Regulamentação das Técnicas de Reprodução Assistida - Aspectos Notariais e Registrais do Provimento/CNJ nº 52 de 14 de março de 2016

03/06/2016 às 08:25
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Análise dos aspectos notariais e registrais do Provimento CNJ nº 52 de 2.016 acerca da filiação nos casos de utilização de técnicas de reprodução humana assistida em consonância com a Resolução CFM 2.121 de 2.016.

"A verdadeira felicidade está na própria casa, entre as alegrias da família"

Célebre frase do saudoso escritor russo Lev Nikolayevich Tolstoi (1828-1910) se adapta com maestria à concepção eudemonista do vocábulo "família", hoje tão distante da sua remota origem etimológica latina famuli, a ser agrupamento dos servos de uma casa.

Família, consoante a galhardia dos votos proferidos no julgamento conjunto da ADPF nº 132/RJ e ADI nº 4.277/DF em 05/05/2.011 pelo Supremo Tribunal Federal, não é mais tida, tão somente, como “papai, mamãe e filhinhos”.

Hoje, temos inúmeras e infinitas possibilidades de famílias, entre elas “papai e filhinhos”, “papai, papai e filhinhos”, “mamãe, mamãe e filhinhos” ou, ainda, “papai, papai, mamãe, mamãe e filhinhos”.

Céticos aqueles que proferem que o direito permitiu que o pobre superado conceito de família agora abarca homoparentais e poliparentais.

Todavia, é prudente aquele que enxerga que o direito chancelou não mais ser um verbete fechado em si, mas que homoparentais e poliparentais, assim como biparentais, monoparentais, anaparentais ou heteroparentais são partes integrantes de um amplo mecanismo de proteções consuetudinárias, jurisprudenciais, legislativas e constitucionais dinâmicas voltadas a um supra instituto do qual todo ser humano, independentemente de sua cor, crença ou orientação sexual, é digno intitular por acepção própria a interpretação de família.

Nesta linha, o Conselho Nacional de Justiça, prestigiando a nova face dos desdobramentos do marco vinculante proferido pelo STF, e, em estrita consonância com a deontologia médica regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina na Resolução 2.121 de 2.015, resolveu, em 14 de março de 2.016, por meio do Provimento nº 52, estabelecer parâmetros normativos para assegurar, mediante fé pública notarial e publicidade registral combinadas, os reflexos jurídicos decorrentes de aplicações das técnicas de reprodução humana assistida.

Em seu artigo 1º, o Provimento deixa explícito que, além de guarida no ordinário Livro A de competência dos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais, os assentos de nascimentos de filhos, seja de pais heterossexuais ou homossexuais, independem de autorização judicial para sua lavratura, com atenção especial ao §2º que dispõe não ser prudente o Oficial flexionar os gêneros ao atribuir as ascendências do registrando, ou seja, não há mais o que se falar em pai, mãe, avós maternos ou avós paternos no assento, bem como em suas respectivas certidões.

Salvo melhor juízo, com liberdade de utilização de outros vocábulos que se adequam à ratio do comando normativo, deverá utilizar o Oficial termos como genitor ou ascendente, sem atribuir sexo aos pais ou avós do registrando.

Outro importante comando que exige atuação, especificamente, de um Tabelião de Notas, consiste nos documentos mencionados nos incisos do §1º do art. 2º.

Para melhor análise, se faz necessária a explanação das partes que, hipoteticamente, podem estar envolvidas no procedimento nos termos do Provimento citado.

Diretor técnico é o profissional médico especialista em áreas de interface com reprodução assistida e registro no Conselho Regional de Medicina (III, 1, Res. CFM 2.525/2.015).

Pais tidos por genitores do registrando de natureza biológica e/ou afetiva.

Doadores de gametas são fornecedores anônimos de espermatozoides (homens até 50 anos) e/ou óvulos (mulheres até 35 anos) para fertilização assistida (IV, Res. CFM 2.525/2.015).

Beneficiária é a mulher que receberá o embrião e que será, obrigatoriamente, mãe do registrando.

Receptora, mulher que receberá o embrião a título de cedente gratuita de útero (gestação por substituição), sendo, preferencialmente, parente dos pais até 4º grau, ou, se não parente, dependerá de autorização do CRM (VII, 1, Res. CFM 2.525/2.015).

O Provimento também elenca três documentos distintos que deverão ser, obrigatoriamente, lavrados por Escritura Pública.

O primeiro mencionado é o Termo de Consentimento Prévio, que visa regular as questões de filiação a fim de afastar a biológica dos titulares do material genético e eventual presunção mater semper certa est.

