Dois irrelevantes episódios judiciários que nos ajudam a compreender a crise

24/03/2016 às 11:03
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É injusto criticar o partidarismo do Judiciário como se isto fosse um fato novo. A verdade é que o Judiciário brasileiro tem sido partidário há décadas.

Lá pelos idos de 1987, quando estava no 3º ano da Faculdade de Direito, fui aprovado num concurso para ser escrevente do Judiciário paulista. Assumi o cargo sendo lotado numa das Varas Criminal em Osasco.

Pouco tempo depois, outra servidora novata se tornou minha colega de trabalho. No primeiro dia de trabalho dela, fomos surpreendidos pela maneira como ela se dirigiu ao Juiz da Vara quando ele chegou ao Cartório para assinar mandados de soltura.

-Batatinha, você aqui? – disse a moça.  

O Juiz pigarreou, engasgou, tossiu, se esforçou muito para manter a pose. Cumprimentou a moça, assinou os mandados e foi-se embora. Quando ele saiu perguntei a moça porque ela havia chamado o Juiz de “Batatinha”. Disse-me ela que este era o apelido dele no primário, quando ambos estudaram juntos. Ele era chamado de “Batatinha” porque era pequeno, gordo e falador como o personagem do desenho Manda Chuva https://pt.wikipedia.org/wiki/Top_Cat. No dia seguinte o Juiz a chamou no gabinete dele e pediu, com delicadeza, para não ser mais chamado em público pelo apelido infantil.

Naquele tempo eu era filiado ao PT, militante do partido e usava com orgulho uma estrelinha no peito. Certo dia o referido Juiz passou por mim, pegou a estrelinha e disse:

-Você não pode usar isto aqui.

Afrontado, respondi com firmeza ao Juiz:

- Estudei todas as normas que dizem respeito à função que exerço e não vi nada que expressamente me proíba de usar minha estrelinha. Se o TJSP publicou uma portaria nova neste sentido deixarei de usar assim que o senhor me mostrar uma cópia da norma.

O Juiz desconversou:

- Não pega bem o senhor ostentar símbolos partidários no Cartório.

- Não pega bem para quem? Eu estou muito satisfeito com minha estrelinha. Se não existe norma legal me proibindo de usá-la não tenho obrigação alguma de ceder à moralidade de terceiros.

O Juiz girou nos calcanhares e voltou para o seu gabinete. E eu continuei usando estrelinha.

Estas duas pequenas histórias ilustram bem alguns aspectos da Justiça brasileira. O primeiro é o distanciamento que os Juízes querem ter em relação a tudo, a todos e até mesmo às suas infâncias. O terror do comprometimento da isenção me parece atrelado ao culto evidente da própria superioridade. Os Juízes se colocam em pedestais e querem que todos os demais os vejam como seres elevados.

Não há hierarquia entre juízes, promotores e advogados, nem entre juízes e cidadãos jurisdicionados. A Lei atribui ao Juiz poderes para conduzir processos, mas garante aos advogados, promotores e cidadãos jurisdicionados direitos que limitam o poder dele. Mesmo assim os magistrados brasileiros não só agem como se a hierarquia existisse como exigem a mais abjeta submissão de todos. Este desejo de submissão pode ser visto em Sérgio Moro, pois ele mandou grampear os advogados dos réus.

A rejeição e o ódio ao PT também é evidente entre os Juízes. Isto era verdade no passado e se tornou ainda mais evidente no presente. Rejeição e ódio, contudo, não devem comprometer a atividade judicial. Não compete ao Judiciário revogar ou conceder direitos em razão das preferências políticas dos jurisdicionados, pois a Lei manda os Juízes tratarem a todos de maneira igual independentemente de suas convicções.

Desde que chegou ao STF Gilmar Mendes se mostrou incapaz de ser apartidário. Ele fez escola e tem vários discípulos na primeira instância. Sérgio Moro me parece um deles, pois foi capaz de violar a Lei de Segurança Nacional para ferir mortalmente a presidente da república divulgando conversações telefônicas dela. O partidarismo do judiciário está no centro da crise, mas não é algo novo. Em 1987 tive oportunidade de confrontar este fenômeno.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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