Medidas assecuratórias e provas no âmbito do processo penal

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3.   MEIOS DE PROVA

Os meios de prova são os recursos de percepção da verdade e formação do convencimento. É tudo aquilo que pode ser utilizado, direta ou indiretamente, para demonstrar o que se alega no processo. Desse modo, o Código de Processo Penal (CPP) não traz de forma exaustiva todos os meios de prova admissíveis, ou seja, podemos utilizar as provas nominadas, que são aquelas disciplinadas na legislação, trazidas nos arts. 158 a 250 do CPP, e também as inominadas, que constituem aquelas ainda não normatizadas (atípicas).

        3.1. Prova Pericial

O juiz não tem a possibilidade de conhecer toda e qualquer matéria que lhe é posta para julgamento, tamanha a diversidade e complexidade, por vezes, de tais questões. Então surge a necessidade de se valer de técnicos dotados de conhecimentos teóricos quando a matéria fuja do âmbito do conhecimento jurídico do juiz. Esses profissionais são os peritos, responsáveis pela prova pericial.

As perícias, como regra, passam a ser realizadas por um perito oficial, isto é, pessoa que integra os quadros do próprio Estado, e portador de diploma de curso superior, sendo-lhes assegurada autonomia técnica, científica e funcional. É fundamental o nível universitário, sendo pré-requisito necessário para aqueles que almejam ingressar nos quadros da polícia técnica. Sendo perito oficial é necessário apenas um profissional para análise do caso e elaboração do laudo, e a exigência de dois peritos fica suprimida. Na ausência de perito oficial, a autoridade pode valer-se dos peritos não-oficiais ou juramentados, ou seja, pessoas idôneas, portadoras de curso superior preferencialmente na área específica, com habilitação técnica relacionada à natureza do exame, que serão no caso concreto, nomeadas e compromissadas a bem e fielmente desempenharem o seu cargo. Estes continuam sendo em número de dois. 

A realização da perícia vai culminar na elaboração do laudo, que deve ser produzido no prazo de dez dias, comportando prorrogação, em casos excepcionais, a requerimento dos peritos e mediante autorização da autoridade. O laudo concatena tudo o que foi observado pelos peritos, sendo o produto da análise técnica, podendo ser datilografado, e devendo ser subscrito e assinado pelos peritos, e, se presente, pela autoridade. A perícia poderá ser autorizada pela autoridade policial ou judiciária, ex officio ou por provocação. Ressalvado o exame de corpo de delito, que não pode ser denegado quando a infração deixe vestígios, as demais perícias, se não necessárias ao esclarecimento da verdade, poderão ser indeferidas pela autoridade.

Quanto à apreciação dos laudos periciais, o juiz não fica vinculado à conclusão da prova pericial, segundo dispõe expressamente o art. 182 do CPP. O julgador pode aceitar ou rejeitar o laudo, no todo ou em parte, afinal, o juiz é livre para decidir, desde que o faça de forma motivada.

       3.2. Interrogatório do Acusado

Pode-se definir o interrogatório como sendo a resposta dada pelo acusado às perguntas que lhe são formuladas, para esclarecimento do fato delituoso e suas circunstâncias. Terá o imputado contato com a autoridade, o que lhe permite indicar provas, confessar a infração, delatar outros autores, apresentar as teses defensivas que entenda pertinente, ou valer-se, se lhe for conveniente, do direito ao silêncio.

Desse modo, o interrogatório reveste-se de enorme importância já que consiste na única oportunidade em que o réu, de viva voz, no exercício de sua autodefesa, pode apresentar sua versão dos fatos para o juiz, ou seja, é o único momento processual em que ocorre uma audiência entre o acusado e o julgador. Por conta disso, diz o art. 185 do CPP, pode ser realizado a qualquer momento, havendo possibilidade, ainda, de ser renovado pelo juiz (art. 196). Configurando sua falta nulidade absoluta (art. 564, III, e).

