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Direitos humanos no Irã e no Brasil.

Um estudo comparativo das Constituições às práticas contemporâneas dos Estados

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06/01/2015 às 14:22

Resumo:


  • O estudo comparativo entre as Constituições do Irã e do Brasil demonstrou que ambos os países abarcam os direitos humanos contra tortura e tratamentos desumanos, mas as violações cometidas pelo Irã são mais graves do que as do Brasil.

  • Em relação às liberdades civis, a Constituição do Irã não garante plenamente a liberdade de crença, expressão e associação, enquanto a Constituição do Brasil aborda de forma mais ampla essas liberdades, mostrando-se mais laica em relação ao Irã.

  • No que diz respeito aos direitos das mulheres, o Irã apresenta sérios desrespeitos aos direitos matrimoniais, à igualdade de gênero e à liberdade das mulheres, enquanto o Brasil, apesar de ter desafios, está em uma posição mais favorável em relação ao direito das mulheres.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Diferentemente do Brasil, que é um Estado laico, o Irã adota fundamentos teocráticos em suas decisões políticas, o que afeta a proteção de certos direitos humanos nesse país.

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apresentar um estudo comparativo em relação à forma como os direitos humanos de vedação à tortura e a outros tratamentos desumanos, de estabelecimento do devido processo legal, de proteção às liberdades civis e das mulheres presentes na Declaração de Direitos Humanos são acolhidos pela Constituição vigente do Irã e a do Brasil, bem como expor o modo como esses direitos são aplicados na prática, considerando o início do século XXI. Ao contrapor as Constituições desses países com os direitos humanos investigados, constatou-se que tais direitos encontram-se assegurados em ambas as cartas, com exceção à liberdade civil de crença, expressão e associação, que não foram garantidas integralmente pela Constituição iraniana. O estudo desenvolvido, a fim de identificar-se como esses direitos encontram-se inseridos nas respectivas sociedades, demonstrou que, em nenhum dos países, tais direitos são respeitados de forma plena. Contudo, constatou-se que as inobservâncias por parte do Irã são mais graves e abrangentes do que as ocorridas no Brasil. Conclui-se, dessa forma, que ambos os países necessitam avançar substancialmente em relação à aplicação dos direito humanos investigados, sendo imperativa a utilização dos instrumentos disponíveis de forma mais eficaz no combate às violações cometidas no Irã.

Palavras-chave: direitos humanos; vedação à tortura; devido processo legal; liberdade civil; direito das mulheres.

Sumário: Introdução. 1. Direito humano de vedação à tortura e a outros tratamentos desumanos. 1.1. Estudo comparativo entre a Constituição do Irã e a do Brasil referente ao direito de vedação à tortura e a outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. 1.2. Estudo comparativo entre a realidade sociopolítica do Irã e a do Brasil referente ao direito de vedação à tortura e a outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. 2. Direito humano que estabelece o devido processo legal. 2.1. Estudo comparativo entre a Constituição do Irã e a do Brasil referente ao direito ao devido processo legal. 2.2. Estudo comparativo entre a realidade sociopolítica do Irã e a do Brasil referente ao direito ao devido processo legal. 3. Direito humano relacionado às liberdades civis. 3.1. Estudo comparativo entre a Constituição do Irã e a do Brasil referente às liberdades civis. 3.2. Estudo comparativo entre a realidade sociopolítica do Irã e a do Brasil referente às liberdades civis. 4. Direito humano em relação às mulheres. 4.1. Estudo comparativo entre a Constituição do Irã e a do Brasil referente ao direito das mulheres. 4.2. Estudo comparativo entre a realidade sociopolítica do Irã e a do Brasil referente ao direito das mulheres. Conclusão.


Introdução

A República Islâmica do Irã foi proclamada em 1979 em decorrência da Revolução Iraniana e apresenta um sistema híbrido de governo, uma vez que sua Constituição possui aspectos democráticos e teocráticos. Atualmente, esse governo contempla quatro dos principais tratados[1] sobre os direitos humanos definidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo Fridman e Kaye (2007).

