  • Filho, Manoel Justino Bezerra Filho. Lei de recuperação de empresa e falências comentada. Ed. Revistas dos tribunais. 6 ª edição
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Sobre o autor
Renan Luiz Silva

Advogado, Pós Graduando em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP),Coordenador do Escritório Regional da JUCESP e da Autoridade de Registro (AR) na Associação Comercial De São Paulo, especialista em atos notariais. Consultor Jurídico. Membro da comissão do acadêmico de direito da OAB/SP. Membro do Instituto ProBono.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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