Quanto à natureza jurídica do ato, à essência do instituto, destacam-se posições diferenciadas. Parte da doutrina considera o interrogatório como um meio de defesa, já que o acusado pode se calar, sem que tal silêncio importe em qualquer prejuízo a ele e não é obrigado a dizer a verdade. Outros entendem que o interrogatório é um meio de prova, porque colocado no Código de Processo Penal no capítulo que trata das provas e como tal considerado pelo julgador ao formar sua convicção. Contudo, parece ganhar força, segundo a doutrina mais moderna, uma posição intermediária, que confere um caráter misto à natureza jurídica do interrogatório. Ele é meio de defesa e fonte de prova, visto que o acusado tem a oportunidade de oferecer sua versão para os fatos ao tempo em que o juiz pode colher, do interrogatório, valiosos dados que serão utilizados no momento de proferir a sentença.

Apontam-se algumas características próprias do interrogatório. Assim, ele é marcado pela publicidade, isto é, assim como os demais atos judiciais, ele é público, realizado de portas abertas. Ressalvada a exceção tratada no § 1º, do art. 792 do CPP, quando o juiz, percebendo a inconveniência da presença do público, poderá limitar o ingresso de pessoas à audiência. É também um ato personalíssimo, na medida em que somente o próprio réu pode a ele submeter-se, vedada, assim, a possiblidade de sua realização através de representação. O interrogatório é ainda contraditório, quando admite a intervenção das partes (art. 188). A oralidade é outra característica do interrogatório, tendo em vista que consiste no único ato processual no qual o réu pode, de viva voz, dar ao juiz sua explicação para os fatos que se lhe imputam.

3.3. Confissão

Consiste na admissão por parte do suposto autor da infração, de fatos que lhe são atribuídos e que lhe são desfavoráveis. O reconhecimento da infração por alguém que não é sequer indiciado não é tecnicamente confissão, e sim autoacusação. Confessar é reconhecer a autoria da imputação ou dos fatos objeto da investigação preliminar por aquele que está no polo passivo da persecução penal. Desse modo, com relação a sua natureza jurídica, pode ser classificada como um meio de prova admissível para a demonstração da verdade dos fatos.

Classifica-se a confissão como simples ou qualificada. Simples quando o acusado limita-se a admitir a prática do crime e qualificada quando, embora confessando o delito, invoca algum benefício em seu favor, capaz de excluir o crime ou diminuir-lhe a pena. Pode ser judicial, quando produzida em juízo, ou extrajudicial, quando formulada fora dos autos da ação penal, geralmente na fase de inquérito policial. Fala-se, ainda, em confissão explícita, quando o agente admite, expressamente, ser o autor do delito. Ou implícita, quando o autor busca ressarcir, à vítima, os danos oriundos do crime que cometeu.

Outras das características da confissão estão previstas no art. 200 do CPP. A primeira delas é a retratabilidade, ou seja, a possibilidade que tem o agente de desdizer o que dissera anteriormente, de retirar a confissão anterior. É comumente utilizada quando, em juízo, o acusado volta atrás em relação ao que dissera antes, ao ser interrogado na fase policial. A outra característica é a divisibilidade, isto é, o teor da confissão pode ser desmembrado, tomado em partes, já que o magistrado pode se convencer de parte do que foi admitido, e desconsiderar o restante. Por fim, vale ressaltar que a confissão do réu serve para configurar a circunstância atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal.

3.4. Perguntas ao Ofendido

O ofendido é o titular do direito lesado ou posto em perigo, é a vítima, sendo que suas declarações, indicando a versão que lhe cabe dos fatos, têm natureza probatória. A vítima não se confunde com a testemunha, pois não é previamente compromissada e, se mentir, não responderá pelo crime de falso testemunho, podendo, a depender do caso concreto, praticar o delito de denunciação caluniosa do art. 339 do Código Penal, ou ainda, de comunicação falsa de crime ou contravenção (art. 340 do CP). Ademais, sua oitiva independe do prévio arrolamento pelas partes, sendo que o juiz tem o dever jurídico de ouvi-la.