Já a atual Constituição da República Federativa do Brasil foi proclamada em 1988 em decorrência do fim do Regime Militar (1964-1985) e a redemocratização do país. O Brasil, por sua vez, adota todos os seis principais tratados sobre os direitos humanos[2].

Dessa forma, devido à Constituição do Irã adotar fundamentos teocráticos e a do Brasil ser laica, à diferença entre o número de tratados celebrados e à variação sociocultural existente, espera-se a existência de profundas divergências em relação ao definido pela Declaração dos Direitos Humanos e pelas respectivas Constituições e realidade sociopolítica desses países.

O presente trabalho visa a investigar essas diferenças por meio da realização de um estudo comparativo em relação à forma como os direitos humanos presentes na Declaração de Direitos Humanos da ONU são acolhidos pela Constituição vigente do Irã e a do Brasil. Também é intuito desta pesquisa, apresentar um estudo referente ao modo como esses direitos são adotados na prática cotidiana da sociedade desses países, considerando as primeiras décadas do século XXI.

Os direitos humanos analisados nesta pesquisa são aqueles que estabelecem a vedação à tortura e a outros tratamentos desumanos, o devido processo legal, as liberdades civis e os direitos das mulheres.

Para fundamentar o estudo realizado referente à realidade sociopolítica do Irã e do Brasil, realizou-se uma investigação de relatórios nacionais e internacionais que visam a identificar a aplicação desses direitos. Os relatórios perscrutados foram elaborados por: O Bureau de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho (DRL) do Departamento de Estado dos Estados Unidos da América; Comissão sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CEDAW); Fórum Econômico Mundial; Rede Social de Justiça e Direitos Humanos; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); e Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Este artigo está organizado da seguinte forma. A seção 1 trata do direito humano de vedação à tortura e a outros tratamentos desumanos. A seção 2 refere-se ao direito humano que estabelece o devido processo legal. A seção 3 aborda o direito humano relacionado às liberdades civis. A seção 4 apresenta o direito humano em relação às mulheres. Finalmente, na última seção, têm-se as conclusões e sugestões de continuidade.


1. Direito humano de vedação à tortura e a outros tratamentos desumanos

1.1. Estudo comparativo entre a Constituição do Irã e a do Brasil referente ao direito de vedação à tortura e a outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes

Esta seção realiza um estudo comparativo entre a Constituição do Irã e a do Brasil, contrapondo-as ao direito de vedação à tortura e a outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes definido pela Declaração dos Direitos Humanos.

A Declaração dos Direitos Humanos de 1948 impede práticas de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes por meio do art. V, o qual estabelece: “Ninguém será submetido a? tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.

A Constituição do Irã de 1979 está de acordo com o referido direito, uma vez que também proíbe qualquer tipo de tortura por meio do art. 38, que diz:

Art. 38. É proibido aplicar qualquer forma de tortura para obter uma confissão ou informação. Não será permitido forçar uma pessoa a dar testemunho, fazer uma confissão ou prestar juramento, tal testemunho, confissão ou juramento não terá validade alguma. O infrator deste artigo será punido de acordo com a lei. (grifo nosso, tradução nossa)

Além disso, a Constituição iraniana coíbe todas as formas de afronta à dignidade e à reputação de pessoas presas, detidas, encarceradas ou banidas, segundo o art. 39.

A Constituição do Brasil de 1988, por sua vez, além de apresentar o direito fundamental à vedação à tortura e a tratamento desumano ou degradante no inciso III do art. 5º, considera a prática de tortura como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia no inciso XLIII do artigo em comento.

Dessa forma, conclui-se que o direito humano de vedação à tortura e a outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes de tratamento ou punição encontra-se positivado tanto pela Constituição do Irã como pela Constituição do Brasil.