Embora o Provimento não mencione expressamente a receptora neste inciso, considerando que este é o instrumento apto à receber as questões decorrentes de filiação, deve este ser utilizado também pela cedente do útero que constará como mãe na Declaração de Nascido Vivo, mas não será mencionada como mãe registral.

Na sequência temos o Termo de Aprovação Prévia por parte do cônjuge ou companheiro do doador do material genético para realização das técnicas de reprodução assistida com uso de seus gametas.

Por fim o Termo de Consentimento, também por parte de cônjuge ou companheiro, mas autorizando o procedimento àquela que receberá o embrião em seu útero.

Diante do disposto acima, poderemos ter hipóteses e necessidade de apresentação dos seguintes termos:

1) Espermatozoide e óvulo próprios, fertilização assistida e gestação em útero próprio – Termo de Consentimento do cônjuge ou companheiro da mãe que receberá o embrião fertilizado em seu útero.

2) Espermatozoide e óvulo próprios, fertilização assistida e gestação em útero de terceira:

2.1) Termo de Consentimento Prévio da cedente do útero; e

2.2) Termo de Consentimento do cônjuge ou companheiro da cedente do útero.

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3) Espermatozoide próprio e óvulo de terceira ou espermatozoide de terceiro e óvulo próprio, fertilização assistida e gestação em útero próprio:

3.1) Termo de Consentimento Prévio do doador do espermatozoide ou óvulo; e

3.2) Termo de Aprovação Prévia do cônjuge ou companheiro do doador do espermatozoide ou óvulo; e

3.3) Termo de Consentimento do cônjuge ou companheiro da mãe, que receberá o embrião em seu útero.

4) Espermatozoide próprio e óvulo de terceira ou espermatozoide de terceiro e óvulo próprio, fertilização assistida e gestação em útero de terceira:

4.1) Termo de Consentimento Prévio do doador do espermatozoide ou óvulo; e

4.2) Termo de Aprovação Prévia do cônjuge ou companheiro do doador do espermatozoide ou óvulo; e

4.3) Termo de Consentimento do cônjuge ou companheiro da cedente do útero.

5) Espermatozoide e óvulo de terceiros, fertilização assistida e gestação em útero próprio:

5.1) Termo de Consentimento Prévio do doador do espermatozoide; e

5.2) Termo de Consentimento Prévio da doadora do óvulo; e

5.3) Termo de Aprovação Prévia do cônjuge ou companheiro do doador do espermatozoide; e

5.4) Termo de Aprovação Prévia do cônjuge ou companheiro da doadora do óvulo; e

5.5) Termo de Consentimento do cônjuge ou companheiro da mãe, que receberá o embrião em seu útero.

6) Espermatozoide e óvulo de terceiros, fertilização assistida e gestação em útero de terceira:

6.1) Termo de Consentimento Prévio do doador do espermatozoide; e

6.2) Termo de Consentimento Prévio da doadora do óvulo; e

6.3) Termo de Aprovação Prévia do cônjuge ou companheiro do doador do espermatozoide; e

6.4) Termo de Aprovação Prévia do cônjuge ou companheiro da doadora do óvulo; e

6.5) Termo de Consentimento do cônjuge ou companheiro da cedente do útero.

Encerradas as situações, vale lembrar que os Termos devem ser apresentados ao Oficial de Registro após lavrados por Tabelião de Notas em suas respectivas individualidades, pois a natureza jurídica é declaratória, cada uma com sua carga volitiva direcionada a dirimir efeitos jurídicos específicos mencionados no Provimento citado.

O Tabelião deve orientar as partes visando atingir o fim colimado nas declarações manifestadas em consonância com o Provimento CNJ nº 52/2.016 e Resolução CFM nº 2.121/2.015, bem como o Oficial de Registro tem o dever de zelar pela qualificação minuciosa dos documentos apresentados, arquivando em sua Serventia para resguardar a segurança do afastamento das presunções legais ordinárias.

A atuação da normatização do CNJ via Provimento se mostra louvável ante os anseios sociais e jurídicos para permitir a busca da nova acepção de família conforme citado no início, principalmente no tocante à permissão do estabelecimento das filiações e medidas profiláticas na lavratura do assento sem inserção de gêneros.

Sem dúvida se mostra mais um importantíssimo passo na adequação da acepção de família em seu melhor sentido, qual seja, um instrumento com proteção jurídica para busca da felicidade.

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Sobre o autor
Rafael Spinola Castro

Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas no Estado de São Paulo; Bacharel em Direito; Especialista em Direito Notarial e Registral; Associado IBDFAM; Coordenador Curso MEGE Cartórios.

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