Embora não sendo uma testemunha, não se ignora o caráter de meio de prova das declarações do ofendido. Devido a isso, considerou o legislador relevante sua oitiva, dedicando-lhe um capítulo próprio na parte concernente à prova e a jurisprudência tem especial apreço pela palavra da vítima. No depoimento do ofendido, vigora o princípio do contraditório e, por isso, é livremente admitido que as partes formulem perguntas dirigidas à vítima em audiência.

        3.5. Prova Testemunhal

Considera-se testemunha a pessoa desinteressada que declara em juízo o que sabe sobre os fatos, em face das percepções colhidas sensorialmente. Ganham relevo a visão e audição, porém, nada impede que a testemunha amealhe suas impressões através do tato e do olfato. Em geral, o testemunho é dado oralmente, e a pessoa declarará, perante o juiz, os fatos que presenciou. É vedado à testemunha levar seu depoimento por escrito, mas ela poderá consultar apontamentos. Além disso, a testemunha deve prestar compromisso de dizer a verdade, caso contrário, poderá ser processada por mentir em juízo, pelo crime de falso testemunho (art. 342 do Código Penal).

As testemunhas devem ser ouvidas individualmente, sendo que o juiz pode, nos termos do artigo 209 do CPP, ouvir a testemunha de ofício. Os depoimentos são reduzidos a termo. Primeiramente o juiz faz as perguntas, posteriormente a acusação e pôr fim a defesa, sendo que tal ordem não pode ser alterada.

Em princípio, toda pessoa pode ser testemunha. No entanto, o artigo 207 do CPP prevê que as pessoas que, em razão da função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo são proibidas de depor, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.

Aponta a doutrina os caracteres da prova testemunhal, sendo eles: judicialidade, ou seja, para que um testemunho seja capaz de fundamentar uma sentença, é preciso que ele tenha sido prestado em juízo, com a observância dos diversos princípios pertinentes ao Processo Penal. Fala-se, ainda, no princípio da objetividade, segundo o qual a participação da testemunha é apenas informativa e não opinativa, razão pela qual deve abster-se de emitir opiniões pessoais sobre os fatos. Outra característica é a oralidade. Assim, é vedado à testemunha que leve seu depoimento previamente escrito, devendo ele ser prestado de viva voz, perante o juiz e os demais sujeitos processuais.

3.6. Do Reconhecimento de pessoas e coisas

Segundo Tourinho Filho, reconhecimento é o “ato pelo qual se faz a verificação e confirmação da identidade de pessoa ou coisa. No reconhecimento há a fusão de uma percepção presente com uma pretérita.” Visa à identificação de acusado, testemunha, ofendido ou objeto. Não existe, no termo, diferenciação do seu significado costumeiro; sua execução, todavia, deve ser cautelosa. Bem lembra o citado autor que a memória humana se distancia das lembranças e detalhes à medida que o tempo decorre, além de estar suscetível a enganos dada a elevada semelhança física existente entre algumas pessoas ou coisas. Por tal razão, assevera o mesmo, ao tratar do reconhecimento de pessoas, que “de todas as provas contidas no nosso diploma processual penal, esta é a mais falha, a mais precária.”

O art. 226 do CPP fixa os atos sequenciados que devem operar-se para o reconhecimento de pessoas, o qual pode ser realizado na fase preliminar ou processual. Ainda que refira-se apenas à pessoa, aplica-se, no que couber, analogicamente, ao de objetos:

  Art. 226.  Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:

I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;

Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;

III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;

IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

Parágrafo único.  O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.

Na circunstância de haver mais de um indivíduo a praticar o reconhecimento, devem eles efetuá-lo separadamente, não permitindo-se, inclusive, sua comunicação.

Os reconhecimentos fotográfico e fonográfico submetem-se aos mesmos requisitos supracitados. Todavia, apesar de sua utilização (principalmente do primeiro), constituem provas perigosas em virtude do alto nível de equivocidade que as rodeia.  Entendem o STF e STJ que sua força probante reside apenas quando analisadas e ponderadas em conjunto com os demais elementos de prova existentes. 