1.2. Estudo comparativo entre a realidade sociopolítica do Irã e a do Brasil referente ao direito de vedação à tortura e a outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes

Esta seção apresenta a forma como o direito de vedação à tortura e a outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes encontra-se inserido na realidade sociopolítica do Irã e na do Brasil, respectivamente.

Os presidiários iranianos estão sujeitos a sérios desrespeitos ao direito humano de vedação à tortura, conforme revela o relatório do DRL (2012b), o qual aponta como comuns os seguintes métodos de tortura em prisões: confinamento solitário prolongado com privação sensorial, espancamento, estupro e humilhação sexual, confinamento prolongado em posições contorcidas, suspensão pelos braços e pernas, queimadura com cigarros,  ingestão de fezes, remoção de unhas, privação de sono e surras com cabos e outros instrumentos nas costas e nas solas dos pés.

O referido relatório também apresenta evidências de que o Irã possui presídios que praticam torturas de adversários políticos do governo, como a Prisão de Evin, em Teerã, conforme evidenciado pelo excerto a seguir:

O governo teria usado a tortura branca especialmente sobre os presos políticos, muitas vezes em centros de detenção fora do controle das autoridades prisionais, incluindo a ala 209 da Prisão de Evin, que as organizações de notícias e grupos de direitos humanos relataram que estava sob o controle dos serviços de inteligência do país. (DRL, 2012b, p. 7, tradução nossa)

O uso de flagelação e de amputação é considerado pelo governo como punição e não como tortura. Esse fato dificulta a preservação do direito humano em comento, pois torna tais práticas cruéis institucionalizadas. Segundo o relatório do DRL (2012b), a Comissão da Terceira Assembleia Geral da ONU relatou que ocorreram 3.766 sentenças de flagelação no período entre 2002 e 2012, das quais se registraram 1.444 casos em 2009.

Além disso, as condições dos presídios do Irã também são precárias. Até julho de 2012, há registro da existência de cerca de 220 ??mil presos no país, sendo que algumas prisões alojam até seis vezes além da capacidade para a qual foram projetadas. Ativistas e Organizações Não Governamentais (ONGs) observaram um aumento de 35% da população carcerária do país durante o período de 2010 a 2012 devido à expansão de acusação de crimes relacionados a drogas, de acordo com o relatório do DRL (2012b).

Constatou-se, também, que as forças de segurança do Irã não são consideradas totalmente eficazes no combate ao crime, sendo a corrupção e a impunidade apontadas como os principais problemas.

Por fim, foram identificados abusos aos direitos humanos cometidos pelas forças de segurança, incluindo atos de violência contra manifestações públicas. Não obstante, não foram identificados mecanismos transparentes adotados pelo país para investigar ou punir as infrações cometidas, consoante o DRL (2012b).

No Brasil, por seu turno, há registros de tortura. Segundo a Secretaria de Direitos Humanos 1.007 casos de tortura foram relatados de fevereiro de 2011 a fevereiro de 2012, dos quais 654 foram atribuídos a prisioneiros, segundo o DRL (2012a).

Ademais, a situação dos presídios é precária em decorrência, principalmente, da superlotação. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, em outubro de 2012, havia 504.848 presos em um sistema projetado para cerca de 339.300, de acordo com DRL (2012a).

Em relação à abordagem policial, o relatório do DRL (2012a) apresenta evidências de tratamentos desumanos durante operações policiais, como o confronto entre Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo.

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Finalmente, o relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (2012) apresenta dados da Corregedoria da Polícia Militar que revelam que o grupo de elite da Polícia Militar matou 45 pessoas em 2012, um aumento de 45% em relação ao mesmo período de 2011 e de 104,5% em relação a 2010.

