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A divulgação de diálogos interceptados pela Justiça: um exame constitucional preliminar

21/07/2016 às 08:38
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É juridicamente viável a divulgação pública de diálogos interceptados com autorização judicial, sempre que, no caso concreto, prevalecer, de forma fundamentada, o interesse público à informação, frente ao interesse à intimidade do interessado afetado.

Há alguns meses, todo o país assistiu, estarrecido, à divulgação de diversos diálogos interceptados, com autorização judicial, entre o ex-presidente Lula e diversas pessoas a ele ligadas, inclusive algumas autoridades do mais alto escalão político, dentre as quais a Presidente da República.

O levantamento do sigilo dessas conversas foi determinado pelo juízo federal da 13ª Vara criminal de Curitiba/PR, mediante decisão que foi bastante criticada e debatida por muitos juristas, conforme se extrai, por exemplo, da seguinte coluna: http://www.conjur.com.br/2016-mar-24/senso-incomum-juiznao-socio-ministerio-publico-nem-membro-policia-federal.

Todavia, independente da análise desse caso em particular e do contexto em que ele surgiu, imaginando-se, por exemplo, que o juízo criminal que autorizou as interceptações bem como o levantamento do sigilo fosse realmente competente para tanto, importante perquirir se seria juridicamente viável, sob um prisma constitucional, determinar o levantamento do sigilo de tais conversas interceptadas, considerados os ditames constitucionais e legais da matéria.

Assentada essa premissa, impende observar que o sigilo de conversas interceptadas com autorização judicial é estabelecido pelo art. 8º da Lei n. 9.296/96, em que se determina a preservação desse sigilo, não abrindo em seu texto nenhuma exceção a respeito.

Entretanto, algumas disposições constitucionais consagram a publicidade dos atos do Poder Público (art. 37, caput), em especial dos atos processuais. Quanto a esses, poderá haver restrição “quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (art. 5º, LX). Há, ainda, o reforço do inciso IX do art. 93, em que a publicidade poderá ser restringida “em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação” (com redação dada pela EC n. 45/2004).

Pelo que se vê, na colisão de dois princípios constitucionais (a intimidade do interessado, de um lado, e o interesse público à informação, de outro), nota-se que essa última norma constitucional estabelece uma verdadeira preferência, prima facie, do segundo em relação ao primeiro.[1] Nesse sentido, o TRF da 3ª Região consignou o seguinte:

[...]. 2. O princípio da publicidade dos julgamentos e dos atos do processo, vem expressamente previsto no art. 93, IX, da Constituição Federal. 3. A restrição da publicidade pode ocorrer, na forma lei, que poderá "limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação". 4. Este dispositivo teve sua redação alterada pela Emenda nº 45/2004, indicando que, na colisão entre dois direitos fundamentais da mesma estatura (privacidade e informação), deve-se fazer uma opção pelo segundo. [...]. (Agravo Legal em Agravo de Instrumento nº 0001784-70.2012.4.03.0000/SP, 3ª Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Diva Malerbi. j. 24.07.2014, unânime, DE 29.07.2014) (negrito nosso).

O próprio Min. Teori Zavascki, em decisão monocrática relativa ao levantamento de sigilo de colaboração premiada, proferida na Pet 5790, julgado em 11/12/2015, publicado em DJe-255 DIVULG 17/12/2015 PUBLIC 18/12/2015, pontuou o seguinte:

Por sua vez, outra coisa diz respeito ao sigilo extraprocessual (publicidade externa) – ou seja, a possibilidade de os cidadãos acompanharem ou não o processo. Também aqui incide princípio da publicidade, que se plasma, nas palavras de Ferrajoli, numa garantia das garantias ou garantia de segundo grau, ou seja, pois representam instrumentos pelos quais se assegura o controle sobre a efetividade das demais garantias. Em nosso ordenamento constitucional, a exceção à publicidade dos atos processuais somente deve ser admitida pela lei quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem, conforme dispõe o art. 5º, inc. LX, da Constituição Federal.