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Quando realizado em juízo, o reconhecimento, diverge a doutrina sobre a possibilidade ou não de manter-se escondido quem o fará. Pelos princípios da publicidade, ampla defesa e do contraditório, entende-se pela impossibilidade de aplicar-se o inciso III do art. 226. Em posição oposta, está, a exemplo, Nucci, ao defender que “para que se possa invocar ter havido o reconhecimento de alguém ou de algo, é fundamental a preservação da forma legal. (...) em outros termos, o reconhecimento exige a formalidade (art. 226, C.P.P.)”.

3.7. Acareação

Consiste em pôr em presença, uma da outra, duas ou mais pessoas cujos depoimentos apresentem conflitos entre si, para que expliquem os desconcertos. Segundo Tourinho Filho “não basta, contudo, a simples dissensão; é preciso que esta incida sobre pontos relevantes do fato objeto do processo, ou de alguma de suas circunstâncias importantes”. Pode ser praticada durante a fase preparatória ou processual, não consistindo em diligência obrigatória, mas dependente do juízo da autoridade que a venha ter como necessária, ou do requerimento das partes.

São passíveis de acareação os acusados entre si, acusado e testemunha, testemunhas entre si, acusado e ofendido, testemunha e ofendido, ou mesmo os ofendidos entre si. O procedimento dá-se com a intimação dos acareados, os quais serão postos face a face na presença da autoridade, que, por sua vez, lerá o que fora dito antes por eles, com destaque para os pontos contraditórios, depois indagará, a cada um dos acareados de cada vez, se, considerando a declaração alheia, confirma seu depoimento. A modificação será levada a termo, assinado por todos os participantes do ato e subscrito pelo escrevente. Mantidas as declarações, a autoridade a apenas consignar o que já haviam declarado.

Residindo um dos acareados em outra comarca, o morador daquela onde tramita o processo será chamado para dar esclarecimentos acerca do que declarara, havendo a possibilidade de mudar sua versão. Porém, não vindo isto a ocorrer, será enviada precatória à comarca do ausente, onde o juízo deprecado procederá de forma similar ao deprecante para com o acariado. É uma situação de acareação onde não há simultânea presença física dos indivíduos. Prevê Nestor Távora que “ [..] a acareação, em tais situações, será ordinariamente realizada por videoconferência”.

        3.8. Documentos

Art. 232.  Consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares.

Parágrafo único.  À fotografia do documento, devidamente autenticada, se dará o mesmo valor do original.

Para o Código, seriam documentos os escritos em papel (material, substrato de escrito), cabendo citar a esclarecedora distinção ensinada por Tourinho Filho de que “enquanto o instrumento é o escrito pré-constituído para prova (recibo, etc.), os papeis não são, embora eventualmente possam exercer tal função: uma carta, um anúncio etc.”. Tal conceito estrito, porém, não convém aos dias atuais, como bem lembra Nestor Távora e Rosmar Alencar: “ [...] em face da interpretação progressiva da lei, considera-se documento qualquer objeto representativo de um fato ou ato relevante [...], v.g., fotos, desenhos, esquemas, planilhas, e-mails, figuras digitalizadas”.

O documento pode ser público (quando elaborado por funcionário público no exercício de sua função, bem como aqueles que a lei tenha equiparados a estes) ou particulares ( elaborado por particular), originais ( escritos na forma genuína) ou cópias (reprodução do original), nominativos ( contém a indicação da pessoa que produziu o escrito) ou anônimos ( não indica o seu responsável).

A produção de documentos ocorre espontaneamente, quando apresentados pelas partes, ou de forma coacta, quando determinada pelo magistrado (por meio de requisição ou de busca e apreensão), e sua apresentação é permitida, como regra geral, em qualquer fase do processo, sendo apta a parte adversária a manifestar-se sobre a prova. As exceções encontram-se nos artigos 233 e 479 do CPP.  Veda o primeiro o uso de cartas interceptadas ou ilegalmente obtidas como provas, sem obstar, todavia, que o destinatário as apresente em sua defesa, ainda que sem consentimento do signatário. Já o artigo 479 CPP prevê que durante o julgamento no júri, a apresentação de documento se sujeita a sua prévia juntada aos autos com antecedência mínima de 3 dias úteis

A dúvida quanto à autenticidade ou veracidade do documento permite a abertura do incidente de falsidade documental, por meio do qual far-se-á o exame daquele.