Dessa forma, conclui-se que, embora haja casos de tortura e tratamento desumano tanto no Brasil como no Irã, é evidente a maior criticidade existente neste último, uma vez que a postura adotada pelo governo institucionaliza atos como os de flagelação. Além disso, o Irã possui relatos de casos de tortura política, sendo que não foi encontrado esse tipo de ocorrência no relatório referente ao Brasil.

Ademais, outro fator que torna mais grave a condição do Irã relaciona-se à abordagem policial, embora tal infração seja cometida em ambos os países, não foram identificados mecanismos transparentes para investigar ou punir os abusos cometidos pelas forças de segurança no Irã.


2. Direito humano que estabelece o devido processo legal

2.1. Estudo comparativo entre a Constituição do Irã e a do Brasil referente ao direito ao devido processo legal

Esta seção realiza um estudo comparativo entre a Constituição do Irã e a do Brasil, contrapondo-as ao que é definido pela Declaração dos Direitos Humanos referente ao direito ao devido processo legal.

A Declaração dos Direitos Humanos de 1948 estabelece o princípio do devido processo legal por meio dos artigos VIII, X e XI a seguir apresentados:

Art. VIII. Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Art. X. Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Art. XI. 1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. (grifo nosso)

Nesse âmbito, a Constituição iraniana prevê uma série de proteções para assegurar esse direito, quais sejam:

·         proibição contra prisões arbitrárias, segundo o art. 32;

·         exigência de que as acusações sejam prontamente explicadas ao acusado e de que um processo provisório seja tramitado às autoridades judiciais competentes, no máximo em 24 horas, para que o julgamento possa ser concluído o mais rápido possível, de acordo com art. 32;

·         direito de acesso aos tribunais e de recurso às decisões, consoante o art. 34;

·         direito a um advogado, conforme estabelecido pelo art. 35; e

·         presunção de inocência, por meio do art. 37.

A Constituição do Brasil, por sua vez, também apresenta o direito ao devido processo legal. Esse direito é estabelecido pelo inciso LIV do art. 5º da Constituição Federal, o qual garante que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Além disso, o direito ao contraditório e à ampla defesa é instituído pelo inciso LV do art. 5º da Constituição brasileira.

Dessa forma, conclui-se que o direito do devido processo legal é assegurado em ambas as Constituições, em consonância a Declaração dos Direitos Humanos de 1948.

2.2. Estudo comparativo entre a realidade sociopolítica do Irã e a do Brasil referente ao direito ao devido processo legal

Esta seção apresenta a forma como o direito ao devido processo legal encontra-se inserido na realidade sociopolítica do Irã e na do Brasil, respectivamente.

Segundo Fridman (2007), os presos iranianos sofrem violações do direito ao devido processo legal com muita frequência. Uma das principais causas dessas violações, segundo Fridman (2007), deve-se ao fato do Judiciário não agir como um Poder independente, uma vez que sofre forte influência política, como à exercida pelo Líder Supremo ao nomear o chefe do Judiciário.

Além disso, em paralelo ao Poder Judiciário, o governo mantém um sistema jurídico não constitucional chamado de Tribunais Revolucionários. Nesse sistema, são julgados de forma sumária crimes contra a segurança nacional, tráfico de drogas e atos que atentem contra a República Islâmica, sendo que suas decisões são finais e não podem ser recorridas, de acordo com Fridman (2007).

Segundo o relatório do DRL (2012b), a ausência de garantias processuais em processos criminais é recorrente. De acordo com a organização não governamental denominada Anistia Internacional, houve muitos casos de acusação com provas forjadas, de confissões forçadas e de julgamentos fechados ao público, além de tribunais admitindo como prova confissões feitas sob coação ou tortura, consoante o DRL (2012b).

No Brasil, por seu turno, embora a lei exija que os julgamentos sejam realizados dentro de um período de tempo definido, o atraso em casos estaduais e federais frequentemente levam os tribunais a encerrar processos antigos sem serem ouvidas as partes.  Ademais, o sistema judiciário civil está sobrecarregado e, por vezes, sujeito à corrupção, à influência política e à intimidação indireta, segundo o DRL (2012a).

