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Mais uma abordagem sobre benefícios previdenciários e uma confusão que se faz

01/07/2015 às 22:25
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A Procuradoria-Geral da República ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão para garantir a aposentadoria dos servidores públicos portadores de deficiência.

1. Li há poucos dias a noticia de que a Procuradoria-Geral da República ajuizou uma ADO (ADO 32) referente à aposentadoria dos servidores públicos portadores de deficiência física, na falta daquela Lei Complementar que o artigo 40, § 4º, I, da Constituição Federal de 1988 exige.

Ei-la:

“Regime especial

PGR pede regulamentação de aposentadoria para servidor deficiente

Garantir o direito ao regime especial de aposentadoria a servidor público portador de deficiência. Esse é o objetivo da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO 32) proposta pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal. A ação busca tornar efetivo, por meio de Lei Complementar, o artigo 40, parágrafo 4º, inciso I, da Constituição, incluído pela Emenda Constitucional 47, de 2005.

Janot sustenta que o benefício somente pode ser exercido a partir da fixação dos critérios por lei complementar, como previsto no dispositivo. Ele adverte que, ante a inexistência da lei, “é manifesta a omissão na regulamentação da aposentadoria especial do servidor público portador de deficiência”. Segundo ele, não é razoável a demora de mais de nove anos para a edição da norma.

Na ação, o procurador-geral argumenta que, mesmo com a aprovação do projeto de lei de iniciativa do senador Paulo Paim (PLS 250/2005) — em tramitação no Senado Federal desde julho de 2005, com o objetivo de regulamentar o benefício —, a lei complementar resultante seria inconstitucional por vício de iniciativa. Isso porque, de acordo com a Constituição, são de iniciativa privativa do presidente da República as leis que tratam sobre regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de servidores públicos da União e Territórios.

Mora legislativa

Rodrigo Janot cita decisão do STF que declarou a mora legislativa do Congresso Nacional na regulamentação do artigo 40, parágrafo 4º, inciso III da Constituição. A decisão garantiu o exercício do direito constitucional por meio da aplicação, no que for pertinente, do artigo 57 da Lei 8.213/91, relativa aos segurados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), aos servidores públicos portadores de deficiência.

A ação lembra que, na ausência de lei regulamentadora do direito introduzido pela EC 47, o STF passou a deferir os pedidos de aposentadoria especial dos servidores, por meio de mandados de injunção, aplicando a Lei Complementar 142/2013, que disciplina a aposentadoria especial para deficientes físicos assegurados pelo RGPS.

O procurador-geral sustenta que “a omissão inconstitucional, decorrente da inércia do Estado em regulamentar a Constituição Federal, merece ser neutralizada, não apenas para os que assim postularem por meio de mandado de injunção, mas para todos os servidores públicos portadores de deficiência com requisitos para a aposentadoria especial, ainda que nos moldes definidos para os segurados do RGPS”.

Medida Cautelar

A Procuradoria-geral da República também pede a concessão de medida cautelar para tornar efetiva, desde logo, a norma que concede regime especial de aposentadoria a servidor público portador de deficiência, mediante a aplicação da LC 142/2013 e do artigo 57 da Lei 8.213/1991, com relação ao período anterior à entrada em vigor da LC 142/2013. A decisão liminar permitiria a aposentadoria especial para os servidores nesta condição, enquanto perdurar a omissão legislativa.

Segundo o procurador-geral da República, o perigo na demora faz-se presente, “na medida em que milhares de servidores públicos portadores de deficiência no país são prejudicados pela mora legislativa que perdura há, pelo menos, nove anos”. Ele comenta que é possível que muitos servidores já tenham cumprido os requisitos previstos na LC 142/2013, mas estejam impedidos de usufruir o benefício garantido pela Constituição em virtude da impossibilidade de a Administração Pública deferir eventual pedido por não existir norma legal regulamentadora.

“A aposentadoria especial para o deficiente representa o reconhecimento de que o desgaste no trabalho do servidor público portador de necessidades especiais difere dos demais, razão pela qual evidencia-se o risco da demora na concessão do benefício a que fazem jus”, conclui o procurador-geral da República. A relatora da ação será a ministra Rosa Weber.