Documentos produzidos em língua estrangeira podem ser imediatamente juntados aos autos, mas a sua tradução não é considerada imprescindível. Porém, se necessária, será realizada por tradutor oficial, e, na ausência deste, por pessoa idônea nomeada pelo juiz. Para Távora e Alencar: “ caso o documento seja realmente utilizado, entendemos que a necessidade de tradução é presumida, pois [...] a publicidade dos autos e a necessidade de acessibilidade do conteúdo assim o exigem”.

Findo o processo, e não ocorrendo motivo para que os documentos originais permaneçam nos autos, podem eles ser restituídos, mediante requisição da parte produtora e oitiva do Ministério Público, permanecendo retidas apenas suas cópias. Antes do trânsito em julgado da sentença, e inexistindo necessidade de sua manutenção nos autos, os documentos apreendidos por determinação da autoridade deverão ser restituídos ( art. 118, CPP).

 3.9. Indícios e Presunções

Art. 239.  Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

Tourinho Filho, em seu CPP comentado, traz o ensinamento de Mittermayer, para quem:

O indício é um fato em relação tão precisa com outro fato, que de um juízo chega a outro por uma conclusão natural. É preciso, então, que haja na causa dois fatos, um verificado e outro não provado, mas que se trata de provar racionalmente do conhecido para o desconhecido; aplicado ao processo criminal, o indício é o fato, circunstância acessória que se prende ao fato principal, e que por isso concorre para se chegar à conclusão, ou de ter sido cometido o crime, ou de ter nele tomado parte um indivíduo determinado, ou de ter sido o crime consumado deste ou daquele modo. (C.J.J.A. Mittermayer, Tratado da prova em matéria criminal, p 361)

Serve à formação do pensamento e da convicção do julgador, o indício, devendo ser considerado em relação a todo o conjunto de provas e demais indícios que hajam sido levantados pelas investigações e pela instrução processual. 

A presunção é, nas palavras de Távora, “ o conhecimento daquilo que normalmente acontece, a ordem normal das coisas, que uma vez positivada em lei, estabelece como verídicos determinados acontecimentos”. Ele constitui regra geral e abstrata sobre eventos.

O indício pode ser positivo (indica a presença de fato ou elemento que se quer provar) ou negativo (aponta a impossibilidade lógica de uma alegação). Já a presunção divide-se em: homnis, aquela que trata de fatos da vida cotidiana; e Juris, a qual é positivada. Esta subdivide-se em presunção relativa (ou juris tantum), quando o fato tido, a priori, como verdadeiro, admite prova em contrário, e presunção absoluta (juris et de jure), quando inadmite prova que contrarie a declaração da lei.

        3.10. Busca e Apreensão

Busca é a procura de objetos ou pessoas realizada pela autoridade competente, ou por mando desta, para fins legais. A apreensão é a medida que sucede a busca. Tendo sido encontrado o bem ou pessoa, far-se-á sua apreensão. A existência de cada momento, porém, não é imprescindível ao outro, de tal modo que é possível a busca se apreensão (quando frustrada a diligência primeira), bem como a apreensão sem busca – a exemplo, o indivíduo que entrega o bem à autoridade.

O Código de Processo Penal arrola tal diligência como meio de prova. Esta classificação, porém, não abarca plenamente as características do instituto. É certeira a lembrança de Távora, ao reproduzir a sensata lição de Marcellus Polastris Lima, para o qual “[...] a busca e apreensão, com finalidade de preservar elementos probatórios ou assegurar reparação do dano proveniente de crime, ontologicamente, não é prova, tendo, ao contrário, natureza jurídica de medida cautelar que visa a obtenção de uma prova para o processo .[..]”

  Art. 240.  A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 1o  Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

a) prender criminosos;

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;

d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;

e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

g) apreender pessoas vítimas de crimes;

h) colher qualquer elemento de convicção.

§ 2o  Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.