Assim, o CNJ formou mutirões nos estados brasileiros e no Distrito Federal, a fim de revisar milhares de casos pendentes e, com isso, reduzir os referidos atrasos. Com exemplo da dimensão do problema de demora nos tribunais, utiliza-se o relatório apresentado pela CNJ (2012), referente ao período 20.07.2011 a 16.12.2011, o qual apresenta os resultados do mutirão realizado no Estado de São Paulo, o qual analisou 76.098 processos, resultando no livramento condicional de 1.892 indivíduos, aplicação de regime semiaberto para 5.939 detentos e a extinção da pena com soltura de 403 pessoas.

Por fim, segundo o DRL (2012a), o direito a um julgamento público e justo, como previsto em lei, foi geralmente respeitado no Brasil. Caso os presos não tenham condição para pagar um advogado, o tribunal deve fornecer um defensor público ou um advogado particular às expensas públicas, contudo, constatou-se a existência de déficits de pessoal em todos os estados brasileiros.

Dessa forma, no que se refere ao direito ao devido processo legal, ambos os países apresentam problemas, mas o Irã apresenta um quadro mais grave, haja vista a falta de independência prática do Poder Judiciário, a existência de tribunais paralelos – Tribunais Revolucionários – e os diversos casos de aceite como provas confissões feitas sob coação ou tortura.


3. Direito humano relacionado às liberdades civis

3.1. Estudo comparativo entre a Constituição do Irã e a do Brasil referente às liberdades civis

Esta seção realiza um estudo comparativo entre a Constituição do Irã e a do Brasil, contrapondo-as ao que é definido pela Declaração dos Direitos Humanos referente à liberdade civil de locomoção, crença, opinião, expressão – imprensa e internet –, reunião e associação.

A Declaração dos Direitos Humanos de 1948 estabelece as seguintes liberdades civis:

Art. XIII:

1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.

2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.

Art. XVIII. Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.

Art. XIX. Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Art. XX. 1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica. (grifo nosso)

O art. 33 da Constituição da República Islâmica do Irã protege a liberdade de locomoção, estipulando que “nenhum indivíduo pode ser expulso de sua residência, ser proibido de residir na localidade de sua escolha ou ser obrigado a residir em uma determinada localidade, exceto nos casos previstos pela lei.” (tradução nossa)

A Constituição do Irã em seu art. 12 define o Islã como a religião oficial de Estado e a Escola Jafari (Xiita) como escola de pensamento, contudo, concede-se pleno respeito às demais escolas islâmicas. Além disso, os seguidores destas outras escolas são livres para agir de acordo com a sua própria jurisprudência na realização de seus ritos religiosos.

Não obstante, as únicas minorias religiosas reconhecidas pela constituição iraniana são Zoroastrismo, Judaísmo e Cristianismo, sendo que, a essas minorias, é concedida a liberdade para realizar seus ritos e cerimônias religiosas e agir de acordo com seus próprios cânones em matéria de assuntos pessoais e educação religiosa, de acordo com o art. 13 da Constituição do Irã.

Observa-se que a Constituição iraniana, ao restringir as minorias religiosas reconhecidas, desampara as outras religiões não islâmicas. Dessa forma, adeptos destes outros grupos religiosos, como os membros da religião Fé Bahá'í, não têm a liberdade de praticar suas crenças, segundo o DRL (2012d).

Além disso, a Constituição do Irã não garante o direito dos cidadãos muçulmanos de escolher, alterar ou renunciar livremente suas crenças religiosas.

Em seu art. 23, a Constituição iraniana positiva a liberdade de opinião, uma vez que é vedada qualquer tipo de investigação de opinião individual, bem como proíbe que alguém seja perturbado ou obrigado a fazer algo simplesmente devido à sua convicção.

