INTRODUÇÃO
O presente artigo busca analisar julgado do Superior Tribunal de Justiça, datado de 2009, a respeito da possibilidade de penhora do bem de família quando há despesas de condomínio em aberto.
Inicialmente, pretende-se situar o atual mercado imobiliário brasileiro e analisar as obrigações da moradia em condomínio, para, em seguida, falar da dívida condominial e de suas consequências. Após, chegar-se-á à decisão do STJ em comento, a qual possibilitou, em caráter de exceção, a penhora do bem de família. Com base na legislação, na jurisprudência e na doutrina, será feita uma análise acerca do acerto do julgado do STJ.
DESENVOLVIMENTO
O mercado imobiliário brasileiro, em especial no sul, nunca esteve tão aquecido e próspero para negócios como nos últimos anos. Considerando a existência de vários tipos de financiamento e o melhor acesso ao crédito imobiliário, o sonho da aquisição da casa própria é uma realidade para a população.
De outra banda, tendo em conta o fenômeno da verticalização das cidades, a moradia em condomínio praticamente deixou de ser uma escolha e virou uma imposição. Há vantagens nesse tipo de moradia, como, por exemplo, a presença de maior segurança, a existência de áreas de lazer e a presença de maior vida social pelo convívio com os vizinhos.
No entanto, não se pode olvidar que a vida em condomínio traz sérias obrigações aos condôminos, consoante disposição do artigo 1.336 do Código Civil, salientando-se que a taxa de condomínio deve ser adimplida por cada unidade, sob pena de serem tomadas medidas para o seu recebimento.
No ponto, cumpre sinalar que, infelizmente, uma parcela da população brasileira ainda vive a cultura do não pagamento de suas contas, e essa conduta compromete a figura do condomínio. Ora, no momento em que um condômino deixa de pagar a taxa de condomínio por mais de 03 (três) meses, por exemplo, evidentemente que essa conduta acarretará problemas na administração do condomínio, o qual poderá, inclusive, ter de ingressar em juízo contra a unidade devedora para receber os valores em atraso. A situação ficará ainda mais complicada na hipótese de procedência de demanda, caso o devedor não cumpra a obrigação a que fora condenado e deixe transcorrer o prazo para pagamento sem se manifestar a respeito.
Nesse caso, o condomínio poderá pedir ao juízo a penhora dos bens do devedor. E, tendo em conta que os bens imóveis constam no rol previsto pelo artigo 835 do novo Código de Processo Civil e podem ser penhorados, indaga-se: a própria unidade privativa, ainda que seja o único imóvel do devedor e “bem de família”, poderá ser penhorada?
Antes de mais nada, cabe ressaltar que, em 29 de março de 1990, ingressou no cenário jurídico pátrio a Lei n. 8.009, a qual tornou impenhorável o imóvel residencial próprio do casal por dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges, ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam. Conforme explica Rui Ribeiro de Magalhães, “enquanto o imóvel destinar-se ao abrigo da família, não há como renunciar à tutela protecionista da lei, que a todo tempo o estará protegendo.”
Todavia, o art. 3º da Lei 8.009/1990 prevê exceções à impenhorabilidade, entre as quais "para a cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em relação ao imóvel familiar”.
A decisão do STJ, objeto desta análise, levou em conta a exceção em tela e posicionou-se sobre o tema no sentido de que o bem de família pode ser penhorado para satisfazer o débito de condomínio. Na verdade, a decisão em comento levou em conta precedente do STF, quando este declarou a constitucionalidade do inciso III do artigo 3º da Lei n. 8.009/90.
A seguir, segue a ementa da decisão, de relatoria do Ministro Luiz Fux:
ROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO. DÉBITO PROVENIENTE DO PRÓPRIO IMÓVEL. IPTU. INTELIGÊNCIA DO INCISO IV DO ART. 3º DA LEI 8.009/90.
1. O inciso IV do art. 3º da Lei 8.009/1990 foi redigido nos seguintes termos: “Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;”
2. A penhorabilidade por despesas provenientes de imposto, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar tem assento exatamente no referido dispositivo, como se colhe nos seguintes precedentes: no STF, RE 439.003/SP, Rel. Min. EROS GRAU, 06.02.2007; no STJ e REsp. 160.928/SP, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJU 25.06.01.