A busca denomina-se domiciliar quando deva passar-se na residência de um indivíduo; neste caso, sujeitando-se ao direito fundamental presente no art. 5º, XI, que determina a impossibilidade de violação de tal asilo, “salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial”. Entenda-se o conceito de domicílio segundo o de casa presente no art. 150, § 4ª CP, que a tem como qualquer compartimento habitado, aposento ocupado de habitação coletiva ou compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. Já o dia compreende o intervalo que vai das 6 até as 18h. Esta forma de busca torna imprescindível a expedição de mandado judicial para que possa ser realizada (exceto quando operada pelo próprio magistrado).

O mandado de busca e apreensão, justamente por seu caráter de perturbação à direitos alheios, não pode ser genérico nem carente de fundamentação. É essencial a indicação, o mais precisa o possível, da casa a ser atingida e a identificação de seu proprietário ou morador – no caso de busca pessoa, denominação ou sinais que permitam a identificação do indivíduo submetida às diligência -, os motivos e fins do procedimento e a subscrição pelo escrivão e assinatura da autoridade que expedir a ordem. Sua execução pode ficar a cargo de oficial de justiça e/ou da polícia, que, antes de penetrarem na casa, mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta. Havendo desobediência, esta será arrombada e forçada a entrada. Em casa habitada, a busca será feita de modo que não moleste os moradores mais do que o indispensável para o êxito da diligência.  Se é determinada a pessoa ou coisa que se vai procurar, o morador será intimado a mostrá-la. Recalcitrando ele, será permitido o emprego de força contra coisas existentes no interior da casa, para o descobrimento do que se procura. Ausentes os moradores, ou sendo incapazes para consentir os habitantes presentes na casa no momento da diligência, proceder-se-á a mesma, sendo qualquer vizinho intimado a assisti-la. Descoberta a pessoa ou coisa que se procura, será imediatamente apreendida e posta sob custódia da autoridade ou de seus agentes. Encerrada a medida, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testemunhas presenciais. Não sendo encontrada a pessoa ou coisa procurada, os motivos da diligência serão comunicados a quem tiver sofrido a busca, se o requerer.

Segue o mesmo procedimento a busca efetuada em compartimento habitado ou em aposento ocupado de habitação coletiva ou em compartimento não aberto ao público, onde alguém exercer profissão ou atividade.

A diligência que, porventura, esteja em iminência de prolongar-se para muito além das 18h, deverá ser interrompida, dês que não represente considerável prejuízo.

Para o fim de apreensão do que se procura, indo no seguimento de pessoa ou coisa, é possível que os executores da diligência venham a adentrar território de outra comarca, ainda que localize-se esta em diferente Estado. Nessa hipótese, os mesmo deverão apresentar-se à autoridade local competente antes ou após sua busca, a variar segundo a urgência desta. Determina o § 1o do art. 250 CPP que:

Entender-se-á que a autoridade ou seus agentes vão em seguimento da pessoa ou coisa, quando:

a) tendo conhecimento direto de sua remoção ou transporte, a seguirem sem interrupção, embora depois a percam de vista;

b) ainda que não a tenham avistado, mas sabendo, por informações fidedignas ou circunstâncias indiciárias, que está sendo removida ou transportada em determinada direção, forem ao seu encalço.

Existindo fundadas razões por parte da autoridade local para duvidar da legitimidade das pessoas as quais, nas referidas diligências, entrarem pelos seus distritos, ou da legalidade dos mandados que apresentarem, poderão exigir as provas dessa legitimidade, resguardando-se de frustrar a diligência

Os limites do mandado de busca e apreensão são rígidos, impossibilitando-se a ampliação do seu objeto. Excepciona tal regra, segundo Távora e Alencar, apenas quando do encontro de “elementos que autorizem a prisão em flagrante, notadamente quando simbolizarem a existência de crime permanente”.

A busca pessoal, por sua vez, segundo Tourinho Filho “é a que se faz nas vestes ou nos objetos que a pessoa traga consigo (valises, pastas, bolsas etc.), como também imediatamente sobre o corpo, e, às vezes, até dentro do corpo”.  No caso de automóveis, alerta Távora de que se este “não é apenas um meio de transporte, sendo utilizado como residência, como ocorre com o trailer, alguns barcos, a parte traseira do interior da boleia do caminhão, o tratamento é o mesmo dado à busca e apreensão domiciliar”.