Já o art. 175 da Constituição do Irã garante a liberdade de expressão e difusão de pensamento em Rádio e Televisão que estejam em conformidade com os critérios islâmicos e os interesses do país. Além disso, esse artigo vincula a nomeação e demissão do presidente da Rádio e Televisão do Irã à decisão do Líder Religioso e define um conselho formado por representantes do Presidente, do chefe do Poder Judiciário e da Assembleia Consultiva Islâmica para supervisionar o funcionamento dessa organização.

O direito à liberdade de impressa é definido pelo art. 24 da Constituição do Irã, o qual excetua esse direito nos casos em que for prejudicial aos princípios fundamentais do Islã ou aos direitos dos cidadãos.

A Constituição do Irã institui, também, o direito à liberdade de reunião por meio do art. 27.

Por fim, o direito de associação é definido pelo art. 26 da Constituição do Irã, conforme o excerto apresentado a seguir.

Art. 26. A formação de partidos, sociedades, associações políticas ou profissionais e sociedades religiosas, sejam islâmicas ou pertencentes a uma das minorias religiosas reconhecidas, é permitida, desde que não viole os princípios de independência, a liberdade, a unidade nacional, os critérios do Islã ou a base da República Islâmica. Ninguém pode ser impedido de participar dos grupos referidos ou ser obrigado a participar deles. (grifo nosso, tradução nossa)

Observa-se que o direito de formação de associações religiosas se restringe ao Islã e às minorias religiosas reconhecidas – Zoroastrismo, Judaísmo e Cristianismo. Conclui-se que tal direito não é garantido de forma plena.

Em relação à Constituição do Brasil, a liberdade de locomoção é definida pelo inciso XV do art. 5º nos seguintes termos: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.”

Segundo a Constituição do Brasil, os direitos relacionados à crença são:

·         liberdade de consciência e de crença, livre exercício dos cultos religiosos e garantia de proteção aos locais de culto e a suas liturgias, segundo o inciso VI do art. 5º;

·         prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva, de acordo com o inciso VII  do art. 5º;

·         garantia de não privação de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, tal como exposto pelo inciso VIII  do art. 5º; e

·         vedação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, consoante inciso I do art. 19;

Em relação à liberdade de opinião, a Constituição Federal em seu inciso IV do art. 5º afirma que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.”

A liberdade de expressão, por sua vez, apresenta-se assegurada pela Constituição Federal por meio:

·         do pluralismo político, segundo o inciso V do art. 1º;

·         da liberdade de expressão da atividade intelectual, artística e científica e da liberdade de comunicação, por meio do inciso IX do art. 5º; e

·         da vedação de toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística, consoante o § 2º do art. 220º.

Além disso, a Constituição brasileira reservou um capítulo específico para a comunicação social, que vai do art. 220 ao 224.  Segundo Fachin (2012, p. 1), o referido capítulo “trata de temas relevantes para a sociedade, ao disciplinar a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a censura, a propriedade das empresas jornalísticas e a livre concorrência”.

Por fim, a liberdade de reunião e a de associação são tratadas pela Constituição Federal, respectivamente, no inciso XVI e XVII do art. 5º.

Dessa forma, no que se referem à liberdade civil de crença, de expressão e de associação, observa-se que a Constituição do Irã não as garante de forma plena, uma vez que essa Constituição: reconhece apenas uma parcela das minorias religiosas existentes; não prevê os direitos dos cidadãos muçulmanos para escolher, alterar ou renunciar a suas crenças religiosas; vincula a nomeação e demissão do presidente da Rádio e Televisão do Irã à decisão do Líder Religioso; define um conselho especial para supervisionar o funcionamento da Rádio e Televisão do Irã; excetua o direito de liberdade de impressa nos casos em que for prejudicial aos princípios fundamentais do Islã; e restringe o direito de formação de associações religiosas ao Islã e às minorias religiosas reconhecidas.