3. O raciocínio analógico que se impõe é o assentado pela Quarta Turma que alterou o seu posicionamento anterior para passar a admitir a penhora de imóvel residencial na execução promovida pelo condomínio para a cobrança de quotas condominiais sobre ele incidentes, inserindo a hipótese nas exceções contempladas pelo inciso IV do art. 3º, da Lei 8.009/90. Precedentes. (REsp. 203.629/SP, Rel. Min. CESAR ROCHA, DJU 21.06.1999.)
4. Recurso especial a que se nega provimento.
(STJ – REsp 1100087 / MG, Relator Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, j. 12/05/2009, DJe 03/06/2009)
O raciocínio imposto pela decisão, pois, é admitir a penhora de imóvel residencial na execução promovida pelo condomínio para a cobrança de quotas condominiais sobre ele incidentes, inserindo a hipótese nas exceções contempladas pelo inciso IV do art. 3º, da Lei 8.009/90.
Os autores Flávio Tartuce e José Fernando Simão, em obra civilista, explicam didaticamente o acerto da decisão supra, cabendo transcrever o seguinte excerto:
Quando há menção às contribuições relativas ao imóvel, segundo a jurisprudência, estão incluídas as dívidas decorrentes do condomínio, eis que esse inciso trata das obrigações propter rem ou ambulatórias (RSTJ 107/309). Esse entendimento foi confirmado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, que entendeu que o caso é de interpretação declarativa e não extensiva: ‘Bem de Família: Despesas Condominiais e Penhorabilidade. A Turma negou provimento a recurso extraordinário em que se sustentava ofensa aos artigos 5º, XXVI, e 6º, ambos da CF, sob a alegação de que a penhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, IV, da Lei 8.009/1990 não compreenderia as despesas condominiais (‘Art. 3º: A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo de movido:... IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar’). Entendeu que, no caso, não haveria que se falar em impenhorabilidade do imóvel, uma vez que o pagamento de contribuição condominial (obrigação propter rem) é essencial à conservação da propriedade, isto é, à garantia da subsistência individual e familiar – dignidade da pessoa humana. Asseverou-se que a relação condominial tem natureza tipicamente de uma relação de comunhão de escopo, na qual os interesses dos contratantes são paralelos e existe identidade de objetivos, em contraposição à de intercâmbio, em que cada parte tem por fim seus próprios interesses, caracterizando-se pelo vínculo sinalagmático’ (STF, RE 439.003/SP, Rel. Eros Grau, j. 06.02.2007, Informativo 455, 14 de fevereiro de 2007). Realmente, se o caso fosse de interpretação extensiva, a exceção não se aplicaria, pois não se pode sacrificar a moradia, valor constitucional, com tal técnica de interpretação. (TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil, v. 5: direito de família. 5. Ed. São Paulo: Método, 2010, p. 472-473)
Em nosso entendimento, a decisão proferida pelo STJ merece aplauso, uma vez que, se não fosse excepcionada a regra da impenhorabilidade do bem familiar ao caso de pagamento de dívida condominial, teríamos uma situação de injustiça para os demais condôminos que, além de pagaram as suas obrigações mensais em dia, teriam de suportar os encargos da unidade em mora.
Ademais, a própria legislação civil contém regras que corroboram tal posição, como, por exemplo, a redação do artigo 1.715 do Código Civil, que assim leciona: “O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio”.
Ora, como já dito, evidentemente há várias vantagens em residir num condomínio, porém há de ficar claro que os outros moradores não podem ser prejudicados pelo morador inadimplente. As exceções previstas na lei e declaradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, buscam, em nosso entendimento, evitar que os moradores desavisados (ou, também, aqueles mal intencionados) deixem de cumprir a sua obrigação mensal de pagar a dívida rateada entre os condôminos.
Consoante Álvaro Villaça Azevedo, a despesa do condomínio, a qual se caracteriza como obrigação de natureza propter rem (gerada pela própria coisa), não pode deixar de ser paga, sob pena de execução do bem que a gerou, ainda que seja bem de família. E finaliza, no tocante à penhora: “[...] é inevitável, pois todos os condôminos têm de pagar as despesas condominiais, sob pena de um locupletar-se à custa do outro.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, ainda que o único bem imóvel seja considerado bem de família, não se aplicam as regras da impenhorabilidade ao devedor de despesas do condomínio, cabendo, pois, execução judicial e posterior penhora do imóvel para satisfação do débito, consoante determina a legislação e a jurisprudência - inclusive o acertado precedente do STJ analisado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Direito de família e o novo Código Civil. 2. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 217.
MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Direito de família no novo código civil brasileiro. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 268-269.
TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil, v. 5: direito de família. 5. Ed. São Paulo: Método, 2010, p. 472-473.