A busca em mulher será feita por outra mulher, desde que não configure retardamento ou prejuízo da diligência.

É dispensável o mandado de busca pessoal quando da realização de prisão (para a revista do preso), quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou, ainda, quando a durante o curso de busca domiciliar.

A busca e apreensão pode ser determinada de ofício ou a requerimento de alguma das partes, lembrando-se que a busca domiciliar está adstrita à clausula de reserva jurisdicional. Não configurando-se risco à inviolabilidade do domicílio, é desnecessário a emissão de mandado judicial para que a autoridade policial possa agir.

Esta diligência pode ser efetuada anteriormente ao inquérito policial, durante a investigação preliminar, na fase processual, na fase recursal e até mesmo na fase executória.

3.11. Interceptação Telefônica

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

Regulamenta a possibilidade, constitucionalmente prevista, de interceptação telefônica, a lei 9.296 de 24 de julho de 1996, a qual aplica-se, também, à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

As interceptações telefônicas apresentam-se como lícitas, se adequadas aos ditames legais, e ilícitas, estas popularmente conhecidas como “grampos”, quando em desarmonia com a lei. Este instituto pressupõe a existência de três sujeitos: dois interlocutores e um interceptador do diálogo telefônico daqueles, sem que os mesmo tenham conhecimento de tal ato. Sendo de conhecimento de um dos interlocutores a captação da conversa, está-se diante de uma escuta telefônica, a qual também insere-se no corriqueiro sentido atribuído à palavra “grampo”. Há divergência doutrinária quanto às escutas estarem ou não abrangidas pela supracitada norma. Os posicionamentos dividem-se em: licitude da escuta mediante prévio mandado, licitude da escuta ainda que efetuada sem mandado e ilicitude da escuta por violar direito fundamental.

Gravação telefônica, em sentido estrito, é o meio de prova no qual o diálogo é registrado por um dos interlocutores à indiferença ou ignorância do outro – nesta última hipótese fala-se em gravação clandestina. Prescinde de mandado. Em uma concepção larga, é a denominação dada ao fruto da interceptação ( termo, aqui, também em sentido amplo, abarcando a interceptação, a escuta e a gravação) telefônica.

Observe-se que o registro de confissão por parte de indiciado é prova ilícita se decorrente de interrogatório clandestino, este realizado pela autoridade policial sem asseguração dos direitos e garantias fundamentais processuais e constitucionais. 

O registro telefônico é o histórico das chamadas efetuadas de um número a outro, e encontra-se sob guarda da empresa concessionária do serviço telefônico. Sua obtenção não rege-se pela lei 9. 296/96, nem está protegido pelo art. 5, inc. XII, CF, na mesma medida que as gravações, em virtude de não tratar-se ele de comunicação atual, presente, de dados, mas de dados salvos, armazenados (deitando-se assim sobre a ideia de algo pretérito). O acesso aos registros depende de autorização judicial ou requisição de autoridade com atribuição legal para tal prática.

Interceptação ambiental é, nas palavra de Távora o “ [...] registro de conversa em sede diversa da telefônica ou digital, ou seja, a captação de áudio e/ou de imagem ambiente, realizada por terceira pessoa [...]”.  Este meio de prova é válido quando ocorra em lugar público ou de acesso deste, se sem autorização do juiz e sem conhecimento dos interlocutores quando possíveis de favorecer a defesa do imputado, ou, logicamente, quando resulte de autorização judicial. A gravação sem autorização do magistrado e sem consentimento dos envolvidos na conversa embebe a prova de ilicitude, não tendo a permissão dada por apenas um dos sujeitos o condão de purgá-la.

A gravação ambiental, análoga à telefônica, não abarca terceiro alheio ao diálogo, sendo realizada por um dos interlocutores, à indiferença ou ignorância do outro. Ela é lícita e prescinde de permissão judicial.