Por outro lado, a constituição iraniana apresenta o direito à liberdade civil de locomoção, de opinião e de reunião consoante ao definido pela Declaração dos Direitos Humanos de 1948.

A Constituição do Brasil, por seu turno, apresenta todas as liberdades civis consideradas neste trabalho, que correspondem à liberdade de locomoção, de crença, de opinião, de expressão – imprensa e internet –, de reunião e de associação.

Conclui-se que o fato da Constituição do Irã ser teocrática interferiu diretamente em algumas liberdades civis consideradas. A Constituição do Brasil, por seu turno, apresenta de forma laica todas as liberdades civis aqui contempladas.

3.2. Estudo comparativo entre a realidade sociopolítica do Irã e a do Brasil referente às liberdades civis

Esta seção apresenta a forma como os direitos referentes à liberdade civil de locomoção, crença, opinião, expressão – imprensa e internet –, reunião e associação encontram-se inseridos na realidade sociopolítica do Irã e na do Brasil, respectivamente.

A liberdade de locomoção no Irã é desrespeitada principalmente no que se refere à concessão de autorizações para viagens ao exterior e à locomoção de mulheres desacompanhadas e de refugiados no país, segundo o DRL (2012b).

O DRL elabora anualmente um relatório específico para tratar questões relacionadas à liberdade religiosa. No relatório elaborado para o Irã em 2012, conclui-se que a “Constituição e outras leis e políticas não protegem a liberdade religiosa e, na prática, o governo restringe severamente a liberdade religiosa.” (DRL, 2012d, p. 1, tradução nossa)

Entre os relatos de violação ao direito de liberdade religiosa, constantes no referido relatório, destacam-se os de prisão, assédio, intimidação e discriminação com base em crenças religiosas, principalmente contra a religião da Fé Bahá'í.

Segundo o DRL (2012b), a liberdade de expressão no Irã é amplamente desrespeitada, uma vez que as pessoas não podem criticar o governo em público nem em privado. Constatou-se que o governo do Irã tem monitorado reuniões, movimentos e comunicações de membros da oposição, reformistas, ativistas e defensores dos direitos humanos. Além disso, é comum a condenação por crimes contra a segurança nacional baseando-se em cartas, e-mails e outras comunicações públicas e privadas, de acordo com o DRL (2012b).

Conforme apresentado pelo DRL (2012b), as principais restrições sofridas pela imprensa do Irã foram:

·         proibição à imprensa estrangeira de filmar ou tirar fotografias no país;

·         limitação de operações de empresas independentes de mídia impressa;

·         fechamento e proibição de jornais reformistas e de oposição;

·         intimação e detenção de jornalistas – segundo Reporters without Borders[3], 26 jornalistas e 17 provedores de informação na internet permaneciam presos até dezembro de 2012 –;

·         censura de notícias;

·         censura e encerramentos temporários de mídias impressas controladas pelo governo por insulto ao regime;

·         uso do governo de programas de rádio e televisão – principais fontes de notícias, especialmente em áreas rurais onde o acesso à internet é limitado – para difusão de ideologia política e sociorreligiosa; e

·         confisco de antenas parabólicas, as quais são consideradas ilegais no país.

Outro desrespeito às liberdades civis refere-se à liberdade à internet, uma vez que o governo exerce um forte controle sobre o conteúdo nela veiculado. Por exemplo, o governo exige que todos os proprietários de sites e blogs do país efetuem registro junto ao Ministério da Cultura e Orientação Islâmica, que, juntamente com o Ministério da Tecnologia da Informação e Comunicações, Ministério da Inteligência e Segurança e o Gabinete do Ministério Público do Teerã, forma o Comitê Responsável pela Determinação de Sites Não Autorizados, cuja função é definir os critérios de censura, segundo o DRL (2012b).