Em seguida, elencou as razões de ordem constitucional, ligadas ao interesse público à informação, para que o sigilo incidente sobre o termo de colaboração premiada e sobre seu autor fosse levantado, fazendo-o da seguinte forma, in verbis:

Na espécie, a colaboração trata de temas de inequívoco interesse social, com o envolvimento de desvios de valores públicos milionários, prática de atos estatais desviados de suas finalidades, participação ilícita de agentes públicos e, especialmente, de agentes políticos. Proibir que a sociedade tenha acesso ao conteúdo dos depoimentos subjacentes seria privá-la, em última análise, não apenas da garantia constitucional de participação de gestão pública, mas do próprio controle dos atos estatais. Em outras palavras, valores republicanos estão em jogo e parece decorrer daí o interesse da sociedade em acompanhar o desenrolar dos fatos, sempre observado, evidentemente, o princípio da inocência. Foi assim, inclusive, no caso do julgamento da Ação Penal 470, em que o Supremo Tribunal Federal, nada obstante a existência de informações cobertas pelo sigilo, deu publicidade ao julgamento, com grande interesse da sociedade em seu acompanhamento. (negrito nosso)

Com base nesses argumentos de ordem constitucional, o Min. Teori Zavascki acolheu o requerimento do PGR de levantamento do sigilo mesmo antes do recebimento da denúncia, o que é vedado pelo § 3º do art. 7º da Lei n. 12.850/2013, o qual não prevê nenhuma exceção tal como se dá com o art. 8º da Lei n. 9.296/96, a propósito do sigilo das conversas interceptadas com autorização judicial. É evidente, assim, que essas regras devem ser interpretadas de forma sistemática, tendo em conta as referidas disposições constitucionais acima transcritas.

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O que ocorre, na realidade, é que o princípio constitucional do interesse público à informação – quando há suficientes razões justificadoras que determinam a sua prevalência no caso concreto – passa a funcionar como verdadeira cláusula de exceção em relação a essas duas regras infraconstitucionais de preservação do sigilo, como se elas devessem ser entendidas da seguinte maneira: o sigilo em questão deverá ser preservado, salvo se razões justificadoras ligadas ao interesse público à informação legitimarem o seu levantamento judicial, mediante decisão devidamente fundamentada.

Sobre essa possibilidade jurídica de um princípio inserir uma cláusula de exceção em uma regra, Robert Alexy ensina o seguinte:

Do lado das regras, a necessidade de um modelo diferenciado decorre da possibilidade de se estabelecer uma cláusula de exceção em uma regra quando da decisão de um caso. Se isso ocorre, a regra perde, para a decisão do caso, seu caráter definitivo. A introdução de uma cláusula de exceção pode ocorrer em virtude de um princípio. Ao contrário do que sustenta Dworkin, as cláusulas de exceção introduzidas em virtude de princípios não são nem mesmo teoricamente enumeráveis. Nunca é possível ter certeza de que, em um novo caso, não será necessária a introdução de uma nova cláusula de exceção.[2]

Portanto, deixando de lado, nesse momento, a discussão relativa à competência, bem como imaginando que todos os diálogos do ex-presidente Lula foram interceptados com a devida autorização judicial, é imperioso concluir que a divulgação das conversas que Lula teve, por exemplo, com pessoas e autoridades sobre sua nomeação para ministro chefe da Casa Civil, com o objetivo de escapar da jurisdição criminal de primeiro grau, tem completo amparo constitucional no interesse público à informação, o qual, na presente hipótese, deve prevalecer, como visto, sobre o direito à intimidade dos afetados por essa medida.

Por fim, é bom ressaltar que em relação às conversas sem qualquer utilidade para as investigações criminais em andamento contra ele, é de rigor a aplicação do art. 9º da Lei n. 9.296/96, no sentido de serem inutilizadas, não havendo espaço para a sua divulgação.


[1] Interessante observar que no famoso caso alemão Lebach, Robert Alexy registra que “[...] o Tribunal Constitucional Federal, em um segundo passo, sustenta uma precedência geral da liberdade de informar [...] no caso de uma ‘informação atual sobre atos criminosos” (Teoria dos direitos fundamentais, 2. ed., 2012, p. 101).

[2] Idem, p. 104. Para o aprofundamento relativo à teoria da superação ou derrotabilidade de regras jurídicas, cf. o seguinte artigo de nossa autoria: O STF e o artigo 44, I, do Código Penal: reflexões em torno de sua constitucionalidade e de sua derrotabilidade, Revista Jurídica ESMP-SP, v. 6, 2014: 57-86, o qual pode ser acessado no seguinte site: http://www.esmp.sp.gov.br/revista_esmp/index.php/RJESMPSP/article/view/191

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BELO, Eliseu Antônio Silva. A divulgação de diálogos interceptados pela Justiça: um exame constitucional preliminar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4768, 21 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47725. Acesso em: 22 dez. 2024.

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