Com informações da Assessoria de Imprensa da PGR.

ADO 32”

(Revista Consultor Jurídico, em 31 de março de 2015, às 21h02)

2.         O artigo 201, § 1º, de nossa Carta Magna exige também uma Lei Complementar para aqueles que sejam portadores de deficiência física e contribuam para o Regime Geral da Previdência Social (RGPS/INSS). Como sabido, essa já existe (a citada LC 142, de 08/5/2013).

3.         A partir do que consta da notícia acima transcrita, permito-me tecer algumas considerações que me parecem cabíveis.

Um primeiro comentário é que, a meu sentir, a PGR deveria ter invocado a aplicação da LC 142, e não do artigo 57 da Lei 8.213/91.

4.         Venho contribuindo para Jus Navigandi e outros portais jurídicos há quase vinte anos. Um tema recorrente (expurgos no FGTS e seus reflexos nas relações trabalhistas – basicamente no montante da multa de 40% a ser paga por todo aquele empregador que demitiu seu empregado sem justa causa) deu origem a um livro publicado em 2004 que perdeu sua atualidade e interesse com o tempo decorrido e os prazos prescricionais (principalmente agora que foram reduzidos de 30 para cinco anos).

Entretanto, o tema que mais me envolveu foi a aposentadoria especial dos celetistas (RGPS), a partir de meu caso pessoal. E, inevitavelmente, estendi minhas considerações ao caso dos servidores públicos que, ainda hoje, carecem da Lei Complementar específica exigida pelo artigo 40 da nossa Constituição Federal, no caso de seu parágrafo 4º, inciso III – que é aquele que tem relevância maior e que deu origem à Súmula Vinculante 33

5.         Em um dos vários textos que escrevi, permiti-me comentar:

“Na verdade, parece merecer uma reflexão maior a pouca (ou nenhuma) importância ou atenção que magistrados (aí incluídos os Ministros das Cortes Superiores) e seus assessores ou analistas demonstram dar ao que doutrinadores sem renome escrevem.

Não sou o único que vem há mais de 10 anos, talvez 15, pregando ao vento e no vazio sobre o que seja aposentadoria especial na legislação brasileira.

Como sabido, e isso foi destacado em mais de um dos textos, o “paralelismo” entre o artigo 40 e o artigo 201 da CF/88 mostra que em nenhum momento o texto constitucional fala em “aposentadoria especial” seja para servidores públicos seja para celetistas. Em cada um daqueles dois dispositivos está expressa a regra geral (os ditos requisitos e critérios a serem observados) “vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares”. Aquela expressão (aposentadoria especial) existe exclusivamente na Lei nº 8.213/1991.”

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6.         Para não me alongar nem cansar o eventual leitor, listo ao final os textos que produzi e nos quais faço remissão a outros mais que abordam o assunto, por mais que o tema pareça inesgotável.

Se eu conseguir despertar a curiosidade para a leitura deles, terei atingido meu objetivo principal, qual seja, provocar uma reflexão mais aprofundada sobre a tormentosa questão da aposentadoria especial, que não deve ser confundida com outro benefício previdenciário, isto é, a aposentadoria por tempo de contribuição com conversão de tempo especial em tempo comum, esta (na denominação do RGPS/INSS) “espécie 42”, enquanto aquela outra é “espécie 46” na legislação aplicável aos do RGPS. 

7.         Aliás, no recente julgamento do RE com Agravo nº 664.335, como ressaltaram en passant  a Min. Rosa Weber e o Min. Marco Aurélio, não se tratava exatamente de conceder ou negar a aposentadoria especial do artigo 57 da Lei nº. 8.213/91 ao recorrido, e sim permitir-lhe que convertesse os quatro anos e três meses reconhecido pela Corte como tempo especial – na chamada tese menor da repercussão geral – computando algo como se houvessem sido seis anos, com o que lhe bastaria ter contribuído para o RGPS por cerca de 33 anos, não sendo seu pleito e seu direito fazer jus à aposentadoria especial, que lhe exigiria ter se submetido ao ruído acima dos níveis considerados normais – e que, ao longo do tempo, variou de 80 a 90 dB – por longos 25 anos. In casu, repita-se, a postulação do segurado era converter pouco mais de 4 anos em 6 para a obtenção do beneficio da espécie 42 com menos de 35 anos de contribuição, segundo depreendi das intervenções daqueles dois Eminentes Ministros.