O governo possui um sofisticado sistema de monitoramento formado por organizações de vigilância cibernética, que usam tecnologias de filtragem de dados para acompanhar o conteúdo publicado na internet. Com isso, o governo bloqueou o acesso a milhares de sites durante o ano de 2012, de acordo com o DRL (2012b).

Em relação à liberdade de reunião, o governo do Irã também realizou diversas restrições a esse direito, como o monitoramento de encontros para evitar protestos antirregime. Entre os encontros monitorados, estão inclusos entretenimento público e palestras, reuniões e protestos de estudante e de mulheres, reuniões e cultos de grupos religiosos minoritários, protestos de trabalhadores, reuniões por meio da internet e cortejos fúnebres, segundo o DRL (2012b).

Por fim, a liberdade de associação foi limitada pelo governo por meio de ameaças, intimidações, imposições de requisitos arbitrários às organizações de minorias religiosas e prisões de líderes e membros de partidos políticos e associações profissionais, por exemplo, de acordo com o DRL (2012b).

O governo do Brasil, por sua vez, respeita a liberdade de locomoção, além disso, ele “cooperou com o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e outras organizações humanitárias na proteção e assistência aos refugiados, solicitantes de asilo e outras pessoas necessitadas” (DRL, 2012a, p. 12, tradução nossa).

Segundo o DRL (2012c), o governo brasileiro respeitou a liberdade religiosa. Contudo, houve alguns relatos de discriminação social com base na afiliação religiosa e crença, incluindo incidentes envolvendo o antissemitismo e a intolerância para com os membros de grupos religiosos com fundamentos africanos.

Nesse sentido, conforme apresentado pelo DRL (2012c), representantes da sociedade tomaram medidas positivas para promover a liberdade religiosa e o entendimento inter-religioso entre cristãos, muçulmanos, judeus e membros de outros grupos religiosos. Além disso, a embaixada dos EUA e consulados envolvidos ativamente com grupos da sociedade civil e ONGs juntaram esforços para prover o diálogo inter-religioso e a tolerância religiosa, de acordo com o DRL (2012c).

O Brasil, por instituir os meios de comunicação de forma independente, permite a expressão de uma pluralidade de pontos de vista com restrições mínimas. Contudo, há relatos de violência não governamental cometida a jornalistas por causa de suas atividades profissionais, conforme exposto pelo DRL (2012a).

Em relação à liberdade à internet, o governo brasileiro não impõe restrições ao acesso nem efetua atividades de monitorados sem autorização e supervisão judicial. A maior restrição a esse direito é imposta pela desigualdade social, segundo relatório divulgado pelo IBGE (2013), constatou-se que 42,9% das residências possuíam microcomputadores e apenas 36,5% tinham acesso à internet em 2011.

Os direitos relacionados à liberdade de reunião e à liberdade de associação têm sido respeitados no Brasil, segundo o DRL (2012a).

Assim, ao comparar a forma como as liberdades civis são aplicadas na prática no Irã e no Brasil, observa-se que, embora ambas as nações tenham problemas, a situação vivenciada pela população iraniana é mais crítica, uma vez que foram identificados sérios desrespeitos em todas as liberdades civis aqui investigadas, quais sejam: locomoção, crença, opinião, expressão – imprensa e internet–, reunião e associação.

O Brasil, por sua vez, apresenta problemas relacionados à liberdade à internet em decorrência da desigualdade econômica, além de existirem no país casos de discriminação religiosa e até violência não governamental a jornalistas. Contudo, existem reconhecidos esforços sendo empreendidos, a fim de combater os problemas identificados.

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Sobre o autor
Thiago Rais de Castro

Acadêmico de Direito na Universidade de Brasília – UnB. Obteve o diploma de Mestrado em Engenharia Elétrica pela Universidade de São Paulo – USP (2011).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Thiago Rais. Direitos humanos no Irã e no Brasil.: Um estudo comparativo das Constituições às práticas contemporâneas dos Estados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4206, 6 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35299. Acesso em: 22 dez. 2024.

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