4. Direito humano em relação às mulheres
4.1. Estudo comparativo entre a Constituição do Irã e a do Brasil referente ao direito das mulheres
Esta seção realiza um estudo comparativo entre a Constituição do Irã e a do Brasil, contrapondo-as ao que é definido pela Declaração dos Direitos Humanos em relação ao direito das mulheres.
A Declaração dos Direitos Humanos de 1948 estabelece a igualdade de gênero em seu preâmbulo e no art. XXIII, apresentados a seguir.
Preâmbulo. Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla [...]
Art. XXIII [...] Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. (grifo nosso)
Além disso, o art. XVI da Declaração dos Direitos Humanos de 1948 assegura direitos matrimoniais às mulheres da seguinte forma:
Art. XVI. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. (grifo nosso)
A Constituição do Irã proíbe a discriminação e privilégios com base no sexo em seu art. 19. Além disso, ela estabelece a igualdade perante a lei em seu art. 20 e, por meio do art. 21, determina que o governo deve garantir os direitos das mulheres em todos os aspectos.
Por sua vez, a Constituição Federal do Brasil apresenta como direitos das mulheres:
· igualdade entre os sexos, segundo o inciso I do art. 5º;
· cumprimento de pena em estabelecimento distinto, consoante o inciso XLVIII do art. 5º;
· proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, de acordo com o inciso XXX do art. 7º;
· isenção de prestação de serviço militar obrigatório em tempo de paz, por meio do § 2º do art. 143; e
· aposentadoria distinta no regime geral de previdência social, segundo o § 7º do art. 201.
Dessa forma, as Constituições dos países investigados trazem expressamente o direito da mulher no que se refere à igualdade de gênero, embora a Constituição do Brasil aborde um maior número de matérias relacionadas à mulher.
4.2. Estudo comparativo entre a realidade sociopolítica do Irã e a do Brasil referente ao direito das mulheres
Esta seção apresenta a forma como o direito humano em relação às mulheres encontra-se inserido na realidade sociopolítica do Irã e na do Brasil, respectivamente.
A discriminação contra as mulheres no Irã persiste na prática, uma vez que há diversas barreiras que impedem sua plena participação social, econômico, acadêmico e política. Segundo o DRL (2012b), os principais abusos aos direitos humanos enfrentados pela mulher iraniana são estupro, violência doméstica, práticas tradicionais nocivas, discriminação matrimonial, discriminação profissional e o uso forçado do hijab.
No Irã, o estupro é considerado ilegal, sendo que o infrator está sujeito a punições rigorosas, incluindo a pena de morte. Contudo, esse tipo de infração persiste, dado que o governo não cumpre a lei de forma eficaz.
Além disso, o sexo dentro do casamento é considerado consensual por definição, assim, o estupro conjugal não é abordado, inclusive nos casos de casamento forçado.
Ademais, a lei não proíbe especificamente a violência doméstica. De acordo com um estudo da Universidade de Teerã, apresentado pelo DRL (2012b), uma mulher foi agredida fisicamente a cada nove segundos no país. Estima-se que cerca de três a quatro milhões de mulheres são espancadas a cada ano por seus maridos, sendo que metade dos casamentos teve pelo menos um caso de violência doméstica.
Em relação às práticas tradicionais nocivas, a lei infraconstitucional permite ao homem matar a mulher adúltera e seus consortes. Mulheres condenadas por adultério podem ser condenadas à morte, inclusive por apedrejamento.
A mulher iraniana também sofre restrições aos seus direitos matrimoniais constantes na Declaração dos Direitos Humanos de 1948, uma vez que o divórcio somente é concedido se o esposo assinar um contrato alegando estar de acordo. Por outro lado, o marido não é obrigado a apresentar algum motivo para se divorciar de sua esposa. Embora existam interpretações tradicionais da lei islâmica que reconhecem à mulher divorciada o direito a uma parte da propriedade compartilhada e a pensão alimentícia, essas leis não são aplicadas, segundo o DRL (2012b).
Além disso, a lei prevê preferência da custódia para crianças até sete anos de idade às mulheres divorciadas, contudo, caso venham a se casar novamente, elas perdem a guarda para o pai da criança. Depois que a criança chega a sete anos de idade, o pai tem o direito de custódia, de acordo com o DRL (2012b).
Ademais, as mulheres também possuem restrições sociais e legais, as quais limitam as oportunidades profissionais no mercado de trabalho, como a exigência de consentimento do marido para trabalhar fora de casa. Constatou-se que a taxa de desemprego do sexo feminino é cerca de duas vezes maior do que a dos homens, consoante exposto pelo DRL (2012b).