Disciplinada também pela lei 9.296/96 é a interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. Sistema de telemática abarca um complexo de tecnologias de transmissão de dados à distância para fins comunicação, estando incluso o próprio sistema de informática.  O STJ já decidiu:

REsp 879181 / MA: [...] 4. - É competente o Juízo Cível para o processamento e julgamento de ação cautelar que pede informação a respeito do nome do responsável pelo envio de e-mail difamatório, que pode ser obtida por meio do IP (Internet Protocol) do computador do usuário, uma vez que não se caracteriza quebra de sigilo por meio de interceptação telefônica, não se enquadrando, pois, na Lei 9.296/96. 5. - É juridicamente possível o pedido à empresa de telefonia de exibição do nome do usuário de seus serviços que, utiliza-se da internet para causar danos a outrem, até por ser o único modo de o autor ter conhecimento acerca daqueles que entende ter ferido a sua reputação. [...]

Na fase de investigação preliminar, a concessão de permissão para a interceptação depende de requerimento do Ministério Público ou de representação da autoridade policial com prévia oitiva daquele. Já no momento processual, cabe requisição do Ministério Público ou determinação de ofício pelo juiz. Entende a doutrina, majoritariamente, que o ofendido por meio de seu advogado, o querelante ou o assistente da acusação podem, também, requere-la.

No que tange à suas formalidades, segundo o art. 8º da Lei 9.296/96 , a interceptação de comunicação passar-se-á em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas. Se ocorrer o incidente ocorrer na fase inquisitiva, será apensado imediatamente antes da autoridade emitir relatório conclusivo; se na processual, dar-se-á sua junção segundo o período do seu termino, podendo ela passar-se após recebida a denúncia ou queixa, ou após a audiência de instrução e julgamento e antes das alegações finais.

A violação da privacidade do indivíduo é medida excepcional, devendo o pedido de interceptação evidenciar o fummus comissi delicti (indício razoável da autoria ou participação em fato criminoso) e periculum in mora ( urgência e indispensabilidade da diligência), bem como é  obrigatório à sentença que lhe conceda apresentar-se fundamentada, não constituindo, ademais, prerrogativa irrestrita, como se percebe pela leitura dos seguintes artigos da lei 9.296/96.

Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

        I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

        II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

        III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

        Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

Art. 4° O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados.

[...]

Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

Curial é a lembrança de que a investigação deve direcionar-se para fim de apuração criminal (cuja sanção cominada seja de reclusão), todavia, seus frutos podem ser dispostos para a instrução de fato conexo apenado com detenção, ou como prova emprestada para inquirição de ilícitos civis ou administrativos.

O prazo legal de duração para a interceptação é de 15 dias, prorrogáveis por igual período. Entende o STF, diante da omissão da lei quanto ao número de vezes que possa ocorrer a prorrogação, pela possibilidade ilimitada de renovação do prazo.

Deferido o pedido, cabe sua execução à polícia judiciária ( e, a depender das circunstâncias do caso concreto, à polícia militar), que poderá requisitar  serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público. A autoridade deverá cientificar o Ministério Público, sendo-lhe facultado o acompanhamento da atuação policial.  Se diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição ( registro escrito do conteúdo do áudio. Observe-se que entendem o STF e o STJ, em posicionamento jurisprudencial, que basta a transcrição das partes essenciais das conversas, desde que possibilitado às partes acesso à mídia em sua integridade). Findada, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas.

O encontro fortuito de provas ou indícios relativos a crimes ou pessoas conexos ou diversos dos originalmente visados não pode ser desconsiderado, sendo tais informações admitidas, segundo doutrina majoritária e posicionamento jurisprudencial do STF e STJ.

Partindo de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada, por meio do incidente de inutilização, a gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial. Isso dar-se-á durante o inquérito, a instrução processual ou mesmo após esta. O incidente será assistido pelo Ministério Público, e, facultativamente, pelo acusado ou seu representante legal.

Prevê, ainda, a lei 9.296/96:

 Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

 Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

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Sobre as autoras
Ana Dulce Fonseca Oliveira Araújo

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão

Lorena Costa Silva

Graduanda de Direito da Universidade Federal do Maranhão

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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