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Direitos dos indígenas e soberania nacional:

O direito internacional na perspectiva da jurisprudência constitucional brasileira

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12/11/2018 às 15:26
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4. Conclusões

A relação entre os direitos dos índios e a soberania nacional encontra-se bem delimitada por parte da jurisprudência constitucional. No entendimento da corte suprema, não há conflito. Do ponto de vista interno, a sistemática constitucional resguarda aos índios direitos originários às terras que tradicionalmente ocupam, limitando o alcance da  autonomia politica e jurídica. Do ponto de vista externo, os tratados e declarações mediam a tensão entre aspirações separatistas e o reconhecimento dos direitos dos índios tal como povo, incluindo sistemática que responde a demandas dos Estados signatários, explicitando a rejeição de interpretação no sentido de viabilizar qualquer discurso a favor da secessão.

A aparente conciliação entre direitos dos povos indígenas, no âmbito internacional, e o princípio da soberania nacional ostenta uma versão coerente calcada na vindicação por justiça de transição histórica a ser exercida por parte dos Estados. Na prática, entretanto, o conflito agrário agrega imensa complexidade ao assunto. No contexto fático da ocupação atual do território brasileiro e a luta pela apropriação dos recursos naturais, revela a coexistência de conflitos públicos e privados dos mais diversos. Além disso, o reflorescimento da cultura indígena, associada à crescente  conscientização legal destas minorias, bem como o alto índice de natalidade dessas populações[30], sugere que os atuais conflitos podem ser apenas a raiz do problema, ainda de dimensões desconhecidas.  


Notas

[1] Pet 3388, p. 378 (Voto-Vista Ministro Menezes Direito)

[2]  Art 4º Os índios são considerados:

I - Isolados - Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional;

II - Em vias de integração - Quando, em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento;

III - Integrados - Quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura.  

[3]  Art. 1º Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional.

[4] Art. 7º Os índios e as comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional ficam sujeito ao regime tutelar estabelecido nesta Lei. § 2º Incumbe a tutela à União, que a exercerá através do competente órgão federal de assistência aos silvícolas

[5] Pet 3388, p. 532 (Aditamento do Voto, Ministro Ayres Britto)

[6] Teitel, Ruti. Transitional Justice. Oxford University Press. 2000, p.  (tradução livre)

[7] Pet 3388, p. 378 (Voto-Vista Ministro Menezes Direito)

[8] Art. 1º. Fica homologada a demarcação administrativa, promovida pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, destinada à posse permanente dos Grupos Indígenas Ingarikó, Makuxi, Patamona, Taurepang, e Wapixana, nos termos da Portaria nº 534, de 13 de abril de 2005, do Ministério da Justiça.

[9] O Min. Ayres Britto, relator da Pet 3388, rejeita o uso do termo “territórios”: “ela, a Constituição, teve o cuidado de não falar em territórios indígenas, mas tão só, em “terras indígenas”. (p. 276)

[10] Pet 3388, p. 369 (Voto-Vista Ministro Menezes Direito)

[11] Pet 3388, p. 266 (Voto Relator Ministro Ayres Britto)

[12] Pet 3388, p. 268 (Voto Relator Ministro Ayres Britto)

[13] Pet 3388, p. 448 (Voto Ministra Cármen Lúcia)

[14] Pet 3388, p. 291 (Voto Relator Ministro Ayres Britto)

[15] Pet 2288, p. 514 (Voto Ministro Eros Grau)

[16] Pet 3388, p. 280 (Voto Relator Ministro Ayres Britto)

[17] Pet 3388, p. 500 (Voto  Ministro Levandowsky)

[18] Pet 3388, p. 292 (Voto Relator Ministro Ayres Britto)

[19] Estatuto do Índio (lei 6001/80)  Art. 56. No caso de condenação de índio por infração penal, a pena deverá ser atenuada e na sua aplicação o Juiz atenderá também ao grau de integração do silvícola.

Parágrafo único. As penas de reclusão e de detenção serão cumpridas, se possível, em regime especial de semiliberdade, no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais próximos da habitação do condenado.

Art. 57. Será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as instituições próprias, de sanções penais ou disciplinares contra os seus membros, desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em qualquer caso a pena de morte.

[20] Magalhães, José Luiz Quadros de. Estado Plurinacional e Direito Internacional. Editora Jurua. 2012

[21] Pet 3388, p. 270 (Voto Relator Ministro Ayres Britto)

[22] Apesar da resolução 169 da OIT, celebrada em 1989, representar, aparentemente, continuidade do engajamento desta organização na regulamentação dos direitos trabalhistas dos índios, prevista na convenção 107, com menção explicita às obrigações firmadas pelos Estados em 1957, não há qualquer relação entre o conteúdo e propósitos destas duas Convenções.

[23] Além da política geral que reconhece aos povos tribais o direito de serem regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições, prevendo participação destes na condução da política nacional, há disposições relativas à ocupação do solo, contratações e condições de emprego, indústrias rurais, seguridade social, saúde, educação e contato e cooperação através das fronteiras.

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[24] Artigo 7 (4)

[25] Pet 3388, p. 800-1 (Voto Ministro Gilmar Mendes)

[26] Pet 3388, p. 469 (Voto Ministra Cármen Lúcia)

[27] Pet 3388, p. 506 (Voto Ministro Lewandowski) O Ministro também cita a ressalva do Estado brasileiro ao subscrever a Declaração: “O Brasil deseja sublinhar, mais uma vez, o entendimento que presidiu às negociações e que é claramente refletido no texto da Declaração – o de que o exercício dos direitos dos povos indígenas é consistente com o respeito à soberania, à unidade politica e à integridade territorial dos Estados que habitam.”

[28] Pet 3388, p. 803 (Voto Ministro Gilmar Mendes)

[29] Para maiores informações <http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001850/185079por.pdf>

[30] A partir de 1991, o IBGE incluiu os indígenas no censo demográfico nacional. O contingente de brasileiros que se considerava indígena cresceu 150% na década de 90. O ritmo de crescimento foi quase seis vezes maior que o da população em geral. O percentual de indígenas em relação à população total brasileira saltou de 0,2% em 1991 para 0,4% em 2000, totalizando 734 mil pessoas. Houve um aumento anual de 10,8% da população, a maior taxa de crescimento dentre todas as categorias, quando a média total de crescimento foi de 1,6%. A atual população indígena brasileira, segundo resultados preliminares do Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2010, é de 817.963 indígenas, dos quais 502.783 vivem na zona rural e 315.180 habitam as zonas urbanas brasileiras. Este Censo revelou que em todos os Estados da Federação, inclusive do Distrito Federal, há populações indígenas. A Funai também registra 69 referências de índios ainda não contatados, além de existirem grupos que estão requerendo o reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista. Hoje, segundo dados do censo do IBGE realizado em 2010, a população brasileira soma 190.755.799 milhões de pessoas. Ainda segundo o censo, 817.963 mil são indígenas, representando 305 diferentes etnias. Foram registradas no país 274 línguas indígenas. <http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao>

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Sobre a autora
Tatiana Waisberg

Professora de Direito Internacional na Escola Superior Dom Helder Câmara. Mestre em Direito PUC-MG e Universidade de Tel Aviv, Consultora Juridica em Belo Horizonte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WAISBERG, Tatiana. Direitos dos indígenas e soberania nacional:: O direito internacional na perspectiva da jurisprudência constitucional brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5612, 12 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41464. Acesso em: 26 abr. 2024.

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