De acordo com o relatório “Global Gender Gap 2012” do Fórum Econômico Mundial, apresentado por Hausmann, Tyson e Zahidi (2012), as mulheres ganharam aproximadamente 4,5 vezes menos do que os homens no mercado de trabalho, além disso, elas constituíam menos do que 20% da força de trabalho. O referido relatório também apresenta um ranking de igualdade de gênero – o qual considera 135 países que juntos abrigam mais de 90% população mundial –, no qual o Irã ocupa 127° posição, ou seja, ocupa uma das piores colocações.
Além disso, constatou-se que as mulheres encontram barreiras para atuar em cargos políticos de alto nível, segundo o DRL (2012b).
Por fim, o código penal prevê que as mulheres usem obrigatoriamente o véu – hijab – em público, podendo ser condenadas a chicotadas e ao pagamento de multa caso infrinjam essa lei. No entanto, na ausência de uma definição legal clara em relação ao véu e à punição, as mulheres são submetidas aos pareceres discricionários das forças disciplinares ou de juízes.
No caso do Brasil, a lei criminaliza o estupro, inclusive o estupro conjugal. No entanto, a violência doméstica é ainda pouco denunciada às autoridades, devido ao medo de represálias, vingança e estigma social.
O governo federal do Brasil vem desenvolvendo diversas medidas, a fim de melhorar a segurança das mulheres. Entre elas, pode-se citar a Lei Maria da Penha e todo o arcabouço administrativo desenvolvido para aplicá-la. Como resultado dessa lei, em pouco mais de cinco anos[4], já tramitaram 677.087 procedimentos nas varas exclusivas de violência doméstica e familiar contra a mulher, segundo o CNJ (2013).
Mesmo assim, no que se refere à violência doméstica, a situação ainda é alarmante. O Brasil figura na sétima posição no ranking do índice de assassinatos de mulheres, constante no “Mapa da Violência de 2012”, elaborado pelo Instituto Sangari. Isso equivale a dizer que, a cada duas horas, uma mulher foi assassinada no Brasil em 2012. Além disso, constatou-se que, do total de assassinatos, 70% foram em decorrência da violência doméstica e familiar, segundo a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (2012).
Um avanço obtido pelo Brasil em relação ao direito da mulher refere-se à mudança, em um ano, de 82º colocado para 62º no ranking de igualdade entre sexos, segundo Hausmann, Tyson e Zahidi (2012). Tal progresso foi também reconhecido pela CEDAW (2012).
Contudo, ainda há muito a ser feito no Brasil em relação ao direito das mulheres, como fica evidenciado nas recomendações constantes no relatório apresentado pela CEDAW (2012), em que se destacam: a realização de treinamento sistemático para juízes, procuradores e advogados sobre os direitos das mulheres e a violência contra as mulheres; criação de abrigos para mulheres vítimas de violência; elaboração de legislação visando a aumentar a participação das mulheres na vida política; elaboração de medidas para superar as desigualdades no acesso à educação para meninas e mulheres com base em sua raça, etnia e condição.
Dessa forma, embora ambos os países apresentem sérios problemas no que se refere ao direito das mulheres, o Brasil encontra-se em uma posição favorável em comparação ao Irã, como fica evidenciado tanto pelo ranking apresentado pelo Fórum Econômico Mundial quanto pela existência no Irã de problemas como a negligência por parte do Estado a respeito do estupro conjugal, a falta de legislação que proíba especificamente a violência doméstica e a existência de restrições aos direitos matrimoniais.
Conclusão
O estudo comparativo referente à adequação da Constituição do Irã e a do Brasil ao definido pela Declaração dos Direitos Humanos de 1948 em relação ao direito de vedação à tortura e a outros tratamentos desumanos, ao devido processo legal e ao direito das mulheres mostrou que ambas as constituições abarcam esses direitos humanos. Constatou-se, também, que a Constituição do Brasil aborda um maior número de matérias relacionadas à mulher em comparação à Constituição iraniana.
Contudo, no que se refere à liberdade civil de crença, de expressão e de associação, observa-se que a Constituição do Irã não as garante de forma plena, uma vez que ela reconhece apenas uma parcela das minorias religiosas existentes; não prevê os direitos dos cidadãos muçulmanos para escolher, alterar ou renunciar a suas crenças religiosas; vincula a nomeação e demissão do presidente de Rádio e Televisão do Irã à decisão do Líder Religioso; define um conselho especial para supervisionar o funcionamento de Rádio e Televisão do Irã; excetua o direito de liberdade de impressa nos casos em que for prejudicial aos princípios fundamentais do Islã; e restringe o direito de formação de associações religiosas ao Islã e às minorias religiosas reconhecidas.
Não obstante, a Constituição iraniana apresenta o direito à liberdade civil de locomoção, de opinião e de reunião consoante o definido pela Declaração dos Direitos Humanos de 1948.
A Constituição do Brasil, por sua vez, apresenta todas as liberdades civis consideradas neste trabalho, que correspondem à liberdade de locomoção, de crença, de opinião, de expressão – imprensa e internet –, de reunião e de associação.