8.         O que me leva agora a voltar ao tema é que, conforme a notícia lida, teria havido o que entendo constituir uma flagrante confusão entre duas coisas distintas, ou seja:

1) a aposentadoria de servidores públicos portadores de deficiência física (citado inciso I); e

2) a aposentadoria por exercer (ou haver exercido) atividades em condições nocivas.

No caso dos que contribuem e se aposentarão pelo RGPS, a aposentadoria especial (tratado pelo artigo 57 da Lei 8.213/91) refere-se apenas ao segundo caso, que corresponde ao inciso III daquele parágrafo 4º do art. 40 antes aludido, cuja Lei Complementar sequer foi proposta. 

9.         Seja para os do RGPS seja para os que tenham regime próprio (servidores públicos de qualquer esfera administrativa), são distintos os tratamentos dados a uma e outra hipótese (portar deficiência física ou trabalhar em condições especiais), basta comparar o teor da LC 142, de 08/5/2013, sobre a aposentadoria com requisitos e critérios diferenciados para os empregados, contribuintes avulsos ou individuais portadores de deficiência física, que não guarda qualquer semelhança com os requisitos e critérios diferenciados daqueles que exercem suas atividades em condições “prejudiciais à saúde ou à integridade física”, esta sim dita, nominalmente (artigo 57 da Lei 8.213/91), “aposentadoria especial”, assunto do inciso III (e não do inciso I) do tal artigo 40, § 4º, da Constituição Federal de 1988.

10.       Nos artigos que escrevi, observei que quantidade expressiva de julgadores (inclusive do Supremo Tribunal Federal) parecem ampliar o emprego da palavra “especial” a todo e qualquer benefício que reduza o tempo de contribuição previdenciária, seja à Previdência Social (INSS) seja à previdência dos servidores públicos, os muitos Institutos de Pensões de estados e até de municípios. É chamado (com a máxima vênia, indevidamente) aposentadoria “especial” todo e qualquer benefício concedido de forma precoce, antecipada, com menos tempo de contribuição.

Ora, são várias as hipóteses em que a aposentadoria pode ser concedida antes de cumpridos os requisitos gerais (no caso de servidores públicos, idade mínima, tempo mínimo no serviço público e algumas vezes no cargo ou carreira, além do tempo mínimo de contribuição), como o caso de professores do ensino fundamental e médio ou da educação infantil; por invalidez; e até mesmo a compulsória ao servidor público que alcançar a idade limite, hoje, 70 anos.  E, com base na LC 142/2013, os portadores de deficiência física.

Nenhum desses tipos de aposentadoria é espécie de um gênero “aposentadoria especial”. Na realidade, a aposentadoria especial é que é uma espécie do gênero “aposentadoria”. E nenhuma daquelas aposentadorias é regida pelo disposto no art. 57 da Lei 8.213/91, pois também não está naquele artigo a aposentadoria dos empregados portadores de deficiência física.

11.       O uso da palavra “especial” como adjetivo, a meu ver, não se coaduna com a expressão substantiva (nome de um benefício), devendo ser evitada.

12.       Relaciono meus textos publicados sobre o assunto e sua correlação quanto ao servidor público, ainda esperando que sejam propostas e discutidas/votadas/ aprovadas/entrem em vigor as Leis Complementares exigidas pela CF/88 em seu artigo 40, § 4º, e deverão ser três, embora uma delas já exista – contudo, a ser substituída por outra já votada na Câmara dos Deputados e em tramitação a passos de cágado no Senado:

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Sobre o autor
João Celso Neto

advogado em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CELSO NETO, João. Mais uma abordagem sobre benefícios previdenciários e uma confusão que se faz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4382, 1 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38339. Acesso em: 19 abr. 2024.

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