Conclui-se que o fato da Constituição do Irã ser teocrática acabou interferindo diretamente em algumas liberdades civis consideradas. A Constituição do Brasil, por sua vez, apresenta de forma laica todas as liberdades civis contempladas.
Ao analisar a forma como os direitos humanos investigados neste trabalho são tratados na prática pelo Irã e pelo Brasil, observou-se que em nenhum desses países tais direitos são respeitados de forma plena. Contudo, em todos os direitos humanos analisados, a forma e a intensidade dos desrespeitos cometidos pelo governo do Irã mostraram-se mais críticos.
No caso do direito à vedação à tortura e a tratamento desumano, a postura adotada pelo governo iraniano institucionaliza atos como os de flagelação, além do Irã possuir relatos de casos de tortura política. Não obstante, esses tipos de ocorrência não foram encontrados nos relatórios do DRL referentes ao Brasil.
Ademais, outro fator que torna mais grave a condição do Irã relaciona-se à abordagem policial, embora tal infração seja cometida em ambos os países, não foram identificados mecanismos transparente para investigar ou punir os abusos das forças de segurança no Irã.
No que diz respeito ao direito ao devido processo legal no Irã, observaram-se a falta de independência do Poder Judiciário, a existência de tribunais paralelos – Tribunais Revolucionários – e casos de serem aceitas como provas confissões feitas sob coação ou tortura. O Brasil, por sua vez, não possui problemas referentes à separação dos Poderes tais como o Irã, além de não possuir tribunais paralelos, embora apresente dificuldades relacionadas com a forma de ação policial e com os atrasos do Judiciário.
Entre os desrespeitos cometidos pelo Irã às liberdades civis investigadas, por não haver correspondência no Brasil, destacam-se: a existência de restrições à concessão de autorizações para viagens ao exterior e à locomoção de mulheres desacompanhadas; a existência de casos de prisão, assédio, intimidação e discriminação com base em crenças religiosas; a ocorrência de monitoramento de reuniões, movimentos e comunicações de membros da oposição, reformistas, ativistas e defensores dos direitos humanos por parte do governo; o controle, por parte do governo, sobre o conteúdo veiculado na internet; e a utilização, por parte do governo, de ameaças, intimidação e imposições de requisitos arbitrários às organizações constituídas por minorias religiosas.
Por fim, o direito humano das mulheres é desrespeitado de forma mais grave no Irã, como fica evidenciado tanto pelo ranking de igualdade entre sexos apresentado pelo Fórum Econômico Mundial quanto pela existência no Irã de problemas como a negligência por parte do Estado a respeito do estupro conjugal, a falta de legislação que proíba especificamente a violência doméstica e existência de restrições aos direitos matrimoniais.
Dessa forma, conclui-se que ambos os países necessitam avançar substancialmente em relação à aplicação dos direito humanos investigados neste trabalho, sendo imperativa a utilização dos instrumentos disponíveis de forma mais eficaz no combate às violações cometidas no Irã.
Como proposta de trabalhos futuros, ainda se faz necessária a investigação de outros direitos humanos, como o direito ambiental, bem como o estudo da forma como tais direitos encontram-se inseridos na realidade sociopolítica do Irã e do Brasil. Além disso, propõe-se a extensão deste trabalho, a fim de abranger outros países.
Referências
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Notas
[1] Os tratados assinados pelo Irã são: Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; e Convenção sobre os Direitos da Criança.
[2] Os tratados celebrados pelo Brasil são: os quatro tratados citados dos quais o Irã faz parte; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; e a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanas ou Degradantes.
[3] Reporters without Borders é uma organização não governamental com status consultivo na ONU e na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
[4] Os dados sobre número de procedimentos referem-se ao período de 22 de setembro de 2006 a 31 de dezembro de 2011.
Abstract: This paper aims to introduce a comparative study that deals with the manner by which human rights against torture and inhuman treatment, the establishment of the due process and the protection of civil and women’s liberties present in the Universal Declaration of Human Rights are covered by the Constitutions of both Iran and Brazil, as well as to expose how these rights are put into practice, considering the beginning of the 20th century. Contrasting the countries’ Constitutions with the human rights that are being studied, we found that these are present in both Constitutions, except for the civil liberty of belief, expression and association, which was not fully guaranteed by the Iranian Constitution. The study developed with the objective of identifying how these rights are embedded in the mentioned societies has demonstrated that these rights are not fully respected in any of the referred countries. However, we found that non-compliances carried out by Iran are more severe and in-depth than those carried out by Brazil. Therefore, we concluded that both countries need to advance substantially in relation to the application of the human rights that were here investigated and that the more effective usage of the available instruments for the combating of the violations performed by Iran is mandatory.
Key-words: human rights; prohibition against torture; due legal process; civil liberty; women's rights.